A viagem de um antiquário pela província de São Paulo: excertos do diário de Francisco Manuel Raposo d’Almeida, c. 1850

organização de Francisco de Carvalho Dias de Andrade

ANDRADE, Francisco de Carvalho Dias de (org.). A viagem de um antiquário pela província de São Paulo: excertos do diário de Francisco Manuel Raposo d’Almeida, c. 1850. 19&20, Rio de Janeiro, v. XVII, n. 1-2, jan.-jun. 2022. https://doi.org/10.52913/19e20.xvii12.fp01   

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Não é sempre que são encontrados novos relatos de viajantes estrangeiros pelo Brasil oitocentista. Muito menos que eles possuam um pendor tão forte para o registro e a descrição de edifícios e lugares históricos da nova nação. Na verdade, se tornou proverbial entre historiadores o descaso generalizado dos viajantes estrangeiros pelos sítios históricos e bens artísticos aqui existentes. Se o que se convencionou chamar de “barroco mineiro” mereceu apenas comentários depreciativos de nomes como Saint-Hilaire e Richard Burton, a regra geral foi um amplo silêncio sobre os lugares ligados ao passado colonial.

Vários fatores pesaram para esse quadro: primeiramente, havia a disparidade temporal entre o extenso passado europeu e o “pequeno passado” das novas nações americanas - condição ainda mais exacerbada pela inexistência de ruínas de templos e cidades pré-coloniais no território do país.[1] Além disso, cumpre notar que os relatos oitocentistas foram escritos por europeus pouco familiarizados com a cultura luso-brasileira, como ingleses, alemães e americanos. Mesmo autores familiarizados com o catolicismo como Saint-Hilaire e Jean-Baptiste Debret não se revelaram bons intérpretes das manifestações religiosas brasileiras e dos bens artísticos e arquitetônicos associados. Já o bacharel açoriano Francisco Manuel Raposo d’Almeida (1817-1886) parece ter estado à distância exata para um juízo mais equilibrado acerca do passado nacional, vide a avaliação positiva do legado da atuação jesuítica no período colonial, tida como perniciosa por muitos letrados da época.[2]     

Assim, o relato de Raposo d’Almeida - auto exilado no Brasil após participar de revoltas liberais malogradas em Portugal - adquire grande importância. Ele não só compartilhava grande parte das referências históricas e culturais dos brasileiros com quem conviveu, como demonstrava uma rara vocação no meio intelectual de sua nova pátria: a pesquisa histórica e antiquária, área de estudos na qual mais se destacou, como se nota pelo teor de seu relato. Sua importância para a história e o antiquarismo se deve tanto ao grau em Humanidades obtido na Universidade de Coimbra (algo em si já raro entre os portugueses para cá emigrados à época), como à influência do célebre escritor Almeida Garret (1799-1854), com quem convivera desde a tenra idade nos Açores e que, em Portugal, se tornou o seu tutor político e intelectual. Em Coimbra, certamente teve contato com a vasta literatura antiquária europeia dos séculos XVIII e XIX e cumpre lembrar que Almeida Garret, além de romancista, chegou a ser nomeado cronista-mor do reino português, em 1838.

 A formação prestigiosa, contudo, não se fez acompanhar da disciplina e meticulosidade necessária ao ofício. Ao contrário, Raposo d’Almeida viveu uma vida inquieta e andeja mesmo em seus últimos anos, tendo morado em várias cidades de diferentes províncias, atuando como advogado, jornalista, dono de jornais, romancista de folhetins, professor e dono de escolas. Em todas elas, procurou encontrar antigos documentos, identificar monumentos e sítios históricos e - caso único entre os eruditos de sua época - teve participação ativa em ao menos quatro institutos históricos regionais. Além de ter sido membro do IHGB desde 1847, participou de uma malograda tentativa de estabelecer um Instituto Histórico em São Paulo, em 1851; contribuiu com o primeiro Instituto Histórico baiano durante os anos em que morou em Salvador (1863-65); já em Pernambuco, tornou-se sócio do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco; e, em 1870, fundou o Instituto Histórico, Arqueológico e Geográfico de Goiana-PE. Ali realizou a sua maior contribuição para o antiquarismo nacional: a localização e identificação do marco de Itamaracá, padrão português instalado nas primeiras décadas do século XVI e desde então exposto na sede do IAHGP em Recife. Destacava-se também como relator de investigações de sítios históricos, como antigos fortes da guerra holandesa e de aldeias e aldeamentos já desaparecidos. Na mesma época, publicou o artigo “Breve memória sobre o processo mais fácil de investigar, colecionar e organizar os materiais da História,” que introduzia o leitor ao universo da pesquisa antiquária com clareza e praticidade que, como já apontado por Mário Mello, destoavam dos textos de mesmo gênero já publicados na revista do IHGB.[3]

O relato de sua viagem pela província de São Paulo é conhecido apenas pelos trechos publicados pelo autor em alguns dos jornais que colaborava ou editava ele próprio e, quase certamente, nunca foram reunidas em um livro conforme era o seu plano. Embora haja menção a uma versão manuscrita que continha os relatos completos de várias viagens pela província feitas durante os sete anos em que aqui morou (1849-1856), se conhece apenas os trechos agora reproduzidos, que abrangem o itinerário percorrido do porto de Santos a vila de São Roque, provavelmente em 1848. O desaparecimento do manuscrito obriga a se lançar mão de conjecturas em tentativas de estabelecer os percursos de Raposo d’Almeida pela região. De São Roque, ele seguramente seguiu ao sul, talvez até o Paraná (então ainda parte da província paulista), onde se sabe que adquiriu terras para tentar estabelecer uma colônia de açorianos.[4] Malogrados os planos, retornou a Santos, onde fundou o jornal O Mercantil (1850). Os anos passados em Pindamonhangaba (1852-56) renderam, possivelmente, outras notas de viagens pelo vale do Paraíba, e talvez, por Minas Gerais. Especulações à parte, somente restou o relato dessa aparente primeira viagem do escritor por terras paulistas, cujos trechos apareceram nos seguintes jornais: A Semana (Rio de Janeiro), O Mercantil (Santos) O Ypiranga (São Paulo) e O Nacional (Santos), entre os anos de 1851 e 1856.

Os fragmentos, contudo, trazem informações valiosas sobre as paisagens, edifícios e bens artísticos das localidades visitadas, cujas descrições são permeadas pela sensibilidade tipicamente romântica de Almeida. Nesse ponto, o escritor em nada destoa do quadro geral do meio intelectual luso-brasileiro, onde o vagalhão do romantismo chegou por via de escritores e artistas franceses. Apesar de não estar entre os autores citados em seu relato (todos eles franceses), a grande inspiração para escrevê-lo veio, certamente, de seu antigo mestre, Almeida Garret, cujas “Viagens na minha terra” foram primeiramente publicadas na Revista Universal Lisbonense entre 1843 e 1844. Embora Almeida apresente apenas as notas de sua viagem, desprovidas de qualquer trama novelesca, as suas alusões aos próprios romances (escritos e por se escrever) e as digressões sobre a fartura de material que os escritores brasileiros poderiam encontrar nos interiores das províncias imperiais tinham em mira a celebrada obra de seu antigo tutor.

Entre tais trechos, o maior destaque, sem dúvida alguma, cabe ao relato da visita feita ao sítio e ermida de Santo Antônio, em São Roque, em companhia de Antônio Joaquim da Rosa, o futuro Barão de Piratininga e o grande personagem político da vila durante o século XIX. O barão é hoje mais conhecido pelas novelas romanescas inspiradas no passado local, sendo a primeira delas aludida por Raposo d’Almeida em seu relato. Interessantemente, essa sua obra de estreia (A feiticeira, 1849) é a que menos prima pela ambientação histórica. Foram suas novelas seguintes, A assassina (1850) e A cruz de cedro (1854), escritas após o seu encontro com Raposo d’Almeida, que fizeram a sua reputação como escritor de tramas históricas. É bastante cabível, portanto, atribuir alguma inspiração deste último na concepção de suas novelas, ainda mais levando em conta os comentários feitos sobre o valor literário dos lugares e figuras do passado que visitou em sua viagem.   

Mais interessante do que a questão da representação do passado regional pela literatura da época, o relato da visita ao sítio seiscentista revela pormenores pouco ou nada conhecidos sobre este icônico conjunto histórico, cuja identificação e restauração constituem um dos capítulos mais famosos e debatidos da história da preservação cultural em São Paulo. Quanto aos aspectos arquitetônicos, o texto corrige a corrente interpretação sobre a localização da antiga senzala, que, pela indicação do autor, estaria ao pé das colinas que circundam o sítio, com o antigo córrego imediatamente por detrás. Ainda mais interessante é a sua menção ao “mainel de taipa” no qual se apoiavam os pilares de madeira do alpendre da casa sede.[5]

Lamentavelmente, a descrição traz poucos elementos que permitam esclarecer o extenso debate acerca das feições originais do alpendre da ermida. Contudo, ele indica ter sempre havido um alpendre destacado do corpo principal da capela, desabonando algumas das hipóteses aventadas pela professora Aracy Amaral.[6] Traz também observações valiosas sobre a função da fachada vazada para o cumprimento das obrigações religiosas dos antigos indígenas escravizados[7] e uma descrição bem mais detalhada da grande tela retratando o Juízo Final que adornava a nave da capela - já inexistente quando a edificação foi visitada pelos técnicos do então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), e conhecida somente por uma breve menção contida na notícia publicada pelo Barão de Piratininga em 1881.[8] A descrição de Raposo d’Almeida permite constatar que foi a tela derivada de alguma gravura organizada em três partes (e provavelmente dotada de legendas), como as de Pieter de Jode (1565-1639) e de Phlippe Thomassin (1562-1622) [Figura 1], amplamente empregadas em pinturas sacras da América Hispânica e da Ásia portuguesa.[9]   

São também valiosos os comentários sobre o último proprietário vinculado à família de Fernão Paes de Barros, o quase centenário João Martins Claro, bisneto da mulata Ignácia Paes, a filha natural a quem o famoso potentado deixou como administradora da capela. De especial interesse é a menção aos retratos que então adornavam o alpendre da casa sede, indicando que a capela da sede talvez permanecesse utilizada como santuário particular da família. Era, portanto, o local conveniente para abrigar retratos que não se destinavam ao culto, como era o caso do então venerável José de Anchieta. Não obstante, há aqui um flagrante erro, já que entre a morte de Anchieta e a instituição da propriedade se decorreram mais de meio século. Como a mesma informação foi repetida pelo Barão de Piratininga anos depois, é fácil atribuir a confusão ao alferes Martins Claro.

O jesuíta ali retratado, certamente, era o padre Belchior de Pontes (1644-1719), reputado por seu biógrafo como amigo próximo de Pedro Vaz de Barros, irmão e vizinho do instituidor da capela de Santo Antônio e visitante habitual daquelas paragens, onde ia rezar missas, ministrar sacramentos e doutrinar os grandes plantéis de indígenas escravizados que havia nas fazendas da região. Inclusive, seus últimos foram passados na mesma fazenda de Araçariguama, também visitada por Raposo d’Almeida. O quadro em questão já fora mencionado na notícia feita pelo Barão de Piratininga em 1881, tendo ele acrescentado que emprestara tal “preciosidade arqueológica a um amigo, que a levou para Itu, onde se acha no colégio de S. Luis.”[10] Com a transferência do colégio para a capital, já no século passado, o retrato foi trazido para São Paulo, estando hoje guardado na residência dos jesuítas na Vila Mariana. Uma fotografia sua chegou a ser publicada pelo padre Hélio Viotti de Almeida, mas sem qualquer menção a sua antiga procedência - já estabelecida por Luiz Saia, ao menos, desde,1949, quando o diretor do SPHAN pleiteou a sua devolução para a capela de Santo Antônio. Saia foi também o primeiro a identificá-lo como um retrato de Belchior de Pontes, desabonando a antiga atribuição a Anchieta [Figura 2].[11]

O outro retrato mencionado pelo autor foi indicado como o da instituidora do vínculo, Inácia Paes, mas aqui também há um lapso do alferes, já que a retratada seria Maria de Mendonça, a esposa de Fernão Paes de Barros, que fora declarada como impura de sangue (por ser cristã-nova) pelo próprio marido e viu o seu casamento ser anulado pela Igreja.[12] No processo, o capitão-mor também declarou que não tiveram “vida marital” pelas mesmas razões, o que teria permitido a Maria de Mendonça trajar as vestes de freira com que aparecia retratada.

Por fim, cabe ressaltar um pormenor interessante acerca da estadia de Raposo d’Almeida na cidade de São Paulo. Como a maior parte dos viajantes que percorreram a cidade oitocentista, Raposo d’Almeida deixou linhas elogiosas sobre a vista da várzea do rio Tamanduateí desde o Triângulo, na qual os meandros do rio animavam uma paisagem ainda muito pouco urbanizada, composta por amplos trechos de vegetação ciliar e por chácaras de árvores frondosas, com os morros ao rumo da Penha servindo como moldura. Contudo, se a beleza natural do Tamanduateí não lhe passou despercebida, tampouco o fez o apelo pitoresco do “vale do Acu,” onde o autor se entregou ao sereno embalo de melancólicas meditações. Ainda ali se erguia a bela ponte de alvenaria de pedra retratada por Debret e Charles Landseer algumas décadas antes. Considerada por Saint-Hilaire como a mais bela da cidade, a ponte do Acu ligava o Triângulo à paróquia de Santa Ifigênia e a chácaras importantes, como a do Campo Redondo e das Palmeiras, marcos iniciais da estrada de Campinas e Jundiaí.[13] Além de bonita, era também movimentada - como já antevista por Debret na aquarela que ali fizera [Figura 3]. Logo, o seu mirante proporcionava a atmosfera perfeita para as fantasias escapistas tão típicas da sensibilidade romântica, que buscava a solidão quando em meio ao agito e ao burburinho.

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Recordações de viagem à Província de S. Paulo”

De Francisco Manuel Raposo d’Almeida

I [14]

O estrangeiro que aportasse à côrte do velho Rio de Janeiro e contemplasse o espetáculo monstruoso que, em geral, apresenta essa cidade com as suas ruas estreitas, mal calçadas e imundas, com os seus edifícios irregulares e mal construídos; que visse as pesadas gondolas e carroças a cruzarem-se com os tylburis e esbeltas viaturas: que sentisse o canto grunhidor dos pretos esfarrapados e as harmonias theatro lyrico-italiano; que confrontasse as perfumadas ruas do Ouvidor com os armazéns fétidos e asquerosos do toucinho e carne secca ; que enfim contemplasse, em toda a sua extensão, esse quadro que constitue uma duvida anciosa entre uma civilização postiça e a realidade de uma sociedade na sua magnifica conceição;  e que depois voltasse as costas e regressasse, com estas inclassificáveis impressões, para a Europa, invadida pela mão do homem até os seus últimos confins, este estrangeiro havia, porcerto, ir fazendo do Brazil uma desagradável e errada opinião.

Este paiz que, como em outro lugar lhe chamamos ([15]), é o filho morgado da natureza, é para ser contemplado, avaliado e admirado à sombra de suas extensas e virgens florestas; e junto d’esses troncos gigantes, dos quaes, para abraçar alguns d’elles, não bastam os braços estendidos de seis e dez homens. É sentado nas colinas ou veigas florestas, e com uma soberba paisagem de coqueiros em frente, ou debruçado nas margens d’esses rios caudaes e semilhando mares, que o viajante deve impressionar-se do espectaculo magestoso d’esta natureza magestosamente tropical.

Na Europa, embora se admire a vasta e apurada intelligencia do homem nos seus primorosos artefactos, nas suas cathedraes, e nos monumentos dos tempos mythologicos e da idade média, aqui no Brazil, e em toda a vasta extensão d’América, na ampla e religiosa solidão das suas florestas e no frêmito da corrente de seus rios, e no trinar harmonioso dos seus pássaros, há de admirar-se a mão da Providência.

Taes são as ideias, taes são os pensamentos que nutre o auctor da presente viagem d’este que leu as primorosas páginas do mais famoso viajante da América, o visconde de Chateaubriand, que, por assim dizer, soube ler o verbo de Deos, materializado nas imensas solidões d’este vasto território, onde ainda um dia, há de vir collocar seu throno a mais apurada civilização.

Estas vagas aspirações da mocidade tive infelizmente de satisfaze-las em princípios de 1847. Foi em face de um dos terríveis cataclismos políticos porque ultimamente tem passado Portugal, que eu tomei a pungente deliberação de auzentar-me da querida terra da pátria. Envolvido na política d’esde 1835, e tomado uma parte mais ou menos activa em todos os sucessos subsequentes, já gosando o favor monstruosos e inconsequentes das turbas; já cingindo a coroa de martyr politico, e provado as amarguras do desterro, eu sempre acreditava na possibilidade de redempção de Portugal. O quadro doloroso porem que apresentou o Porto, quando ahi se foram recolher as relíquias da batalha de Torres Vedras[16], e quando em frente a essa cidade, eterna por tantos feitos gloriosos no triumpho das ideias liberaes, estavam, trez nações altivas chamadas por portugueses para escrever na fronte veneranda de Portugal a infâmia do protocolo, foi este quadro tão doloroso para a minha alma, que me deliberou a expatriar-me: a América e em especial o Brasil, onde eu esperava ainda ver as velhas glorias da antiga Lusitania, foi o logar que eu escolhi para o meu limbo politico.

D’esde então, começou para mim esta vida errante, que será sempre um mysterio entre mim, o ceo e a terra.

Como um dos personagens de Dumas[17] embrenhei-me pelas solidões do interior, porque pensei que quanto mais novo era o mundo, tanto mais evidentes devia ter os signaes da mão de Deos. E não me enganei. Muitas vezes, lá n’esses matos virgens, em que fui o primeiro a penetrar, sem outro abrigo além do ceo sem outro leito além da terra, abismado em um só pensamento, ouvi esses mil ruídos do mundo que adormece e da natureza que desperta. Longo tempo ainda fiquei sem comprehender essa lingoa desconhecida formada pelo murmúrio das torrentes, pelo vapor dos lagos, pelo estrondo dos bosques e o perfume das flores. Emfim pouco a pouco, se ergueo o veo que cobria meus olhos, e o pezo que oprimia meu coração; e d’esde então comecei a crer que esses ruídos da noite, que esses estrondos do crepúsculo não eram senão um hymno universal com a qual as creaturas rendiam graças ao Creador.

Quando cheguei da Europa ao Rio de Janeiro achava-me, como sempre, possuído dos mais ardentes e enthusiasticos desejos de viajar no interior do Brazil; mas não pude realisar esta veemente inclinação, porque, dias depois da minha chegada, estabeleci na corte a minha banca de advocacia; e tornava-se-me então dificultoso desampara-la.

Uma grave e perigosa moléstia de que fui atacado, e de que padeci acerbadamente d’esde julho até fins de outubro de 1848, me obrigou, por conselho de uma junta medica, a buscar meu restabelecimento em um outro clima, que não fosse aquelle do Rio de Janeiro, que tão fatal me havia sido.

Eis a origem de minha VIAGEM À PROVINCIA DE S. PAULO, cujas impressões escrevo e ofereço a todas as pessoas que tanto se esmeraram em obsequiar-me nos logares que percorri, bem como as dedico especialmente à minha muito querida e saudosa Mãe, que decerto as há de apreciar, quando, depois d’esta tão longa ausência que nos separa, este escripto tiver a fortuna de chegar as suas venerandas mãos que eu tanto desejo beijar.

Sirva esta pobre oferta para testemunhar-lhe, que o infeliz que se vê açoitada pelas borrascas da vida, e a quem um tufão de excommungada política arrojou para tão longe do tecto paternal; que este infeliz com a cabeça curvada às vagas impetuosas do destino, torturado de angustias, e muitas vezes vendo cerrar-se-lhe de todo a porta de um futuro de esperança, e não sabendo onde repousar a cabeça, diz com os proscriptos de Nodier: “agora a reclinaria no seio de minha Mãe”[18] que este desventurado emfim agonisa constantemente em sua alma os dias venturosos que passou unto d’ella, e olha com horror para a idea dilaceradora de talvez não tornar a beijar as suas mãos, nem gosar um d’aquelles afagos de reparadora consolãção que só sabe dar uma Mãe.

II [19]

Os estreitos limites da Semana não permitem que eu dê em toda a sua integra as Impressões, recordações, apontamentos indagações literárias, históricas e scientíficas, de sete annos de minhas viagens e residência em differentes pontos da histórica e pittoresca província de S. Paulo, a qual hoje me ligam os deveres de segunda pátria pelos queridos laços de uma esposa e de um filho.

Para o meu coração é quasi um dever a publicação d’esta viagem, porque, nas differentes situações de relações e de factos, careço explicar algumas circunstâncias, agradecer muitos favores, e qualificar alguns procedimentos pessoaes, de que ainda hoje me ressinto, e que tenho necessidade de liquidar, apurar e dicidir.

Espero ainda fazel-o ou n’um jornal de maiores dimensões, ou em livros de fácil acquisição e circulação: mas no entretanto irei offerecendo aos leitores da Semana alguns excerptos, que servirão como de annuncio precursor à ulterior publicação do meu livro de viagens.

No numero anterior dei algumas explicações sobre o motivo forçado d’esta viagem. Prescindo de relatar o meu perigoso estado de vida na occasião de embarcar, d’uma longa exposição histórica da antiga povoação de Santos, e resumir em poucas palavras o panorama da cidade.

O que pretender desfructar o aspecto da cidade de Santos é mister passar o surgidouro e ir collocar-se no morro fronteiro, onde existe uma vistosa e quasi abandonada casa. D’ahi desfruta-se um lindo panorama, cujo gozo não deve perder o viajante que passar por aqui.

Em uma tarde serena e plácida, em que eu me achava com algumas melhoras, fiz esta deliciosa excursão. Sentado em um terraço, cujos alegretes estavão plantados de alecrim, erva-santa, e outras plantas odoríferas, eu espraiei os olhos por toda aquella extensão, e vi a cidade como agachada entre o surgidouro e o alto serro de Monserrate.

O convento dos Bentos, pela localidade de sua edificação, dava uma ideia da austeridade d’essa ordem monacal, em outro tempo tão poderosa e tão influente, e hoje reflexo pálido da civilização teocrática.

A igreja e hospital da Misericordia  mostrava-se alegre e risonha, como fazendo transpirar pelas frestas, não as dores que ahi se curtiam, mas as consolações  e a saúde que se iam lá buscar

O convento dos Franciscanos pousava, à margem do lagamar, tristonho e envergonhado como um dissoluto timorato.

A matriz e alfandega figuravam uma mole immensa de pedra; e a cadêa e casa de vereanças jaziam como encolhidas, e annunciando mais a modéstia de uma antiga villa do que a nobreza de uma jovem cidade.

O hospício do Carmo tambem se divisava com a sua frente garrida e embonecrada, mas com os seus fundos em estado de verdadeiros pardieiros.

O Arsenal da Marinha parecia um arsenal de estado, um velho poltrão que não trabalha, uma pequena courela de capim, ou melhor, uma caricatura dos verdadeiros arsenaes.

A Casa do Trem apparecia no meio d’aquella nova casaria como um monumento, como um códice authentico, que certifica a longa antiguidade de uma das primeiras povoações brasileiras, edificadas pela intrepidez e pela magnânima ousadia d’esses antigos portugueses, que não deixaram posteridade para o século XIX, nem a sua raça degenerada d’esta época já sabe avaliar estas cousas. Nação perdulária, e entregue aos nobres e aos frades, gastou em conventos e procissões as riquezas de suas conquistas, e por ultimo chegou ao miserando estado de ser virulentamente ludibriada, escarnecida e vexada com a intervenção ardama d’esses Bretões altivos que se apoderaram de suas riquezas: - paciência!...Leão da fabula tem de soffrer os couces do burro insolente

Os principais meios de viajar n’esta província são cavallos, liteiras, banguês, rede e grade, já em bastante desuso. Os cavallos e bestas muares são animais seguros e fortes, muito andadores, posto que na apparencia o não mostrem. As liteiras e banguês são especialmente consagradas a senhoras e doentes; não sei eu porque esta preferencia, pois que às taes viaturas caber-lhe-hia melhor a denominação de machinas de moer ossos, do que de conducções seguras e commodas. São uma especie de esquife de taboas, coberto de couro pregado a dous tirantes de madeira, no extremo dos quaes, se encacha um animal; e já a irregularidade do andar d’estes, já a sensível falta de molas, tudo concorre para os horríveis balanços e encontrões que sente o desventurado que se confiou aquele balanço detestável.

A grade é uma espécie de padiola com toldo, conduzida aos hombros de quatro homens. Serve agora unicamente para transportar pessoas enfermas, que não possam viajar por algum outro meio. D’esta viatura serviam-se os jesuítas para a passagem da serra do Cubatão, empregando n’isso os cathecumenos indigenas como em expiação do grande peccado de haverem pertencido à grei dos desbaptizados.

O meu estado de saúde não permittia que eu montasse a cavalo; e como me houvessem recommendado, como mais apropriado para um doente este meio de transporte, aluguei uma liteira; mas!...Nunca eu em tal cahira!

Emquanto fui pela estrada do Cubatão, e ainda galvanizado, por assim dizer, pelo esforço que eu fizera, para emprehender a viagem, não senti demasiado o balançar infernal d’aquella machina desconjunctadora, mas no subir da serra experimentei eu em toda a sua extenção o incommodo de tal viatura. Ao cabo de algumas léguas, e depois de tão detestáveis balanços, o meu corpo rheumatico e enfraquecido pela doença sentia-o eu como uma cousa informe e desconjunctada.

Mas deixando a liteira e os meus padecimentos, demos conta das impressões que, por entre dores eu experimentei na subida da serra.

[A serra de Paranapiacaba é de um aspecto pittoresco; é uma das paizagens, em que a natureza dos trópicos se ostenta com todas as pompas da vegetação, com toda a solemnidade das recordações históricas.

A colossal e immensa encosta, que se espelha nas agoas do mar, é toda revestida de alto e espesso arvoredo de variegadas cores. Os regatos que se despenham, ou murmuram a linguagem poética da solidão, o canto dos pássaros de plumagem multicor, a catadupa do rio das Pedras a ressaltar pelos rochedos da quebrada, a detonação rouca e sombria da sua queda, o murmurar longínquo do mar, tudo isto forma um quadro, em que se retrata a magestade de uma natureza immensamente magestosa.

Mas todo o aspecto deslumbrante de um vasto e magnifico panorama desfructa-se do alto ou pico, que é o lugar mais elevado da serra. Ahi, no derramar os olhos por esse quadro de sublime magestade, a alma inspira-se e extasia-se. O mar, que é a primeira maravilha da natureza, forma aqui o centro da paisagem: elle descortina-se por uma vasta extensão, no fim da qual parece entestar com o céo.

A costa do Atlântico corre à direita e à esquerda, como para formar a moldura d’este painel; e as ilhas que o matizam assemelham-se a aves gigantes, encontrando-se e cruzando-se nos seus voos.

A velha povoação de S. Vicente, a maravilha archiologica, a Eva de todas as povoações da província, lá está como uma velha fidalga, a quem despojaram de seus solares, mas que ainda conserva nobreza no meio do seu abatimento: uma data chronologica é o seu pergaminho de hierarquia histórica.

Santos, a fidalga moderna, condecorada e enobrecida com os foros de cidade, está encostada ao serro de Monserrate, como a serva domestica deitada junto a um comoro de terra.

As praias, os rios, as toiças de verdura, os renques de árvores, os canaes, as barras Grande e da Bertioga, tudo isto assemelha-se a um kaleidoscopio mágico, tudo isto forma um quadro que se olha, e se admira, mas que não se pode comprehender nos pormenores, nem descrever na linguagem humana].[20]

A communicação de Santos com o resto da província era em outro tempo bastante difficil e trabalhosa. O seguinte trecho de um manuscripto que passamos a copiar, dá uma perfeita idéa d’essa dificuldade.[21]

- Para montar a grande serra de Paranapiacaba, ou do Cubatão, navega-se pelo rio acima, e a pouca distância da villa entra-se no espaçoso golfo de Caneú, cuja passagem, sendo livre nos primeiros annos, teve depois um imposto, estabelecido pelo capitão general Martim Lopes Lobo de Saldanha, administrado por contracto real. Este golfo recolhe pela direita as águas dos rios Juribatiba, Quilombo e Cubatão-Merim, que todos descem da serra. A parte posterior do mesmo golfo, a rumo de noroeste, é fechada por muitas e diversas ilhas cobertas de mangues e n’ella desagua o rio Cubatão-Guassu, que vem da serra acima: pela esquerda, tem entrada no mesmo golfo o rio Santa Anna. Este grande peso d’águas descarrega no mar por três bocas: que vem a ser o canal da Bertioga, o de S. Vicente, e a barra do meio. Passado o golfo, navega-se por um dos muitos canaes, que formam as ilhas, e entra-se no Cubatão-Guassu, que é estreito, e suas margens cobertas de mangues e no fim de quase quatro léguas de viagem, a contar da villa, chega-se ao porto e registro do Cubatão, antigamente Cubatra. -

Hoje faz-se toda a viagem por terra, porque acha-se realizada a desejada estrada mandada fazer em 1826 pelo primeiro presidente que teve a província, o Sr. Visconde de Congonhas.

Antes de começar a subir a serra, passa-se uma extensa ponte lançada sobre o rio, na qual se paga duzentos reis por cada animal carregado.

A antiga estrada da serra era, como já disse, de difficil e até perigoso transito, a moderna chamada Maioridade está consideravelmente melhorada, lançada em porções bem talhadas e de zigue-zague, o que faz a subida mais commoda, como infallivelmente não deveria deixar de ser a antiga. A estrada não se acha ainda calçada, o que deve inspirar algum receio no tempo das chuvas, onde o barro, que em algumas partes é uma espécie de greda, se torna escorregadio: a antiga era calçada, posto que ultimamente estivesse bastante deteriorada.

Continuei a viagem pela espaçosa estrada em rumo a noroeste, a qual se dirige por um plano suavemente inclinado e interrompido apenas por algumas pequenas subidas. À direita e à esquerda descortinam-se vistosas paizagens, e alguns casaes bem situados, bem como algumas lagoas.

Depois de um viajar de nove horas e meia cheguei ao poiso, que se me havia recommendado; ahi pernoitei, acerbamente incommodado; porque a fadiga e o péssimo meio de transporte me tinham aggravado a doença.

Nos poisos, que são as albergarias ou estalagens da Europa, é proverbial a falta de commodos, ainda os mais triviais para o viajante: elle tem de resignar-se com muitas privações, e lamentar em vão a falta de recursos. O poiso onde me alberguei era reputado pelo melhor da estrada; e comtudo Deos sabe como eu ahi passei uma noite curtida de dores.

Em consequência da prostração das forças, a que me achava reduzido, tinha eu resolvido a principio demorar-me ali, até recuperar algumas forças para prosseguir as ultimas quatro léguas que ainda tinha de andar para chegar a S. Paulo. Mas a privação de algumas cousas da primeira necessidade para um doente; e o intenso frio que parecia delir-me os ossos, tudo me aconselhou que mudasse de resolução.

E com effeito, no dia seguinte já com o sol fora, e com um céo plácido, que promettia um formoso dia, continuei eu a viagem ainda de liteira, porque a defecação extrema do meu corpo não consentia outro meio de transportar-me.

III [22]

 Continuei pois a viagem, sem occurrencia notável até o lugar de S. Bernardo. Aqui fui eu tomar algum descanço em uma casa de hospedagem, tabernagem ou como melhor haja: e pedi alguma refeição. Passado muito tempo, trouxeram carne de porco com farinha, único conducto que ali havia, porque o pão é raro encontrar-se n’estes lugares, posto que o substituam por biscoitos, o que ainda assim não succedeu d’esta vez. É escusado dizer que nada tomei, e que, no mesmo estado em que entrara, prossegui  a viagem, deplorando o tempo de duas boas horas que havia esperado, e durante as quaes chegara a desesperar. A falta de bons pousos ou hospedarias é lamentada em todo o interior do Brazil, ainda nas estradas mais frequentadas.

É muito de sentir que pessoas aptas e industriosas, se não hajam estabelecido em paragens convenientes, para offerecer aos viandantes comodidades, que em taes lugares são tão apetecidas, embora se exigisse algum excesso de preço.

A estrada de Santos a S. Paulo é por certo uma das mais frequentadas do império, e com tudo em um lugar como S. Bernardo, distante apenas três léguas da capital da província, a sua única hospedaria é uma taberna ou biuca, em que não haja nem pão, nem biscoitos, nem um serviço, já não digo bom, mas que ao menos não provocasse náuseas.

Duas léguas antes de chegar a S. Paulo, o tempo começou a turvar-se, e a sentir-se ao longe duas trovoadas em direcções opostas. Cheuguei ao Ypiranga sem que a chuva se houvesse precipitado, nem a trovoada se houvesse aproximado. Sahi da liteira para observar esse lugar que tanto figura nos modernos fastos do Brazil.

A celebridade do Ypiranga provém do notável facto histórico, que ahi teve logar.

A independência do Brazil, a sua desmembração da metrópole, e o seu arvoramento em reino ou império, era uma idéa que fermentava de há muito, e tomava vulto em muitas cabeças. O Sr. D. Pedro I, lugar-tenente de seu pai o Sr. D. João VI, tinha vindo passear em S. Paulo, que era um dos seus passeios favoritos, e deixara a regência confiada à princesa real, e a administração dos negócios públicos ao ministério e conselho dos representantes, em que era o principal influente José Bonifácio de Andrada e Silva que escreveu-lhe dizendo que urgia quanto antes que proclamasse a independência. Para trazer estas cartas se poz a caminho uma ordenança, - a arrebentar cavallos - como se costuma dizer.

Chegando a S. Paulo, e não encontrando a real personagem, continuou viagem para Santos, e foi n’este lugar do Ypiranga, que o famoso e illustre fundador do império brazileiro leu o correio, que lhe fora expedido.

Mal o tinha acabado de ler, atirou o chapéo ao ar, e n’um transporte de enthusiasmo gritou - independência ou morte, - Este grito, que ia ter uma tão immensa significação nos seus ulteriores resultados, foi logo repetido por toda a comitiva, e pela guarda de honra, seguindo-se os acontecimentos que todos sabem, e de que estas duas palavras foram o verbo balbuciante de um império, em cujos destinos futuros se fazem já antever acontecimentos épicos, e da mais ampla magnitude.

A tempestade havia-se aproximado; a chuva começava a cahir grossa e tépida, e três trovoadas formando nas suas direcções uma espécie de triangulo exoceles, detonavam-se no alto, assemelhando-se no seu estrondo assustador e medonho a aves de rápida, soltando gritos de carnificina.

Antes de entrar na cidade, à distancia de meia légua, em um escampado desamparado de paredes e mesmo de arvores, a chuva precipitava-se como uma espécie de tromba; as rajadas do vento faziam balançar a liteira, que já estava toda alagada no interior assim como eu, que me não tinha podido amparar com as cortinas, especialmente não podendo fazer uso do braço direito, ainda tolhido pelo reumatismo.

Era na realidade um espetáculo terrível, solemnemente magestoso, esse no meio do qual eu me achava. As rajadas do vento, o estrepito da chuva, o espedaçar medonho e assustador dos raios faziam entre si um concerto de tremenda agonia.

Foi debaixo d’estas terríveis impressões, estando já a tempestade na sua ultima impetuosidade, como um leão nos seus últimos arrancos de vida, que eu entrei na imperial cidade de S. Paulo, todo alagado e n’um estado doloroso, que é mais para se imaginar, que descrever.

À entrada de S. Paulo encontra-se à esquerda o cemitério, e à direita o hospital. D’ahi à pequena distância entra-se em um largo quadrado onde estão a cadeia, e duas igrejas, como symbolizando a justiça humana, e a misericórdia divina. Desce-se depois pela rua de S. Gonçalo, modernamente crismada com o nome de rua do Imperador, e dá-se no páteo, ou terreiro da Sé. Ahi me fui hospedar em casa do Sr. deputado Dr. Rodrigues dos Santos, uma das primeiras capacidades políticas do Brasil.[23]

IV [24]

A cidade de S. Paulo é uma daquelas do império que mais recordações gloriosas tem para serem escriptas no seus annaes, tanto pelo que respeita aos seus tempos homéricos de colônia, como aos modernos de cidade imperial. A sua historia pois é para ser em grossos volumes; mas é para outros hombros mais robustos, como não são os meus, a realização d’essa profícua tarefa e glorioso empenho. Para as proporções d’este ligeiro escripto e de rápidas impressões de viagem, apenas se podem comportar alguns dados estatísticos, algumas recordações históricas, que em resumo deêm uma succinta idéa d’esta notável povoação: será esse o nosso empenho, referindo-nos a um manuscripto que temos presente e varias outras obras que temos consultado a este respeito.

S. Paulo, cidade episcopal, assento do governo da província do mesmo nome, está situada em um terreno um pouco elevado, e cercada de bellos e dilatados campos, na latitude meridional de 23ᴼ33’, e na longitude da Ilha do Ferro de 331ᴼ25’ (observações do astrônomo Francisco de Oliveira Barboza) e nos 23ᴼ15’ de latitude, 333ᴼ50’ de longitude, conforme Mr. Eschard, e pelo grande mapa publicado em Londres, em 1811, segundo as boas observações astronômicas de 1810: fica a oeste do Meridiano de Greenwich 46ᴼ36’: a oes-sudoeste da corte do Rio de Janeiro 80 leguas geográficas, ao noroeste de Santos 11 para 12: ao sudoeste quarta de sul da Bahia de Todos os Santos 277: e ao mesmo rumo de Pernambuco 400: ao sul quarta de sueste do Pará 444 leguas: e ao sul quarta de sudoeste de S. Luiz do Maranhão 436: ao sudoeste de Villa Rica: 86 ao nordeste quarta de norte de Montevideo 297: ao sul meio sueste de Goyaz: 124 ao sueste quarta de leste, da cidade de Matto-Grosso 300: e finalmente ao sueste da cidade de Cuiabá 230 léguas.

A altura da serra de Santos foi calculada pelo capitão King e achou montar 375 braças. O ponto mais elevado da cidade de S. Paulo fica no mesmo nível, segundo a mais aproximada computação.

Deve a cidade de S. Paulo a sua origem aos disvellos e cuidados dos Jesuítas. Os primeiros, que vio o Brazil, vieram em 1549, na companhia do fundador da cidade da Bahia, e primeiro-governador Geral Thomé de Sousa; e à testa d’elles, em qualidade de superior, veio o padre Manoel de Nóbrega, que, em novembro do mesmo anno, mandou para S. Vicente, a fundar o segundo collegio da sua ordem, que teve este império, ao padre Leonardo Nunes: que passando aos campos de Piratininga, conseguio dos pais de famílias indigenas muitos mancebos, com os quaes desceu a S. Vicente, e junto ao collegio fundou um seminário para instrucção, e catholico proveito d’estas almas. Veio depois o padre Nobrega visitar S. Vicente, onde se achava quando lhe chegou a patente de provincial do Brazil, a cuja dignidade o elevou Santo Ignacio de Loiola, fundador da ordem jesuítica; e a sua primeira, e mais notável acção foi ordenar que o collegio se mudasse da villa para o campo; assim chamavam ao terreno de serra acima, ficando n’ella tão somente os religiosos precisos para administrarem os sacramentos aos christãos navegantes. Já n’este tempo existia no campo a povoação de Santo André, mas nem este lugar, nem a aldeia de Tebiriçá, ou de Piratininga, agradou aos padres para o seu estabelecimento, e escolheram um logar eminente entre o rio Tamanduthay, e o ribeiro Anhangabaú, onde formaram a sua morada. Para aqui concorreu o cacique Martim Afonso Tebiriça, com os índios seos subordinados, largando a pátria de seos ascendentes: e igualmente o velho índio João Cayuby, senhor de Geribativa: e por uma forma tão diametralmente opposta à da antiga Roma, e de outros cidadãos, que mui celebres se tornaram, teve princípio a de S. Paulo. Aqui só se cuidava na instrucção, e conversão das almas, infundindo-lhes os princípios da religião, e os da sã moral.

Tão lisonjeiros começos pareciam formar em S. Paulo um povo virtuoso; porém a maldade dos homens sempre inclinada a oppor barreiras às mais bem intencionadas obras, obstou a esta, como adiante se verá. O principal fundador de S. Paulo foi o venerável padre José de Anchieta, da companhia de Jesus, por antonomásia o apostolo do novo mundo: estabeleceu-se com seus povos convertidos em um lugar toscamente aberto na terra, e coberto de palha; o qual só tinha quatorze pés de comprido, e dez de largo, pobre choupana, que servia de dormitório, escola e cosinha; assim o escreveu elle mesmo a Santo Ignacio. Pouco depois chegaram a este asylo da paz mais doze jesuítas, à testa dos quaes vinha o padre Manoel de Paiva, e unidos a Martim Affonso Tebiriçá, que morava onde está hoje o mosteiro de S. Bento, construíram uma limitada casa, e a ella contigua uma igreja, na qual celebraram a primeira missa à 25 de janeiro de 1554 e por ser o dia dedicado à memoria da conversão do grande S. Paulo, ficou tendo este nome a nascente povoação, cujos habitantes cresciam todos os dias; e os missionários congratulando-se de verem muitos filhos dos gentios aprenderem gostosos as lições de doutrina christã, da língua portuguesa e latina; aprendiam também d’elles a língua Tupinambá, universal na costa do Brasil; devendo-se ao Rev. Anchieta a primeira grammatica da mesma língua e um vocabulário. Bem depressa se declarou rival de S. Paulo a villa de Santo André, que existiu trez léguas distantes d’ella, onde está hoje a fazenda dos padres do Carmo, tendo por fundador João Ramalho, da qual era alcaide-mor, e o mais poderoso, e respeitado do lugar.

S. Paulo erecta villa em 1650, em cidade em 1712, em cidade episcopal em 1746, em cidade imperial em 1823, acha-se 350 braças acima da superfície do occeano, excelentemente cituada em um logar elevado e aprasivel. O seu clima é temperado, sadio e de uma reconhecida salubridade, posto que, em algumas quadras, como a presente, se sintam graves alterações no estado athemospherico.

As chácaras dos arredores, as paisagens, os agradáveis passeios, os belos pontos de vista, que por toda a parte se desfructam, faz S. Paulo uma agradável vivenda, e uma excellente paragem para o viajante.

Não obstante achar-se próxima da zona tórrida é lavada de bons ventos, o inverno faz-se ahi sentir demadasiamente, mas, segundo nos informaram, as tardes d’essa estação são, pelo diáfano do ceo e brilhantismo de um sol benigno, de uma suave melancolia, e geradoras de gratas recordações para tantos filhos ausentes da casa paterna e de pessoas que lhe são caras!...

Cidade acadêmica, onde vem desabroxar tantos talentos esperançosos, os seus arrabaldes tem um não sei que de similhante com a velha e clássica Coimbra, de sorte que as inspirações parecem communs, parecem emanar da mesma origem. Em S. Paulo, como em Coimbra, o estudante é a primeira personagem clássica da terra, que olha para elle como um dos seus orgulhos, por que esse joven é o predestinado para os altos empregos da representação pública; e a cidade, onde elle foi educado, será a sua segunda pátria, será sempre uma das suas saudosas recordações. O estudante é a fonte, é o manancial da riqueza de uma povoação, porque as suas mesadas são ahi todas derramadas no povo. O artista, o industriosos, o proprietário de casas, o agricultor mesmo, e muitas famílias mantem parte de sua subsistência à sombra do estudante, e por isso quando vêm as férias grandes, as cidades universitárias, ou acadêmicas, ficam como viúvas: as suas ruas tornam-se solitárias, o povo sente-se como abandonado, as casas onde habitavam os futuros doutores parecem sepulcros.

Em S. Paulo, como em Coimbra, passa o mancebo a parte mais viçosa da sua vida, ahi curte saudosas recordações das pessoas que lhe são caras, ahi sonha ele douradas ambições para o futuro, ahi acredita e avalia elle os estadistas pelos compêndios das matérias politicas que estuda, ahi entrelaça e firma relações, que ao depois terá de perder, quando, ao entrar na vida publica, vir desabar uma a uma todas as suas queridas ilusões, e se desengane que essas teorias, que estudou, são utopias impraticáveis com gente sem educação politica conveniente.

Em S. Paulo, como em Coimbra, há sítios históricos, há arrabaldes pittorescos. Lá o castello de Martins de Freitas, aqui o sítio do Yipiranga, lá o Mondego com as suas margens bordadas de chorões e salgueiros, aqui o Tamanduatehy a espraiar-se por essa imensa veiga, e formando como um chamalote verde branco. Coimbra é a cidade mais antiga e mais histórica de Portugal, S. Paulo é também a povoação mais romântica e romanesca, a mais notável nos antigos e modernos fastos do Brazil. Em Coimbra, os vestígios indeléveis dos combates de mouros e christãos, aqui vestígios de luctas entre índios e europeos: lá cidade da sciencia, a

qui Athenas d’América, que tem doado ao estado brilhantes capacidades. Lá está o vale do Penedo das Saudades, aqui esse vale pittoresco e immensamente saudoso da ponte do Acu, onde os chorões e as árvores, e o rio, e as cazas da encosta formam uma pairagem, que acorda em nossa alma uma suave melancolia, e as vezes bem profundas meditações. Como amo e como me recordo de Coimbra, sempre amarei e me recordarei de S. Paulo. 

V [25]

Os edifícios públicos são de alguma consideração; a cazaria é boa, e algumas d’ellas excellentes e com muita regularidade e bom gosto de architectura. As ruas, que são, em grande parte, formadas de minas de ferro argiloso de cor brunia, e extrahida das vizinhanças de Sancto Amaro, são bem lançadas e espaçosas; mas tão horrível e detestavelmente calçadas, que ouso opinar ser isso uma vergonha imperdoável para a municipalidade que as deixou chegar e as conserva em tão miserando estado.  De noite torna-se até perigoso o transitar por ellas, por que estão cheias de barrancos, nos quaes com muita facilidade se pode torcer um pé, ou cahir perigosamente.

Os principaes edifícios públicos são a cathedral, os conventos de S. Francisco, do Carmo, de S. Bento, de Sancta Thereza e o da Luz, o Palácio do Governo, e a Igreja dos Jesuitas, e outros mais, cuja ennumeração seria longa. Passemos a dar um succinta idea dos principaes.

A cathedral ou sé episcopal existe no coração da cidade, e no seu todo ressente-se do acanhamento e simplicidade de uma matriz de villa. O frontispício é de uma exagerada simplicidade, e a cazaria que se lhe ampara ao lado direito, olhando-a de frente fa-la assimilhar a uma ermida, collocada junto de um solar. O seu todo no exterior é de um edifício mesquinho: por que nada há ahi que dê uma idea fiel e grandiosa das proporções de uma cathedral. Informaram-nos de que os diferentes concertos e aumentos que ella tem experimentado, tiriam feito um templo digno da nobre capital de uma província tão importante. Ao presente está ella em grandes obras, e por isso se mudou o coro diário para a igreja do Collegio, ficando-se a fazer aqui, pelo sinos, os differentes signaes, que são impertinentes, detestáveis e lúgubres, porque são, como os rebates que se dão em Portugal, e outras partes da Europa para anunciar os incêndios.

O orago é da invocação de N. S. da Assumpção e os altares são consagrados às imagens de diferentes Sanctos.

O interior do templo é vasto e amplo: o tecto bastante alto e elegante, como não se podia suppor, vendo o edifício de fora. A arquitectura é da ordem jônica, e a obra de entalho é do gosto que predominou na Europa em fins do século 17º e princípios do 18º, isto é, uma mistura da ordem dórica propriamente ditta, com a que posteriormente se chamou compósita. A casa que dissemos existir ao lado, tem três vastas salas chamadas cabido, e consagradas para o serviço das aulas de canto, e teologia, bem como para revistência dos bispos em dia de pontifical. A sacristia tem o tecto bastante baixo, e nada offerece de notável, assim como o resto do edifício. Este templo foi generosamente doado com muitas alfaias preciosas pelo Sr. Dom João V. Está ao presente este bispado sé vacante, como se diz em lingoagem theologica, e governado por um vigário capitular.

Do convento de S. Francisco faremos mensão no capítulo ou logar especial que temos de dedicar a Academia Jurídica.

O convento do Carmo occupa a mais pittoresca posição da cidade; a paisagem, que d’ahi se descortina e se alcança até ao longe é de um effeito magestoso. Tem uma frente de 11 janellas rasgadas de varandas n’um andar, que se ergue sobre um pavimento inferior que serve de quartel de soldados do corpo de permanentes. Ao lado tem duas igrejas contiguas, que pegam com o convento. Uma lhe pertence e a outra à ordem terceira do Carmo.  A primeira é no interior de uma architectura pezada e decorada com mao gosto, a segunda é mais simples, porem mais elegante. Ambas no seu exterior são de muita simplicidade, dando-lhe comtudo muito realce o alto corucheo, ou torre dos sinos, que extrema uma da outra igreja.

Em seguimento, e no lado posterior a esta ultima, está um vasto edifício, que servia antigamente de hospital da ordem, e hoje está deshabitado. As vidraças estão quebradas pela notável chuva de pedra que houve em 1846, que cahio, a menor no tamanho de ovos de ganço, e algumas com o pezo de uma e mais libras.

O convento devide-se em velho e novo. O antigo edificio é bastante acanhado, a madeira toscamente lavrada, mas anuncia grandeza d’esses tempos em que as edificações eram tão difficeis no Brazil por falta de operários: - parece de todo abandonado. A edificação moderna é um vasto dormitório, no fim do qual há uma janella que dá sobre o Tamanduatehy, e alcança uma vasta e imensa paisagem, cujo fundo é terminado por uma cordilheira de montanhas azuladas, e verdes.

É arrebatador esse quadro que se desdobra diante dos olhos. Pelos morros da esquerda avistam-se as casas, como a debruçarem-se para a immensa veiga, que é, pelo outro lado matizada de bem agricultadas chácaras; e o rio, a espraiar-se em multiplicados braços por entre multiplicadas courelas de verdura rasteira, assemelha-se a um mappa geográfico.

Esta paisagem é uma das mais primorosas que vi em toda a minha viagem.

A igreja do colégio dos Jezuitas está n’uma pequena praça quadrada, por cuja direita corre o edificio do antigo convento, que hoje parece uma espécie de vale de Josaphat, por que além de servir de secretaria e residência do presidente ou governador civil da Provincia, tem as estações do correio, e tesouraria, a câmara da assemblea provincial com a sua respectiva secretaria, o gabinete topográfico, um theatro particular, uma aula de pintura, outra de teologia e uma normal de ensino primário, bem como a typographia do governo. Já se vê que é como um documento incontestável da grandeza d’essa ordem portentosa que o edificou.

O Jezuita da América não é o jesuíta da Europa Ravaillae, o assassino de Henrique IV, é S. Francisco Xavier, José de Anchieta, Manuel de Nóbrega, Antonio Vieira e Malagrita constituem duas anthiteses completas.

Aqui sabiam esses homens devotados cumprir os deveres da sua augusta missão, lá tinham-se entromittido nos paços, e, semelhantes à serpente da Escritura, seduzião os reis a commetter peccados políticos, cujo mal se estendia pela nação, e se fazia sentir nas suas lamentáveis consequências. Aqui era o missionário trabalhador e industrioso, que suava juncto da tarefa árdua da edificação dos templos: era o homem que muitas vezes amassava o cimento das suas cazas conventuais, o operário que com a enchó e o machado construía as canoas para atravessar os rios, lá eram os degenerados entregues à moleza e ao ócio, e lançados no regaço dos vícios torpes e deshonestos: aqui era o homem ousado e empreendedor, que atravessava sertões, passava rios a vao e a nado, ou em toscas gangadas, era o homem que não temia a sanha das onças e de outros animaes ferozes, e ia buscar gentios para o grêmio catholico, ou offerecer-se resignadamente em holocausto pelos princípios e pelas doutrinas evangélicas: e isso sem ostentação, porque a representação d’esse drama de tão violentas e majestosas peripécias, era n’um arredado canto do mundo, virgem ainda dos pés do homem civilizado: e os espectadores, eram uns desgraçados, uma espécie de idiotas bravios, que nem ao menos saberiam contar isso um dia: porque, em fim, para elles esse tremendo sacrifício era considerado um goso de gastronomia, que, duas horas depois, já se lhe havia varrido da memória.

O Brasil conserva ainda os monumentos da civilização theocratica d’essa ordem portentosa. Os melhores dos seus templos, muitos dos seus vastos edifícios, as mais bem agricultadas chácaras, os mais bem estabelecidos sítios, ou tapadas, os mais bem montados engenhos, muitas cidades e immensas povoações: e sobre tudo a educação e moral religiosa, ainda hoje guardada na gente do povo, tudo isso é divido aos membros d’essa ordem, em que se tinha materializado uma civilização exclusiva: porque os mais enérgicos e elevados talentos cobria-os a roupeta de Sancto Ignacio de Loiola.

O marquez de Pombal foi exagerado na sua tenaz e immutavel politica a respeito dos Jesuítas do Brasil. Se o Colbert, se o Sully portuguez tivesse dados positivos sobre a missão d’esses homens profícuos aqui pela extenção da América, essa grande sumidadde política havia fazer uma excepção n’esse aresto de ostracismo, que se tronou, com a edificação da nova Lisboa, a primeira de suas glórias diplomáticas.[26]

E na realidade o edicto que mandou varres esses homens da face da terra, e que rasgou as suas mortalhas de estomanha foi bem fatal para o Brazil. A elles terem existido aqui, porcerto não existiriam ainda hoje, só na província de São Paulo de sincoenta a sessenta mil índios, permanecendo n’um estado selvagem: a voz poderosa d’esses homens extraordinários tiria trazido um grande número d’elles para convivas do banquete social: e o catholicismo seria a religião mais amplamente professada.

A extinção dos Jezuítas é pois ainda hoje lamentada no Brazil. Esses frades barbadinhos, com que os pertenderão substituir são uma caricatura ridícula d’esses vultos grandiosos e respeitáveis, que nós vemos na historia e nas chronicas singelas e ingênuas cercados de uma aureola de glória: são uns hypocrytas enzoneiros, que vem para o interior das províncias vender rosários e verônicas de metal, ameaçar bestialmente o povo com o fogo do inferno, ouvir pessoas de confissão por dinheiro, como por exemplo pela quantia de dez mil reis, e depois pregar do alto do púlpito que aquelles, que não concorrerem ao seu tribunal da penitencia, serão condenados às penas eternas: e por fim levão a desmoralização ao seio das famílias! Não exageramos: há d’isto infelizmente bem cruéis e detestáveis exemplos, que são do domínio público, e que deverão reparar e confundir os respectivos parrachos, especialmente os que tiverem a consciência de atirarem a pedra contra a adúltera.

Que é do fructo das missões d’estes novos sacerdotes de Daniel? Quantos centenares ou milhares de índios tem elles civilizado: Que é das suas chronicas? Que é das povoações que tem fundado?  Quantos d’elles tem tido o denodado arrojado de ir offerecer-se para vianda do banquete dos canibais? Qual d’elles se expoz às settas ervadas dos índios?

Essa gente é uma espécie de ciganos: que vem debaixo da opa monástica negociar com as consciências escrupulosas e timoratas. Muito cuidado pois com esses hypocritas entrometidos com gente rude e inexperiente.

Mas...deixemos os barbudinhos a barbearem as carteiras e algibeiras dos incautos, a perceberem e a comerem em sancto ócio as penções dos cofres públicos, tão tísicos para estradas e outros melhoramentos materiaes e moraes, e voltemos a nosso propósito.

VI [27]

O templo dos Jesuítas, cujos patronos são Sancto Ignácio de Loiola e S. Francisco Xavier, foi fundado em 1673. As suas paredes estão nuas e despidas de qualquer architectura, ou pintura: o tecto é acanhado e de máo contraste: os púlpitos porém são um primor de entalhadura, bem como as columnatas dos altares mór e lateraes. A porta principal, e o tecto da sachristia tem seus lavores differentes, e ao parecer simbalicos[28], porque não guardam simitria entre si. As letras cabalísticas da ordem ahi estão gravadas: o J. H. S. são infalíveis em todos os monumentos jesuíticos.

Depois de haver examinado este edificio, ouvi eu dizer que havia um sumidouro a um dos lados do coro grande, accrecentando-se-me que n’esse abismo, que parecia immenso em fundura, haviam os Jesuitas sumido as suas riquezas. É fácil de comprehender quanto esta noticia excitou a minha curiosidade de viajante, e que não poupei esforços para entrar na minuciosa indagação de sua existência, pois que até se me havia asseverado estar esse vácuo cheio de gaz acido carbônico, a ponto de apagar uma luz logo que se mergulhava n’elle.

Munindo-me de uma sonda de bastantes braças, corri ao exame: mas não pude verificar se com effeito tinha existido ou não um tal sumidouro. Que alguma coisa havia de mysterioso no logar indicado, não é para mim fora de duvida, pois que estava entulhado de fresco, e a tradição era uniforme em reconhecer a sua existência, variando apenas em algumas circunstancias.  Muito de proposito não me esplano mais sobre este incidente, para que o seu mysterioso venha um dia a servir de assumpto ao romance histórico e nacional, mina tão rica no Brasil e ainda por explorar, porque os talentos d’este paiz, que na realidade são muitos e de felizes proporções têm, com raríssimas excepções andado a fazer operações mixtas com a litteratura franceza, que seja dito de passagem, nunca se conformara com a índole nacional.

O convento de S. bento está situado em um largo do mesmo nome, e quasi a sahir da cidade para as bandas da Luz e Jardim Botãnico. Em frente corre-lhe a rua também chamada de S. Bento, e que eu crismaria no de Academia, que lá se vê ao fundo: – é um das ruas mais direitas de S. Paulo, e a mais bem lançada a cordel.

Este edifício, cuja igreja nada tem de notável, devide-se em duas partes, uma forma o antigo convento, que é acanhado e toscamente edificado, e o moderno que forma um só dormitório com janellas que dão para o largo. Apenas um frade habita n’elle, e lhe serve de administrador, sendo muito para lamentar que a este edificio não se tenha dado um melhor destino, como, por exemplo, desmembrar da Academia as aulas de preparatórios, e constituir alli uma especie de colégio das artes ou lyceu nacional de instrução secundária. Estes edifícios assim abandonados a um ou dois homens, como estão quasi todos os da província, estão arriscados de uma immensa e prompta deterioração; e assim conviria que o governo geral ou provincial lhes assignalasse um melhor e mais profícuo destino. Um frade no século XIX sem que esteja revestido do caracter de missionário, e vagando errante a exercer a sua altíssima missão, deve considerar-se como um anachronismo.

Neste convento passou-se um facto célebre quea história recolheo, e que se acha hoje dramatizado pelo meu illustre colega o Sr. Francisco Adolpho de Varnhagen: -é a famosa e heroica abnegação de Amador Bueno da Ribeira a uma coroa que o povo lhe oferecia.

A casa de sua residência ainda hoje se mostra, mas com dúvida e incerteza entre duas ou trez, cuja edificação incontestavelmente data d’esses tempos. O facto passou-se como conta Fr. Gaspar da Madre de Deus, e que aqui copiamos: - a sua parte dramática leam-a os amadores no citado drama - Amador Bueno.

[...] [29]

As igrejas da Luz e de Sancta Thereza são inteiramente do mesmo gosto architetico, e parecem obra da mesma mão. Esta tem o tecto dividido em quadrados oblongos, onde se veem pintados diferentes passagens da vida milagrosa da sancta padroeira: aquela tem a forma de zimbório. É mais pequena, e tem na parede da frente à entrada um painel da ceia, cujo pincel é muito secundário em mérito artístico. Na sachristia tem uns registos da paixão de Christo, e uma madona com a inscripção SINE LABE CONCEPTA, que tem algum merecimento artisticamente examinado.

No edifício da academia, ditto de São Francisco existem duas igrejas com a invocação do mesmo sancto, uma era do convento, a outra pertence a ordem terceira do mesmo sancto. Ambos os templos tem bastante merecimento, porque cada um d’elles representa uma eschola diffirente de architetura. O do convento é de uma estença nave, bastante pezado na sua decoração, e mesmo um pouco escuro; o outro em forma de cruz, é de uma elegante  decoração, composta de branco e dourado. Um dos braços da cruz abre-se no remate e dá completa passagem para o outo templo.

Há para o outro lado o craneiro, ou catacumbas em que se sepultam os irmãos. É uma quadra oblonga com sepulturas no pavimento, e uma espécie de mauzuleos aos lados, em cuja face se leem os nomes das pessoas que ahi jazem, com a data dos seus nascimentos e mortes.

A igreja de S. Pedro, cujo frontispício se está reconstruindo por um bem traçado desenho, acha-se situada no largo ou terreiro da Sé; e segundo a tradição foi aqui o logar onde se celebrou a primeira missa, servindo depois por muito tempo como igreja matriz.[30]

A mesma tradição conserva um facto horroroso ahi perpetrado, durante as incarniçadas dissensões das famílias Ramalhos e Pinheiros. Um dos membros d’esses bandos ferozes assacinou pelas costas com uma faca de mato ao outro, que se achava de joelhos: e isto na ocazião de levantar a hóstia consagrada!

É fácil imaginar o horror que um tal facto causaria aos numerosos espectadores. A hóstia foi logo commungada; e d’ahi a uma hora sahia o cadáver para o adro, em quanto os sacerdotes rezavam os psalmos para o interdicto da igreja, segundo as disposições canônicas.

Este facto presta-se muito à confecção de um romance histórico, se se aproveitarem todas as circunstâncias d’essa guerra bárbara e cruel, de que elle é apenas uma página. O poeta, ou artista que, ao ver dispostas na palheta estas immensas variedades de cores, molhar ahi o pincel e traçar ao menos o contorno das personagens e o da paisagem do fundo, terá feito um magnifico quadro, e poderá descançar ao sétimo dia, porque fez um trabalho de grande proveito para a historia e para a arte.

A cadeia pública é no largo do mesmo nome. É um casarão immundo e insalubre, onde há o antigo e bárbaro costume de enchovias sem janellas convenientemente dispostas, para se crusar o ar e lavar os miasmas carbônicos, que exalam os excommungados civis.

As penitenciarias que se tem projectado não tem passado por hora de uma brilhante utopia.

Como disse há outros edifícios e igrejas, mas, havendo eu visitado quase todas, não achei n’ellas coisa que mereça mencionar-se com especialidade.

Tenho dito muito do interior de S. Paulo, passarei agora a falar dos seus arrabaldes, e das impressões que me causou o seu pittoresco aspecto.

VII [31]

Depois que cheguei a São Paulo permaneci bastante doente, ainda por alguns dias; e quase cheguei a perder todas as esperanças de tornar a recuperar a saúde perdida. A athmosphera conservava-se então chuvosa e irregular; e a sua influencia, na minha constituição, era poderosa e fatal. Por último concertou o tempo e eu comecei a sentir algumas abertas de melhoras. O meu primeiro cuidado foi ir entregar algumas cartas de recommendação, com que havia sido brindado na corte. Por todos os cavalheiros a quem eram dirigidas fui eu recebido com mui generosa benignidade, e bem assim por muitos outros indivíduos, a quem não vim especialmente recomendado, mas de quem recebi milhares de atenções, que penhoraram o meu reconhecimento; e, por ser tão avultado o seu número, não especifico os seus nomes, os quaes tenho gravados na memória, e ambiciono ocasiões de lhes mostrar por factos a realidade d’esses sentimentos.

Esta minha declaração não se resume somente à cidade de S. Paulo, amplifico-o por toda a parte onde fiz as minhas excursões.

O meu primeiro passeio, depois da entrega de algumas cartas, no interior da cidade, foi dirigido ao JARDIM BOTÂNICO. Este logar é, no meu intender, a primeira maravilha de S. Paulo; e a corte vangloriar-se-hia com razão se tivesse um passeio público tão vasto e tão cuidadosamente plantado como está este.

Lançado sobre lugar elevado, e no mais pittoresco arrebalde da cidade, as suas ruas estão por tal formas dispostas, que causam um effeito agradável. O tanque, que está no meio d’aquelle vasto paralelogramo, assimilha-se, na sua forma a uma espécie de cruz de Malta; aquelles vastos canteiros, ostentando uma immensa profusão e variedade de flores açorianas, e de muitas indigenas, a, suavemente, melancólica rua das Oliveiras, e as árvores corpulentas e copadas, que dão sombra a assentos bem dispostos, tudo isto forma um todo majestosamente agradável, que embriaga e enleva a attenção do viajante.

Este logar delicioso é, porém, pouco frequentado pelas pessoas da alta sociedade; e apenas ahi afflue um público menos educado, que apanha as flores em grandes porções, estragando os botões, e muitas vezes arruinando as plantas, que ficam. Há guardas dos jardins, e tambem uma guarda militar; mas essas coisas humanas estão ali como estafermos: são guardas de estado, que deixam rapinar as flores, que deveriam servir para recreio público.

Antes de entrar-se no jardim há um largo de bastantes dimensões; e ahi existiam umas taipas, que, ao longe pareciam um lanço de muro arruinado. Essa mole de terra, segundo a tradição é um monumento do mais cynico, e do mais estulto e depravado absolutismo.

Um capitão general embirrara especialmente com todos os capitães-mores que viajavam de rede. Mandou-os pois chamar a todos às diferentes localidades, em que residiam, para dia certo; e indo-se collocar n’esta sahida da cidade, os mandava esperar e obrigava a trabalhar n’aquellas taipas, que oito dias depois da minha chegada, se demoliram; e estão hoje razas com o nível do terreno.

Eis aqui como me contaram essa anedocta célebre que se tem conservado na tradição como um facto histórico incontestável: mas por cuja veracidade não me responsabiliso, porque o povo costuma exagerar os sucessos, até desfigura-los.[32]

Continuando-se o passeio, além do jardim, encontra-se a ponte de Santa Anna lançada sobre o Tietê, e na estrada que vae para a villa de Atibaia. È uma obra de bastante consistência, posto que de um feitio particular na sua construcção.

 A casa de correcção, que também se acha próxima ao Jardim tem custado à nação o melhor de 58:000$000 rs., e comtudo está em risco de ficar inustilisada a obra até hoje feita. O risco tinha sido dado por um ingenheiro, segundo o systema de Auburn, com preferencia ao de Philadelphia; mas cahindo em mãos leigas de imperitos, estragaram risco e plano. Esse raio do edifício que já está levantado; pecca em muitos deffeitos da arte da construcção, e tão irremediáveis, que se tem chegado a opinar e a sustentar com razões da sciencia da engenharia, a conveniência de se abandonar a obra e o local. O meu illustre colega do Instituto Historico o Sr. major de ingenheiros Beaurepaire Rohan no seu relatório de 27 de novembro de 1843 opina pelo abandono da obra e do local.

Não obstante ser esse o bairro mais primoroso de S. Paulo, outros arrebaldes há muito pittorescos e agradáveis. Acceitando eu um almoço que se dignou dar-me na sua chácara o Sr. coronel Leite, veador da casa imperial[33], tive ocasião de ver o arrabalde, que vae além dos Curros. A estrada não se pode dizer amena, posto que muito plana; mas a paisagem das serras de Jaraguá e Cantareira, e as verduras que além se avistam é com effeito encantadora.

Tive por meu companheiro n’este passeio o Sr. Dr. Arêas moço de muito talento e muita instrucção, que acabava de fazer a sua formatura.[34] Ao abrir de um formozo dia puzemos-nos a caminho, e passado pouco tempo, estávamos na mencionada chácara, onde passamos até uma hora da tarde, muito obsequiados pelo seu proprietário, que não qualidade de fineza que nos não prodigalisasse. Depois do almoço fez-nos ver as suas plantações e as suas minas para matar as formigas, inimigos poderosos para a agricultura em differentes pontos do Brasil.

As formigas que são das que os naturalistas chamam (Ecodomo cephalotes Lin.) e que vulgarmente se conhecem por issá, tanajura, formiga do natal, etc. moram no interior da terra em minas solapadas, deixando muitas vezes uma crusta de terreno oco na superfície, o que é um verdadeiro precipício. Ahi trabalham com a atividade, indústria e boa regra, que lhes é possível. Tem guardas que expulsam zangões, tem umas que se empregam na condução dos provimentos, outras na sua alimpação e disposição, e há uma especie de formigas mais pequenas, que são entre as outras como uma espécie de escravas, e que conduzem as cargas entre guardas que parecem vigia-las. Conhece-se a existência de um formigueiro pelos seus olhos, ou abertura dos canaes por onde ellas vem à superfície, mas muitos especialmente pelos altos cômoros de terra, que d’um dia para o outro aparecem: terra que foi expulsada para se proceder a edificação das differentes officinas. A distancia conveniente abre-se, pois, uma cova, forma-se depois um canal que conduza até a mina, então ataca-se com fogo soprado por foles, e d’esta sorte extinguem-se os formigueiros. N’esta chácara do Sr. Leite haviam-se extinguido duzentos e trinta, e estavam ainda a trabalhar na extinção de mais de setenta.

A chácara do Sr. Machado d’Oliveira confina com o jardim botânico. Ella torna-se recomendável pela indústria agrícola do bicho da seda, que o seu proprietário tanto se exforça em fazer prosperar e elevar à larga escala.  A plantação das amorerias dá-se ahi tão bem e com tanto viço, como nos logares da Europa, os mais aprovados para estas arvores: emfim tudo tem concorrido para demonstrar a reconhecida possiblidade, e alta conveniência de ampliar essa indústria, e de fazer emanar d’ella um grande resultado  lucrativo.

Cabe-me aqui dar um publico testemunho do reconhecimento ao meu respeitável collega o Sr. Machado d’Oliveira pela bondade com que pôz a minha disposição a sua numerosa livraria, mappas, e os importantes manuscriptos acerca d’esta província, afim de que eu colhesse n’elles os precizos exclarecimentos para a minha viagem: o espirito de camaradagem acadêmica que elle comigo desenvolveu, nunca o saberei esquecer.[35]

VIII [36]

Disse a baronesa de Stael[37]na mais immortal de suas obras a CORINA, que era uma coisa bem triste o viajar porque as pessoas que encontramos, e os logares que percorremos não têm relação alguma com a historia do nosso passado; como definiria porém essa mulher de ingenho varonil a dolorosa saudade com que nos apartamos de um logar, que vizitamos por curiosidade, mas com que sympathizamos porque ahi nos bateo o coração, porque ahi sentimos sensações cuja lembrança só expira com a vida, e que enfim temos de dar um adeus a esse logar, onde nos ficam tantas e tão profundas affeições, um adeus que é bem tremendo na sua significação, porque o reputamos eterno?.. Creio eu que se há impressão triste no viajar, a mais terrível, a mais severamente amargurada é sem duvida esse adeos.

Quem sabe se eu - obscuro viajante - experimentei a significação d’esta violenta situação, quando me despedi de S. Paulo?

[...]

Quando o sol surgia do oriente sobre uma nuvem branca como orlada de oiro e prata, e que se assemelhava a um rei cercado de magestade e sentado no seu throno, havia eu já passado a chácara da Agoa Branca. Logo depois passei uma ponte de madeira lançada sobre o rio dos Pinheiros, e d’ahi a cousa de uma legoa topei com um profundo atoleiro, que quase me fez desesperar de poder continuar a viagem.

O meu pagem vinha mais atraz com a minha bagagem, e como houvesse experimentado todo o atoleiro e achasse profundo, resolvi apear-me tomar por uma campina que ficava ao lado. Assim o fiz; mas ao transpor um pequeno córrego a minha besta de montaria precipitou-se em uma desabrida corrida, que quase me deixou sem esperança de a tornar a ver. A principio corri apoz ella, mas eram frustradas as minhas diligencias, ate que deparei com um homem camponeo, serrano ou saloio como dizemos em Portugal, ou caipira ou patrício como se costuma aqui dizer, e offereci-lhe uma boa recompensa para ir me pegar o desvairado animal. A resposta que elle me deu foi desenfear o ponche, desenfivelar as chilenas e tirando de cima de uma besta de carga uma comprida corda foi-a enrolando e dispondo com arte, e já de caminho para a encosta de um monte por onde andava a besta fugida, mas já um tanto sopiada.

Eu tinha já noticia da admirável destreza de enlaçar os animaes bravos em muitos pontos do Brazil especialmente no Rio Grande, onde só tem como rivaes os guauchos de Montevideo e Buenos-Ayres: mas a facilidade com que este caipira foi ladeando o animal, e como lhe lançou tão certeiramente o laço, fez-me uma bem profunda impressão.

Depois d’esta desagradável aventura, montei e prossegui a viagem. Teria eu passado o milhor de suas legoas quando deparei com uma taberna situada à beira da estrada, e como me não conviesse esperar pelo farnel que vinha com a bagagem, entrei e pedi o que almoçar, porque a manhã já estava bastante adiantada.

Quando reparei no interior d’essa caza, que é o modelo de todas as outras que fui encontrando nas estradas, tive as mais vivas lembranças da taberna do Coelho Branco dos Misterios de Pariz[38]. Com quanto a taberneira não tivesse a hidiondez da Tia Poncia, com quanto os concorrentes não fossem dos da laia do Mestre Escola, de Braço Vermelho, do Churinada, da Coruja e dos outros d’essa taberna da cité de Pariz tão poetizada por Eugenio Sue, a aparência das creanças vestidas apenas com umas camisas?.. da côr da lama em que estavam a chafurdar, os cabellos crespos e erriçados, e os rostos terrenos e pálidos d’esse grupo de figuras de differentes idades e tamanhos reflectia-me n’alma uma imagem bastante melancólica. Fôra aqui o logar para recommendar o fazer-se descer até aqui as vantagens de uma boa hygiene e de bem calculada saúde pública, fazendo desaparecer d’estas miserandas vivendas, d’estas quase taperas de selvagens, vestidos com os andrajos imundos de uma civilização postiça, e derramando por toda a parte e fazendo brotar por todo o solo fecundo e miraculoso d’este vasto império os mananciais da riqueza publica e particular com boas estradas e canaes, com boa policia comercial, com meios poderosos em umma de elevar a agricultura e as manufacturas ao alto grão de perfeição e de importância, de que tanto se carece. Mas para que recommendações d’esta laia?

[...]

Mas.... como eu ia dizendo a taberna onde eu pedi de almoçar, era senão da mesma edição, ao menos pelo mesmo padrão da dos Misterios de Pariz. Uma grade a uma das janellas, com um vão em forma de postigo serve para atravez d’ella, ainda mesmo de noite vender da fina (cachaça) aos fregueses viandantes. Uma manta de toucinho rançoso sobre o balcão, um pouco de feijão em uma quartola, umas poucas de braças de fumo enroladas n’um grosso bocado de madeira, e isto disposto ao acaso, tudo afumado, e muito hydiondo pelos salpicos de lama, pelas manchas de gordura ahi impressas em todos esses utencilios, tal é a decoração de uma taberna nas estradas de S. Paulo.

Em presença d’este quadro tomei uma tegelinha de café com uns biscoitos de farinha de milho. Mal acabei de tomar este desacostumado viatico, montei e continuei a viagem, levando bem impresso os traços d’esta asquerosa biuca, para algum dia bordar com elles o fundo de alguma scena romanesca.

Depois de passar o rio dos Pinheiros acha-se uma extensa pedreira de granito, d’ahi a pouca pittoresca floresta de Parasyssara[39], depois o rancho do Jaguaré, e então ve-se ainda ao longe avultar sobre uma erguida colina ladeada por dous montes a freguesia da Cutia, cuja esbranquiçada torre da igreja ostenta-se ao longe, como se fora de marfim.

Os principaes ribeirões que se passam n’esta distância de cinco legoas, que vae de S. Paulo à Cutia, são os de Capicua[40], da Fazendinha e do Moinho-Velho, bem como os rios são além do Verde e dos Pinheiros, de que já fallei, o chamado mesmo da Cutia, que lhe corre a pequena distancia.

São onze horas da manhã. Está concluída a nossa viagem de hoje: subamos por essa ladeira que ainda nos falta, entremos no logar da Cutia e pouzemos na caza do reverendo vigário para quem levamos cartas de recommendação.

O logar da Cutia, posto que se lhe não possa assignalar ao certo a epocha de sua fundação, é da mais evidente verosimilhança que elle data dos primeiros annos depois da fundação de S. Paulo. Como freguesia rural, e como parochia tem ella tido quatro vezitas episcopaes, como consta do seu livro de tombo, a primeira pelo bispo D. José de Barros e Alarcão, a segunda por D. Fr. Francisco de S. Jeronimo, a terceira por D. João de Deus, e a quarta por D. Fr. Antonio de Guadelupe.[41]

O nome de Cutia dado a este logar provem-lhe naturalmente da abundancia d’ellas n’esta paragem, que em sua origem foi povoada por colonos portuguezes, mas muito especialmente por índios que se sujeitavam aos hábitos sociaes.

A freguesia compoem-se de uma única rua com algumas viellas aos lados: no meio d’essa rua quase se alcança toda a extensão do povoado.

O orago da igreja, única que ahi há, é da envocação de Nossa Senhora do Montserrate. A igreja é bastante medíocre, e carece de obras especialmente de soalho, que pelo continuo alevantar-se para a abertura de sepulturas está bastante deteriorado. O reverendo vigário projecta aqui duas obras, que oxalá a sua provecta idade as deixe levar ao cabo, uma é o dar mais largas dimensões à capela mór, e a outra, e a mais principal é a creação de um cemitério, que é um dos institutos da moderna civilização bem pouco seguidos no Brazil, em cuja capital ainda se não encetou esta proveitosa medida, que havia por fim vir dar cabo d’essa profanação que annualmente se faz aos ossos dos finados, expondo-os a uma curiosidade estupida, material, e indecente.

Quando eu entrei na freguezia, e busquei a caza do reverendo pastor d’aquella povoação, estava elle a dizer missa conventual, depois da qual me concedeu e hospedou com aquella franqueza e bondade hospitaleira que forma uma parte essencial do caracter brasileiro. O Sr. padre José Manoel d’Oliveira é quasi um ancião octoginario, e tem a administração espiritual d’este povo há mais de trinta annos. O seu aspecto é de uma velhice respeitável, os seus modos insinuantes; a sua casa é a misericórdia d’aquelle logar: emfim o reverendo vigário é um verdadeiro ministro do altar, digno de todos os respeitos, pela sua virtude exemplar, e pellas excellentes qualidades que o caracterizam.

Quando eu entrava o logar encontrei-me com um caçador. Recordei-me com saudade do já para mim remoto tempo em que eu pelas herdades paternas me abandonava a esse exercício, que como a pesca devora o tempo com uma rapidez insensível.

Ajustei uma caçada de ararapongas para o correr da tarde, mas a chuva veio-me transtornar esse projecto, e dar-me em troca uma tarde abhorrida.

Anoiteceo: e do corucheo da igreja partiram as cinco badaladas lentas das ave-marias. O cahir da noite n’uma povoação rural é de uma suave melancolia, e o signal do rito catholico, que diz na sua lingoagem de bronze - “mais um dia no volcão immenso dos séculos - disperta em nossa alma bem pezadas meditações. Emfim essa hora que Lamartine cantou.[42]

Entre la nuit que tombe et le jour que s’enfuit levou-me a alma para bem longe, accompanhada de bem saudosas e pungentes recordações.

[...]

Ao amanhecer do dia seguinte continuei a viagem em direcção à villa de S. Roque, que d’aqui dista cinco legoas. O ceo estava sombrio e carregado de nuvens pejadas de agoa, promettendo um próxima descarga de chuva; mas o ardor de continuar a viagem tornou-se-me insoffrido, e sem reflectir, parti depois de me haver despedido, e com emoção, do reverendo vigário, typo dos padres do antigo presbitério, e que tinha sabido captivar-me com suas maneiras obsequiosas.

IX [43]

A fundação de São Roque remonta-se a uma larga antiguidade; e com quanto se lhe não possa assignalar precisamente o anno em que foram lançados os seus primeiros alicerces, sabe-se que começou sua existência civil entre os annos de 1560 e 1570.[44]

Dois irmãos se haviam por este tempo estabelecido n’estas paragens, um aqui nas margens do Caraembehy[45], que ainda banha as faldas da villa pelo lado do Boy-poruçuruguaba, o outro mais além no vale chamado de Santo Antonio de Arassariguama. O daqui chamava-se Pedro Paes de Barros, e o estabelecido além Fernando Paes de Barros.

No actual descendente d’esta família, de quem fallaremos depois, conserva-se uma romanesca tradicção escorada em valentes bases históricas, e que diz respeito aos pormenores da edificação da primeira igreja erecta n’este logar, e que foi o verbo da moderna villa. O meu estimável amigo Sr. Antonio Joaquim da Roza, de quem também fallarei depois, recolheu as circunstancias d’este facto da chronica de uma família tão notável na historia d’esta localidade, e revestindo-a com as roupagens de seu gênio escreveu uma lenda de bastante merecimento artístico e litterario.

A igreja foi, como há pouco disse, o verbo da moderna villa. Quando aqui cheguei, fui entregar algumas cartas de recommendação ao dito Sr. Roza, que me acolheu e hospedou com a mais urbana franqueza. A sua caza é a principal da villa, e além da sua boa edificação e delicada decoração, tem essa caza um brazão histórico com que tem de passar à posteridade, e porque, e porque sempre hade ser olhada com certo respeito e consideração, por que foi ahi que se hospedou a primeira testa coroada que por aqui passou: falo do Sr. D. Pedro IIº na sua viagem a esta província.

O Sr. Roza é o primeiro negociante da terra, e dos principaes de toda a província. Dado muito a leitra de obras amenas tem cultivado o seu gênio, que a sua vida comercial não permittio illustrar em larga escala; as suas mimozas poesias que vimos nos dão logar a lamentar que um talento de tão boas esperanças fosse assim sacrificado à aridez das cifras.[46]

Já se ve pois, que a nossa intimidade rapidamente se tornou como se fôra muito antiga; e que todas as nossas conversações de dois dias foram consagradas a objectos literários. Pela tarde desse dia percorremos a villa, que é de duas ruas e algumas viellas. Acha-se mal collocada, e as suas ruas lançadas como ao acaso são comtudo ornadas de algumas cazas bem edificadas e de bonita apparencia. A igreja matriz única que há em toda a villa é bastante medíocre, assim como a cadeia e caza de câmara, que são os únicos edifícios públicos que aqui existem.

Quase ao fechar da noite tomamos o lado da villa por onde respira o pequeno rio de Carembehy, e d’ahi se disfructa o panorama da villa, pittorescamente collocada sobre um colina, cuja veiga nós agora percorríamos. O rio faz n’uma paragem d’este extenso vale uma quebrada, que parece uma catarata em miniatura. A um dos lados d’esse salto d’agoa há um monjolo, tosco engenho de estroçoar o milho, e que eu via pela primeira vez, pois até então tinha-o eu visto reduzir em pilões de madeira que são uma espécie de almofariz, em ponto grande. Uma trave como a dos nosso logares da Europa tem fincada n’uma das extremidades uma espécie de mão de gral ou de almofariz, e na outra uma excavação com capacidade para dous barris de agoa. Perfurado o madeiro quasi no centro, é atravessado por um eixo. A agoa precipita-se então na excavação, como sobre as rodas de uma azenha. Quando chega a encher ergue com o pêzo da agoa a outra extremidade, que se precipita logo com bastante força, e a mão do gral vae assim estroçoando o milho. É fácil de comprehender que este tosco engenho, do qual se lança mão pela falta de pedras favadas próprias para a moenda, deveria ser substituído por algum outro meio mais fácil e mais prompto, o que me parece se poderia conseguir com mais facilidade fazendo uma machina de ferro dentada, que, a semilhança dos pequenos moinhos de moer café torrado, podesse obter o mesmo fim.

Ao cahir da noite, o sino da freguesia fez soar as badaladas das Ave-Marias. As mesmas impressões que eu sentira no dia antecedente n’essa hora ungida de melancolia, experimenteia agora também, erguendo os olhos da veiga tapizada de verdura, bordada de arvores, e cortada de límpidas agoas; e volvendo-os para o largo horisonte, que começava a entenebrecer-se: soltei um suspiro: foi uma homenagem de dolorosa saudade enviada à terra da pátria.

. . . . . . . . . . . . . . . .

No dia seguinte, ao amanhecer, parti eu e o meu estimável amigo, o Sr. Roza a fazer uma excursão à capella de Santo Antonio e ao Collegio dos Jesuitas, no districto de Arassariguama, aquella a uma e esta a duas legoas distantes de S. Roque.

Este episodio de viagem não o trazia em consignado no meu programma, foi decidido na noite do dia da minha chegada a S. Roque, e posto em obra ao alvorescer do dia immediato.

Depois de caminharmos por atalhos íngremes e mal-gradados, depois de atraversarmos matos virgens, galgado veigas e transporto ribeirões, chegamos emfim ao histórico e poético vale de Santo Antonio. Algumas arvores seculares erguendo-se majestosas à entrada d’essa vivenda pareciam atalaias gigantes, que a vigiavam. Passamos por debaixo da abobada verde-negra que ellas formavam, e transpondo a cancella, entramos no pateo da herdade, que é um vasto paralelogramo, a cuja direita está a ermida e a caza nobre, no fundo e à esquerda as senzalas dos escravos.[47]

As impressões que eu senti ao lançar os olhos por essas antiguidades da historia e por esse monumento do catholicismo, não as sei eu descrever, posto que as sentisse em toda a largueza da sua magna significação. Os monumentos de mais de dous séculos erguidos pela mão dos homens, ahi estavam no meio d’essa natureza, que ainda mostrava uma fisionomia virgem e selvagem. O homem e a natureza pareceram –me ahi duas vontades poderosas, duas linhas rectas que levadas a uma distancia imensa nunca conseguem encontrar-se. Esses dous monumentos que pareciam isolados concorriam porem para o contraste, para a grandiloca harmonia d’esta paisagem, que falava na sua lingoagem muda do poder dos homens, e da omnipotência de Deus”.

X [48]

 “Mal fomos presentidos toda a família correu com alegria ao nosso encontro; por que o meu companheiro era muito querido d’aquella digna família.

A caza é construída de taipa, já petrificada pelos frios e calores do melhor de trez séculos. O gosto da sua edificação acusa a época em que foi edificada, isto é, a singeleza de uma arquitetura que nascia por esses mesmos tempos, e que luctava com tamanhas difficuldades, a ponto de valer-se da terra, em vez de pedra, para a construcção das paredes.

O todo d’este edifício é de grandes proporções, mas o mais notável d’elle são o quarto e alcova em que se hospedava o famoso padre José d’Anchieta, e que ainda hoje serve para os hospedes, bem como a varanda, cujo tecto assenta sobre columnatas de madeira estribadas em um mainel de taipa.[49] Nas paredes d’esta varanda estão dous retratos bem antigos, um é o da instituidora d’este vinculo, e edificadora da ermida Ignacia Paes de Barros, que depois de viúva trajou sempre as vestimentas de freira carmelita, como ainda está retractada; o outro é o do seu confessor e director espiritual, o famoso padre Anchieta.[50] 

Cumpre notar que esta caza, a sua ermida e as terras que estão visinhas tem vindo em vinculo d’esde a sobredita instituidora e seu marido Fernão Paes de Barros até ao actual e ultimo administrador d’esse vinculo João de Deus Martins Claro, que se pode já dizer macróbio pois que tem 99 annos.[51]

Este individuo, dotado de uma compleição robusta e sadia, occupa-se especialmente em tratar com alguns pássaros, como periquitos, papagaios e arapongas, com que se entretem e diverte. Alem do sentido de ouvir, que está bastante debelitado, gosa de todas as suas outras faculdades; e dá inteira e fiel conta de todas as tradicções da chronica da família; menciona factos importantes da historia sua contemporânea, e com muita particularidade da expulsão dos Jesuitas, primeiro facto o mais importante da sua vida, e que elle prezenceou sendo já moço. Disserta em astrologia, cuja leitura foi da sua particular vocação, é em summa um homem, que deveria consultar-se, bem como escreverem-se os seus importantes depoimentos sobre os sucessos mais notáveis prezenceados por elle, e tão fielmente guardados em sua memoria.

O livro de tombo d’esta caza é importante para a historia d’esse local, e mesmo para a apreciação de muitos usos e costumes de legislação sobre vínculos, onde vem algumas especialidades bem notáveis, especialmente nas correições, a que estava sujeita a administração d’este morgado, que, por morte do seu actual possuidor, se transformará em bens livres, como dispõem a moderna legislação brasileira.[52]

Depois de um ligeiro exame a este livro, depois de conversar largamente com o Nestor d’esta família, fomos em direcção a ermida, que fica a um dos lados da casa e logo a entrada da cancella.

É notavelmente curiosa a edificação e decoração d’esta capela, que, abençoada pelo jesuíta Anchieta há dusentos e tantos annos, ainda se conserva em bom estado, ameaçando apenas alguma ruina o alpendre de telha, que cobre o pequeno adro que precede a entrada.

O fronstipicio do templo apresenta uma singularidade, e vem a ser as rótulas, e grades de madeira, que por uma arte bem combinada dão realce ao edificio, e permitem que a toda hora se possa ahi visivelmente adorar as imagens sacrosanctas do interior. N’este adro da entrada é onde tinham costume vir os índios catequizados, e os escravos do morgado rezar o terço da noite.

A um dos lados da ermida está um mirante que serve de torre do sino: não verifiquei, mas supponho ser construído de pedra.

Entrando no interior da igreja um quadro novo e interessante se nos apresenta com o seu todo magestoso pela antiguidades que ahi ressumbra, e pelas recordações que nos desperta d’esses tempos da infância civil d’este immenso territorio. A quadra do templo é em forma de parallelogramo com umas cinco braças de largura sôbre quinze de comprido. A capella mór tem um retabulo de esquesita architectura, conservando ainda o doirado com toda a perfeição. A imagem do sancto ahi se acha collocada em seu nicho. O frontal do altar é de oleado pintado com as cores próprias. Aos lados existem duas figuras de madeira representando um cazal de índios, que servem de tocheiros, e tambem de pousadores para dois vazos ou açafates de flores. No corpo da igreja estão dois nichoes embutidos na parede, arremedando uma especie de altares lateraes. O retabulo que os adorna é de uma architectura grosseira, posto que antiga. O côro tem um gradeamento de fina madeira. Pendem das paredes alguns quadros pintados sôbre tela, dos quaes o mais curioso e de maiores dimensões é um que representa o ceo, o purgatório, e o inferno. Na parte superior estão personificadas as trez pessoas da trindade catholica com toda a corte dos bem-aventurados; presidido pela Mãe de Deus. Aos pés do Altissimo alguns anjos com as suas trombetas na bocca chamam as almas do purgatório, que estão no meio do quadro. D’entre chamas sahem essas almas bemaventuradas, que se suppõem haverem expiado as suas culpas, e que vão sendo conduzidas pelo anjo das mizericordias. Na parte inferior existe o inferno com figuras de condemnados cercados de todos os tormentos que mais aggravam a sua situação. Avultam as figuras de um clérigo, de um papa e de um desembargador. N’esse quadro, que se acha já deteriorado pela humidade, ha muito imaginação e poesia tanto na composição, como na execução artística.[53] O tecto da igreja, e o da sacristia está primorosamente pintado de florões, cujas cores estão bastante vivas; é uma pintura de muito gosto, a melhor que tenho visto pertence[nte] a esses tempos.

Por este rápido esboço verá o leitor as impressões que ahi experimentei. A manhã ia-se adiantando e força era continuar a digressão. Por atalhos igualmente íngremes e malgradados fomos andando mais uma legoa até chegar ao collegio de Arassariguama edificado pelos Jesuítas. Seriam nove horas quando ahi chegámos, e subíamos o monte em que elle se edificou.

Sobre uma eminencia, cuja vista alcança uma legoa em raio de circulo, existe este monumento da antiga civilisação theocratica: é mais uma pagina de pedra que nos certifica do poder immenso d’essa ordem tão notável pelo seu saber e pelas suas arrojadas empresas. A escolha do local para a edificação foi muito acertada, porque por estes campos erravam os índios Goyanazes e era mister um logar que materialmente por assim dizer fizesse sentir em suas almas o poder do catholicismo. A historia d’esse convento, a historia das cathequezis que ahi houveram, a historia das profundas amarguras, que talvez ahi se curtiram debaixo da roupeta grosseira do Jesuíta, não a recolheram os homens, nem mesmo a fiel narração d’essas dores d’alma as podiam revelar os lábios. Perguntei-a à solidão d’essas ruínas, apenas agora interrompida pelo pio das corujas, o pavoroso silencio que sucedeu a esta minha pergunta mental, fez-me cahir em bem pesadas meditações. O fructo d’ellas reservo para escrever em um romance histórico, em que me esforçarei por dar uma ideia, ainda que pálida dos bens que ao Brazil fez essa ordem notável, e abundarei na idéa, ou na opinião que commungo da necessidade de haverem n’estas paragens d’estes estabelecimentos, que sirvam de recoletas, que sirvam de amparo e refugio a dores que o tracto humano não pode consolar, e que antes martyriza e aggrava com sua indifferença brutal e cruel.  Este pensamento que eu busquei traçar e explicar em formas artísticas de romance no Monge da Caloura[54] heide secunda-lo no Noviço de Arassariguama, quando algumas tregoas da minha publica ocupação me permitirem refrescar a imaginação copiando as scenas que me passavam pela alma ao contemplar esse edificio, cujas paredes se acham espedaçadas pelas azas fataes do archanjo da distruição.

O convento constava de um só dormitório, e parallelas com o côro grande da igreja haviam duas espaçosas salas. O refeitório e as outras officinas existiam no pavimento inferior. O templo é bastante vasto, e com o seu tecto de telha vã é a única peça importante d’esse todo que ainda não está em completa ruína, mas em breve o estará porque as chuvas já ahi penetram com abundancia tal, que a crusta do templo estava ensopada. Por cima das traves giravam algumas corujas estonteadas pelo nosso rumor tão desacostumado para ellas.

A architectura é medíocre, mas o púlpito em cuja face principal estão as letras cabalísticas da ordem, é notável pela sua obra de entalha, especialmente o sobrecéu rematado por um alvo pelicano.

Para o lado opposto ao do convento havia pegado com a igreja um vasto aposento, que creio servia para os romeiros e para os catecúmenos. Pelo lado posterior do templo havia outras officinas cujo uso se ignora.

Uma minuciosa descripção d’este edificio bem como dos logares que o circundam, já hoje despidos daquelles immensos arvoredos que deveria ter, reservo-o para o prometido romance.

Prosseguimos a viagem até ao sítio denominado do Collegio. Ahi recebemos um bem servido almoço do Sr. Dr. Carlos Elidro da Silva, amigo íntimo do me companheiro de viagem, e hoje tambem meu. Depois de larga conversa, especialmente sobre a sua cultura do chá, que achei bastante cuidadosa e já com um apuro pouco commum, despedimo-nos, e por um caminho cada vez mais péssimo passamos as duas alentadas legoas que iam d’aqui até a villa de São Roque, onde emfim chegamos fatigados especialmente pela ardentia do sol.

Ao amanhecer do dia seguinte, comecei a dispor-me para a continuação da viagem, levando gravadas na memória as horas de profundas impressões, que passei na ermida de Santo Antônio e no collégio de Arassariguama, que são dous monumentos históricos, que atestam o poder d’essa ordem notável, como nunca mais houve outra, que a podesse igualar e que tantos e tão relevantes serviços fizesse ao Brasil”.[55] 

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Referências bibliográficas - introdução e notas 

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Excertos publicados por Raposo d’Almeida 

A serra de Paranapiacaba (introdução), A Semana, 17 fev. 1856, p. 117.

Recordações de viagem, A Semana, 09 mar. 1856, p. 147-148.

Recordações de viagem, A Semana, 23 mar. 1856, p. 167-169.

Recordações de viagem, A semana, 06 abr. 1856, p. 187-188.

Recordações de viagem, A semana, 13 abr. 1856, p. 195-197.

Recordações de viagem, A semana, 20 abr. 1856, p. 203-205.

Recordações de viagem, A semana. 22 jun. 1856, p. 267.

Recordações de viagem de F. M. Rapozo d’Almeida, O Mercantil, 26 out. 1850, p. 2-3.

Recordações de viagem de F. M. Rapozo d’Almeida, O Mercantil, 02 nov. 1850, p. 1-2.

Recordações de viagem de F. M. Rapozo d’Almeida, O Mercantil, 06 ago. 1851, p. 2-3.

Recordações de viagem de F. M. Rapozo d’Almeida, O Mercantil, 28 mai. 1851, p. 3.

Recordações de viagem de F. M. Rapozo d’Almeida, O Mercantil, 31 mai. 1851, p. 1-2

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[1] PINHEIRO, Maria L. B. Neocolonial, modernismo e preservação do patrimônio no debate cultural dos anos 1920 no Brasil. São Paulo: Edusp, 2012, p. 27 e ss.

[2] Ver: DOMINGOS, Simone T. Política e memória: a polêmica sobre os jesuítas na Revista do IHGB e a política imperial (1838-1889). Jundiaí-SP: Paco Editorial, 2013, p. 45-97.

[3] MELO, Mário. Índice anotado da Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco. Revista do IAHGP, vol. XLIV, 1961, p. 43.

[4] PIAZZA, Walter F. Revisitando Raposo d’Almeida. Arquipélago - História, 2ª série, ano II, 1997, p. 253.

[5] Antônio Joaquim da Rosa se referiu ao “parapeito” que existira no alpendre da casa, mas não especificou nem o material nem a técnica com que fora feito. Ver: ROSA, Antônio J. Prosa e poesia. São Paulo: Academia Paulista de Letras, 1986, p. 135. Dessa menção deve ter sido derivado o parapeito que consta no projeto inicial de restauro elaborado por Luiz Saia, em 1937. Ver: SOMBRA JÚNIOR, Fausto B. Luiz Saia e o restauro do sítio Santo Antônio: diálogos modernos na conformação arquitetônica paulista. Dissertação (mestrado em Arquitetura e Urbanismo), Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015, p. 171 e 175.

[6] Principalmente, a hipótese de que o alpendre fronteiro da capela teria sido um acréscimo posterior, não participando da primeira edificação. AMARAL, Aracy. A hispanidade em São Paulo: da casa rural à capela de Santo Antônio. São Paulo: Itaú Cultural, 2017, p. 177 e ss., elaboradas por estudiosos de renome, como Luiz Saia, Aracy Amaral e Carlos Lemos. Para um bom apanhado sobre as distintas interpretações sobre o alpendre da capela de Santo Antônio e seu lugar na história da arquitetura colonial, ver: MAYUMI, Lia. Taipa, canela-preta e concreto: um estudo sobre a restauração de casas bandeiristas em São Paulo. São Paulo: Romano e Guerra, 2008, p. 23 e ss.

[7] O comentário complementa a interpretação de Luiz Saia, segundo a qual o alpendre servia como elemento separador entre escravos ou impenitentes e os “fiéis mais graduados”, em dia com suas obrigações religiosas. SAIA, Luiz. O alpendre na arquitetura religiosa brasileira”. Revista do SPHAN, Rio de Janeiro, n. 3, 1939, p. 248.

[8] “Na parede esquerda do corpo da capela ainda existe uma grande tela representando no plano superior o céu com o Padre Eterno, a Santa Virgem, os anjos e os justos, no plano inferior o inferno com os réprobos, entre os quais se destacam frades e freiras!” (ROSA, op. cit., p. 135). 

[9] Para exemplos, ver o portal Project on the Engraved Sources of Spanish Colonial Art, organizado pelo professor Almerindo Ojeda, da Universidade da Califórnia. URL: https://artecolonial.pucp.edu.pe/ Para um estudo sobre a circulação de gravuras sobre o Juízo Final na América Hispânica colonial, em particular a de Thomassin, ver: ROMERO, Agustina R. Fama, estampas y pinceles: citas visuales del Juicio Final de Miguel Ángel entre Europa y los Andes (siglos XVI a XVIII). Ars, nº 42, ano 19, 2021, p. 122-170. 

[10] ROSA, op. cit., p. 135. 

[11] LINGUANOTTO, Daniel. Trezentos anos de história à espera de visita. Correio Paulistano, 17 abr. 1949, p. 24. 

[12] Tratava-se, na realidade, de uma manobra que permitiu a Fernão Pais de Barros legitimar a mulata Inácia Paes de Barros, sua filha natural com uma escrava pernambucana, como coproprietária de suas terras, por meio de seu casamento com o seu sobrinho Braz Leme, filho de Pedro Vaz de Barros, dono do sítio do Querubim, outra grande casa bandeirista que existiu em São Roque. Agradeço a Victor Hugo Mori pelos esclarecimentos.

[13] SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem à província de São Paulo e resumo das viagens ao Brasil, Província Cisplatina e missões do Paraguai. São Paulo: Livraria Martins, 1940, p. 178.

[14] Transcrito de: Recordações de viagem. A Semana, 09 mar. 1856, p. 147-148.

[15] Apontamentos de um caixeiro, cap. 12º.  Nota no original, onde o autor parece referir a outra obra de sua autoria, publicada nos jornais A Semana e O Mercantil com o título de “Folhas de um álbum.” 

[16] Batalha decisiva da guerra civil de 1846-47 entre os setembristas (liberais) e os cartistas (defensores do regime constitucional de 1826), que teve como desfecho a derrota dos liberais, seguida pelo envio de cerca de 1200 aprisionados para Angola. 

[17] Alexandre Dumas (1802-1870) escritor francês e autor de clássicos do “romance de capa e espada,” gênero literário de grande popularidade no século XIX. 

[18] Charles Nodier (1780-1844), escritor romântico francês, famoso por suas obras de atmosfera fantástica e decadentista. A citação pertence ao seu romance Les proscrits (1802).

[19] Transcrito de: Recordações de viagem. A Semana, 23 mar. 1856, p. 167-169.

[20] Os parágrafos entre colchetes foram omitidos dos “Apontamentos de viagem”, tendo sido publicados apenas como introdução ao poema de João Cardoso de Menezes Sousa, “A serra de Paranapiacaba”, publicado em A Semana, 17 fev. 1856, p. 117.

[21] O “manuscripto” referido pelo autor é relato da viagem entre Santos e Cuiabá feita pelo sargento-mor Luiz d’Alincourt, em 1818. Em 1825, o próprio Alincourt publicara o seu relato em um folheto, o qual provavelmente estava entre o material consultado por Raposo d’Almeida na chácara de Joaquim J. Machado de Oliveira.

[22] Transcrito de: Recordações de viagem. A semana, 06 abr. 1856, p. 187-188.

[23] Gabriel José Rodrigues dos Santos (1816-1858) foi juiz de direito da cidade de São Paulo e membro importante do Partido Liberal na província, elegendo-se deputado por diversas vezes. Participou da revolta liberal derrotada em 1842 e ao fim da vida foi nomeado professor da academia de direito paulistana.  

[24] Transcrito de: Recordações de Viagem. A semana, 13 abr. 1856, p. 195-197.

[25] Transcrito de: Recordações de Viagem. A semana, 20 abr. 1856, p. 203-205.

[26] Neste trecho, o autor faz referência a dois vultos da história política francesa, o ministro de estado de Luiz XIV, Jean-Baptiste Colbert (1619-1683) e Maximilien de Béthune, o Duque de Sully (1560-1641), principal ministro de Henrique IV. 

[27] Transcrito de: Recordações de viagem de F. M. Rapozo d’Almeida. O Mercantil, 26 out. 1850, p. 2-3.

[28] Grafia conforme o original, certamente “simbólicos”. 

[29] Seguem excertos da obra de Frei Gaspar da Madre Deus. Cfr.: MADRE DE DEUS, Frei Gaspar da. Memórias para a história da Capitania de S. Vicente. São Paulo: Weiszflog Irmãos, 1920, 242-244.

[30] O autor parece aqui referir-se à missa fundacional do colégio dos jesuítas. Se for esse o caso, registra uma tradição aparentemente desconhecida pelos principais memorialistas paulistanos. 

[31] Transcrito de: Recordações de viagem de F. M. Rapozo d’Almeida. O Mercantil, 02 nov. 1850, p. 1-2.

[32] A anedota, bem conhecida dos antigos memorialistas da cidade, costuma referir-se ao capitão general Antônio Manuel de Mello Castro e Mendonça (1797-1802), que tinha a reputação de homem cruel e governante opressivo.  O trecho de taipa encontrado pelo autor pode ter pertencido ao conjunto do Hospital dos Lazaretos, construído nas proximidades em 1803.

[33] Antigo título honorifico atribuído aos amigos e colaboradores da família real. Tratava-se de Antônio Leite Pereira da Gama Lobo, bastante reputado por ter sido o comandante da Guarda de Honra que escoltou D. Pedro I até São Paulo em 1822. À época da viagem de Raposo d’Almeida, possuía uma chácara no atual bairro de Santa Cecília.

[34] José Carlos de Almeida Areias (1825-1892), o visconde de Ourém, foi ministro do Império e exerceu cargos diplomáticos em Londres durante o Segundo Reinado. 

[35] José Joaquim Machado de Oliveira (1790-1867), militar e político, foi membro destacado do IHGB e autor da principal obra sobre a história de São Paulo escrita no século XIX, o Quadro histórico da província de São Paulo (1864).

[36] Transcrito de: Recordações de viagem de F. M. Rapozo d’Almeida. O Mercantil, 06 ago. 1851, p. 2-3.

[37] Anne-Louise Germaine de Staël-Holstein (1766-1817), mais conhecida por Madame de Staël, foi escritora importante do romantismo francês. O romance citado Corinne or l’Italie (1807) parte de uma viagem à Itália para contrapor o ideal clássico à Europa nórdica. 

[38] O romance Os mistérios de Paris, de Eugène Sue (1804-1857) é considerado o fundador dos folhetins, tendo aparecido, primeiramente, no Journal de Dèbats, entre 1842 e 1843. Chegou a ser publicado pelo diário carioca Jornal do Commércio, em 1844-45.

[39] Pirajuçara, afluente da margem esquerda do rio Pinheiros.

[40] Carapicuíba, afluente da margem esquerda do rio Tietê.

[41] O autor nomeou os três bispos que ocuparam Diocese do Rio de Janeiro entre 1680 e 1739, além do responsável pela diocese durante o período de sé vacante (1721-1725).

[42] Alphonse de Lamartine (1790-1869) foi escritor e político francês, cujos poemas se tornaram uma referência para românticos do Velho e do Novo Mundo. O verso citado pelo autor pertence ao seu famoso poema “La prière” (1820).

[43] Transcrito de: Recordações de viagem de F. M. Rapozo d’Almeida. O Mercantil, 28 mai. 1851, p. 3.

[44] As datas fantasiosas se devem, como se vê abaixo, à suposta presença de José de Anchieta por aquelas paragens.

[45] Carambeí, córrego formador do rio Guaçu e que corta o atual centro histórico de São Roque. 

[46] Antônio Joaquim da Rosa (1821-1886), o Barão de Piratininga, chegou a ser deputado provincial pelo Partido Conservador. É mais conhecido atualmente como autor menor de novelas e crônicas de maior valor histórico do que literário e por ter sido o primeiro a noticiar as obras artísticas da capela de Santo Antônio. 

[47] Cumpre notar que a entrada atual ao sítio, construída pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional na década de 1990, inverteu o sentido do acesso ao sítio, que hoje se faz pela parte posterior do conjunto seiscentista. A entrada antiga estava em cota mais baixa, próxima ao curso do córrego, dando acesso frontal ao paralelogramo citado.

[48] Transcrito de: Recordações de viagem de F. M. Rapozo d’Almeida. O Mercantil, 31 mai. 1851, p. 1-2.

[49] O termo “mainel” pode se referir tanto à coluna ou pilastra que divide um vão em duas partes como a um parapeito. O trecho parece indicar o segundo sentido, apontando para a existência de um guarda-corpo de taipa de pilão (como o da Casa do Bandeirante, em São Paulo) ou preenchido com barro e caiado, semelhante a uma meia parede de taipa de mão.

[50] Como dito na introdução, trata-se, em verdade, de um retrato do padre Belchior de Pontes. Havia notícia da existência de outro retrato seu no acervo do Museu do Ipiranga; trata-se, contudo, de outro erro de identificação, já que o jesuíta ali retratado é o padre Alexandre de Gusmão (1629-1724).

[51] Inácia Paes de Barros era filha de Fernão e não esposa. Após a morte de seu primeiro marido, Braz Leme, contraiu segundas núpcias com João Martins Claro. O “macróbio” Martins Claro conhecido por Raposo d’Almeida era o bisneto de Inácia e de seu segundo marido e foi nascido em Sorocaba, em 1748. Sua morte, ocorrida em 1854, pôs fim ao morgadio da capela de Santo Antônio, que logo foi adquirida pelo Barão de Piratininga. Ver SANTOS, Joaquim S.. São Roque de outrora. Revista do IHGSP, vol. 37, 1939, p. 228.

[52] Desse mesmo livro de tombo, há muito perdido, pôde o Barão de Piratininga obter as informações que citou em sua notícia sobre a construção da capela anexa e a instituição de um morgadio na propriedade.

[53] O quadro também foi mencionado pelo Barão de Piratininga em sua notícia de1881, ainda que sem o mesmo cuidado.

[54] Talvez inspirado no romance O monge de Císter, de Alexandre Herculano, publicado em 1848.

[55] Este último parágrafo consta apenas na versão publicada em: A Semana, 22 jun. 1856, p. 267.