A viagem de um antiquário pela província de São Paulo: excertos
do diário de Francisco Manuel Raposo d’Almeida, c. 1850
organização
de Francisco de Carvalho Dias de Andrade
ANDRADE, Francisco de Carvalho Dias de (org.).
A viagem de um antiquário pela província de São Paulo: excertos do diário de
Francisco Manuel Raposo d’Almeida, c. 1850. 19&20, Rio
de Janeiro, v. XVII, n. 1-2, jan.-jun. 2022. https://doi.org/10.52913/19e20.xvii12.fp01
*
* *.
Não é sempre que são encontrados novos relatos
de viajantes estrangeiros pelo Brasil oitocentista. Muito menos que eles
possuam um pendor tão forte para o registro e a descrição de edifícios e
lugares históricos da nova nação. Na verdade, se tornou proverbial entre
historiadores o descaso generalizado dos viajantes estrangeiros pelos sítios
históricos e bens artísticos aqui existentes. Se o que se convencionou chamar
de “barroco mineiro” mereceu apenas comentários depreciativos de nomes como Saint-Hilaire e Richard Burton, a regra geral foi um amplo silêncio sobre
os lugares ligados ao passado colonial.
Vários fatores pesaram para esse quadro:
primeiramente, havia a disparidade temporal entre o extenso passado europeu e o
“pequeno passado” das novas nações americanas - condição ainda mais exacerbada
pela inexistência de ruínas de templos e cidades pré-coloniais no território do
país.[1] Além disso, cumpre
notar que os relatos oitocentistas foram escritos por europeus pouco
familiarizados com a cultura luso-brasileira, como ingleses, alemães e
americanos. Mesmo autores familiarizados com o catolicismo como Saint-Hilaire e
Jean-Baptiste
Debret não se revelaram bons intérpretes das manifestações religiosas brasileiras
e dos bens artísticos e arquitetônicos associados. Já o bacharel açoriano Francisco Manuel Raposo d’Almeida (1817-1886) parece ter
estado à distância exata para um juízo mais equilibrado acerca do passado
nacional, vide a avaliação positiva do legado da atuação jesuítica no período
colonial, tida como perniciosa por muitos letrados da época.[2]
Assim, o relato de Raposo d’Almeida - auto exilado no Brasil após participar de revoltas liberais
malogradas em Portugal - adquire grande importância. Ele não só compartilhava
grande parte das referências históricas e culturais dos brasileiros com quem
conviveu, como demonstrava uma rara vocação no meio intelectual de sua nova
pátria: a pesquisa histórica e antiquária, área de estudos na qual mais se
destacou, como se nota pelo teor de seu relato. Sua importância para a história
e o antiquarismo se deve tanto ao grau em Humanidades
obtido na Universidade de Coimbra (algo em si já raro entre os portugueses para
cá emigrados à época), como à influência do célebre escritor Almeida Garret (1799-1854), com quem convivera desde a
tenra idade nos Açores e que, em Portugal, se tornou o seu tutor político e
intelectual. Em Coimbra, certamente teve contato com a vasta literatura
antiquária europeia dos séculos XVIII e XIX e cumpre lembrar que Almeida
Garret, além de romancista, chegou a ser nomeado cronista-mor do reino
português, em 1838.
A formação prestigiosa, contudo, não se
fez acompanhar da disciplina e meticulosidade necessária ao ofício. Ao
contrário, Raposo d’Almeida viveu uma vida inquieta e andeja mesmo em seus
últimos anos, tendo morado em várias cidades de diferentes províncias, atuando
como advogado, jornalista, dono de jornais, romancista de folhetins, professor
e dono de escolas. Em todas elas, procurou encontrar antigos documentos,
identificar monumentos e sítios históricos e - caso único entre os eruditos de
sua época - teve participação ativa em ao menos quatro institutos históricos
regionais. Além de ter sido membro do IHGB desde 1847, participou de uma
malograda tentativa de estabelecer um Instituto Histórico em São Paulo, em
1851; contribuiu com o primeiro Instituto Histórico baiano durante os anos em
que morou em Salvador (1863-65); já em Pernambuco, tornou-se sócio do Instituto
Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco; e, em 1870, fundou o
Instituto Histórico, Arqueológico e Geográfico de Goiana-PE. Ali realizou a sua
maior contribuição para o antiquarismo nacional: a
localização e identificação do marco de Itamaracá, padrão português instalado
nas primeiras décadas do século XVI e desde então exposto na sede do IAHGP em
Recife. Destacava-se também como relator de investigações de sítios históricos,
como antigos fortes da guerra holandesa e de aldeias e aldeamentos já
desaparecidos. Na mesma época, publicou o artigo “Breve memória sobre o
processo mais fácil de investigar, colecionar e organizar os materiais da
História,” que introduzia o leitor ao universo da pesquisa antiquária com
clareza e praticidade que, como já apontado por Mário Mello, destoavam dos
textos de mesmo gênero já publicados na revista do IHGB.[3]
O relato de sua viagem pela província de São
Paulo é conhecido apenas pelos trechos publicados pelo autor em alguns dos
jornais que colaborava ou editava ele próprio e, quase certamente, nunca foram
reunidas em um livro conforme era o seu plano. Embora haja menção a uma versão
manuscrita que continha os relatos completos de várias viagens pela província
feitas durante os sete anos em que aqui morou (1849-1856), se conhece apenas os
trechos agora reproduzidos, que abrangem o itinerário percorrido do porto de
Santos a vila de São Roque, provavelmente em 1848. O desaparecimento do
manuscrito obriga a se lançar mão de conjecturas em tentativas de estabelecer
os percursos de Raposo d’Almeida pela região. De São Roque, ele seguramente
seguiu ao sul, talvez até o Paraná (então ainda parte da província paulista),
onde se sabe que adquiriu terras para tentar estabelecer uma colônia de
açorianos.[4] Malogrados os planos,
retornou a Santos, onde fundou o jornal O Mercantil (1850). Os anos
passados em Pindamonhangaba (1852-56) renderam, possivelmente, outras notas de
viagens pelo vale do Paraíba, e talvez, por Minas Gerais. Especulações à parte,
somente restou o relato dessa aparente primeira viagem do escritor por terras
paulistas, cujos trechos apareceram nos seguintes jornais: A Semana (Rio
de Janeiro), O Mercantil (Santos) O Ypiranga (São Paulo) e O
Nacional (Santos), entre os anos de 1851 e 1856.
Os fragmentos, contudo, trazem informações
valiosas sobre as paisagens, edifícios e bens artísticos das localidades
visitadas, cujas descrições são permeadas pela sensibilidade tipicamente
romântica de Almeida. Nesse ponto, o escritor em nada destoa do quadro geral do
meio intelectual luso-brasileiro, onde o vagalhão do romantismo chegou por via
de escritores e artistas franceses. Apesar de não estar entre os autores
citados em seu relato (todos eles franceses), a grande inspiração para
escrevê-lo veio, certamente, de seu antigo mestre, Almeida Garret, cujas
“Viagens na minha terra” foram primeiramente publicadas na Revista Universal
Lisbonense entre 1843 e 1844. Embora Almeida apresente apenas as notas de
sua viagem, desprovidas de qualquer trama novelesca, as suas alusões aos
próprios romances (escritos e por se escrever) e as digressões sobre a fartura
de material que os escritores brasileiros poderiam encontrar nos interiores das
províncias imperiais tinham em mira a celebrada obra de seu antigo tutor.
Entre tais trechos, o maior destaque, sem
dúvida alguma, cabe ao relato da visita feita ao sítio e ermida de Santo
Antônio, em São Roque, em companhia de Antônio Joaquim da Rosa, o futuro Barão
de Piratininga e o grande personagem político da vila durante o século XIX. O
barão é hoje mais conhecido pelas novelas romanescas inspiradas no passado
local, sendo a primeira delas aludida por Raposo d’Almeida em seu relato.
Interessantemente, essa sua obra de estreia (A feiticeira, 1849) é a que
menos prima pela ambientação histórica. Foram suas novelas seguintes, A
assassina (1850) e A cruz de cedro (1854), escritas após o seu
encontro com Raposo d’Almeida, que fizeram a sua reputação como escritor de
tramas históricas. É bastante cabível, portanto, atribuir alguma inspiração
deste último na concepção de suas novelas, ainda mais levando em conta os
comentários feitos sobre o valor literário dos lugares e figuras do passado que
visitou em sua viagem.
Mais interessante do que a questão da
representação do passado regional pela literatura da época, o relato da visita
ao sítio seiscentista revela pormenores pouco ou nada conhecidos sobre este
icônico conjunto histórico, cuja identificação e restauração constituem um dos
capítulos mais famosos e debatidos da história da preservação cultural em São
Paulo. Quanto aos aspectos arquitetônicos, o texto corrige a corrente
interpretação sobre a localização da antiga senzala, que, pela indicação do
autor, estaria ao pé das colinas que circundam o sítio, com o antigo córrego
imediatamente por detrás. Ainda mais interessante é a sua menção ao “mainel de
taipa” no qual se apoiavam os pilares de madeira do alpendre da casa sede.[5]
Lamentavelmente, a descrição traz poucos
elementos que permitam esclarecer o extenso debate acerca das feições originais
do alpendre da ermida. Contudo, ele indica ter sempre havido um alpendre
destacado do corpo principal da capela, desabonando algumas das hipóteses aventadas
pela professora Aracy Amaral.[6] Traz também
observações valiosas sobre a função da fachada vazada para o cumprimento das
obrigações religiosas dos antigos indígenas escravizados[7] e uma descrição bem
mais detalhada da grande tela retratando o Juízo Final que adornava a nave da
capela - já inexistente quando a edificação foi visitada pelos técnicos do
então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), e conhecida
somente por uma breve menção contida na notícia publicada pelo Barão de
Piratininga em 1881.[8] A descrição de Raposo d’Almeida
permite constatar que foi a tela derivada de alguma gravura organizada em três
partes (e provavelmente dotada de legendas), como as de Pieter de Jode (1565-1639) e de Phlippe Thomassin (1562-1622) [Figura 1], amplamente
empregadas em pinturas sacras da América Hispânica e da Ásia portuguesa.[9]
São também valiosos os comentários sobre o
último proprietário vinculado à família de Fernão Paes de Barros, o quase
centenário João Martins Claro, bisneto da mulata Ignácia
Paes, a filha natural a quem o famoso potentado deixou como administradora da
capela. De especial interesse é a menção aos retratos que então adornavam o
alpendre da casa sede, indicando que a capela da sede talvez permanecesse
utilizada como santuário particular da família. Era, portanto, o local
conveniente para abrigar retratos que não se destinavam ao culto, como era o
caso do então venerável José de Anchieta. Não obstante, há aqui um flagrante erro,
já que entre a morte de Anchieta e a instituição da propriedade se decorreram
mais de meio século. Como a mesma informação foi repetida pelo Barão de
Piratininga anos depois, é fácil atribuir a confusão ao alferes Martins Claro.
O jesuíta ali retratado, certamente, era o
padre Belchior de Pontes (1644-1719), reputado por seu biógrafo como amigo
próximo de Pedro Vaz de Barros, irmão e vizinho do instituidor da capela de
Santo Antônio e visitante habitual daquelas paragens, onde ia rezar missas,
ministrar sacramentos e doutrinar os grandes plantéis de indígenas escravizados
que havia nas fazendas da região. Inclusive, seus últimos foram passados na
mesma fazenda de Araçariguama, também visitada por Raposo d’Almeida. O quadro
em questão já fora mencionado na notícia feita pelo Barão de Piratininga em
1881, tendo ele acrescentado que emprestara tal “preciosidade arqueológica a um
amigo, que a levou para Itu, onde se acha no colégio de S. Luis.”[10] Com a transferência do
colégio para a capital, já no século passado, o retrato foi trazido para São
Paulo, estando hoje guardado na residência dos jesuítas na Vila Mariana. Uma
fotografia sua chegou a ser publicada pelo padre Hélio Viotti de Almeida, mas
sem qualquer menção a sua antiga procedência - já estabelecida por Luiz Saia,
ao menos, desde,1949, quando o diretor do SPHAN pleiteou a sua devolução para a
capela de Santo Antônio. Saia foi também o primeiro a identificá-lo
como um retrato de Belchior de Pontes, desabonando a antiga atribuição a
Anchieta [Figura 2].[11]
O outro retrato mencionado pelo autor foi
indicado como o da instituidora do vínculo, Inácia Paes, mas aqui também há um
lapso do alferes, já que a retratada seria Maria de Mendonça, a esposa de
Fernão Paes de Barros, que fora declarada como impura de sangue (por ser
cristã-nova) pelo próprio marido e viu o seu casamento ser anulado pela Igreja.[12] No processo, o
capitão-mor também declarou que não tiveram “vida marital” pelas mesmas razões,
o que teria permitido a Maria de Mendonça trajar as vestes de freira com que
aparecia retratada.
Por fim, cabe ressaltar um pormenor
interessante acerca da estadia de Raposo d’Almeida na cidade de São Paulo. Como
a maior parte dos viajantes que percorreram a cidade oitocentista, Raposo
d’Almeida deixou linhas elogiosas sobre a vista da várzea do rio Tamanduateí
desde o Triângulo, na qual os meandros do rio animavam uma paisagem ainda muito
pouco urbanizada, composta por amplos trechos de vegetação ciliar e por
chácaras de árvores frondosas, com os morros ao rumo da Penha servindo como
moldura. Contudo, se a beleza natural do Tamanduateí não lhe passou
despercebida, tampouco o fez o apelo pitoresco do “vale do Acu,”
onde o autor se entregou ao sereno embalo de melancólicas meditações. Ainda ali
se erguia a bela ponte de alvenaria de pedra retratada por Debret e Charles
Landseer algumas décadas antes. Considerada por
Saint-Hilaire como a mais bela da cidade, a ponte do Acu
ligava o Triângulo à paróquia de Santa Ifigênia e a chácaras importantes, como
a do Campo Redondo e das Palmeiras, marcos iniciais da estrada de Campinas e
Jundiaí.[13] Além de bonita, era
também movimentada - como já antevista por Debret na aquarela que ali fizera [Figura 3]. Logo, o
seu mirante proporcionava a atmosfera perfeita para as fantasias escapistas tão
típicas da sensibilidade romântica, que buscava a solidão quando em meio ao
agito e ao burburinho.
*
“Recordações
de viagem à Província de S. Paulo”
De Francisco Manuel Raposo
d’Almeida
I [14]
O estrangeiro que aportasse à côrte do velho Rio de Janeiro e contemplasse o espetáculo
monstruoso que, em geral, apresenta essa cidade com as suas ruas estreitas, mal
calçadas e imundas, com os seus edifícios irregulares e mal construídos; que
visse as pesadas gondolas e carroças a cruzarem-se com os tylburis
e esbeltas viaturas: que sentisse o canto grunhidor dos pretos esfarrapados e
as harmonias theatro lyrico-italiano;
que confrontasse as perfumadas ruas do Ouvidor com os armazéns fétidos e
asquerosos do toucinho e carne secca ; que enfim
contemplasse, em toda a sua extensão, esse quadro que constitue
uma duvida anciosa entre
uma civilização postiça e a realidade de uma sociedade na sua magnifica
conceição; e que depois voltasse as costas e regressasse, com estas
inclassificáveis impressões, para a Europa, invadida pela mão do homem até os
seus últimos confins, este estrangeiro havia, porcerto,
ir fazendo do Brazil uma desagradável e errada
opinião.
Este paiz
que, como em outro lugar lhe chamamos ([15]), é o filho morgado da natureza, é para
ser contemplado, avaliado e admirado à sombra de suas extensas e virgens
florestas; e junto d’esses troncos gigantes, dos quaes,
para abraçar alguns d’elles, não bastam os braços
estendidos de seis e dez homens. É sentado nas colinas ou veigas florestas, e
com uma soberba paisagem de coqueiros em frente, ou debruçado nas margens
d’esses rios caudaes e semilhando
mares, que o viajante deve impressionar-se do espectaculo
magestoso d’esta natureza magestosamente
tropical.
Na Europa, embora se admire a vasta
e apurada intelligencia do homem nos seus primorosos artefactos, nas suas cathedraes,
e nos monumentos dos tempos mythologicos e da idade
média, aqui no Brazil, e em toda a vasta extensão
d’América, na ampla e religiosa solidão das suas florestas e no frêmito da
corrente de seus rios, e no trinar harmonioso dos seus pássaros, há de
admirar-se a mão da Providência.
Taes são
as ideias, taes são os pensamentos que nutre o auctor da presente viagem d’este que leu as primorosas
páginas do mais famoso viajante da América, o visconde de Chateaubriand, que,
por assim dizer, soube ler o verbo de Deos,
materializado nas imensas solidões d’este vasto território, onde ainda um dia,
há de vir collocar seu throno
a mais apurada civilização.
Estas vagas aspirações da
mocidade tive infelizmente de satisfaze-las em
princípios de 1847. Foi em face de um dos terríveis cataclismos políticos
porque ultimamente tem passado Portugal, que eu tomei a pungente deliberação de
auzentar-me da querida
terra da pátria. Envolvido na política d’esde 1835, e
tomado uma parte mais ou menos activa em todos os
sucessos subsequentes, já gosando o favor monstruosos e inconsequentes das turbas; já cingindo a
coroa de martyr politico, e
provado as amarguras do desterro, eu sempre acreditava na possibilidade de redempção de Portugal. O quadro doloroso porem que
apresentou o Porto, quando ahi se foram recolher as
relíquias da batalha de Torres Vedras[16], e quando em frente a essa cidade,
eterna por tantos feitos gloriosos no triumpho das
ideias liberaes, estavam, trez
nações altivas chamadas por portugueses para escrever na fronte
veneranda de Portugal a infâmia do protocolo, foi este quadro tão doloroso para
a minha alma, que me deliberou a expatriar-me: a América e em especial o
Brasil, onde eu esperava ainda ver as velhas glorias da antiga Lusitania, foi o logar que eu
escolhi para o meu limbo politico.
D’esde
então, começou para mim esta vida errante, que será
sempre um mysterio entre mim, o ceo
e a terra.
Como um dos personagens de
Dumas[17]
embrenhei-me pelas solidões do interior, porque pensei que quanto mais novo era
o mundo, tanto mais evidentes devia ter os signaes da
mão de Deos. E não me enganei. Muitas vezes, lá
n’esses matos virgens, em que fui o primeiro a penetrar, sem outro abrigo além
do ceo sem outro leito além da terra, abismado em um
só pensamento, ouvi esses mil ruídos do mundo que adormece e da natureza que
desperta. Longo tempo ainda fiquei sem comprehender
essa lingoa desconhecida formada pelo murmúrio das
torrentes, pelo vapor dos lagos, pelo estrondo dos bosques e o perfume das
flores. Emfim pouco a pouco, se ergueo
o veo que cobria meus olhos, e o pezo
que oprimia meu coração; e d’esde então comecei a
crer que esses ruídos da noite, que esses estrondos do crepúsculo não eram
senão um hymno universal com a qual as creaturas rendiam graças ao Creador.
Quando cheguei da Europa ao
Rio de Janeiro achava-me, como sempre, possuído dos mais ardentes e enthusiasticos desejos de viajar no interior do Brazil; mas não pude realisar
esta veemente inclinação, porque, dias depois da minha chegada, estabeleci na
corte a minha banca de advocacia; e tornava-se-me
então dificultoso desampara-la.
Uma grave e perigosa moléstia
de que fui atacado, e de que padeci acerbadamente d’esde julho até fins de outubro de 1848, me obrigou, por
conselho de uma junta medica, a buscar meu
restabelecimento em um outro clima, que não fosse aquelle
do Rio de Janeiro, que tão fatal me havia sido.
Eis a origem de minha VIAGEM À
PROVINCIA DE S. PAULO, cujas impressões escrevo e ofereço a todas as pessoas
que tanto se esmeraram em obsequiar-me nos logares
que percorri, bem como as dedico especialmente à minha muito querida e saudosa
Mãe, que decerto as há de apreciar, quando, depois d’esta
tão longa ausência que nos separa, este escripto
tiver a fortuna de chegar as suas venerandas mãos que eu tanto desejo beijar.
Sirva esta pobre oferta para
testemunhar-lhe, que o infeliz que se vê açoitada pelas borrascas da vida, e a
quem um tufão de excommungada política arrojou para
tão longe do tecto paternal; que este infeliz com a
cabeça curvada às vagas impetuosas do destino, torturado de angustias, e muitas
vezes vendo cerrar-se-lhe de todo a porta de um
futuro de esperança, e não sabendo onde repousar a cabeça, diz com os proscriptos de Nodier: “agora a
reclinaria no seio de minha Mãe”[18] que este desventurado emfim agonisa constantemente em
sua alma os dias venturosos que passou unto d’ella, e
olha com horror para a idea dilaceradora de talvez
não tornar a beijar as suas mãos, nem gosar um d’aquelles afagos de reparadora consolãção
que só sabe dar uma Mãe.
II [19]
“Os
estreitos limites da Semana não permitem que eu dê em toda a sua integra
as Impressões, recordações, apontamentos indagações literárias, históricas e
scientíficas, de sete annos
de minhas viagens e residência em differentes pontos
da histórica e pittoresca província de S. Paulo, a
qual hoje me ligam os deveres de segunda pátria pelos queridos laços de uma
esposa e de um filho.
Para o meu coração é quasi um dever a publicação d’esta viagem, porque, nas differentes situações de relações e de factos, careço
explicar algumas circunstâncias, agradecer muitos favores, e qualificar alguns
procedimentos pessoaes, de que ainda hoje me
ressinto, e que tenho necessidade de liquidar, apurar e dicidir.
Espero ainda fazel-o ou n’um jornal de maiores dimensões, ou em livros
de fácil acquisição e circulação: mas no entretanto
irei offerecendo aos leitores da Semana alguns
excerptos, que servirão como de annuncio
precursor à ulterior publicação do meu livro de viagens.
No numero anterior dei algumas explicações sobre o
motivo forçado d’esta viagem. Prescindo de relatar o meu perigoso estado de
vida na occasião de embarcar, d’uma longa exposição
histórica da antiga povoação de Santos, e resumir em poucas palavras o panorama
da cidade.
“O que
pretender desfructar o aspecto da cidade de Santos é
mister passar o surgidouro e ir collocar-se
no morro fronteiro, onde existe uma vistosa e quasi
abandonada casa. D’ahi desfruta-se um lindo panorama,
cujo gozo não deve perder o viajante que passar por aqui.
Em uma tarde serena e plácida,
em que eu me achava com algumas melhoras, fiz esta deliciosa excursão. Sentado
em um terraço, cujos alegretes estavão plantados de
alecrim, erva-santa, e outras plantas odoríferas, eu espraiei os olhos por toda
aquella extensão, e vi a cidade como agachada entre o
surgidouro e o alto serro de Monserrate.
O convento dos Bentos, pela
localidade de sua edificação, dava uma ideia da austeridade d’essa ordem
monacal, em outro tempo tão poderosa e tão influente, e hoje reflexo pálido da civilização
teocrática.
A igreja e hospital da Misericordia
mostrava-se alegre e risonha, como fazendo transpirar pelas frestas, não
as dores que ahi se curtiam, mas as consolações
e a saúde que se iam lá buscar
O convento dos Franciscanos
pousava, à margem do lagamar, tristonho e envergonhado como um dissoluto
timorato.
A matriz e alfandega figuravam
uma mole immensa de pedra; e a cadêa
e casa de vereanças jaziam como encolhidas, e annunciando
mais a modéstia de uma antiga villa do que a nobreza
de uma jovem cidade.
O hospício do Carmo tambem se divisava com a sua frente garrida e embonecrada, mas com os seus fundos em estado de
verdadeiros pardieiros.
O Arsenal da Marinha parecia
um arsenal de estado, um velho poltrão que não trabalha, uma pequena courela de
capim, ou melhor, uma caricatura dos verdadeiros arsenaes.
A Casa do Trem apparecia no meio d’aquella nova
casaria como um monumento, como um códice authentico,
que certifica a longa antiguidade de uma das primeiras povoações brasileiras,
edificadas pela intrepidez e pela magnânima ousadia d’esses antigos
portugueses, que não deixaram posteridade para o século XIX, nem a sua raça
degenerada d’esta época já sabe avaliar estas cousas. Nação perdulária, e
entregue aos nobres e aos frades, gastou em conventos e procissões as riquezas
de suas conquistas, e por ultimo
chegou ao miserando estado de ser virulentamente ludibriada, escarnecida e
vexada com a intervenção ardama d’esses Bretões
altivos que se apoderaram de suas riquezas: - paciência!...Leão da fabula tem
de soffrer os couces do
burro insolente
Os principais meios de viajar
n’esta província são cavallos, liteiras, banguês,
rede e grade, já em bastante desuso. Os cavallos e
bestas muares são animais seguros e fortes, muito andadores, posto que na apparencia o não mostrem. As liteiras e banguês são
especialmente consagradas a senhoras e doentes; não sei eu porque esta preferencia, pois que às taes viaturas caber-lhe-hia
melhor a denominação de machinas de moer
ossos, do que de conducções seguras e commodas. São uma especie de
esquife de taboas, coberto de couro pregado a dous
tirantes de madeira, no extremo dos quaes, se encacha
um animal; e já a irregularidade do andar d’estes, já a sensível falta de
molas, tudo concorre para os horríveis balanços e encontrões que sente o
desventurado que se confiou aquele balanço detestável.
A grade é uma espécie de
padiola com toldo, conduzida aos hombros de quatro
homens. Serve agora unicamente para transportar pessoas enfermas, que não
possam viajar por algum outro meio. D’esta viatura serviam-se os jesuítas para
a passagem da serra do Cubatão, empregando n’isso os cathecumenos
indigenas como em expiação do grande peccado de haverem pertencido à grei dos desbaptizados.
O meu estado de saúde não permittia que eu montasse a cavalo; e como me houvessem recommendado, como mais apropriado para um doente este meio
de transporte, aluguei uma liteira; mas!...Nunca eu em tal cahira!
Emquanto fui
pela estrada do Cubatão, e ainda galvanizado, por assim dizer, pelo esforço que
eu fizera, para emprehender a viagem, não senti
demasiado o balançar infernal d’aquella machina desconjunctadora, mas no
subir da serra experimentei eu em toda a sua extenção
o incommodo de tal viatura. Ao cabo de algumas
léguas, e depois de tão detestáveis balanços, o meu corpo rheumatico
e enfraquecido pela doença sentia-o eu como uma cousa informe e desconjunctada.
Mas deixando a liteira e os
meus padecimentos, demos conta das impressões que, por entre dores eu
experimentei na subida da serra.
[A serra de Paranapiacaba é de
um aspecto pittoresco; é uma das paizagens,
em que a natureza dos trópicos se ostenta com todas as pompas da vegetação, com
toda a solemnidade das recordações históricas.
“A
colossal e immensa encosta, que se espelha nas agoas do mar, é toda revestida de alto e espesso arvoredo
de variegadas cores. Os regatos que se despenham, ou murmuram a linguagem
poética da solidão, o canto dos pássaros de plumagem multicor, a catadupa do
rio das Pedras a ressaltar pelos rochedos da quebrada, a detonação rouca e
sombria da sua queda, o murmurar longínquo do mar, tudo isto forma um quadro,
em que se retrata a magestade de uma natureza immensamente magestosa.
Mas todo o aspecto
deslumbrante de um vasto e magnifico panorama desfructa-se
do alto ou pico, que é o lugar mais elevado da serra. Ahi,
no derramar os olhos por esse quadro de sublime magestade,
a alma inspira-se e extasia-se. O mar, que é a primeira maravilha da natureza,
forma aqui o centro da paisagem: elle descortina-se
por uma vasta extensão, no fim da qual parece entestar com o céo.
A costa do Atlântico corre à
direita e à esquerda, como para formar a moldura d’este painel; e as ilhas que
o matizam assemelham-se a aves gigantes, encontrando-se e cruzando-se nos seus
voos.
A velha povoação de S.
Vicente, a maravilha archiologica, a Eva de todas as
povoações da província, lá está como uma velha fidalga, a quem despojaram de
seus solares, mas que ainda conserva nobreza no meio do seu abatimento: uma
data chronologica é o seu pergaminho de hierarquia
histórica.
Santos, a fidalga moderna,
condecorada e enobrecida com os foros de cidade, está encostada ao serro de
Monserrate, como a serva domestica deitada junto a um
comoro de terra.
As praias, os rios, as toiças de verdura, os renques de árvores, os canaes, as barras Grande e da Bertioga, tudo isto
assemelha-se a um kaleidoscopio mágico, tudo isto
forma um quadro que se olha, e se admira, mas que não se pode comprehender nos pormenores, nem descrever na linguagem
humana].[20]
A communicação
de Santos com o resto da província era em outro tempo bastante difficil e trabalhosa. O seguinte trecho de um manuscripto que passamos a copiar, dá uma perfeita idéa d’essa dificuldade.[21]
- Para montar a grande serra
de Paranapiacaba, ou do Cubatão, navega-se pelo rio acima, e a pouca distância
da villa entra-se no espaçoso golfo de Caneú, cuja passagem, sendo livre nos primeiros annos, teve depois um imposto, estabelecido pelo capitão
general Martim Lopes Lobo de Saldanha, administrado por contracto
real. Este golfo recolhe pela direita as águas dos rios Juribatiba,
Quilombo e Cubatão-Merim, que todos descem da serra.
A parte posterior do mesmo golfo, a rumo de noroeste, é fechada por muitas e
diversas ilhas cobertas de mangues e n’ella desagua o
rio Cubatão-Guassu, que vem da serra acima: pela
esquerda, tem entrada no mesmo golfo o rio Santa Anna. Este grande peso d’águas
descarrega no mar por três bocas: que vem a ser o canal da Bertioga, o de S.
Vicente, e a barra do meio. Passado o golfo, navega-se por um dos muitos canaes, que formam as ilhas, e entra-se no Cubatão-Guassu, que é estreito, e suas margens cobertas de mangues
e no fim de quase quatro léguas de viagem, a contar da villa,
chega-se ao porto e registro do Cubatão, antigamente Cubatra.
-
Hoje faz-se toda a viagem por
terra, porque acha-se realizada a desejada estrada mandada fazer em 1826 pelo
primeiro presidente que teve a província, o Sr. Visconde de Congonhas.
Antes de começar a subir a
serra, passa-se uma extensa ponte lançada sobre o rio, na qual se paga duzentos
reis por cada animal carregado.
A antiga estrada da serra era,
como já disse, de difficil e até perigoso transito, a moderna chamada Maioridade está
consideravelmente melhorada, lançada em porções bem talhadas e de zigue-zague,
o que faz a subida mais commoda, como infallivelmente não deveria deixar de ser a antiga. A
estrada não se acha ainda calçada, o que deve inspirar algum receio no tempo
das chuvas, onde o barro, que em algumas partes é uma espécie de greda, se
torna escorregadio: a antiga era calçada, posto que ultimamente estivesse
bastante deteriorada.
Continuei a viagem pela
espaçosa estrada em rumo a noroeste, a qual se dirige por um plano suavemente
inclinado e interrompido apenas por algumas pequenas subidas. À direita e à
esquerda descortinam-se vistosas paizagens, e alguns casaes bem situados, bem como algumas lagoas.
Depois de um viajar de nove
horas e meia cheguei ao poiso, que se me havia recommendado;
ahi pernoitei, acerbamente incommodado;
porque a fadiga e o péssimo meio de transporte me tinham aggravado
a doença.
Nos poisos, que são as
albergarias ou estalagens da Europa, é proverbial a falta de commodos, ainda os mais triviais para o viajante: elle tem de resignar-se com muitas privações, e lamentar em
vão a falta de recursos. O poiso onde me alberguei era reputado pelo melhor da
estrada; e comtudo Deos
sabe como eu ahi passei uma noite curtida de dores.
Em consequência da prostração
das forças, a que me achava reduzido, tinha eu resolvido a principio demorar-me ali, até recuperar algumas
forças para prosseguir as ultimas quatro léguas que
ainda tinha de andar para chegar a S. Paulo. Mas a privação de algumas cousas
da primeira necessidade para um doente; e o intenso frio que parecia delir-me
os ossos, tudo me aconselhou que mudasse de resolução.
E com effeito,
no dia seguinte já com o sol fora, e com um céo
plácido, que promettia um formoso dia, continuei eu a
viagem ainda de liteira, porque a defecação extrema do meu corpo não consentia
outro meio de transportar-me.
III [22]
Continuei
pois a viagem, sem occurrencia
notável até o lugar de S. Bernardo. Aqui fui eu tomar algum descanço
em uma casa de hospedagem, tabernagem ou como melhor
haja: e pedi alguma refeição. Passado muito tempo, trouxeram carne de porco com
farinha, único conducto que ali havia, porque o pão é
raro encontrar-se n’estes lugares, posto que o substituam por biscoitos, o que
ainda assim não succedeu d’esta vez. É escusado dizer
que nada tomei, e que, no mesmo estado em que entrara, prossegui
a viagem, deplorando o tempo de duas boas horas que havia esperado, e
durante as quaes chegara a desesperar. A falta de
bons pousos ou hospedarias é lamentada em todo o interior do Brazil, ainda nas estradas mais frequentadas.
É muito de sentir que pessoas
aptas e industriosas, se não hajam estabelecido em
paragens convenientes, para offerecer aos viandantes
comodidades, que em taes lugares são tão apetecidas,
embora se exigisse algum excesso de preço.
A estrada de Santos a S. Paulo
é por certo uma das mais frequentadas do império, e com tudo em um lugar como
S. Bernardo, distante apenas três léguas da capital da província, a sua única
hospedaria é uma taberna ou biuca, em que não haja
nem pão, nem biscoitos, nem um serviço, já não digo bom, mas que ao menos não
provocasse náuseas.
Duas léguas antes de chegar a
S. Paulo, o tempo começou a turvar-se, e a sentir-se ao longe duas trovoadas em
direcções opostas. Cheuguei
ao Ypiranga sem que a chuva se houvesse precipitado, nem a trovoada se houvesse
aproximado. Sahi da liteira para observar esse lugar
que tanto figura nos modernos fastos do Brazil.
A celebridade do Ypiranga
provém do notável facto histórico, que ahi teve
logar.
A independência do Brazil, a sua desmembração da metrópole, e o seu arvoramento em reino ou império, era uma idéa que fermentava de há muito, e tomava vulto em muitas
cabeças. O Sr. D. Pedro I, lugar-tenente de seu pai o Sr. D. João VI, tinha
vindo passear em S. Paulo, que era um dos seus passeios favoritos, e deixara a
regência confiada à princesa real, e a administração dos negócios públicos ao
ministério e conselho dos representantes, em que era o principal influente José
Bonifácio de Andrada e Silva que escreveu-lhe dizendo que urgia quanto antes
que proclamasse a independência. Para trazer estas cartas se poz a caminho uma ordenança, - a arrebentar cavallos - como se costuma dizer.
Chegando a S. Paulo, e não
encontrando a real personagem, continuou viagem para Santos, e foi n’este lugar
do Ypiranga, que o famoso e illustre fundador do
império brazileiro leu o correio, que lhe fora
expedido.
Mal o tinha acabado de ler,
atirou o chapéo ao ar, e n’um transporte de enthusiasmo gritou - independência ou morte, - Este
grito, que ia ter uma tão immensa significação nos
seus ulteriores resultados, foi logo repetido por toda a comitiva, e pela
guarda de honra, seguindo-se os acontecimentos que todos sabem, e de que estas
duas palavras foram o verbo balbuciante de um império, em cujos destinos
futuros se fazem já antever acontecimentos épicos, e da mais ampla magnitude.
A tempestade havia-se
aproximado; a chuva começava a cahir grossa e tépida,
e três trovoadas formando nas suas direcções uma
espécie de triangulo exoceles, detonavam-se no alto,
assemelhando-se no seu estrondo assustador e medonho a aves de rápida, soltando
gritos de carnificina.
Antes de entrar na cidade, à distancia de meia légua, em um
escampado desamparado de paredes e mesmo de arvores, a chuva precipitava-se
como uma espécie de tromba; as rajadas do vento faziam balançar a liteira, que
já estava toda alagada no interior assim como eu, que me não tinha podido
amparar com as cortinas, especialmente não podendo fazer uso do braço direito,
ainda tolhido pelo reumatismo.
Era na realidade um espetáculo
terrível, solemnemente magestoso,
esse no meio do qual eu me achava. As rajadas do vento, o estrepito da chuva, o
espedaçar medonho e assustador dos raios faziam entre si um concerto de
tremenda agonia.
Foi debaixo d’estas terríveis
impressões, estando já a tempestade na sua ultima impetuosidade, como um leão nos seus últimos
arrancos de vida, que eu entrei na imperial cidade de S. Paulo, todo alagado e
n’um estado doloroso, que é mais para se imaginar, que descrever.
À entrada de S. Paulo
encontra-se à esquerda o cemitério, e à direita o hospital. D’ahi à pequena distância entra-se em um largo quadrado onde
estão a cadeia, e duas igrejas, como symbolizando a
justiça humana, e a misericórdia divina. Desce-se depois pela rua de S.
Gonçalo, modernamente crismada com o nome de rua do Imperador, e dá-se no páteo, ou terreiro da Sé. Ahi me
fui hospedar em casa do Sr. deputado Dr. Rodrigues dos Santos, uma das
primeiras capacidades políticas do Brasil.[23]
IV [24]
“A
cidade de S. Paulo é uma daquelas do império que mais recordações gloriosas tem
para serem escriptas no seus annaes,
tanto pelo que respeita aos seus tempos homéricos de colônia, como aos modernos
de cidade imperial. A sua historia
pois é para ser em grossos volumes; mas é para outros hombros
mais robustos, como não são os meus, a realização d’essa profícua tarefa e
glorioso empenho. Para as proporções d’este ligeiro escripto
e de rápidas impressões de viagem, apenas se podem comportar alguns dados
estatísticos, algumas recordações históricas, que em resumo deêm
uma succinta idéa d’esta
notável povoação: será esse o nosso empenho, referindo-nos a um manuscripto que temos presente e varias outras obras que temos consultado a este
respeito.
“S.
Paulo, cidade episcopal, assento do governo da província do mesmo nome, está
situada em um terreno um pouco elevado, e cercada de bellos
e dilatados campos, na latitude meridional de 23ᴼ33’, e na longitude da
Ilha do Ferro de 331ᴼ25’ (observações do astrônomo Francisco de Oliveira
Barboza) e nos 23ᴼ15’ de latitude, 333ᴼ50’ de longitude, conforme
Mr. Eschard, e pelo grande mapa publicado em Londres,
em 1811, segundo as boas observações astronômicas de 1810: fica a oeste do
Meridiano de Greenwich 46ᴼ36’: a oes-sudoeste
da corte do Rio de Janeiro 80 leguas geográficas, ao
noroeste de Santos 11 para 12: ao sudoeste quarta de sul da Bahia de Todos os
Santos 277: e ao mesmo rumo de Pernambuco 400: ao sul quarta de sueste do Pará
444 leguas: e ao sul quarta de sudoeste de S. Luiz do
Maranhão 436: ao sudoeste de Villa Rica: 86 ao nordeste quarta de norte de
Montevideo 297: ao sul meio sueste de Goyaz: 124 ao sueste quarta de leste, da
cidade de Matto-Grosso 300: e finalmente ao sueste da
cidade de Cuiabá 230 léguas.
A altura da serra de Santos
foi calculada pelo capitão King e achou montar 375 braças. O ponto mais elevado
da cidade de S. Paulo fica no mesmo nível, segundo a mais aproximada
computação.
Deve a cidade de S. Paulo a
sua origem aos disvellos e cuidados dos Jesuítas. Os
primeiros, que vio o Brazil,
vieram em 1549, na companhia do fundador da cidade da Bahia, e
primeiro-governador Geral Thomé de Sousa; e à testa d’elles,
em qualidade de superior, veio o padre Manoel de Nóbrega, que, em novembro do
mesmo anno, mandou para S. Vicente, a fundar o
segundo collegio da sua ordem, que teve este império,
ao padre Leonardo Nunes: que passando aos campos de Piratininga, conseguio dos pais de famílias indigenas
muitos mancebos, com os quaes desceu a S. Vicente, e
junto ao collegio fundou um seminário para instrucção, e catholico proveito
d’estas almas. Veio depois o padre Nobrega visitar S. Vicente, onde se achava
quando lhe chegou a patente de provincial do Brazil, a cuja dignidade o elevou Santo Ignacio de Loiola,
fundador da ordem jesuítica; e a sua primeira, e mais notável acção foi ordenar que o collegio
se mudasse da villa para o campo; assim chamavam ao
terreno de serra acima, ficando n’ella tão somente os
religiosos precisos para administrarem os sacramentos aos christãos
navegantes. Já n’este tempo existia no campo a povoação de Santo André, mas nem
este lugar, nem a aldeia de Tebiriçá, ou de
Piratininga, agradou aos padres para o seu estabelecimento, e escolheram um logar eminente entre o rio Tamanduthay,
e o ribeiro Anhangabaú, onde formaram a sua morada. Para aqui concorreu o
cacique Martim Afonso Tebiriça, com os índios seos subordinados, largando a pátria de seos
ascendentes: e igualmente o velho índio João Cayuby,
senhor de Geribativa: e por uma forma tão diametralmente
opposta à da antiga Roma, e de outros cidadãos, que
mui celebres se tornaram, teve princípio a de S. Paulo. Aqui só se cuidava na instrucção, e conversão das almas, infundindo-lhes os
princípios da religião, e os da sã moral.
Tão lisonjeiros começos
pareciam formar em S. Paulo um povo virtuoso; porém a maldade dos homens sempre
inclinada a oppor barreiras às mais bem intencionadas
obras, obstou a esta, como adiante se verá. O principal fundador de S. Paulo
foi o venerável padre José de Anchieta, da companhia de Jesus, por antonomásia
o apostolo do novo mundo: estabeleceu-se com seus povos convertidos em um lugar
toscamente aberto na terra, e coberto de palha; o qual só tinha quatorze pés de
comprido, e dez de largo, pobre choupana, que servia de dormitório, escola e cosinha; assim o escreveu elle
mesmo a Santo Ignacio. Pouco depois chegaram a este asylo
da paz mais doze jesuítas, à testa dos quaes vinha o
padre Manoel de Paiva, e unidos a Martim Affonso Tebiriçá,
que morava onde está hoje o mosteiro de S. Bento, construíram uma limitada
casa, e a ella contigua uma igreja, na qual
celebraram a primeira missa à 25 de janeiro de 1554 e por ser o dia dedicado à memoria da conversão do grande S. Paulo, ficou tendo este
nome a nascente povoação, cujos habitantes cresciam todos os dias; e os
missionários congratulando-se de verem muitos filhos dos gentios aprenderem
gostosos as lições de doutrina christã, da língua
portuguesa e latina; aprendiam também d’elles a
língua Tupinambá, universal na costa do Brasil; devendo-se ao Rev. Anchieta a
primeira grammatica da mesma língua e um vocabulário.
Bem depressa se declarou rival de S. Paulo a villa de
Santo André, que existiu trez léguas distantes d’ella, onde está hoje a fazenda dos padres do Carmo, tendo
por fundador João Ramalho, da qual era alcaide-mor, e o mais poderoso, e
respeitado do lugar.
S. Paulo erecta
villa em 1650, em cidade em 1712, em cidade episcopal
em 1746, em cidade imperial em 1823, acha-se 350 braças acima da superfície do occeano, excelentemente cituada
em um logar elevado e aprasivel.
O seu clima é temperado, sadio e de uma reconhecida salubridade, posto que, em
algumas quadras, como a presente, se sintam graves alterações no estado athemospherico.
As chácaras dos arredores, as
paisagens, os agradáveis passeios, os belos pontos de vista, que por toda a
parte se desfructam, faz S. Paulo uma agradável
vivenda, e uma excellente paragem para o viajante.
Não obstante achar-se próxima
da zona tórrida é lavada de bons ventos, o inverno faz-se ahi
sentir demadasiamente, mas, segundo nos informaram,
as tardes d’essa estação são, pelo diáfano do ceo e
brilhantismo de um sol benigno, de uma suave melancolia, e geradoras de gratas
recordações para tantos filhos ausentes da casa paterna e de pessoas que lhe
são caras!...
Cidade acadêmica, onde vem desabroxar tantos
talentos esperançosos, os seus arrabaldes tem um não sei que de similhante com a velha e clássica Coimbra, de sorte que as
inspirações parecem communs, parecem emanar da mesma
origem. Em S. Paulo, como em Coimbra, o estudante é a primeira personagem
clássica da terra, que olha para elle como um dos
seus orgulhos, por que esse joven é o predestinado
para os altos empregos da representação pública; e a cidade, onde elle foi educado, será a sua segunda pátria, será sempre
uma das suas saudosas recordações. O estudante é a fonte, é o manancial da
riqueza de uma povoação, porque as suas mesadas são ahi
todas derramadas no povo. O artista, o industriosos, o
proprietário de casas, o agricultor mesmo, e muitas famílias mantem parte de
sua subsistência à sombra do estudante, e por isso quando vêm as férias
grandes, as cidades universitárias, ou acadêmicas, ficam como viúvas: as suas
ruas tornam-se solitárias, o povo sente-se como abandonado, as casas onde
habitavam os futuros doutores parecem sepulcros.
Em S. Paulo, como em Coimbra,
passa o mancebo a parte mais viçosa da sua vida, ahi
curte saudosas recordações das pessoas que lhe são caras, ahi
sonha ele douradas ambições para o futuro, ahi
acredita e avalia elle os estadistas pelos compêndios
das matérias politicas que estuda, ahi entrelaça e firma relações, que ao depois terá de
perder, quando, ao entrar na vida publica, vir
desabar uma a uma todas as suas queridas ilusões, e se desengane que essas
teorias, que estudou, são utopias impraticáveis com gente sem educação politica conveniente.
Em S. Paulo, como em Coimbra,
há sítios históricos, há arrabaldes pittorescos. Lá o
castello de Martins de Freitas, aqui o sítio do Yipiranga, lá o Mondego com as suas margens bordadas de
chorões e salgueiros, aqui o Tamanduatehy a
espraiar-se por essa imensa veiga, e formando como um
chamalote verde branco. Coimbra é a cidade mais antiga
e mais histórica de Portugal, S. Paulo é também a povoação mais romântica e
romanesca, a mais notável nos antigos e modernos fastos do Brazil.
Em Coimbra, os vestígios indeléveis dos combates de mouros e christãos, aqui vestígios de luctas
entre índios e europeos: lá cidade da sciencia, a
qui
Athenas d’América, que tem doado ao estado brilhantes capacidades. Lá está o
vale do Penedo das Saudades, aqui esse vale pittoresco
e immensamente saudoso da ponte do Acu, onde os chorões e as árvores, e o rio, e as cazas da encosta formam uma pairagem,
que acorda em nossa alma uma suave melancolia, e as vezes bem profundas
meditações. Como amo e como me recordo de Coimbra, sempre amarei e me
recordarei de S. Paulo.
V [25]
Os edifícios públicos são de
alguma consideração; a cazaria é boa, e algumas d’ellas excellentes e com muita
regularidade e bom gosto de architectura. As ruas,
que são, em grande parte, formadas de minas de ferro argiloso de cor brunia, e extrahida das vizinhanças de Sancto
Amaro, são bem lançadas e espaçosas; mas tão horrível e detestavelmente
calçadas, que ouso opinar ser isso uma vergonha imperdoável para a
municipalidade que as deixou chegar e as conserva em tão miserando
estado. De noite torna-se até perigoso o transitar por ellas, por que estão cheias de
barrancos, nos quaes com muita facilidade se pode
torcer um pé, ou cahir perigosamente.
Os principaes
edifícios públicos são a cathedral, os conventos de
S. Francisco, do Carmo, de S. Bento, de Sancta Thereza
e o da Luz, o Palácio do Governo, e a Igreja dos Jesuitas,
e outros mais, cuja ennumeração seria longa. Passemos
a dar um succinta idea dos principaes.
A cathedral
ou sé episcopal existe no coração da cidade, e no seu todo ressente-se do
acanhamento e simplicidade de uma matriz de villa. O
frontispício é de uma exagerada simplicidade, e a cazaria
que se lhe ampara ao lado direito, olhando-a de frente fa-la
assimilhar a uma ermida, collocada
junto de um solar. O seu todo no exterior é de um edifício mesquinho: por que nada há ahi que dê uma idea fiel e grandiosa das proporções de uma cathedral. Informaram-nos de que os diferentes concertos e
aumentos que ella tem experimentado, tiriam feito um templo digno da nobre capital de uma
província tão importante. Ao presente está ella em
grandes obras, e por isso se mudou o coro diário para a igreja do Collegio, ficando-se a fazer aqui, pelo
sinos, os differentes signaes,
que são impertinentes, detestáveis e lúgubres, porque são, como os rebates que
se dão em Portugal, e outras partes da Europa para anunciar os incêndios.
O orago é da invocação de N.
S. da Assumpção e os altares são consagrados às
imagens de diferentes Sanctos.
O interior do templo é vasto e
amplo: o tecto bastante alto e elegante, como não se
podia suppor, vendo o edifício de fora. A arquitectura é da ordem jônica, e a obra de entalho é do
gosto que predominou na Europa em fins do século 17º e princípios do 18º, isto
é, uma mistura da ordem dórica propriamente ditta,
com a que posteriormente se chamou compósita. A casa que dissemos existir ao
lado, tem três vastas salas chamadas cabido, e consagradas para o serviço das
aulas de canto, e teologia, bem como para revistência
dos bispos em dia de pontifical. A sacristia tem o tecto
bastante baixo, e nada offerece de notável, assim
como o resto do edifício. Este templo foi generosamente doado com muitas
alfaias preciosas pelo Sr. Dom João V. Está ao presente este bispado sé
vacante, como se diz em lingoagem theologica,
e governado por um vigário capitular.
Do convento de S. Francisco
faremos mensão no capítulo ou logar
especial que temos de dedicar a Academia Jurídica.
O convento do Carmo occupa a mais pittoresca posição
da cidade; a paisagem, que d’ahi se descortina e se
alcança até ao longe é de um effeito magestoso. Tem uma frente de 11 janellas
rasgadas de varandas n’um andar, que se ergue sobre um pavimento inferior que
serve de quartel de soldados do corpo de permanentes. Ao lado tem duas igrejas
contiguas, que pegam com o convento. Uma lhe pertence e a outra à ordem
terceira do Carmo. A primeira é no interior de uma architectura
pezada e decorada com mao
gosto, a segunda é mais simples, porem
mais elegante. Ambas no seu exterior são de muita simplicidade, dando-lhe comtudo muito realce o alto corucheo,
ou torre dos sinos, que extrema uma da outra igreja.
Em seguimento, e no lado
posterior a esta ultima,
está um vasto edifício, que servia antigamente de hospital da ordem, e hoje
está deshabitado. As vidraças estão quebradas pela
notável chuva de pedra que houve em 1846, que cahio,
a menor no tamanho de ovos de ganço, e algumas com o pezo de uma e mais libras.
O convento devide-se
em velho e novo. O antigo edificio é bastante
acanhado, a madeira toscamente lavrada, mas anuncia grandeza d’esses tempos em
que as edificações eram tão difficeis no Brazil por falta de operários: - parece de todo abandonado.
A edificação moderna é um vasto dormitório, no fim do qual há uma janella que dá sobre o Tamanduatehy,
e alcança uma vasta e imensa paisagem, cujo fundo é terminado por uma
cordilheira de montanhas azuladas, e verdes.
É arrebatador esse quadro que
se desdobra diante dos olhos. Pelos morros da esquerda avistam-se as casas,
como a debruçarem-se para a immensa veiga, que é, pelo outro lado matizada
de bem agricultadas chácaras; e o rio, a espraiar-se em multiplicados braços
por entre multiplicadas courelas de verdura rasteira, assemelha-se a um mappa geográfico.
Esta paisagem é uma das mais
primorosas que vi em toda a minha viagem.
A igreja do colégio dos Jezuitas está n’uma pequena praça quadrada, por cuja
direita corre o edificio do antigo convento, que hoje
parece uma espécie de vale de Josaphat, por que além de servir de secretaria e
residência do presidente ou governador civil da Provincia, tem as estações do
correio, e tesouraria, a câmara da assemblea
provincial com a sua respectiva secretaria, o gabinete topográfico, um theatro particular, uma aula de pintura, outra de teologia
e uma normal de ensino primário, bem como a typographia
do governo. Já se vê que é como um documento incontestável da grandeza d’essa
ordem portentosa que o edificou.
O Jezuita
da América não é o jesuíta da Europa Ravaillae, o
assassino de Henrique IV, é S. Francisco Xavier, José de Anchieta, Manuel de Nóbrega,
Antonio Vieira e Malagrita
constituem duas anthiteses completas.
Aqui sabiam esses homens
devotados cumprir os deveres da sua augusta missão, lá tinham-se entromittido nos paços, e, semelhantes à serpente da
Escritura, seduzião os reis a commetter
peccados políticos, cujo mal se estendia pela nação,
e se fazia sentir nas suas lamentáveis consequências. Aqui era o missionário
trabalhador e industrioso, que suava juncto da tarefa
árdua da edificação dos templos: era o homem que muitas vezes amassava o
cimento das suas cazas conventuais, o operário que
com a enchó e o machado construía as canoas para atravessar os rios, lá eram os
degenerados entregues à moleza e ao ócio, e lançados no regaço dos vícios
torpes e deshonestos: aqui era o homem ousado e empreendedor,
que atravessava sertões, passava rios a vao e a nado,
ou em toscas gangadas, era o homem que não temia a
sanha das onças e de outros animaes ferozes, e ia
buscar gentios para o grêmio catholico, ou offerecer-se resignadamente em holocausto pelos princípios
e pelas doutrinas evangélicas: e isso sem ostentação, porque a representação
d’esse drama de tão violentas e majestosas peripécias, era n’um arredado canto
do mundo, virgem ainda dos pés do homem civilizado: e os espectadores, eram uns
desgraçados, uma espécie de idiotas bravios, que nem ao menos saberiam contar
isso um dia: porque, em fim, para elles esse tremendo
sacrifício era considerado um goso de gastronomia,
que, duas horas depois, já se lhe havia varrido da memória.
O Brasil conserva ainda os
monumentos da civilização theocratica d’essa ordem
portentosa. Os melhores dos seus templos, muitos dos seus vastos edifícios, as
mais bem agricultadas chácaras, os mais bem estabelecidos sítios, ou tapadas,
os mais bem montados engenhos, muitas cidades e immensas povoações: e sobre tudo a educação e moral
religiosa, ainda hoje guardada na gente do povo, tudo isso é divido aos membros
d’essa ordem, em que se tinha materializado uma civilização exclusiva: porque
os mais enérgicos e elevados talentos cobria-os a roupeta de Sancto Ignacio de Loiola.
O marquez
de Pombal foi exagerado na sua tenaz e immutavel politica a respeito dos Jesuítas do Brasil. Se o
Colbert, se o Sully portuguez
tivesse dados positivos sobre a missão d’esses homens profícuos aqui pela extenção da América, essa grande sumidadde
política havia fazer uma excepção n’esse aresto de ostracismo, que se tronou,
com a edificação da nova Lisboa, a primeira de suas glórias diplomáticas.[26]
E na realidade o edicto que mandou varres esses homens da face da terra, e
que rasgou as suas mortalhas de estomanha foi bem
fatal para o Brazil. A elles
terem existido aqui, porcerto não existiriam ainda
hoje, só na província de São Paulo de sincoenta a
sessenta mil índios, permanecendo n’um estado selvagem: a voz poderosa d’esses
homens extraordinários tiria trazido um grande número
d’elles para convivas do banquete social: e o catholicismo seria a religião mais amplamente professada.
A extinção dos Jezuítas é pois ainda hoje lamentada
no Brazil. Esses frades barbadinhos, com que os pertenderão substituir são uma caricatura ridícula d’esses
vultos grandiosos e respeitáveis, que nós vemos na historia
e nas chronicas singelas e ingênuas cercados de uma
aureola de glória: são uns hypocrytas enzoneiros, que
vem para o interior das províncias vender rosários e verônicas de metal,
ameaçar bestialmente o povo com o fogo do inferno, ouvir pessoas de confissão
por dinheiro, como por exemplo pela quantia de dez mil reis, e depois pregar do
alto do púlpito que aquelles, que não concorrerem ao
seu tribunal da penitencia, serão condenados às penas eternas: e por fim levão a desmoralização ao seio das famílias! Não
exageramos: há d’isto infelizmente bem cruéis e detestáveis exemplos, que são
do domínio público, e que deverão reparar e confundir os respectivos parrachos, especialmente os que tiverem a consciência de
atirarem a pedra contra a adúltera.
Que é do fructo
das missões d’estes novos sacerdotes de Daniel? Quantos centenares
ou milhares de índios tem elles civilizado: Que é das
suas chronicas? Que é das povoações que tem
fundado? Quantos d’elles tem tido o denodado
arrojado de ir offerecer-se para vianda do banquete
dos canibais? Qual d’elles se expoz
às settas ervadas dos índios?
Essa gente é uma espécie de
ciganos: que vem debaixo da opa monástica negociar com as consciências
escrupulosas e timoratas. Muito cuidado pois com esses
hypocritas entrometidos com
gente rude e inexperiente.
Mas...deixemos os barbudinhos
a barbearem as carteiras e algibeiras dos incautos, a perceberem e a comerem em
sancto ócio as penções dos
cofres públicos, tão tísicos para estradas e outros melhoramentos materiaes e moraes, e voltemos a
nosso propósito.
VI [27]
O templo dos Jesuítas, cujos
patronos são Sancto Ignácio de Loiola e S. Francisco
Xavier, foi fundado em 1673. As suas paredes estão nuas e despidas de qualquer architectura, ou pintura: o tecto
é acanhado e de máo contraste: os
púlpitos porém são um primor de entalhadura, bem como as columnatas dos altares mór e lateraes. A porta principal, e o tecto
da sachristia tem seus lavores differentes,
e ao parecer simbalicos[28],
porque não guardam simitria entre si. As letras
cabalísticas da ordem ahi estão gravadas: o J. H. S.
são infalíveis em todos os monumentos jesuíticos.
Depois de haver examinado este
edificio, ouvi eu dizer que havia um sumidouro a um
dos lados do coro grande, accrecentando-se-me que
n’esse abismo, que parecia immenso em fundura, haviam os Jesuitas sumido as suas
riquezas. É fácil de comprehender quanto esta noticia excitou a minha curiosidade
de viajante, e que não poupei esforços para entrar na minuciosa indagação de
sua existência, pois que até se me havia asseverado estar esse vácuo cheio de gaz acido carbônico, a ponto de
apagar uma luz logo que se mergulhava n’elle.
Munindo-me de uma sonda de
bastantes braças, corri ao exame: mas não pude verificar se com effeito tinha existido ou não um tal sumidouro. Que alguma
coisa havia de mysterioso no logar
indicado, não é para mim fora de duvida,
pois que estava entulhado de fresco, e a tradição era uniforme em reconhecer a
sua existência, variando apenas em algumas circunstancias. Muito de
proposito não me esplano mais sobre este incidente,
para que o seu mysterioso venha um dia a servir de
assumpto ao romance histórico e nacional, mina tão rica no Brasil e ainda por
explorar, porque os talentos d’este paiz, que na
realidade são muitos e de felizes proporções têm, com raríssimas excepções
andado a fazer operações mixtas com a litteratura franceza, que seja
dito de passagem, nunca se conformara com a índole nacional.
O convento de S. bento está
situado em um largo do mesmo nome, e quasi a sahir da cidade para as bandas da Luz e Jardim Botãnico. Em frente corre-lhe a rua também chamada de S.
Bento, e que eu crismaria no de Academia, que lá se vê ao fundo: – é um das ruas mais direitas de S. Paulo, e a mais bem lançada
a cordel.
Este edifício, cuja igreja
nada tem de notável, devide-se em duas partes, uma
forma o antigo convento, que é acanhado e toscamente edificado, e o moderno que
forma um só dormitório com janellas que dão para o
largo. Apenas um frade habita n’elle, e lhe serve de
administrador, sendo muito para lamentar que a este edificio
não se tenha dado um melhor destino, como, por exemplo, desmembrar da Academia
as aulas de preparatórios, e constituir alli uma especie de colégio das artes ou lyceu
nacional de instrução secundária. Estes edifícios assim abandonados a um ou
dois homens, como estão quasi todos os da província,
estão arriscados de uma immensa e prompta
deterioração; e assim conviria que o governo geral ou provincial lhes assignalasse um melhor e mais profícuo destino. Um frade no
século XIX sem que esteja revestido do caracter de
missionário, e vagando errante a exercer a sua altíssima missão, deve
considerar-se como um anachronismo.
Neste convento passou-se um
facto célebre quea história recolheo,
e que se acha hoje dramatizado pelo meu illustre
colega o Sr. Francisco Adolpho de Varnhagen: -é a famosa e heroica abnegação de
Amador Bueno da Ribeira a uma coroa que o povo lhe oferecia.
A casa de sua residência ainda
hoje se mostra, mas com dúvida e incerteza entre duas ou trez,
cuja edificação incontestavelmente data d’esses tempos. O facto passou-se como
conta Fr. Gaspar da Madre de Deus, e que aqui copiamos: - a sua parte dramática
leam-a os amadores no citado drama - Amador Bueno.
[...] [29]
As igrejas da Luz e de Sancta Thereza são inteiramente do mesmo gosto architetico, e parecem obra da mesma mão. Esta tem o tecto dividido em quadrados oblongos, onde se veem pintados
diferentes passagens da vida milagrosa da sancta
padroeira: aquela tem a forma de zimbório. É mais pequena,
e tem na parede da frente à entrada um painel da ceia, cujo pincel é muito
secundário em mérito artístico. Na sachristia tem uns
registos da paixão de Christo, e uma madona com a inscripção SINE LABE CONCEPTA, que tem algum merecimento
artisticamente examinado.
No edifício da academia, ditto de São Francisco existem duas igrejas com a invocação
do mesmo sancto, uma era do convento,
a outra pertence a ordem terceira do mesmo sancto.
Ambos os templos tem bastante merecimento, porque cada
um d’elles representa uma eschola
diffirente de architetura.
O do convento é de uma estença nave, bastante pezado na sua decoração, e mesmo um pouco escuro; o outro
em forma de cruz, é de uma elegante decoração,
composta de branco e dourado. Um dos braços da cruz abre-se no remate e dá
completa passagem para o outo templo.
Há para o outro lado o craneiro, ou catacumbas em que se sepultam os irmãos. É uma
quadra oblonga com sepulturas no pavimento, e uma espécie de mauzuleos aos lados, em cuja face se leem os nomes das
pessoas que ahi jazem, com a data dos seus
nascimentos e mortes.
A igreja de S. Pedro, cujo
frontispício se está reconstruindo por um bem traçado desenho, acha-se situada
no largo ou terreiro da Sé; e segundo a tradição foi aqui o logar
onde se celebrou a primeira missa, servindo depois por muito tempo como igreja
matriz.[30]
A mesma tradição conserva um
facto horroroso ahi perpetrado, durante as incarniçadas dissensões das famílias Ramalhos e Pinheiros.
Um dos membros d’esses bandos ferozes assacinou pelas
costas com uma faca de mato ao outro, que se achava de joelhos: e isto na ocazião de levantar a hóstia consagrada!
É fácil imaginar o horror que
um tal facto causaria aos numerosos espectadores. A hóstia foi logo commungada; e d’ahi a uma hora sahia o cadáver para o adro, em quanto
os sacerdotes rezavam os psalmos para o interdicto da igreja, segundo as disposições canônicas.
Este facto presta-se muito à
confecção de um romance histórico, se se aproveitarem todas as circunstâncias
d’essa guerra bárbara e cruel, de que elle é apenas
uma página. O poeta, ou artista que, ao ver dispostas na palheta estas immensas variedades de cores, molhar ahi
o pincel e traçar ao menos o contorno das personagens e o da paisagem do fundo,
terá feito um magnifico quadro, e poderá descançar ao
sétimo dia, porque fez um trabalho de grande proveito para a historia e para a arte.
A cadeia pública é no largo do
mesmo nome. É um casarão immundo e insalubre, onde há
o antigo e bárbaro costume de enchovias sem janellas convenientemente dispostas, para se crusar o ar e lavar os miasmas carbônicos, que exalam os excommungados civis.
As penitenciarias que se tem projectado não tem passado por hora de uma brilhante
utopia.
Como disse há outros edifícios
e igrejas, mas, havendo eu visitado quase todas, não achei n’ellas coisa que mereça mencionar-se com especialidade.
Tenho dito muito do interior
de S. Paulo, passarei agora a falar dos seus arrabaldes, e das impressões que me causou o seu pittoresco
aspecto.
VII [31]
Depois que cheguei a São Paulo
permaneci bastante doente, ainda por alguns dias; e quase cheguei a perder
todas as esperanças de tornar a recuperar a saúde perdida. A athmosphera conservava-se então chuvosa e irregular; e a
sua influencia, na minha
constituição, era poderosa e fatal. Por último concertou o tempo e eu comecei a
sentir algumas abertas de melhoras. O meu primeiro cuidado foi ir entregar
algumas cartas de recommendação, com que havia sido
brindado na corte. Por todos os cavalheiros a quem eram dirigidas fui eu
recebido com mui generosa benignidade, e bem assim por muitos outros
indivíduos, a quem não vim especialmente recomendado, mas de quem recebi
milhares de atenções, que penhoraram o meu reconhecimento; e, por ser tão
avultado o seu número, não especifico os seus nomes, os quaes
tenho gravados na memória, e ambiciono ocasiões de lhes mostrar por factos a
realidade d’esses sentimentos.
Esta minha declaração não se
resume somente à cidade de S. Paulo, amplifico-o por toda a parte onde fiz as
minhas excursões.
O meu primeiro passeio, depois
da entrega de algumas cartas, no interior da cidade, foi dirigido ao JARDIM
BOTÂNICO. Este logar é, no meu intender, a primeira
maravilha de S. Paulo; e a corte vangloriar-se-hia
com razão se tivesse um passeio público tão vasto e tão cuidadosamente plantado
como está este.
Lançado sobre lugar elevado, e
no mais pittoresco arrebalde
da cidade, as suas ruas estão por tal formas dispostas, que causam um effeito agradável. O tanque, que está no meio d’aquelle vasto paralelogramo, assimilha-se,
na sua forma a uma espécie de cruz de Malta; aquelles
vastos canteiros, ostentando uma immensa profusão e
variedade de flores açorianas, e de muitas indigenas,
a, suavemente, melancólica rua das Oliveiras, e as árvores corpulentas e
copadas, que dão sombra a assentos bem dispostos, tudo
isto forma um todo majestosamente agradável, que embriaga e enleva a attenção do viajante.
Este logar
delicioso é, porém, pouco frequentado pelas pessoas da alta sociedade; e apenas
ahi afflue um público menos
educado, que apanha as flores em grandes porções, estragando os botões, e
muitas vezes arruinando as plantas, que ficam. Há guardas dos jardins, e tambem uma guarda militar; mas essas coisas humanas estão
ali como estafermos: são guardas de estado, que deixam rapinar as flores, que
deveriam servir para recreio público.
Antes de entrar-se no jardim
há um largo de bastantes dimensões; e ahi existiam
umas taipas, que, ao longe pareciam um lanço de muro arruinado. Essa mole de
terra, segundo a tradição é um monumento do mais cynico,
e do mais estulto e depravado absolutismo.
Um capitão general embirrara
especialmente com todos os capitães-mores que viajavam de rede. Mandou-os pois chamar a todos às diferentes localidades, em
que residiam, para dia certo; e indo-se collocar
n’esta sahida da cidade, os mandava esperar e
obrigava a trabalhar n’aquellas taipas, que oito dias
depois da minha chegada, se demoliram; e estão hoje razas
com o nível do terreno.
Eis aqui como me contaram essa
anedocta célebre que se tem conservado na tradição
como um facto histórico incontestável: mas por cuja veracidade não me responsabiliso, porque o povo costuma exagerar os sucessos,
até desfigura-los.[32]
Continuando-se o passeio, além
do jardim, encontra-se a ponte de Santa Anna lançada sobre o Tietê, e na
estrada que vae para a villa de Atibaia. È uma obra de bastante consistência, posto que de um feitio
particular na sua construcção.
A casa
de correcção, que também se acha próxima ao Jardim
tem custado à nação o melhor de 58:000$000 rs., e comtudo
está em risco de ficar inustilisada a obra até hoje
feita. O risco tinha sido dado por um ingenheiro,
segundo o systema de Auburn,
com preferencia ao de
Philadelphia; mas cahindo em mãos leigas de
imperitos, estragaram risco e plano. Esse raio do edifício que já está
levantado; pecca em muitos deffeitos
da arte da construcção, e tão irremediáveis, que se
tem chegado a opinar e a sustentar com razões da sciencia
da engenharia, a conveniência de se abandonar a obra e o local. O meu illustre colega do Instituto Historico
o Sr. major de ingenheiros Beaurepaire Rohan no seu
relatório de 27 de novembro de 1843 opina pelo abandono da obra e do local.
Não obstante ser esse o bairro
mais primoroso de S. Paulo, outros arrebaldes há
muito pittorescos e agradáveis. Acceitando
eu um almoço que se dignou dar-me na sua chácara o Sr. coronel Leite, veador da
casa imperial[33], tive ocasião de ver o arrabalde, que
vae além dos Curros. A estrada não se pode dizer amena, posto que muito plana;
mas a paisagem das serras de Jaraguá e Cantareira, e as verduras que além se
avistam é com effeito encantadora.
Tive por meu companheiro
n’este passeio o Sr. Dr. Arêas moço de muito talento
e muita instrucção, que acabava de fazer a sua
formatura.[34] Ao abrir de um formozo
dia puzemos-nos a caminho, e passado pouco tempo,
estávamos na mencionada chácara, onde passamos até uma hora da tarde, muito
obsequiados pelo seu proprietário, que não qualidade de fineza que nos não prodigalisasse. Depois do
almoço fez-nos ver as suas plantações e as suas minas para matar as formigas,
inimigos poderosos para a agricultura em differentes
pontos do Brasil.
As formigas que são das que os
naturalistas chamam (Ecodomo cephalotes Lin.) e que vulgarmente se conhecem por issá, tanajura, formiga do natal, etc. moram no interior da terra em minas
solapadas, deixando muitas vezes uma crusta de terreno oco na superfície, o que
é um verdadeiro precipício. Ahi trabalham com a
atividade, indústria e boa regra, que lhes é possível. Tem guardas que expulsam
zangões, tem umas que se empregam na condução dos provimentos, outras na sua alimpação e disposição, e há uma especie
de formigas mais pequenas, que são entre as outras
como uma espécie de escravas, e que conduzem as cargas entre guardas que
parecem vigia-las. Conhece-se a existência de um formigueiro pelos seus olhos,
ou abertura dos canaes por onde ellas
vem à superfície, mas muitos especialmente pelos altos cômoros de terra, que
d’um dia para o outro aparecem: terra que foi expulsada para se proceder a
edificação das differentes officinas.
A distancia conveniente
abre-se, pois, uma cova, forma-se depois um canal que conduza até a mina, então
ataca-se com fogo soprado por foles, e d’esta sorte extinguem-se os
formigueiros. N’esta chácara do Sr. Leite haviam-se extinguido duzentos e
trinta, e estavam ainda a trabalhar na extinção de mais de setenta.
A chácara do Sr. Machado
d’Oliveira confina com o jardim botânico. Ella torna-se recomendável pela
indústria agrícola do bicho da seda, que o seu proprietário tanto se exforça em fazer prosperar e elevar à larga escala. A
plantação das amorerias dá-se ahi
tão bem e com tanto viço, como nos logares da Europa,
os mais aprovados para estas arvores: emfim tudo tem
concorrido para demonstrar a reconhecida possiblidade, e alta conveniência de
ampliar essa indústria, e de fazer emanar d’ella um
grande resultado lucrativo.
Cabe-me aqui dar um publico testemunho do reconhecimento ao meu respeitável collega o Sr. Machado d’Oliveira pela bondade com que pôz a minha disposição a sua numerosa livraria, mappas, e os importantes manuscriptos
acerca d’esta província, afim de que eu colhesse n’elles os precizos exclarecimentos para a minha viagem: o espirito de
camaradagem acadêmica que elle comigo desenvolveu,
nunca o saberei esquecer.[35]
VIII [36]
Disse a baronesa de Stael[37]na mais immortal
de suas obras a CORINA, que era uma coisa bem triste o viajar porque as pessoas
que encontramos, e os logares que percorremos não têm
relação alguma com a historia do nosso passado; como
definiria porém essa mulher de ingenho varonil a
dolorosa saudade com que nos apartamos de um logar,
que vizitamos por curiosidade, mas com que sympathizamos porque ahi nos bateo o coração, porque ahi
sentimos sensações cuja lembrança só expira com a vida, e que enfim temos de
dar um adeus a esse logar, onde nos ficam tantas e
tão profundas affeições, um adeus que é bem tremendo
na sua significação, porque o reputamos eterno?.. Creio eu que se há impressão
triste no viajar, a mais terrível, a mais severamente amargurada é sem duvida esse adeos.
Quem sabe se eu - obscuro
viajante - experimentei a significação d’esta violenta situação, quando me
despedi de S. Paulo?
[...]
Quando o sol surgia do oriente
sobre uma nuvem branca como orlada de oiro e prata, e que se assemelhava a um
rei cercado de magestade e sentado no seu throno, havia eu já passado a chácara da Agoa Branca. Logo depois passei uma ponte de madeira
lançada sobre o rio dos Pinheiros, e d’ahi a
cousa de uma legoa topei com um profundo atoleiro,
que quase me fez desesperar de poder continuar a viagem.
O meu pagem
vinha mais atraz com a minha bagagem, e como houvesse
experimentado todo o atoleiro e achasse profundo, resolvi apear-me tomar por
uma campina que ficava ao lado. Assim o fiz; mas ao transpor um pequeno córrego
a minha besta de montaria precipitou-se em uma desabrida corrida, que quase me
deixou sem esperança de a tornar a ver. A principio
corri apoz ella, mas eram
frustradas as minhas diligencias, ate que deparei com
um homem camponeo, serrano ou saloio como dizemos em
Portugal, ou caipira ou patrício como se costuma aqui dizer, e offereci-lhe uma boa recompensa para ir me pegar o
desvairado animal. A resposta que elle me deu foi desenfear o ponche, desenfivelar
as chilenas e tirando de cima de uma besta de carga uma comprida corda foi-a
enrolando e dispondo com arte, e já de caminho para a encosta de um monte por
onde andava a besta fugida, mas já um tanto sopiada.
Eu tinha já noticia da admirável destreza de enlaçar os animaes bravos em muitos pontos do Brazil
especialmente no Rio Grande, onde só tem como rivaes
os guauchos de Montevideo e Buenos-Ayres: mas
a facilidade com que este caipira foi ladeando o animal, e como lhe lançou tão
certeiramente o laço, fez-me uma bem profunda impressão.
Depois d’esta desagradável
aventura, montei e prossegui a viagem. Teria eu passado o milhor
de suas legoas quando deparei com uma taberna situada
à beira da estrada, e como me não conviesse esperar pelo farnel que vinha com a
bagagem, entrei e pedi o que almoçar, porque a manhã já estava bastante
adiantada.
Quando reparei no interior
d’essa caza, que é o modelo de todas as outras que
fui encontrando nas estradas, tive as mais vivas lembranças da taberna do
Coelho Branco dos Misterios de Pariz[38].
Com quanto a taberneira não tivesse a hidiondez da
Tia Poncia, com quanto os concorrentes não fossem dos
da laia do Mestre Escola, de Braço Vermelho, do Churinada,
da Coruja e dos outros d’essa taberna da cité de
Pariz tão poetizada por Eugenio Sue, a aparência das creanças
vestidas apenas com umas camisas?.. da côr da lama em que estavam a
chafurdar, os cabellos crespos e erriçados, e os
rostos terrenos e pálidos d’esse grupo de figuras de differentes
idades e tamanhos reflectia-me n’alma uma imagem
bastante melancólica. Fôra aqui o logar
para recommendar o fazer-se descer até aqui as
vantagens de uma boa hygiene e de bem calculada saúde
pública, fazendo desaparecer d’estas miserandas vivendas, d’estas quase taperas
de selvagens, vestidos com os andrajos imundos de uma civilização postiça, e
derramando por toda a parte e fazendo brotar por todo o solo fecundo e
miraculoso d’este vasto império os mananciais da riqueza publica
e particular com boas estradas e canaes, com boa policia comercial, com meios poderosos em umma de elevar a agricultura e as manufacturas
ao alto grão de perfeição e de importância, de que tanto se carece. Mas para
que recommendações d’esta laia?
[...]
Mas.... como eu ia dizendo a
taberna onde eu pedi de almoçar, era senão da mesma edição, ao menos pelo mesmo
padrão da dos Misterios de Pariz. Uma grade a uma das
janellas, com um vão em forma de postigo serve para atravez d’ella, ainda mesmo de
noite vender da fina (cachaça) aos fregueses viandantes. Uma manta de
toucinho rançoso sobre o balcão, um pouco de feijão em uma quartola,
umas poucas de braças de fumo enroladas n’um grosso bocado de madeira, e isto
disposto ao acaso, tudo afumado, e muito hydiondo
pelos salpicos de lama, pelas manchas de gordura ahi
impressas em todos esses utencilios, tal é a
decoração de uma taberna nas estradas de S. Paulo.
Em presença d’este quadro
tomei uma tegelinha de café com uns biscoitos de
farinha de milho. Mal acabei de tomar este desacostumado viatico, montei e
continuei a viagem, levando bem impresso os traços d’esta asquerosa biuca, para algum dia bordar com elles
o fundo de alguma scena romanesca.
Depois de passar o rio dos
Pinheiros acha-se uma extensa pedreira de granito, d’ahi
a pouca pittoresca floresta de Parasyssara[39],
depois o rancho do Jaguaré, e então ve-se ainda ao
longe avultar sobre uma erguida colina ladeada por dous
montes a freguesia da Cutia, cuja esbranquiçada torre da igreja ostenta-se ao
longe, como se fora de marfim.
Os principaes
ribeirões que se passam n’esta distância de cinco legoas,
que vae de S. Paulo à Cutia, são os de Capicua[40],
da Fazendinha e do Moinho-Velho, bem como os rios são além do Verde e dos
Pinheiros, de que já fallei, o chamado mesmo da
Cutia, que lhe corre a pequena distancia.
São onze horas da manhã. Está
concluída a nossa viagem de hoje: subamos por essa ladeira que ainda nos falta,
entremos no logar da Cutia e pouzemos
na caza do reverendo vigário para quem levamos cartas
de recommendação.
O logar
da Cutia, posto que se lhe não possa assignalar ao
certo a epocha de sua fundação, é da mais evidente verosimilhança que elle data dos
primeiros annos depois da fundação de S. Paulo. Como
freguesia rural, e como parochia tem ella tido quatro vezitas episcopaes, como consta do seu livro de tombo, a primeira
pelo bispo D. José de Barros e Alarcão, a segunda por D. Fr. Francisco de S.
Jeronimo, a terceira por D. João de Deus, e a quarta por D. Fr. Antonio de Guadelupe.[41]
O nome de Cutia dado a este logar provem-lhe naturalmente da abundancia d’ellas n’esta
paragem, que em sua origem foi povoada por colonos portuguezes,
mas muito especialmente por índios que se sujeitavam aos hábitos sociaes.
A freguesia compoem-se de uma única rua com algumas viellas
aos lados: no meio d’essa rua quase se alcança toda a extensão do povoado.
O orago da igreja, única que ahi há, é da envocação de Nossa
Senhora do Montserrate. A igreja é bastante medíocre,
e carece de obras especialmente de soalho, que pelo continuo
alevantar-se para a abertura de sepulturas está bastante deteriorado. O
reverendo vigário projecta aqui duas obras, que oxalá
a sua provecta idade as deixe levar ao cabo, uma é o dar mais largas dimensões
à capela mór, e a outra, e a mais principal é a creação de um cemitério, que é um dos institutos da moderna
civilização bem pouco seguidos no Brazil, em cuja
capital ainda se não encetou esta proveitosa medida, que havia por fim vir dar
cabo d’essa profanação que annualmente se faz aos
ossos dos finados, expondo-os a uma curiosidade estupida, material, e
indecente.
Quando eu entrei na freguezia, e busquei a caza do
reverendo pastor d’aquella povoação, estava elle a dizer missa conventual, depois da qual me concedeu e
hospedou com aquella franqueza e bondade hospitaleira
que forma uma parte essencial do caracter brasileiro.
O Sr. padre José Manoel d’Oliveira é quasi um ancião octoginario, e tem a administração espiritual d’este povo
há mais de trinta annos. O seu aspecto é de uma
velhice respeitável, os seus modos insinuantes; a sua casa é a misericórdia d’aquelle logar: emfim o reverendo vigário é um verdadeiro ministro do
altar, digno de todos os respeitos, pela sua virtude exemplar, e pellas excellentes qualidades que
o caracterizam.
Quando eu entrava o logar encontrei-me com um caçador. Recordei-me com saudade
do já para mim remoto tempo em que eu pelas herdades paternas me abandonava a
esse exercício, que como a pesca devora o tempo com uma rapidez insensível.
Ajustei uma caçada de ararapongas para o correr da tarde, mas a chuva veio-me
transtornar esse projecto, e dar-me em troca uma
tarde abhorrida.
Anoiteceo: e do
corucheo da igreja partiram as cinco badaladas lentas
das ave-marias. O cahir da noite n’uma povoação rural
é de uma suave melancolia, e o signal do rito catholico, que diz na sua lingoagem
de bronze - “mais um dia no volcão immenso dos séculos - “ disperta em nossa alma bem pezadas
meditações. Emfim essa hora que Lamartine cantou.[42]
Entre la
nuit que tombe et le jour que s’enfuit levou-me
a alma para bem longe, accompanhada de bem saudosas e
pungentes recordações.
[...]
Ao amanhecer do dia seguinte
continuei a viagem em direcção à villa
de S. Roque, que d’aqui dista cinco legoas. O ceo estava sombrio e carregado de nuvens pejadas de agoa, promettendo um próxima descarga de chuva; mas o ardor de continuar a
viagem tornou-se-me insoffrido,
e sem reflectir, parti depois de me haver despedido,
e com emoção, do reverendo vigário, typo dos padres
do antigo presbitério, e que tinha sabido captivar-me
com suas maneiras obsequiosas.
IX [43]
“A
fundação de São Roque remonta-se a uma larga antiguidade; e com quanto se lhe
não possa assignalar precisamente o anno em que foram lançados os seus primeiros alicerces,
sabe-se que começou sua existência civil entre os annos
de 1560 e 1570.[44]
Dois irmãos se haviam por este
tempo estabelecido n’estas paragens, um aqui nas margens do Caraembehy[45],
que ainda banha as faldas da villa pelo lado do Boy-poruçuruguaba, o outro mais além no vale chamado de Santo Antonio de Arassariguama. O daqui
chamava-se Pedro Paes de Barros, e o estabelecido além Fernando Paes de Barros.
No actual
descendente d’esta família, de quem fallaremos
depois, conserva-se uma romanesca tradicção escorada
em valentes bases históricas, e que diz respeito aos pormenores da edificação
da primeira igreja erecta n’este logar,
e que foi o verbo da moderna villa. O meu estimável
amigo Sr. Antonio Joaquim da Roza, de quem também fallarei depois, recolheu as circunstancias
d’este facto da chronica de uma família tão notável
na historia d’esta localidade, e revestindo-a com as
roupagens de seu gênio escreveu uma lenda de bastante merecimento artístico e litterario.
A igreja foi, como há pouco
disse, o verbo da moderna villa. Quando aqui cheguei,
fui entregar algumas cartas de recommendação ao dito
Sr. Roza, que me acolheu e hospedou com a mais urbana franqueza. A sua caza é a principal da villa, e
além da sua boa edificação e delicada decoração, tem essa caza
um brazão histórico com que tem de passar à
posteridade, e porque, e porque sempre hade ser
olhada com certo respeito e consideração, por que foi ahi que se hospedou a primeira testa coroada que por aqui
passou: falo do Sr. D. Pedro IIº na sua viagem a esta província.
O Sr. Roza é o primeiro
negociante da terra, e dos principaes de toda a
província. Dado muito a leitra de obras amenas tem
cultivado o seu gênio, que a sua vida comercial não permittio
illustrar em larga escala; as suas mimozas poesias que vimos nos dão logar
a lamentar que um talento de tão boas esperanças fosse assim sacrificado à
aridez das cifras.[46]
Já se ve
pois, que a nossa intimidade rapidamente se tornou como se fôra
muito antiga; e que todas as nossas conversações de dois dias foram consagradas
a objectos literários. Pela tarde desse dia
percorremos a villa, que é de duas ruas e algumas viellas. Acha-se mal collocada, e
as suas ruas lançadas como ao acaso são comtudo
ornadas de algumas cazas bem edificadas e de bonita apparencia. A igreja matriz única que há em toda a villa é bastante medíocre, assim como a cadeia e caza de câmara, que são os únicos edifícios públicos que
aqui existem.
Quase ao fechar da noite
tomamos o lado da villa por onde respira o pequeno
rio de Carembehy, e d’ahi
se disfructa o panorama da villa,
pittorescamente collocada
sobre um colina, cuja veiga
nós agora percorríamos. O rio faz n’uma paragem d’este extenso vale uma
quebrada, que parece uma catarata em miniatura. A um dos lados d’esse salto d’agoa há um monjolo, tosco engenho de estroçoar
o milho, e que eu via pela primeira vez, pois até então tinha-o eu visto
reduzir em pilões de madeira que são uma espécie de almofariz, em ponto grande.
Uma trave como a dos nosso logares da Europa tem
fincada n’uma das extremidades uma espécie de mão de gral ou de almofariz, e na
outra uma excavação com capacidade para dous barris de agoa. Perfurado o
madeiro quasi no centro, é atravessado por um eixo. A
agoa precipita-se então na excavação,
como sobre as rodas de uma azenha. Quando chega a encher ergue com o pêzo da agoa a outra extremidade,
que se precipita logo com bastante força, e a mão do gral vae assim estroçoando o milho. É fácil de comprehender
que este tosco engenho, do qual se lança mão pela falta de pedras favadas
próprias para a moenda, deveria ser substituído por algum outro meio mais fácil
e mais prompto, o que me parece se poderia conseguir
com mais facilidade fazendo uma machina de ferro
dentada, que, a semilhança dos pequenos moinhos de
moer café torrado, podesse obter o mesmo fim.
Ao cahir
da noite, o sino da freguesia fez soar as badaladas das Ave-Marias. As
mesmas impressões que eu sentira no dia antecedente n’essa hora ungida de
melancolia, experimenteia agora também, erguendo os
olhos da veiga tapizada de verdura, bordada de
arvores, e cortada de límpidas agoas; e volvendo-os
para o largo horisonte, que começava a
entenebrecer-se: soltei um suspiro: foi uma homenagem de dolorosa saudade
enviada à terra da pátria.
. . .
. . . . . . . . . . . . .
No dia seguinte, ao amanhecer,
parti eu e o meu estimável amigo, o Sr. Roza a fazer uma excursão à capella de Santo Antonio e ao Collegio dos Jesuitas, no districto de Arassariguama, aquella a uma e esta
a duas legoas distantes de S. Roque.
Este episodio
de viagem não o trazia em consignado no meu programma,
foi decidido na noite do dia da minha chegada a S. Roque, e posto em obra ao alvorescer do dia immediato.
Depois de caminharmos por
atalhos íngremes e mal-gradados, depois de atraversarmos matos virgens, galgado
veigas e transporto ribeirões, chegamos emfim
ao histórico e poético vale de Santo Antonio. Algumas
arvores seculares erguendo-se majestosas à entrada d’essa vivenda pareciam
atalaias gigantes, que a vigiavam. Passamos por debaixo da abobada verde-negra
que ellas formavam, e transpondo a cancella, entramos no pateo da
herdade, que é um vasto paralelogramo, a cuja direita está a ermida e a caza nobre, no fundo e à esquerda as senzalas dos escravos.[47]
As impressões que eu senti ao
lançar os olhos por essas antiguidades da historia
e por esse monumento do catholicismo, não as sei eu
descrever, posto que as sentisse em toda a largueza da sua magna significação.
Os monumentos de mais de dous séculos erguidos pela
mão dos homens, ahi estavam no meio d’essa natureza,
que ainda mostrava uma fisionomia virgem e selvagem. O homem e a natureza
pareceram –me ahi duas vontades poderosas, duas
linhas rectas que levadas a uma distancia imensa nunca conseguem encontrar-se. Esses dous monumentos que pareciam isolados concorriam porem para o contraste, para a grandiloca
harmonia d’esta paisagem, que falava na sua lingoagem
muda do poder dos homens, e da omnipotência de Deus”.
X [48]
“Mal
fomos presentidos toda a família correu com alegria
ao nosso encontro; por que o meu companheiro era muito
querido d’aquella digna família.
A caza
é construída de taipa, já petrificada pelos frios e calores do melhor de trez séculos. O gosto da sua edificação acusa a época em
que foi edificada, isto é, a singeleza de uma arquitetura que nascia por esses
mesmos tempos, e que luctava com tamanhas difficuldades, a ponto de valer-se da terra, em vez de
pedra, para a construcção das paredes.
O todo d’este edifício é de
grandes proporções, mas o mais notável d’elle são o
quarto e alcova em que se hospedava o famoso padre José d’Anchieta, e que ainda
hoje serve para os hospedes, bem como a varanda, cujo tecto
assenta sobre columnatas de madeira estribadas em um
mainel de taipa.[49] Nas paredes d’esta varanda estão dous retratos bem antigos, um é o da instituidora d’este
vinculo, e edificadora da ermida Ignacia Paes de Barros, que depois de viúva
trajou sempre as vestimentas de freira carmelita, como ainda está retractada; o outro é o do seu confessor e director espiritual, o famoso padre Anchieta.[50]
Cumpre notar que esta caza, a sua ermida e as
terras que estão visinhas tem vindo em vinculo d’esde a sobredita
instituidora e seu marido Fernão Paes de Barros até ao actual
e ultimo administrador d’esse vinculo João de Deus
Martins Claro, que se pode já dizer macróbio pois que tem 99 annos.[51]
Este individuo, dotado de uma
compleição robusta e sadia, occupa-se especialmente
em tratar com alguns pássaros, como periquitos, papagaios e arapongas, com que
se entretem e diverte. Alem
do sentido de ouvir, que está bastante debelitado, gosa de todas as suas outras faculdades; e dá inteira e fiel
conta de todas as tradicções da chronica
da família; menciona factos importantes da historia sua contemporânea, e com muita
particularidade da expulsão dos Jesuitas, primeiro
facto o mais importante da sua vida, e que elle prezenceou sendo já moço. Disserta em astrologia, cuja
leitura foi da sua particular vocação, é em summa um homem, que deveria
consultar-se, bem como escreverem-se os seus importantes depoimentos sobre os
sucessos mais notáveis prezenceados por elle, e tão fielmente guardados em sua memoria.
O livro de tombo d’esta caza é importante para a historia d’esse local, e mesmo para a apreciação de
muitos usos e costumes de legislação sobre vínculos, onde vem algumas
especialidades bem notáveis, especialmente nas correições, a que estava sujeita
a administração d’este morgado, que, por morte do seu actual
possuidor, se transformará em bens livres, como dispõem a moderna legislação
brasileira.[52]
Depois de um ligeiro exame a
este livro, depois de conversar largamente com o Nestor d’esta família, fomos
em direcção a ermida, que fica a um dos lados da casa
e logo a entrada da cancella.
É notavelmente curiosa a
edificação e decoração d’esta capela, que, abençoada pelo jesuíta Anchieta há dusentos e tantos annos, ainda se
conserva em bom estado, ameaçando apenas alguma ruina
o alpendre de telha, que cobre o pequeno adro que precede a entrada.
O fronstipicio
do templo apresenta uma singularidade, e vem a ser as rótulas, e grades de
madeira, que por uma arte bem combinada dão realce ao edificio,
e permitem que a toda hora se possa ahi visivelmente
adorar as imagens sacrosanctas do interior. N’este
adro da entrada é onde tinham costume vir os índios catequizados, e os escravos
do morgado rezar o terço da noite.
A um dos lados da ermida está
um mirante que serve de torre do sino: não verifiquei, mas supponho
ser construído de pedra.
Entrando no interior da igreja
um quadro novo e interessante se nos apresenta com o seu todo magestoso pela antiguidades que ahi ressumbra, e pelas recordações que nos desperta d’esses
tempos da infância civil d’este immenso territorio. A quadra do templo é em forma de parallelogramo com umas cinco braças de largura sôbre quinze de comprido. A capella
mór tem um retabulo de esquesita architectura, conservando
ainda o doirado com toda a perfeição. A imagem do sancto
ahi se acha collocada em
seu nicho. O frontal do altar é de oleado pintado com as cores próprias. Aos
lados existem duas figuras de madeira representando um cazal
de índios, que servem de tocheiros, e tambem de pousadores para dois vazos ou
açafates de flores. No corpo da igreja estão dois nichoes
embutidos na parede, arremedando uma especie de
altares lateraes. O retabulo
que os adorna é de uma architectura grosseira, posto
que antiga. O côro tem um gradeamento de fina
madeira. Pendem das paredes alguns quadros pintados sôbre
tela, dos quaes o mais curioso e de maiores dimensões
é um que representa o ceo, o purgatório, e o inferno.
Na parte superior estão personificadas as trez
pessoas da trindade catholica com toda a corte dos
bem-aventurados; presidido pela Mãe de Deus. Aos pés do Altissimo
alguns anjos com as suas trombetas na bocca chamam as
almas do purgatório, que estão no meio do quadro. D’entre chamas sahem essas almas bemaventuradas,
que se suppõem haverem expiado as suas culpas, e que
vão sendo conduzidas pelo anjo das mizericordias. Na
parte inferior existe o inferno com figuras de condemnados
cercados de todos os tormentos que mais aggravam a
sua situação. Avultam as figuras de um clérigo, de um papa e de um
desembargador. N’esse quadro, que se acha já deteriorado pela humidade, ha muito imaginação e poesia tanto
na composição, como na execução artística.[53]
O tecto da igreja, e o da sacristia está primorosamente
pintado de florões, cujas cores estão bastante vivas; é uma pintura de muito
gosto, a melhor que tenho visto pertence[nte] a esses
tempos.
Por este rápido esboço verá o
leitor as impressões que ahi experimentei. A manhã
ia-se adiantando e força era continuar a digressão. Por atalhos igualmente
íngremes e malgradados fomos andando mais uma legoa até chegar ao collegio de Arassariguama edificado pelos Jesuítas. Seriam nove horas
quando ahi chegámos, e subíamos o monte em que elle se edificou.
Sobre uma eminencia,
cuja vista alcança uma legoa em raio de circulo, existe este monumento da antiga civilisação theocratica: é mais
uma pagina de pedra que nos certifica do poder immenso d’essa ordem tão notável pelo seu saber e pelas
suas arrojadas empresas. A escolha do local para a edificação foi muito
acertada, porque por estes campos erravam os índios Goyanazes
e era mister um logar que materialmente por assim
dizer fizesse sentir em suas almas o poder do catholicismo.
A historia d’esse convento,
a historia das cathequezis
que ahi houveram, a historia
das profundas amarguras, que talvez ahi se curtiram
debaixo da roupeta grosseira do Jesuíta, não a recolheram os homens, nem mesmo
a fiel narração d’essas dores d’alma as podiam revelar os lábios. Perguntei-a à
solidão d’essas ruínas, apenas agora interrompida pelo pio das corujas, o
pavoroso silencio que sucedeu a esta minha pergunta mental, fez-me cahir em bem pesadas meditações. O fructo
d’ellas reservo para escrever em um romance
histórico, em que me esforçarei por dar uma ideia, ainda que pálida dos bens
que ao Brazil fez essa ordem notável, e abundarei na idéa, ou na opinião que commungo
da necessidade de haverem n’estas paragens d’estes
estabelecimentos, que sirvam de recoletas, que sirvam
de amparo e refugio a dores que o tracto
humano não pode consolar, e que antes martyriza e aggrava com sua indifferença
brutal e cruel. Este pensamento que eu busquei traçar e explicar em
formas artísticas de romance no Monge da Caloura[54]
heide secunda-lo no Noviço
de Arassariguama, quando algumas tregoas
da minha publica ocupação me permitirem refrescar a imaginação copiando as scenas que me passavam pela alma ao contemplar esse edificio, cujas paredes se acham espedaçadas pelas azas fataes do archanjo da distruição.
O convento constava de um só
dormitório, e parallelas com o côro
grande da igreja haviam duas espaçosas salas. O
refeitório e as outras officinas existiam no
pavimento inferior. O templo é bastante vasto, e com o seu tecto
de telha vã é a única peça importante d’esse todo que ainda não está em
completa ruína, mas em breve o estará porque as chuvas já ahi
penetram com abundancia tal, que a crusta do templo
estava ensopada. Por cima das traves giravam algumas corujas estonteadas pelo
nosso rumor tão desacostumado para ellas.
A architectura
é medíocre, mas o púlpito em cuja face principal estão as letras cabalísticas
da ordem, é notável pela sua obra de entalha, especialmente o sobrecéu rematado
por um alvo pelicano.
Para o lado opposto ao do convento havia pegado com a igreja um vasto
aposento, que creio servia para os romeiros e para os catecúmenos. Pelo lado
posterior do templo havia outras officinas cujo uso
se ignora.
Uma minuciosa descripção d’este edificio bem
como dos logares que o circundam, já hoje despidos daquelles immensos arvoredos que
deveria ter, reservo-o para o prometido romance.
Prosseguimos a viagem até ao
sítio denominado do Collegio. Ahi
recebemos um bem servido almoço do Sr. Dr. Carlos Elidro
da Silva, amigo íntimo do me companheiro de viagem, e hoje tambem
meu. Depois de larga conversa, especialmente sobre a sua cultura do chá, que
achei bastante cuidadosa e já com um apuro pouco commum,
despedimo-nos, e por um caminho cada vez mais péssimo passamos as duas
alentadas legoas que iam d’aqui até a villa de São Roque, onde emfim
chegamos fatigados especialmente pela ardentia do sol.
Ao amanhecer do dia seguinte,
comecei a dispor-me para a continuação da viagem, levando gravadas na memória
as horas de profundas impressões, que passei na ermida de Santo Antônio e no collégio de Arassariguama, que
são dous monumentos históricos, que atestam o poder
d’essa ordem notável, como nunca mais houve outra, que a podesse
igualar e que tantos e tão relevantes serviços fizesse ao Brasil”.[55]
*
Referências bibliográficas -
introdução e notas
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Recordações de viagem, A
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Recordações de viagem, A
semana, 06 abr. 1856, p. 187-188.
Recordações de viagem, A
semana, 13 abr. 1856, p. 195-197.
Recordações de viagem, A
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Recordações de viagem, A
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Recordações de viagem de F. M.
Rapozo d’Almeida, O Mercantil, 26 out. 1850,
p. 2-3.
Recordações de viagem de F. M.
Rapozo d’Almeida, O Mercantil, 02 nov. 1850,
p. 1-2.
Recordações de viagem de F. M.
Rapozo d’Almeida, O Mercantil, 06 ago. 1851,
p. 2-3.
Recordações de viagem de F. M.
Rapozo d’Almeida, O Mercantil, 28 mai. 1851,
p. 3.
Recordações de viagem de F. M.
Rapozo d’Almeida, O Mercantil, 31 mai. 1851,
p. 1-2
______________________________
[1] PINHEIRO, Maria L. B. Neocolonial,
modernismo e preservação do patrimônio no debate cultural dos anos 1920 no
Brasil. São Paulo: Edusp, 2012, p. 27 e ss.
[2] Ver: DOMINGOS, Simone
T. Política e memória: a polêmica sobre os jesuítas na Revista do IHGB e
a política imperial (1838-1889). Jundiaí-SP: Paco Editorial, 2013, p. 45-97.
[3] MELO, Mário. Índice anotado
da Revista do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco. Revista
do IAHGP, vol. XLIV, 1961, p. 43.
[4] PIAZZA, Walter F.
Revisitando Raposo d’Almeida. Arquipélago - História, 2ª série, ano II,
1997, p. 253.
[5] Antônio Joaquim da Rosa
se referiu ao “parapeito” que existira no alpendre da casa, mas não especificou
nem o material nem a técnica com que fora feito. Ver: ROSA, Antônio J. Prosa
e poesia. São Paulo: Academia Paulista de Letras, 1986, p. 135. Dessa
menção deve ter sido derivado o parapeito que consta no projeto inicial de
restauro elaborado por Luiz Saia, em 1937. Ver: SOMBRA JÚNIOR, Fausto B.
Luiz Saia e o restauro do sítio Santo Antônio: diálogos modernos na
conformação arquitetônica paulista. Dissertação (mestrado em Arquitetura e
Urbanismo), Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015, p. 171 e
175.
[6] Principalmente, a
hipótese de que o alpendre fronteiro da capela teria sido um acréscimo
posterior, não participando da primeira edificação. AMARAL, Aracy. A hispanidade em São Paulo: da casa rural à capela de
Santo Antônio. São Paulo: Itaú Cultural, 2017, p. 177 e ss., elaboradas
por estudiosos de renome, como Luiz Saia, Aracy Amaral e Carlos Lemos. Para um
bom apanhado sobre as distintas interpretações sobre o alpendre da capela de
Santo Antônio e seu lugar na história da arquitetura colonial, ver: MAYUMI,
Lia. Taipa, canela-preta e concreto: um estudo sobre a restauração de
casas bandeiristas em São Paulo. São Paulo: Romano e Guerra, 2008, p. 23 e ss.
[7] O comentário
complementa a interpretação de Luiz Saia, segundo a qual o alpendre servia como
elemento separador entre escravos ou impenitentes e os “fiéis mais graduados”,
em dia com suas obrigações religiosas. SAIA, Luiz. O alpendre na arquitetura
religiosa brasileira”. Revista do SPHAN, Rio de Janeiro, n. 3, 1939, p.
248.
[8] “Na parede esquerda do
corpo da capela ainda existe uma grande tela representando no plano superior o
céu com o Padre Eterno, a Santa Virgem, os anjos e os justos, no plano inferior
o inferno com os réprobos, entre os quais se destacam frades e freiras!” (ROSA,
op. cit., p. 135).
[9] Para exemplos, ver o
portal Project on the Engraved
Sources of Spanish Colonial
Art, organizado pelo professor Almerindo Ojeda,
da Universidade da Califórnia. URL: https://artecolonial.pucp.edu.pe/ Para um estudo sobre a
circulação de gravuras sobre o Juízo Final na América Hispânica colonial, em
particular a de Thomassin, ver: ROMERO, Agustina R.
Fama, estampas y pinceles: citas visuales del Juicio Final de
Miguel Ángel entre Europa y los
Andes (siglos XVI a XVIII). Ars, nº 42, ano
19, 2021, p. 122-170.
[10] ROSA, op. cit., p.
135.
[11] LINGUANOTTO, Daniel. Trezentos
anos de história à espera de visita. Correio Paulistano, 17 abr. 1949,
p. 24.
[12] Tratava-se, na
realidade, de uma manobra que permitiu a Fernão Pais de Barros legitimar a
mulata Inácia Paes de Barros, sua filha natural com uma escrava pernambucana,
como coproprietária de suas terras, por meio de seu casamento com o seu
sobrinho Braz Leme, filho de Pedro Vaz de Barros, dono do sítio do Querubim,
outra grande casa bandeirista que existiu em São Roque. Agradeço a Victor Hugo
Mori pelos esclarecimentos.
[13] SAINT-HILAIRE, Auguste
de. Viagem à província de São Paulo e resumo das viagens ao Brasil,
Província Cisplatina e missões do Paraguai. São Paulo: Livraria Martins,
1940, p. 178.
[14] Transcrito de:
Recordações de viagem. A Semana, 09 mar. 1856, p. 147-148.
[15] Apontamentos de um
caixeiro, cap. 12º. Nota no original, onde o autor parece referir a outra
obra de sua autoria, publicada nos jornais A Semana e O Mercantil
com o título de “Folhas de um álbum.”
[16] Batalha decisiva da
guerra civil de 1846-47 entre os setembristas (liberais) e os cartistas
(defensores do regime constitucional de 1826), que teve como desfecho a derrota
dos liberais, seguida pelo envio de cerca de 1200 aprisionados para
Angola.
[17] Alexandre Dumas
(1802-1870) escritor francês e autor de clássicos do “romance de capa e espada,”
gênero literário de grande popularidade no século XIX.
[18] Charles Nodier (1780-1844), escritor romântico francês, famoso por
suas obras de atmosfera fantástica e decadentista. A citação pertence ao seu
romance Les proscrits
(1802).
[19] Transcrito de:
Recordações de viagem. A Semana, 23 mar. 1856, p. 167-169.
[20] Os parágrafos entre
colchetes foram omitidos dos “Apontamentos de viagem”, tendo sido publicados
apenas como introdução ao poema de João Cardoso de Menezes Sousa, “A serra de
Paranapiacaba”, publicado em A Semana, 17 fev. 1856, p. 117.
[21] O “manuscripto”
referido pelo autor é relato da viagem entre Santos e Cuiabá feita pelo
sargento-mor Luiz d’Alincourt, em 1818. Em 1825, o
próprio Alincourt publicara o seu relato em um
folheto, o qual provavelmente estava entre o material consultado por Raposo
d’Almeida na chácara de Joaquim J. Machado de Oliveira.
[22] Transcrito de:
Recordações de viagem. A semana, 06 abr. 1856, p. 187-188.
[23] Gabriel José Rodrigues
dos Santos (1816-1858) foi juiz de direito da cidade de São Paulo e membro
importante do Partido Liberal na província, elegendo-se deputado por diversas
vezes. Participou da revolta liberal derrotada em 1842 e ao fim da vida foi
nomeado professor da academia de direito paulistana.
[24] Transcrito de:
Recordações de Viagem. A semana, 13 abr. 1856, p. 195-197.
[25] Transcrito de:
Recordações de Viagem. A semana, 20 abr. 1856, p. 203-205.
[26] Neste trecho, o autor
faz referência a dois vultos da história política francesa, o ministro de
estado de Luiz XIV, Jean-Baptiste Colbert (1619-1683) e Maximilien
de Béthune, o Duque de Sully
(1560-1641), principal ministro de Henrique IV.
[27] Transcrito de:
Recordações de viagem de F. M. Rapozo d’Almeida. O
Mercantil, 26 out. 1850, p. 2-3.
[28] Grafia conforme o
original, certamente “simbólicos”.
[29] Seguem excertos da obra
de Frei Gaspar da Madre Deus. Cfr.: MADRE DE DEUS, Frei Gaspar da. Memórias
para a história da Capitania de S. Vicente. São Paulo: Weiszflog Irmãos, 1920, 242-244.
[30] O autor parece aqui
referir-se à missa fundacional do colégio dos jesuítas. Se for esse o caso,
registra uma tradição aparentemente desconhecida pelos principais memorialistas
paulistanos.
[31] Transcrito de:
Recordações de viagem de F. M. Rapozo d’Almeida. O
Mercantil, 02 nov. 1850, p. 1-2.
[32] A anedota, bem conhecida
dos antigos memorialistas da cidade, costuma referir-se ao capitão general
Antônio Manuel de Mello Castro e Mendonça (1797-1802), que tinha a reputação de
homem cruel e governante opressivo. O trecho de taipa encontrado pelo
autor pode ter pertencido ao conjunto do Hospital dos Lazaretos, construído nas
proximidades em 1803.
[33] Antigo título
honorifico atribuído aos amigos e colaboradores da família real. Tratava-se de
Antônio Leite Pereira da Gama Lobo, bastante reputado por ter sido o comandante
da Guarda de Honra que escoltou D. Pedro I até São Paulo em 1822. À época da
viagem de Raposo d’Almeida, possuía uma chácara no atual bairro de Santa
Cecília.
[34] José Carlos de Almeida
Areias (1825-1892), o visconde de Ourém, foi ministro do Império e exerceu
cargos diplomáticos em Londres durante o Segundo Reinado.
[35] José Joaquim Machado de
Oliveira (1790-1867), militar e político, foi membro destacado do IHGB e autor
da principal obra sobre a história de São Paulo escrita no século XIX, o Quadro
histórico da província de São Paulo (1864).
[36] Transcrito de:
Recordações de viagem de F. M. Rapozo d’Almeida. O
Mercantil, 06 ago. 1851, p. 2-3.
[37] Anne-Louise Germaine de
Staël-Holstein (1766-1817), mais conhecida por Madame
de Staël, foi escritora importante do romantismo
francês. O romance citado Corinne or l’Italie (1807) parte de uma viagem à Itália para
contrapor o ideal clássico à Europa nórdica.
[38] O romance Os
mistérios de Paris, de Eugène Sue (1804-1857) é
considerado o fundador dos folhetins, tendo aparecido, primeiramente, no Journal de Dèbats,
entre 1842 e 1843. Chegou a ser publicado pelo diário carioca Jornal do Commércio, em 1844-45.
[39] Pirajuçara, afluente da
margem esquerda do rio Pinheiros.
[40] Carapicuíba, afluente
da margem esquerda do rio Tietê.
[41] O autor nomeou os três
bispos que ocuparam Diocese do Rio de Janeiro entre 1680 e 1739, além do
responsável pela diocese durante o período de sé vacante (1721-1725).
[42] Alphonse de Lamartine
(1790-1869) foi escritor e político francês, cujos poemas se tornaram uma referência
para românticos do Velho e do Novo Mundo. O verso citado pelo autor pertence ao
seu famoso poema “La prière” (1820).
[43] Transcrito de:
Recordações de viagem de F. M. Rapozo d’Almeida. O
Mercantil, 28 mai. 1851, p. 3.
[44] As datas fantasiosas se
devem, como se vê abaixo, à suposta presença de José de Anchieta por aquelas
paragens.
[45] Carambeí, córrego
formador do rio Guaçu e que corta o atual centro histórico de São Roque.
[46] Antônio Joaquim da Rosa
(1821-1886), o Barão de Piratininga, chegou a ser deputado provincial pelo
Partido Conservador. É mais conhecido atualmente como autor menor de novelas e
crônicas de maior valor histórico do que literário e por ter sido o primeiro a
noticiar as obras artísticas da capela de Santo Antônio.
[47] Cumpre notar que a
entrada atual ao sítio, construída pelo Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional na década de 1990, inverteu o sentido do acesso ao sítio,
que hoje se faz pela parte posterior do conjunto seiscentista. A entrada antiga
estava em cota mais baixa, próxima ao curso do córrego, dando acesso frontal ao
paralelogramo citado.
[48] Transcrito de:
Recordações de viagem de F. M. Rapozo d’Almeida. O
Mercantil, 31 mai. 1851, p. 1-2.
[49] O termo “mainel” pode
se referir tanto à coluna ou pilastra que divide um vão em duas partes como a
um parapeito. O trecho parece indicar o segundo sentido, apontando para a
existência de um guarda-corpo de taipa de pilão (como o da Casa do Bandeirante,
em São Paulo) ou preenchido com barro e caiado, semelhante a uma meia parede de
taipa de mão.
[50] Como dito na
introdução, trata-se, em verdade, de um retrato do padre Belchior de Pontes.
Havia notícia da existência de outro retrato seu no acervo do Museu do
Ipiranga; trata-se, contudo, de outro erro de identificação, já que o jesuíta
ali retratado é o padre Alexandre de Gusmão (1629-1724).
[51] Inácia Paes de Barros
era filha de Fernão e não esposa. Após a morte de seu primeiro marido, Braz
Leme, contraiu segundas núpcias com João Martins Claro. O “macróbio” Martins
Claro conhecido por Raposo d’Almeida era o bisneto de Inácia e de seu segundo
marido e foi nascido em Sorocaba, em 1748. Sua morte, ocorrida em 1854, pôs fim
ao morgadio da capela de Santo Antônio, que logo foi adquirida pelo Barão de
Piratininga. Ver SANTOS, Joaquim S.. São Roque de
outrora. Revista do IHGSP, vol. 37, 1939, p. 228.
[52] Desse mesmo livro de
tombo, há muito perdido, pôde o Barão de Piratininga obter as informações que
citou em sua notícia sobre a construção da capela anexa e a instituição de um
morgadio na propriedade.
[53] O quadro também foi mencionado
pelo Barão de Piratininga em sua notícia de1881, ainda que sem o mesmo cuidado.
[54] Talvez inspirado no
romance O monge de Císter, de Alexandre Herculano, publicado em 1848.
[55] Este último parágrafo
consta apenas na versão publicada em: A Semana, 22 jun. 1856, p. 267.