organização
de Álvaro Saluan da Cunha
CUNHA, Álvaro Saluan da (org.). “Quadros
historicos da guerra do Paraguay”. 19&20, Rio de Janeiro, v. XV,
n. 2, jul.-dez. 2020. https://doi.org/10.52913/19e20.xv2.09
* * *
A
coleção intitulada "Quadros historicos da guerra do Paraguay" foi
descoberta ao longo da pesquisa que deu origem a dissertação "As
litografias da coleção 'Quadros historicos da guerra do Paraguay' na década de
1870: projeto editorial e imagens" (http://repositorio.ufjf.br:8080/jspui/handle/ufjf/9961), orientada pela professora
Drª. Maraliz de Castro Vieira Christo no Programa de Pós-Graduação em História
da Universidade Federal de Juiz de Fora.
O
material, encontrado completo no Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro e
parcialmente no Museu Histórico Nacional e Biblioteca Nacional, conta com nove
litogravuras e textos, circulou logo após a Guerra da Tríplice Aliança, tendo
seu primeiro fascículo, anunciado no ano de 1871. As nove gravuras presentes na
coleção são (em ordem de lançamento):
I
- Combate Naval do Riachuelo, possivelmente desenhado por Angelo
Agostini e litografada por Alf. Martinet [Figura 1];
II
- A Rendição de Uruguayana, baseada em esboço de Pedro
Américo e litografada em duas versões, de J. Reis Litógrafo e Souza
Lobo [Figura 2];
III
- O ataque da ilha da Redempção, baseada em esboço de Pedro Américo e
litografada em duas versões, de J. Vitorino Litógrafo e A. de Pinho [Figura 3];
IV
- Passagem do Curuzu, baseada em esboço de Eduardo De
Martino, desenhada por R. Pontremoli e litografada por Alf. Martinet [Figura 4];
V
- A passagem de Humaitá, baseada em óleo de Victor Meirelles
e litografada por Souza Lobo [Figura 5a e Figura 5b];
VI
- Assalto e ocupação de Curuzu, baseada em esboço de Victor Meirelles,
litografada por Huascar, editada por Fígaro [Figura 6];
VII
- O reconhecimento de Humaitá, baseada em esboço de Eduardo De Martino,
desenhada por R. Pontremoli e sem identificação do litógrafo [Figura 7];
VIII
- O Passo da Pátria, baseada em esboço de Victor Meirelles, sem
desenhista ou litógrafo identificados [Figura 8];
IX
- Ataque e tomada do Estabelecimiento, baseada em esboço de Eduardo De
Martino e desenhada por R. Pontremoli, sem identificação do litógrafo [Figura 9].
A
pesquisa em questão buscou analisar o projeto editorial através de sua
produção, circulação nacional e internacional e personagens envolvidos, dos
litógrafos aos escritores. Além disso, o trabalho buscou analisar
comparativamente as litografias da coleção com a produção visual do período e a
historiografia sobre a guerra, de forma a contextualizar melhor os
acontecimentos narrados.
Já
a parte textual foi assinada por Felix
Ferreira, Coronel Pinheiro Guimarães, Cesar Muzzio, A. E. Zaluar e Dr.
Ferreira de Menezes, personagens conhecidos da Corte no final do século XIX. Em
cada um dos textos, é possível de se perceber particularidades nas formas
narrativas, que não se atinham necessariamente ao conteúdo explícito nas
gravuras, tratando da guerra e suas passagens de uma maneira geral. Em alguns
casos, é possível observar citações de cartas e ordens do dia, com o intuito de
dar maior veracidade ao que era relatado.
*
Emprehendemos uma obra de justiça
e de verdade.
De justiça, porque prestamos
homenagem devida aos beneméritos da pátria: de verdade, porque alheios aos
ódios e ás sympathias dos corrilhos políticos, rememorando os fastos da guerra
do Paraguay, entendemos engrandecer unicamente a nação.
O nosso trabalho é modesto; a
sua importancia resalta da importancia dos factos.
A narrativa singela apoiada no
depoimento unanime dos que emprehenderam e perfizeram tantas, e tão galhardas e
bizarras acções de heroismo e abnegação, servirá apenas de glosa ao lapis do
desenhista.
Pareceu-nos que a verdadeira
gloria rutilava mais pura sem os atavios que lhe empresta a imaginação
exaltada.
Na historia da guerra do
Paraguay há paginas que ilustrariam qualquer das mais guerreiras nações do
velho mundo.
E foi um povo de hontem que
escreveu!
Foi um povo cuja brandura de
costumes e cordialidade de animo lhe fizeram merecer até hoje, a par da honrosa
designação de hospedeiro, a de imbelle e fraco.
Nessa luta sangrenta e tenaz
de cinco annos o Brazil assignalou a epocha de sua virilidade como nação.
Filhos do norte e filhos do
sul, congregados por uma só idéa, batalharam naquelles inhospitos e pestilentes
campos paraguayos com a calma e a resignação que dá o sentimento do dever.
A unidade nacional melhor se
affirmou com essa prova de sangue.
O juizo da posteridade ainda
não desceu austero e imparcial sobre os homens e sobre os factos.
Há porém d’entre aquelles e
d’entre estes, alguns que já consagraram immortaes o juizo unanime dos
contemporaneos, o dos proprios inimigos, o dos que sempre nos negaram até o
direito de sermos uma nação independente.
De uns
e de outros nos vamos nós tambem occupar, com singelo e despretensioso desejo
de sermos justos e verdadeiros.
Se o conseguirmos, repetiremos
com o velho poeta quando se dirigia aos bons ingenhos do seu tempo:
Eu desta glória só fico
contente
Que a minha terra amei, e a
minha gente.
Angelo
Agostini (1843-1910), Combate naval do Riachuelo. 1871. Alf. Martinet
litógrafo, 48,5 cm x 67,10 cm (aprox.).
Rio de Janeiro, Museu
Histórico Nacional
I
Invadida e assolada a
provincia de Matto Grosso pelas hostes de Barrios e Resquin, occupada a de
Corrientes pelo numeroso e disciplinado exercito de Robles, e ameaçada a do Rio
Grande do Sul pelas columnas de Estigarribia e Duarte, - bem critica e temerosa
era, em Junho de 1865, a posição da triplice alliança contra o Paraguay.
Só a fé robustissima nos
destinos da civilisação e da liberdade, só a esperança dos prodigios que sóem
realizar os brios de povos offendidos em sua honra e pundonor, podião, nesses dias
de angustia, pôr em duvida o triumpho completo do marechal Lopez.
Accommettidas de sorpreza, as
nações alliadas apressadamente reunião, organisavão e transportavão á enormes
distancias os recursos, que o inexcedivel patriotismo de seus filhos improvisara,
para resistir ao immenso poder militar, que se creára e desenvolvêra no
Paraguay, durante 10 annos de incessantes e laboriosos cuidados.
Á superioridade de suas
forças, compostas de 80,000 soldados perfeitamente adestrados, cerca de 500
peças de artilheria e uma esquadra, que além dos navios de véla contava com 17
vapores, apropriados aos rios em que tinhão de operar, á escolha da
opportunidade para a aggreessão, e ao desarmamento dos alliados, reunia o
marechal Solano Lopez, como outros tantos elementos que lhe devião assegurar a
victoria, o perfeito conhecimento do terreno em que ia travar-se a luta, a
obediencia passiva, a abnegação e fanatismo nunca vistos de uma nação de que
dispunha como arbitro supremo, e a traição, que só aguardava momento asado para
manifestar-seno proprio seio dos alliados.
Houvessem as armas paraguayas
alcançado a menor vantagem em territorio correntino, e esse seria o signal de
deffecções muito mais graves que as vergonhosas debandadas de Basualdo e de
Toledo.
Os federaes de Entre-Rios, e
os blancos de Montevidéo converter-se-ião em guardas avançadas dos exercitos de
Corrientes e Uruguay, que encerrarião em um circulo de ferro e fogo, impossivel
de romper-se os 6,500 homens mal armados de Paunero e Caceres, e os 12,000
recrutas de Mitre e Ozorio reunidos na Concordia - unicas forças
arregimentadas, que contava nessa época a triplice alliança.
E assim como, no seculo 4º, os
barabaros do norte invadirão a Europa, derrubarão estados florescentes e
fundarão um poderoso imperio, assim tambem a raça guarany, forte por sua
submissão e valor, derramando-se, qual irresistivel avalanche, pelas planicies
da America do Sul, ergueria ás margens do Rio da Prata, com os despojos de trez
nações civilisadas, o throno almejado pelo moderno Attila, á quem cegamente
obedeceria e por quem heroicamente sacrificou-se!
Só uma cousa faltava para a
completa realisação do ousado plano, que concebêra o desposta de Assumpção. Era
a livre navegação do rio, que lhe interceptavão duas divisões da esquadra
brasileira, ao mando do immortal chefe Francisco Manoel Barrozo.
Dominando as aguas do Paraná,
Lopez receberia os ultimos recursos, que aguardava da America do Norte e da
Europa, sua esquadra levaria em poucos dias á Buenos-Ayres, á Montevidéo ou ao
Rio Grande, os exercitos de Robles e Estigarribia, e desde logo quasi
impossivel seria evitar o anniquilamento da alliança e o predominio do elemento
barbaro no continente sul-americano.
Era, pois, sobre o rio que se
tinha de jogar a partida suprema; era ali que se devia decidir da sorte de toda
a campanha.
Bem o comprehendeu o dictador
do Paraguay, e com a astucia, propria da raça indigena de que descendia, tudo
dispôz e preparou, para assegurar-se do successo, que dess’arte se lhe
antolhava infallivel.
II
Alvorecêra brilhante o dia 11
de Junho de 1865, Domingo da Santissima Trindade.
Duas leguas abaixo da cidade
de Corrientes, na extensa curva que ahi faz o rio Paraná, entre a ponta d’aquelle
nome e a de Santa Catalina, ao sul, vião-se em linha de combate, mas com os
ferros no fundo e fogos abafados, 9 canhoneiras a vapor, em cujos penóes
tremulava a bandeira brasileira.
Erão a 2ª e a 3ª divisões de
esquadra, que depois de juntar ás glorias de Tonelero as de Paysandú e
Corrientes, ali bloqueava o littoral occupado pelo inimigo.
Testa de columna a Belmonte,
do commando de Abreu, e fechando a retaguarda a Araguary, de Hoonhlotz;
no centro arvorava a insignia do chefe o Amazonas, commandado por Brito.
Occupavão os intervallos a Mearim, commandante Elisiario Barbosa, Beberibe,
commandante Bonifacio, Ypiranga, commandante Alvaro, Jequitinhonha,
commandante Pinto, içando a flamula do chefe Gommensoro, a Parnahyba,
commandante Garcindo, e por ultimo a Iguatemy, commandante Coimbra.
O céo radiava-se de côres
esplendidas, e as aguas do rio, correndo rapidamente, em uma largura de
tresentas braças, por entre as ilhas da Palomera e bancos adjacentes, fazião
luzir nos estreitos e tortuosos canaes palhetas de oiro e prata, até que ião
quebrar-se em franjas de alva espuma, duas leguas além, na ponta de Santa
Catalina.
Na margem esquerda, coberta de
basto e corpulento arvoredo, projectavão-se ainda algumas sombras, em formoso
contraste com a da direita, onde a natureza virgem do Chaco ostentava todos os
esplendores de sua selvagem belleza á luz do astro nascente.
Se o olhar experimentado do
nauta podesse, aos primeiros albores da manhã, descortinar por entre as arvores
gigantescas e emmaranhadas silvas da margem correntina, o que se ali passava,
não reinaria tanta calma nos descuidosos vasos, e prompto soaria em todos elles
o toque d’alarma, porque um grande perigo os ameaçava!
É que ao longo do littoral, na
parte baixa da curva em que vem desaguar o Riachuelo, desdobrava-se
extensa fila de abarracamentos, erguidos no silencio e escuridão da noite. Dous
mil infantes inimigos, cozendo-se com a terra, e tendo ao lado as mortiferas
armas, espreitavão o combinado ensejo para atirarem certeiros sobre uma preza,
que reputavão segura, por estar desprevenida.
Mais longe, no extremo da
ponta, sobre as desigualdades do terreno e mascarada pela matta, collocára o
coronel Bruguez formidavel bateria de foguetes á congréve e 22 canhões, cujas
pontarias firmava sobre todos os estreitos passos, que deverião descer e subir,
transpôr e cruzar as canhoneiras brasileiras, afim de destruil-as com seus
fogos.
Tudo fôra planejado pela sagaz
perfidia do guarany, que não confia só da superioridade numerica das forças o
exito dos combates, senão principalmente dos embustes imprevistos e dos lances
de sorpreza.
A sorte dos navios
brasileiros, porem, estava bem protegida pela santidade da causa, que
deffendião, e indomavel coragem de seus inperterritos tripolantes.
Concluida a faina da baldeação,
parte das guarnições vogára para terra em busca de lenha com que supprir a
escassez de carvão, e o resto descançava, á excepção das vigias que estavão
alerta nos cestos de gavia e dos homens necessarios á guarda da tolda.
Os sinos de bordo soarão nove
horas da manhã.
Repentinamente por sobre a
ponta de Corrientes, á enfrentar com a ilha de Meza, levantou-se ligeira nuvem
de fumo, e após essa outra e mais outras, e quasi ao mesmo tempo ouvio-se cahir
do tópe de vante da Belmonte este grito - navio á prôa! e logo
este outro - esquadra inimiga à vista!
Rufão os tambores e sibillão
os apitos em todos os navios da divisão; o Amazonas desfralda aos ventos
o terrifico signal - preparar para combate!
Um estremecimento electrico
corre pelas vêas dos valentes officiaes, marinheiros e soldados; todos accodem
pressurosos e contentes aos seus postos, porque é finalmente chegado o momento
de dar um dia de gloria á patria querida, e de inflingir o primeiro castigo
pelas atrocidades commetidas em Matto Grosso contra populações inermes,
delicadas mulheres e innocentes crianças!
Já os fogos estão despertos,
já as amarras são largadas sobre boias, as peças e os rodizios achão-se em
bateria, abrem-se os paióes, as balas e metralhas empilhão-se no convez, as
gaveas guarnecem-se de atiradores, e os contingentes do exercito enfileirão-se
nas bordas.
Pairando sobre as pás e de
morrões accesos só esperão os navios o signal de fogo!
Metade das guarnições e os
melhores praticos achão-se em terra. Não importa! Recolher-se-hão aos primeiros
estrondos do combate, e o enthusiasmo duplicará as forças dos que ficarão.
O inimigo desce com grande
velocidade, ajuda-o a correnteza do rio; - dentro de 15 minutos prolongar-se-ha
com as divisões. -Eil-o!
III
Junto á ilha Meza avistão-se
oito vapores, rebocando seis chalanas razas, a nivelarem-se com as aguas, e
offerecendo como unico alvo a extremidade de grosso canhão de 68 e 80.
Flamejão-lhes nos topes as 3 cores da republica; trazem os bojos pejados de
gente e larga facha encarnada divisa-se-lhes por sobre as bordas.
São os homens destinados á
abordagem, que revestem como em dia de festa seu rubro uniforme de gala.
Formão estes um tabalhão
inteiro, o 6ºda infanteria de marinha, o mais aguerrido do exercito paraguayo,
e cujas façanas em Matto-Grosso corrião de boca em boca nas ruas de Assumpção.
Possantes e herculeos, forão
designados na vespera em Humaitá, pelo proprio dictador, que armou-os de
machados e sabres. Poclamára-lhes ao embarcarem recommendando que não matassem
todos os prisioneiros, como promettião, levando-lhes vivos alguns.
Rompia a marcha o Paraguary,
que commandava o capitão Alonso, seguindo-lhe as aguas o Igurey,
commandante Ortiz, o Iporá commandante Robles, o Salto,
commandante Alcaraz. Também ali vinha o Marquez de Olinda, armado em
guerra, depois de apresado pelo Taquary, navio capitanea, que fechava a
linha.
Nelle arvorava sua insignia de
commando o velho chefe Meza, que tinha por capitão de bandeira o commandante
Cabral.
A esquadra paraguaya largou de
Humaitá á meia noite, e, segundo as instrucções do dictador, antes de
amanhecer, devia passar ao largo dos brasileiros, aproar depois aguas acima,
prolongar-se cada navio com um dos vasos inimigos, descarregar-lhe toda a
artilharia e saltar á abordagem. Os atiradores e a bateria de terra devião
protegel-os e apoial-os, nas peripecias do combate, se nesse primeiro arremesso
não conseguissem aprezar os navios brasileiros.
Em marcha, porém,
desarranjou-se a machina do Iberá, que tambem fazia parte da expedição,
dando causa as tentativas feitas para reparar esse sinistro, á que já dia claro
entestassem com os navios de Barrozo.
Logo trocarão entre si as duas
esquadras as devidas continencias: ao cruzarem-se despejarão-se reciprocamente
nutridas bandas de artilheria, chovendo de parte a parte balas e metralhas.
Era uma chuva de respeito! (As palavras griphadas são da parte official de
Barrozzo.)
Apenas dobrarão a ilha de
Palomera os navios paraguayos aporarão contra a corrente, como se pretendessem
executar o plano de abordagem; mas, parando em meio caminho, cahirão á ré e de
novo seguirão aguas abaixo, acossados pelo vigoroso fogo dos rodizios de pôpa
de seus adversarios.
Onde irião? Desanimados pela
resistencia, ou já desbaratados pelas perdas e avarias, tentarião acaso fugir,
procurando os canaes de agua escassa, inacessiveis aos navios brasileiros,
todos de grande calado?
Irião aguardar o combate em
lugar préviamente escolhido, onde tivessem sobre os inimigos, que forçosamente
havião de encalhar, a vantagem das manobras e movimentos livres?
Tal foi o problema que
rapidamente formulou-se no pensamento do denodado chefe Barrozo, que sem
hesitar, resolveu ir-lhes ao encontro. Deixando a Parnahyba, onde
desfraldára sua insignia na primeira phase do combate, regressou ao Amazonas,
que já então havia recebido o pratico, e fez aos seus commandados os seguintes
sinaes: bater o inimigo que estiver mais proximo; - o Brasil espera
que cada um cumpra o seu dever.
Reproduzindo as sublimes
palavras de Nelson, antes da batalha de Trafalgar, o chefe brasileiro
não lhe ficou somenos no arrojo com que affrontou a morte, sendo, como elle, o primeiro
á dar o exemplo do que exigia de seus commandados.
Nelson entrou em fogo,
adornado com todas as suas condecorações, offerecendo-se assim como alvo aos
tiros do inimigo. Debalde seus officiaes lhe representarão, que sua posição de
almirante em chefe lhe impunha o dever de não expor-se com tanto ardimento. Ali
ficou até cahir mortalmente ferido.
Tambem Barrozo, de pé sobre a
caixa das rodas, ondeando-lhe ao vento a comprida e alva barba, apresentava sua
imponente e marcial figura, como ponto de mira, aos milhares de projectis, que
chovião-lhe em torno como granizo.
Tendo aos lados o intrepido
Brito e o habilissimo pratico Gustavino, só desceu de posto tão arriscado,
quando já não havia inimigos a debellar.
Como o heróe da Victory,
podia também repetir ao terminar a batalha; - graças a Deus cumpri o meu
dever!
IV
Esperava e não fugia
(*parte official de Barrozo) o inimigo; collocado em linha de batalha, sob a
protecção da artilheria e fusilaria de terra, estava elle ao abrigo de qualquer
tentativa de abordagem, e, para maior segurança, amarrara as chatas com espias,
conservando-se os vapores sobre rodas, cosidos com a barranca.
A escolha da posição fôra
verdadeiramente inspirada! O canal tortuoso, em que os navios brasileiros
tinhão de manobrar, tão estreito era, que ao lado da ilha a oscillação das
aguas, causada pela passagem dos vapores, desmoronava a terra da margem.
Ao fazerem a travessia, em
frente do Riachuelo, os brasileiros erão obrigados á passar tão rente á
alterosa barranca, em que Bruguez assestára sua bateria, que até pedras
arrojavão sobre o convéz os soldados paraguayos, cautelosamente agachados
dentro das vallas, em que se occultára a infanteria.
Onde quer, porém, que se
refugiassem, resolvera Barroso ir procural-os e nenhum obstaculo fal-o-ia
recuar.
Ao signal do navio chefe as
divisões, seguindo nas aguas da Belmonte, (testa da columna e a primeira
á inverter a linha de frente) manobrarão para descer o rio até haver lazeira,
(**Lazeira, termo do homem de mar, que designa espaço para manobrar) para dar a
volta, prolongar-se com o inimigo, e batel-o.
Não permittião a differença de
calado e cumprimento dos navios brasileiros que elles fizessem a volta no mesmo
lugar, sendo-lhes preciso distanciarem-se grandemente até encontrar espaço.
O Amazonas teve de
percorrer uma larga distancia chegando a perder de vista o resto da esquadra,
em consequencia das sinuosidades do canal. Dahi resultava para os paraguayos
mais uma vantagem importante, qual a de facilmente poderem cortar a linha
brasileira, o que effectuarão.
Atravessou a Belmonte o
arriscado passo e fel-o com toda a galhardia, supportando ella só todo o fogo
da esquadra inimiga, dos atiradores e da bateria de terra, que então se
desmascarou.
Virando aguas abaixo, encalhou
o Jequitinhonha em um banco de arêa, que separa dous canaes estreitos,
justamente em frente á artilheria de Bruguez. Fez a tripolação esforços
sobrehumanos para safal-o, recebendo á tiro de pistola o mortifero fogo do
inimigo. Não o conseguiu; e travou-se então uma luta desesperada e desigual,
entre a bateria e tres navios paraguayos, que tentão abordal-a, e a canhoneira
immovel.
Rarêa a tripolação disimada
pela metralha, mas conserva-se heroicamente sobre o convéz, despejando com suas
oito peças violento fogo contra a bateria, que a fulmina, e repellindo a
abordagem com maior denodo.
Tombão as vergas e mastros, o
tubo do vapor deixa sahir a fumaça, que se escapa em borbotões pelos buracos
que o crivão; a prôa, as amuradas, os escalares voão em estilhaços,
convertendo-se em outros tantos projectis contra a propria guarnição.
Nem assim deixa ella seu posto
de honra, e somente cessa de atirar, ao cahir da noite, depois de calados os
fogos do inimigo. Ali encontra morte gloriosa o esperançoso guarda marinha Lima
Barros: mais 17 cadaveres e grande numero de feridos enchem o tombadilho. É
contuso o chefe Gommensoro, recebendo á seu lado gloriosos ferimentos Freitas,
Lacerda e Castro Silva, seus officiaes.
Repetindo contra varios navios
a tentativa de abordagem, expressamente ordenada por Lopez, os paraguayos
afinal conseguem dal-a á Parnahyba, que descia.
Cercão-na o Paraguary,
o Taquary e o Salto. É o primeiro repellido á metralha, mas os
outros acostão-se á bombordo e estibordo. A valente guarnição dirigida por
Garcindo, e enthusiasmada pelos heroicos exemplos do immediato Chaves e dos
officiaes do exercito Pedro Affonso Ferreira e Maia, oppõe aos assaltantes
invencivel resistencia.
Mas, acommette-a tambem pela
pôpa o Marquez de Olinda, que lhe despeja dentro numeroso golpe de gente
de aspecto feroz, armada de sabres, machadinhas e revolvers.
Trava-se, corpo á corpo,
medonho combate ou antes horrorosa carnificina, no meio da qual os denodados
officiaes, negros fumo e cobertos de sangue, erguem-se como vultos homericos,
com a espada em punho. Greenhalg, inda criança, prostra com um tiro o official,
que ousára intimal-o á ferro frio e succumbindo depois de completamente
mutilados.
Maia tendo já decepada a mão
direita, apanha a espada com a que lhe restava, e ainda faz frente ao inimigo.
Marcilio Dias, simples
marinheiro, eterniza seu nome combatendo á sabre com quatro paraguayos, dous
dos quaes rolão a seus pés: vacilla e cede, crivado de feridas, exangue e
muribundo, aos féros botes dos outros dous.
Escorrega-se no sangue,
tropeça-se sobre cadaveres, mas a luta continúa ardentemente acesa; já o
inimigo é senhor do convéz desde a pôpa até o mastro grande, apoderou-se do
leme e arreou a bandeira!
Durava já essa luta suprema
uma hora, e os brasileiros terião talvez de succumbir ao numero, por que
officiaes e soldados cahião um apoz outro, quando o navio chefe a Mearim e
a Belmonte, apercebendo-se do que occorria ao verem arriada a bandeira,
aprôão cada um por seu lado para esse grupo tremendo de quatro navios, que se
envião reciprocamente a morte.
Comprehendendo os abordantes o
perigo, que os ameaça, largão o costado da Parnahyba, abandonando os que
pelejavão no convéz. Estes hesitão, ao passo que os brasileiros cobrando maior
denodo carregão, indo á frente o immediato Chaves, e os que não se precipitão
no rio são trespassados á bayoneta.
Os restos da destemida
guarnição atroão os ares com os gritos de victoria. A Parnahyba está
salva, e de novo tremula em sua pôpa a nobre bandeira um momento abatida.
Entretanto, todos os demais
navios tinhão vindo occupar seu posto na linha de combate, que se tornara geral
e cruamente se feria.
É quasi impossivel descrever o
sublime horror desse prelio infernal, concentrado em poucas braças de espaço, e
no qual cerca de quatro mil homens procuravão desapiedadamente exterminar-se!
Os tiros das peças de
artilheria, o estourar dos foguetes á congréve e o crepitar da fuzilaria
succedião-se de parte a parte com rapidez tal, que seu ininterrompido atroar,
immensamente augmentado pelos echos do rio, afigurava-se á população atterrada
de Corrientes, e mais longe á anciosa guarnição de Humaitá, o roncar incessante
de medonha trovoada. Estremecia o solo á leguas de distancia, e nas agrestes
planuras corrião, eriçados os pellos, milhares de animaes á esconder-se
assustados na escuridão das selvas.
O proprio ardil de que os
paraguayos se servirão, mascarando a bateria com a matta, foi-lhes fatal.
Não perdião os navios
brasileiros um só tiro. As balas despedidas da esquadra levavão de rojo
corpulentas arvores, que erão outras tantas monstruosas palanquetas á desmontar
canhões, esmagar artilheiros e abrir claros enormes nas filas dos atiradores,
collocados á retaguarda.
A Mearim ao mando do
bravo Elisario Barbosa, postada a 50 braças da esquadra e bateria inimigas,
arremessa-lhes cerradas descargas de artilheria e fusilaria, repelle abordagens
e só abandona o posto quando vôa em soccorro da Parnahyba ou da Belmonte,
prestes á sossobrar. Em seu tombadilho encontra nobremente a morte o guarda
marinha Torreão.
Depois de aguentar ella só
toda a furia do inimigo, a Belmonte vê-se presa do incendio, ateado por
uma explosão. Pelos 37 rombos que tem nos costados penetra a agua e apaga as
chammas, mas d’ali mesmo lhe vem maior perigo. As bombas e baldes não conseguem
esgotal-a; o liquido elemento sobe rapidamente; alaga dous pés acima da
coberta; a prôa mergulha…. Só então o intrepido Abreu, que apezar de ferido
conserva-se no passadiço, tracta de encalha-la como unico meio de salvação, e
immediatamente cuida de tapar-lhe os rombos para voltar ao combate.
Cahem, morto á seu lado o 2º
tenente Teixeira Pinto, e ferido o pratico Pozzo.
No Beberibe o
commandante Bonifacio comporta-se com toda a bravura, expondo denodadamente a
vida preciosa, que dias depois devia ser sacrificada no forçamento de Mercedes;
na Iguatemy o imperturbavel Coimbra, é conduzido em braços para a
camara; o immediato Pimentel que o substitue no passadiço perde, 5 minutos
depois, a cabeça, levada por uma bala; assume então o commando o joven Gomes
dos Santos, que executa com denodo as instrucções que lhe envia o prostrado
commandante. Este navio collocára-se ao lado do Jequitinhonha, para
defendel-o, e ahi supportou com elle todo o fogo da bateria e da esquadra
paraguayam qye se encarniçárão contra a desmantellada canhoneira; no Ypiranga,
o denodado Alvaro, gravemente enfermo, rivalisa em arrojo e sangue frio com os
mais valentes, e consegue metter no fundo uma chata.
Hoonholtz, admiravel de
enthusiasmo e bravura, revela na Araguary, qualidades de commando raras
em tão poucos annos.
Elle bate-se com vivacidade
extrema, e ao mesmo tempo que procura causar o maior prejuizo ao inimigo e
cortar-lhe a retirada, soccorre por suas proprias mãos, atirando-lhes cabos, os
infelizes que debatião-se contra a correnteza. Entre o banco e a bateria, no
mais estreito passo, cercão-no os tres vapores que tinhão abordado a Parnahyba;
o Taquary, approxima-se á 10 braças, mas recua, recebendo á queima buxa
os disparos de seus 3 rodizios, simultaneamente carregados a metralha e bala.
Os paraguayos, por sua parte,
pelejão com uma coragem inexcedivel. Não é só o despreso da morte que ostentão,
senão o desejo de conseguil-a como heróes. Com uma tenacidade cega
arremessão-se á abordagem de quantos navios se avisinhão nas diversas
peripecias do combate, e as successivas derrotas que experimentão, as perdas
enormes, parece que mais redobrão-lhes o furor, mais lhes accendem a selvagem
bravura.
Suas chatas, atirando ao lume
d’agua com os grossos canhões que montavão, despedação os flancos dos navios
brasileiros, ameaçando submergil-os de instante á instante. A artilheria e
fusilaria da margem arrojão tambem sobre elles milhares de bombas, balas e
metralha.
A batalha tocou ao seu auge e
é talvez ainda duvidoso o exito de tão mortifera contenda, quando na mente do
velho Barrozo, surge a tremenda concepção, que lhe vai pôr glorioso termo.
Depois de inquerir do
commandante Brito sobre a força do navio, e do pratico sobre a profundidade do
canal, transmitte a ordem, que mais tarde reproduzida por Teghethoff em Lissa,
deu aos Austriacos tão celebre victoria.
Deixemos que elle propria
descreva rapidamente, como cumprimento de um dever commum, em linguagem simples
e modesta, esse feito memorando.
“Subi a prôa sobre o primeiro,
e o esmigalhei, ficando completamente inutilisado com agua aberta, e indo pouco
depois a pique.
“Segui a mesma manobra com o
segundo, que era o Marquez de Olinda, inutilisei-o, e depois ao terceiro
que era o Salto, o qual ficou no mesmo estado.
“Os quatro restantes, vendo a
manobra que eu praticava, e que me dispunha a fazer-lhes o mesmo, trataram de
fugir rio-acima.
“Depois de destruir o terceiro
vapor, puz a prôa em uma das canhoneiras fluctuantes, a qual com um choque e
tiro foi ao fundo.
“Exm. Sr. almirante, todas
estas manobras eram feitas sob o fogo mais vivo, quer dos navios e chatas,
quer das baterias de terra e fuziliaria de mil espingardas.
“Nossa intenção era destruir
por esta fórma toda a esquadra paraguaya, antes que descesse ou subisse, porque
necessariamente mais tarde ou mais cedo tinhamos de encalhar, por ser naquella
localidade muito estreito o canal.
“Finda esta tarefa pelas 4
horas da tarde, cuidei de tomar as canhoneiras fluctuantes, que ao chegar-me á
ellas eram abandonadas, pulando todos no rio e nadando para terra que ficava a curta
distância.”
Anniquilados assim por essa
terrível manobra, que soube converter em monitor um simples navio de madeira,
4 de seus melhores vapores, e apprehendidas ou mettidas á pique as terriveis
chatas, reconheceu o commandante Cabral, que assumira a direcção do combate,
depois de ser mortalmente ferido o chefe Meza, que a perda total da esquadra
paraguaya era inevitavel, e fez do Taquary signal de retirada, sendo o
primeiro a fugir, seguido do Iporá, Igurey e Pirabébé.
Dão-lhe caça a Beberibe e
a Araguary, e por ultimo só esta, que percorre cerca de 3 milhas,
fazendo-lhes incessante fogo com o rodizio de prôa; mas Hoonholtz comprehende
que seria loucura proseguir com uma guarnição cançada por 8 horas de lucta, sem
esperança de soccorro, contra um inimigo tão superior em forças, e volta á dar
fundo entre seus companheiros de gloria.
A perda da esquadra brasileira
foi de 86 mortos e 148 feridos, além de avarias importantes em quasi todos os
navios. Os paraguayos perderão para mais de 1,000 homens entre mortos e
feridos, 4 vapores e 6 baterias fluctuantes.
V
A batalha do Riachuelo,
considerada debaixo do ponto de vista exclusivamente militar, foi um dos
maiores feitos navaes de que reza a historia.
Ella assignalou uma época
notavel nos annaes da marinha, innovando audaciosamente a tactica até então
conhecida.
Só em combates parciaes se
tinha apreciado o proveito á tirar do vapor, jámais experimentado nas grandes
lutas de esquadra contra esquadra.
Ao Brazil coube a gloria de
resolver esse problema, mostrando o genio militar do chefe Barroso que um
simples navio de madeira, de rodas e calado improprio para o theatro de suas
evoluções, podia ser empregado como irresistivel ariete.
A apreciação insuspeita das
grandes nações maritimas ainda mais realça os louros colhidos pelo imperio, no
memoravel dia 11 de Junho de 1865.
“A esquadra brasileira, disse
o Moniteur Universel, mostrou quanto póde a bravura, alliada á sciencia
e á disciplina; e o modo porque manobrarão as canhoneiras colloca a armada do
Brasil e sua officialidade á par das marinhas europêas.”
“O Brasil, proclamou o Morning
Herald, justificou a sua pretenção á ser considerado a primeira nação da
America do Sul e o direito á ser futuro inscripto entre as grandes potencias da
Europa.”
Riachuelo, foi
um facto culminante na guerra provocada pelo dictador do Paraguay.
A victoria que ali ganhou o
Brasil, graças á inexcedivel bravura de seus marinheiros e á pericia de seu
denodado commandante, influio decisivamente na sorte de toda a campanha.
Por um lado, Robles desistio
da invasão de Entre-Rios, onde iria encontrar o efficaz auxilio dos federaes, e
suspendeu sua marcha até então triumphante.
Por outro, Estigarribia
achou-se compromettido e isolado ás margens do Uruguay. Na impossibilidade de
receber soccorros não poude impedir nem o anniquilamento de uma parte do seu
exercito em Jatahy, nem a rendição do resto em Uruguayana.
Desde logo, o marechal Lopez
comprehendeu que não lhe restava outro recurso senão a guerra deffensiva, nos
tremedaes e invias serras de seu desgraçado paiz.
Debalde tentou illudir a
opinião do mundo civilisado, qualificando de vergonhosas traições a rendição de
EStigarribia e a repentina immobilidade de Robles.
Este, talvez o mais habil de
seus instrumentos, foi prezo e mais tarde fusilado, com o unico fim de
apparentar-se a pretendida traição.
A historia attestará que assim
como era impossivel á Estigarribia manter-se em presença das forças, que lhe
oppuzerão os alliados, tambem o exercito de Corrientes não podia proseguir,
depois do desbarato da esquadra paraguaya, que tornou summamente difficeis suas
communicações com o territorio da republica, base das operações.
E disso é prova irrecusavel o
movimento de retirada que foi gradualmente executando o general Barrios,
successor de Robles no commando, até que em Novembro de 1865 suas ultimas
columnas repassarão o Paraná.
Assim desassombradas dos
invasores, e desanimados seus inimigos internos, as nações alliadas puderão
preparar com segurança os elementos necessarios para continuar a luta de honra,
cujos ultimos clarões lampejarão sobre as remotas e solitarias aguas do Aquidaban.
E justo motivo de orgulho
nacional deve ser a recordação de que ali, como em Riachuelo - a
bandeira brasileira achou-se só diante do inimigo.
VI
Os generaes Flôres e Mitre
approximaram-se então das portas da cidade, ficando do lado de fóra das trincheiras.
Nesse momento chegou o
ministro Ferraz com Estigarribia.
Ao declarar o chefe inimigo
que estava rendido, o nosso ministro da guerra tirou-lhe a espada e o revolver,
que trazia á cinta.
Em seguida a este vinha o
célebre padre Duarte, tão tranzido de medo que mal podia caminhar, vendo-se o
general Cabral obrigado a amparal-o, e a dizer-lhe para tranquillisal-o: - “Não
tenha medo, que o Imperador garante-lhe a vida.”
Ás 5 horas da tarde os
representantes das tres potencias alliadas acercaram-se das trincheiras para
ver desfilar os prisioneiros.
O Imperador estava no centro.
O general Flôres á direita.
O general Mitre á esquerda.
Pungente foi o quadro que então
se desenhou á vista dos exercitos aliados e seus chefes.
Pareciam cadaveres ambulantes,
ou loucos fugidos de um hospital.
Em suas physionomias estavam
pintadas a fome e a miseria.
Os poucos officiaes que havia
sahiram desarmados; outros achavam-se doentes na povoação.
A cidade era um cemiterio.
Exhalava cheiro pestifero. Os sitiados não tinhão já que comer e apenas lhes
restavam alguns cavallos magros.
Eis o que a respeito deste
memoravel acontecimento escreve o Sr. Dr. Tenente-coronel Antonio José do
Amaral, testemunha occular deste feito, e que por consequencia deve merecer
inteiro credito.
“Reunidas as forças alliadas
no acampamento em numero sufficiente para assaltar a cidade occupada pelos
Paraguayos, e cuja fortificação não se conhecia bem, investio-se a praça,
seguindo-se todos os preceitos da arte. Pelo rio, fizeram cerco os vapores de
guerra Taquary, União, Onze de Junho e Uruguay, e
mais duas chatas; por terra, o sitio estabeleceu-se collocando-se pelo lado de
L. a 1ª divisão, commandada por Canavarro, com 4 brigadas de infantaria e
cavallaria; pelo lado do S. a 2ª divisão do barão de Jacuhy, composta de 4
brigadas de cavallaria; ao N. estendiam-se as duas divisões alliadas, uma do
general Flores, contendo uma brigada brasileira, e outra do general Paunero
acampada na margem esquerda do rio Imbaá, á retaguarda da divisão Canavarro.
“Todo o exercito sitiante
continha cerca de 22,000 homens com 40 bocas de fogo, sendo 10 nossas e 30 das
forças alliadas. A marinha dispunha de 12 peças de grosso calibre.
“O inimigo tinha perto de
6,000 homens, com 5 boccas de fogo de campanha.
“Apertado o sitio, ficou o
inimigo em tristes condições e fortes embaraços, limitando-se sómente aos
recursos encontrados em Uruguayana.
“Para salvarem-se os principio
de humanidade, podia-se, pela fome, obrigar a praça a entregar-se á discrição;
mas este desfecho trazia uns 15 ou 20 dias mais de demora, e era necessario
activarem-se as operações de guerra; além de que alguma outra força paraguaya
poderia vir em soccorro dos sitiados, e isto seria um novo estorvo a
remover-se.
“Ás 6 horas da manhã do dia 18
de Setembro, dia designado para o attaque, todas as forças sitiantes levantaram
acampamento, e na mesma ordem em que estavam acampadas seguiram em columnas
contiguas para Uruguayana. Ás 11 horas a praça estava completamente investida,
e a força disposta em ordem de combate. Á direita da linha achava-se o exercito
brasileiro, a divisão argentina no centro, e a oriental na esquerda; toda a
cavallaria estava á esquerda da linha, á retaguarda e em posição conveniente
para protegel-a. O ataque devia ser precedido por um forte bombardeamento.
“A força sitiada estava
irremediavelmente perdida.
“.... Investida a praça,
notificou-se o rendimento a seu commandante, e, depois da troca de algumas
notas entre os chefes das forças sitiantes e sitiadas, os paraguayos depuzeram
as armas e, humilhados, desfilaram por entre as alas de seus generosos
vencedores.
“Baqueado perante a
civilisação o baluarte levantado pelo barbarismo na bella e heroica provincia
de S. Pedro do Rio Grande do Sul, achava-se esta livre de seus selvagens
invasores.”
A seguinte carta, não menos
importante, do general Mitre ao vice-presidente D. Marcos Paz, completa as
informações que nos fornecem do proprio theatro dos acontecimentos:
“A guarnição da cidade de
Uruguayana entregou-se á descripção dos alliados, sendo superior a mais de
6,000 homens.
“Os tropheos da victoria
foram:
“5 canhões,
“9 bandeiras,
“Mais de 5,000 espingardas,
“1,300 lanças com suas
bandeirolas das côres paraguayas,
“Clavinotes,
“Correiames,
“Caixas de guerra,
“Além de uma esquadrilha de
canôas e chatas, nas quaes intentaram evadir-se da sorte que os esperava.
“O general D. João Madariaga, que
foi meu ajudante de campo, apresentará a V. Ex. uma das bandeiras paraguayas.
“Havendo-se estipulado que a
guarnição sahiria das trincheiras desarmada e sem honras, com seus chefes e
officiaes tambem desarmados na frente, e sahindo por essa occasião da fórma um
porta-bandeira, foi della despojado pelo general Cabral, ajudante de campo do
Imperador. Este a recebeu e entregou-m’a, e eu a acceitei em nome do povo
argentino, como recordação do dia de hoje, em que cerca de 7,000 homens
desfilaram, rendidos, perante o soberano e os representantes da soberania dos
povos alliados.”
Assim se completou esta phase
da campanha do Paraguay.
Victoria explendida que não
custou uma gotta de sangue aos vencidos nem aos vencedores.
VII
Pouco depois deste memoravel
dia de tanto alcance para o explendor e para a preponderancia das forças
alliadas, e de tão desastradas consequencias para os temerarios planos do
dictador Lopes, o Imperador voltou de novo ao rio grande, e d’ali embarcou para
esta côrte.
Grandes foram as manifestações
de regosijo publico que se prepararam na capital do Imperio para receber o
Monarcha, que voltava victorioso de uma batalha incruenta, a qual influio, no
emtanto, poderosamente no exito final da campanha.
Arcos triumphaes,
illuminações, festas e bailes, nada faltou para assignalar a data gloriosa da
rendição de Uruguayana, no dia 18 de Setembro de 1865.
A população do Rio de Janeiro
exultou de jubilo, e a noticia, espalhada com a maior rapidez por todos os
angulos do imperio, foi acordar nos corações brasileiros estremecimentos de
alegria e de contentamento patriotico.
Entre as significativas
demonstrações de prazer nacional, deve mencionarse um explendido saráo
litterario offerecido a S. M. o Imperador nos salões do Club Fluminense.
Ali se celebraram sob todas as
formas litterarias as expressões do sentimento publico.
Escriptores nacionaes e
estrangeiros concorreram a esta festa das letras, tão brilhante quanto
memoravel.
Não só no Brasil e entre os
alliados teve uma grande significação esta victoria incruenta: tambem entre os
estranhos foi ella considerada como um facto significativo para a civilisação
desta parte da America do Sul.
Os sentimentos de patriotismo
que animavam o nosso exercito só podem ser comparados á humanidade e á
generosidade com que sempre procedeu com o inimigo selvagem e feroz, além de
traiçoeiro.
As guerras européas, assim
terrestres como maritimas, fizeram ainda mais realçar estas qualidades de
nossos valerosos soldados.
Em quanto os nossos
concidadãos assignalavam a sua passagem no Paraguay por actos de valor
heroismo, não menos se distinguindo por acções meritorias, os soldados
europeus, filhos dessa outra parte do mundo onde a civilisação está tão
adiantada, davam funestas provas de seu barbarismo incendiando cidades, que eram
reliquias veneradas de seculos, e matando e devastando povoações inermes e
desprevenidas.
Nenhuma desta maculas manchou
felizmente as nossas armas. O soldado brasileiro, apezar de sua educação civil
e falta de tactica militar, foi o verdadeiro soldado do nosso tempo - paciente,
generoso, invencivel!
Tal é o feito que faz o
assumpto de nosso segundo quadro.
A rendição de Uruguayana foi
um dos mais bellos episodios da campanha do Paraguay.
Depois do combate de Riachuelo
e do aprisionamento de Estigarribia e suas forças, os acontecimentos bellicos
tomaram necessariamente uma outra direcção.
Entraram então os exercitos
alliados em uma phase nova, em um novo plano estrategico.
Depois de haverem desalojado o
inimigo do territorio invadido, era preciso, para que a desaffronta fosse
completa, perseguil-o até o seu ultimo reducto, e ali exterminal-o para sempre.
Os mesmos louros que souberam
conquistar nos dois feitos, que já temos mencionado, os acompanharam, como
veremos, nas subsequentes victorias.
Quadro
dos officiaes da armada e exercito, que estiverão no glorioso combate do
Riachuelo em 11 de junho de 1865
Pedro Américo
(1843-1905), A rendição de Uruguayana. Litografia baseada em óleo,
desenho de Ângelo Agostini, Vida Fluminense Of. Litográfica,
Alf. Martinet litógrafo, 50,50 x 68 cm
(aprox.).
Rio de Janeiro, Museu Histórico Nacional
I
As paixões do momento falseam
muitas vezes o juizo dos contemporaneos, prejudicando a verdade dos factos na
apreciação da historia.
É, pois, difficillimo encargo
escrever os annaes do tempo de que somos coevos.
O escriptor, collocado mais
proximo dos acontecimentos, não os descreve no seu complexo absoluto e
universal, porque os não examina senão sob o aspecto de uma perspectiva mais ou
menos parcial e systematica.
A maior parte dos chronistas
da antiguidade, e quase todos os da idade média, na proximidade dos principes e
na dependencia deles, tornaram-se os seus panegryistas exclusivos, deixando na
sombra as conquistas moraes das idéas e as grandes evoluções da humanidade na
incessante, mas caprichosa unidade da civilisação.
São raros os Tacitos entre os
aduladores cortezãos.
A penna vingadora do
inflexivel romano só teve raros imitadores.
A corrupção dos costumes e a
barbaria dos povos, ainda na infancia do desenvolvimento intellectual, sem a
consciencia dos direitos da liberdade e sem a luz da sciencia, concorreram para
que as obras dos historiadores dessem uma razão convencional aos factos em
menospreso da verdadeira critica e da verdadeira philosophia da historia.
Modernamente Thierry, Guizot,
e outros, abriram novo horisonte a este fertil e tão mal explorado campo das
letras. Os eminentes escriptores proclamaram no dominio do pensamento a
emancipação da verdade historica, como nas revoluções politicas destes ultimos
dous seculos o espirito da liberdade proclamou a independencia de todas as
legitimas aspirações sociaes.
Procuremos imitar até onde fôr
possivel tão salutar exemplo, e emprehendamos a succinta descripção deste bello
lance da grande epopeia nacional da guerra do Paraguay, sem outro intuito senão
o de sermos justos, e por consequencia escrupulosamente verdadeiros.
Antes, porém, de entrar na
parte historicoa e descriptiva do cerco e rendição de Uruguayana, assumpto que
desde já reputamos muito superior ás nossas forças. acompanhemos primeiro o
desenvolvimento do espirito publico nas primeiras phases dessa lucta guerreira,
cujos episodios assumiram mais tarde proporções incontestavelmente gigantescas.
II
A indole do povo brasileiro,
como a de todos os povos essencialmente agricolas e commerciaes, é pacifica e
ordeira. A lavoura, que é o fundamento da propriedade, estabelece interesses
estaveis e permanentes. As nações, creadas nos costumes e habitos dessa
natureza, preferem as revoluções lentas da idéa ás explosões rapidas e
violentas da força.
Grande é o sacrificio que se
lhes impõe, quando são obrigadas a sahir bruscamente deste estado de quietação
productiva para se empenharem nos riscos e nos azares de uma luta bellicosa, em
que quasi sempre é certa a ruina de muitas fortunas laboriosa e longamente
adquiridas.
O sentimento da dignidade
nacional, ferido em seus brios mais generosos, é mais forte porém que todos os
estimulos da paz e todas as esperanças douradas e seductoras do futuro.
O cidadão, nas supremas crises
da existencia nacional, esquece a familia e o lar, para só ter presente a
imagem severa e augusta da patria desolada.
Então o cordeiro torna-se
leão; o pacifico instrumento do trabalho transforma-se em arma formidavel e
destruidora; aos cantos de amor e de paz succedem as estrophes estidentes e
enthusiasticas dos hymnos e das canções guerreiras.
Rapida foi entre os
brasileiros esta transformação patriotica. Todos os homens se converteram em
soldados, todas as povoações em acampamentos.
Os paes abraçavam-se aos
filhos, e separavam-se delles recommendando-lhes que o santo amor da terra
natal lhes inspirasse denodo e valor invencieis; as mães, como a antiga e
civica romana, entregavam-lhes com as lagrimas nos olhos, mas no coração o fogo
do patriotismo, as armas com que deviam debellar o inimigo e inscrever nos
fastos do Brasil as suas paginas immorredouras.
Ricos e pobres, fracos e
fortes, moços e velhos, e alguns ainda no mais fresco verdor da
juventude-accorreram de todos os pontos do immenso Imperio, de suas provincias
e povoações mais proximas, como das mais remotas da capital, a pagar ao governo
o tributo de seu sangue, a entregar á nação a grandiosa offerta de sua vida.
E não foi só a vida, que em
honroso holocausto offereceram para desaffronta da nacionalidade offendida; foi
também os haveres, as dadivas de todos os generos, formando avultadissimas
contribuições que immediatamente foram offerecidas ao Estado, para accudir ás
immergencias da guerra e ás difficuldades da situação.
Vidas e dinheiro, que tudo
devora o genio destruidor das batalhas, augmentam com abundancia os elementos
de resistencia e as probabilidade do triumpho.
Foi deste enthusiamso
universal, deste grito expontaneo do patriotismo que nasceram os VOLUNTARIOS DA
PATRIA, os valentes e invenciveis cidadãos soldados, que, á semelhança das
legiões de Pompeo, comparação que tantas vezes lhes prodigalisou, e que nem por
isso deixa de ser menos apropriada, brotaram de todos os pontos da terra
brasileira e formaram um exercito e uma esquadra poderosos.
O Brasil não teve somente de
preparar um exercito de terra, numeroso e aguerrido: foi-lhe tambem preciso, e
simultaneamente, armar uma esquadra, não para as francas manobras do alto mar,
mas nas especiaes condições de formidaveis encontros navaes nas voltas e nos
meandros de rios de poucas aguas e constantes embaraços.
Pois exercito e esquadra se
apparelharam em pouco tempo, honra aos brios da nação e ao enthusiasmo heroico
de seus filhos!
Na gigantesca provação por que
ia passar o Imperio Americano estava-lhe reservado um duplo triumpho fluvial e
terrestre.
Sobre as aguas já vimos o que
praticaram os nossos bravos compatriotas no memoravel combate de Riachuelo, tão
eloquentemente descripto em nosso primeiro numero por penna tão brilhante
quanto adestrada: veremos agora como o seu ardente patriotimso se manifestou
nos recontros posteriores áquella grande batalha naval, cuja influencia tão
poderosa foi na marcha e nos destinoes subsequentes da guerra.
O combate de Riachuelo foi o
primeiro e decisivo golpe que baqueou com o dictador do Paraguay.
A inspiração audaz do chefe
Barroso, coroada de tão brilante exito, preparou uma serie de revezes á
desvairada ambição do presidentes Lopes, que, sonhando já o domínio e o
senhorio das republicas platinas, esperava constituir-se o arbitro da politica
e do destino daquella parte da America do Sul.
Outro papel, porém, lhe estava
reservado nos decretos da Providencia.
O resultado da batalha naval
de Riachuelo fez com que Robles, animado até alli pelos triumphos obtidos e
esperando encontrar valiosa cooperação na alliança dos federaes, desistisse da
invasão de Corrientes, e paralysasse por este motivo a unidade do plano
estrategico do inimigo, mallogrando-lhe mais esta esperança.
O mesmo aconteceu a
Estigarribia. Confinado e isolado nas margens do Uruguay, perdeu parte de seu
exercito na celebre batalha de Jatahy, e o resto, como vamos ver, dissolveu-se
de todo na rendição de Uruguayana.
E este o segundo quadro
memoravel da campanha do Paraguay, que vamos apresentar ao publico, completando
o primoroso desenho que acompanha esta descripção, devido ao inspirado talento
de um notavel artista brasileiro, essa parte ideal e luminosa dos
acontecimentos que a penna do escriptor não pôde reproduzir.
III
A altiva e heroica provincia
do Rio Grande do Sul foi aquella a que coube, pelo seu espirito aguerrido e
pela sua posição geographica, maior quinhão de sacrificios e tambem de gloria
nesta prolongada campanha contra os insultos e as imprudentes aggressões de
Lopes.
Sentinella avançada do
Imperio, attenta ao rumor e ao movimento das nações visinhas, com as fronteiras
abertas ás excursões dos aventureiros, não podia ella deixar de ser o primeiro
alvo das depredações do inimigo barbaro e enfurecido.
Repetidos e assustados foram
os terriveis episodios, que ensanguentaram as plagas da terra riograndense.
Em muitos pontos o terror
apoderou-se de tal modo das povoações, que estas tiveram de abandonar os lares
e procurar refugio mais propicio nos desertos e nas florestas impenetraveis.
O exercito invasor, composto
de hordas selvagens e ferozes, obedientes á tyrannia, e enthisiasmadas pelo
fanatismo, desempenhava-se, como torrente indomita, de nascentes tenebrosas e
desconhecidas, invadindo as pacíficas moradas de nossos criadores e
estanceiros, e espalhando por toda a parte a destruição, a deshonra, a
affronta, as lagrimas e o sangue.
Sem a segurança da vida,
desappareciam as garantias da propriedade. O panico, mal contagioso, apoderou-se
dos invadidos inermes.
A notícia de todos estes
acontecimentos, transmittida rapidamente á capital do Imperio, e tomando maior
vulto com a indignação nacional, produzio a mais profunda e dolorosa impressão
em todos os corações brasileiros.
Foi bello nesse momento o
espectaculo que offerecem a cidade do Rio de Janeiro.
Nacionaes e estrangeiros
pareciam animados do mesmo sentimento. todos desposavam, como sua propria, a
causa do Brasil; e entre maldições ao inimigo, o governo recebia a cada
instante a sincera manifestação e a cooperação activa de todas as classes de
nossa população.
Ao grito: - Vamos para o Sul!
- alistavam-se a todos os minutos as valentes phalanges dos voluntarios da
patria.
Todos os dias se annunciava a
partida de um ou de mais transportes para a provincia do Rio Grande do Sul,
levando novos e avultados contingentes de forças, importantes munições de
guerra, e finalmente todos os immensos recursos indispensaveis para improvisar
um exercito de respeitaveis e temiveis proporções.
Aos eloquentes discursos
pronunciados pelos mais notaveis oradores da nossa tribuna parlamentar, nos
dous ramos da representação nacional, que tão nobre e patriotica attitude
assumiram, juntava-se a voz da imprensa unanime, transmittindo ella mesma o
impulso que recebia da opinião indignada.
O patriotismo então electrisou
todas as cabeças, e robusteceu todos os braços.
O Imperador, como era de
esperar, collocou-se a frente do movimento patriotico.
Seus augustos genros foram
inseparaveis a seu lado.
Estigarribia já acossado,
porém ainda forte com o resto de sua expedição, entrincheirou-se e
fortificou-se em Uruguayana.
O exercito alliado,
perseguindo o inimigo, pôz cerco á praça.
Deve suppôr-se quanto empenho
o inimigo devia ter na conservação dessa posição, um dos ultimos ductos da
ambição de Lopes e uma das ultimas esperanças do partido reaccionario oriental.
Invadindo a provincia do Rio
Grande e apoderando-se de Uruguayana, Estigarribia não se affastou nunca do
plano estrategico do dictador do Paraguay.
A traição, a sorpreza, a
emboscada foram sempre os caminhos tortuosos que elles seguiram em toda a
campanha, não só quando ainda podiam conceber alguma probabilidade de victoria,
mas até ao proprio momento em que, depois da tomada de Assumpção, o general Lopes
succumbio em Aquidaban, no dia 1º de Março de 1870, dissipando-se como fumo a
vida e os sonhos audaciosos de sua ambição.
A invasão e a tomada de
Uruguayana pela divisão de Estigarribia foram, como todas as incursões
paraguayas, assignaladas por actos de verdadeira e cruel selvageria, que a
penna se recusa a reproduzir, com temor de envergonhar a historia.
A sanguinolenta hecatombe das
victimas exigia reparação prompta e solemne.
O Imperador e seus genros,
resolvidos a tomar parte na luta, decidiram dirigir-se ao theatro da guerra,
acompanhados de luzidos e valentes auxiliares bellicosos.
O patriotismo do chefe do
Estado, que, em todas as immergencias publicas, se mostrou sempre tão
acrysolado, recrescera ainda, se possivel é, ao espectaculo continuo das
tocantes despedidas com que, a sabida de cada novo contigente de tropa de linha
ou voluntarios da patria, abraçava os officiaes e os soldados na hora da
separação.
Mal poderá avaliar essas
scenas varonis e ao mesmo tempo compungentes quem não assistio a ellas!
Era de ver como essa hora
suprema os nossos bravos concidadãoes, apartando-se da patria e de todas as
caras affeições que ahi lhe ficavam, embarcavam resolutos, entre as acclamações
e os vivas da população commovida e enthusiastica!
IV
Resolvida a partida, o
Imperador mostrou-se inabalavel em sua resolução. Os conselhos previdentes dos
amigos, as manifestações collectivas, os argumentos e razões políticas com que
se pretendia combater este alvitre, não conseguiram demover o animo imperial.
No dia 10 de Julho de 1865
embarcava Sua Magestade e seus genros no vapor Santa Maria, em direcção
á desolada provincia do Rio Grande do Sul.
Grande foi a emoção popular
nesse dia. As multidões agglomeravam-se no littoral da cidade para saudar os
Augustos Voluntarios. A bahia do Rio de Janeiro offerecia um espectaculo tão
pittoresco como imponente. Em terra, a massa confusa de milhares de cabeças;
sobre as aguas do rio, as tripolações subidas ás vergas dos navios, emquanto as
fortalezas e os vasos de guerra saudavam com o estrondo da artilharia a partida
do Monarcha.
No dia 16 o vapor Santa
Maria entrava na barra do Rio Grande.
Este acontecimento infundio
novo animo aos filhos aguerridos da heroica provincia.
A presença do Sr. D. Pedro II
no meio de seu exercito foi um mincio de victoria.
O Imperador partio logo apoz
em direcção de Uruguayana.
A sua marcha por terra foi
assignalada por episodios, que o tornaram bemquisto de todos os corações
rio-grandenses.
O Imperador e seus genros,
tomando parte activa nas fadigas da campanha, poderam avaliar de perto a
disciplina e a coragem dos soldados brasileiros, faltos muitas vezes dos mais
indispensaveis recursos, fazendo longas marchas forçadas por entre caminhos
inhospitos e asperrimas brenhas, sem que nunca lhes arrefecesse no peito o amor
da patria e o valor inexcedivel.
Accommettidos de noite por um
temporal, o Imperador e sua comitiva tiveram ccasião de assistir ao expetaculo
medonho e ao mesmo tempo sublime dos elementos em luta, e grande foi o seu
assombro ao contemplarem de madrugada os destroços da tormenta, cujo açoite
arrancará as barracas do accampamento e alastrara a campina de animaes mortos.
Assim como o frio e a fome,
que supportou com heroica resignação, não conturbaram o animo de Sua Magestade,
o mesmo lhe aconteceu com as ruinas do temporal.
Commoveu-o, porém, a vista de
um soldado quasi morto e enregelado pelo frio, que teria sem duvida succumbido
a não acudir-lhe o Imperador, que com sua capa o agasalou e lhe prodigalisou os
possiveis soccorrros, esquecendo-se de si proprio em auxilio de um desgraçado.
Narrando as peripecias desta
jornada, diz uma publicação feita pouco tempo depois nesta côrte:
“Nem chuva, nem vento,
nem frio, impedem o Imperador de viajar, de passar revista ás tropas que vae
encontrando pelo caminho, e de expedir ordens no sentido de facilitar a marcha
de forças que se dirigem ao theatro da guerra. No meio do sentimento de aversão
que o cannibalismo inimigo levanta em todos os corações brasileiros, o Sr. D.
Pedro II não se esquece de recommendar á seus soldados a generosidade que devem
dispensar aos vencidos, e promette severo castigo áquelle que ousar manchar a
pureza do pavilhão brasileiro com qualquer ação de barbaridade, destinado a
desvirtuar o elemento civilisador que suas armas representam”.
V
Estigarribia, apezar de
cercado pela força imponente de tres exercitos, não modera a sua linguagem.
Ás intimações que le são
dirigidas responde com arrogancia intoleravel.
A prolongação do sitio de
Uruguayana foi devida a este facto, se bem que não faltasse quem a attribuisse
a emullação despertada pelos generaes alliados no commando em chefe do
exercito.
Quando mesmo assim fosse, a
presença do Imperador n’aquelle momento acabava com todas as pretenções, e dava
ao Brasil o lugar que naturalmente lhe competia no deselace da acção.
Achava-se nesse tempo o Sr.
conselheiro F. Octaviano d’Almeida Rosa na missão diplomatica de nosso enviado
extraordinario junto ás republicas platinas, nossas alliadas e o Sr.
conselheiro Angelo Muniz da Silva Ferraz, mais tarde visconde de Uruguayana,
então ministro da guerra, no proprio theatro da guerra.
Foi por informação destes dous
distinctos cavalheiros que lhe haviam sido feitas, e tendo-se providenciado a
tudo para a acção decisiva, ordenou o Imperador que se apertasse o cêrco e se
obrigasse por uma vez Estigarribia á ultima resistencia e a final capitulação.
No plano do attaque, a
collocação dos exercitos era a seguinte: no centro o argentino, á direita o
brasileiro, e á esquerda o oriental.
Para chegar á povoação era
preciso passar um arroio, que demorava a 20 quadras do acampamento recentemente
levantado pelos nossos, o que se fez com tanta presteza que, ao meio dia do
memoravel 18 de Setembro de 1865, os tres corpos rodearam uma parte da cidade,
apoiando-se á direita e á esquerda das divisões argentinas e oriental, sobre o
lado do cemiterio abandonado.
As notas de que extrahimos
estas informações acrescentam que as nossas baterias foram collocadas a 6
braças da praça, em quanto o corpo da infantaria formava a columna da
retaguarda.
Magestoso era o quadro que
apresentava a marcha rapida desses 22,000 homens sobre a povoação, inebriados
pelo som das musicas marciaes e pelo ardor do enthusiasmo.
A artilharia e a infantaria
avançaram rapidamente sobre as trincheiras, sem que se désse um só tiro, e
chegaram a menos de 2 quadras dos fossos.
Os generaes, com seus estados
maiores, conservavam-se impassiveis, observando o interior da cidade, visto que
toda a guarnição se achava no longo do seu baluarte de defeza.
Tanto o Imperador como os
Principes trajavam modestamente á moda do Rio Grande, trazendo ponches e
chapéos pretos de abas largas.
O general Mitre, segundo
refere Hector Varella, disse, no momento de se aproximarem aos fossos: “Se não
se renderem, damos=lhe uma descarga d’artilharia, e em seguida tomamos a praça
á bayoneta”.
Em menos de um quarto de hora
mais de mil paraguayos tinham transposto o unico fosso que os separava do
acampamento alliado, e commerciaval com os nossos soldados.
O general Porto Alegre,
encarregado das negociações, regressou da praça, ás 2 horas da tarde, para o
campo do Imperador.
Sua Magestade conferenciou com
os generaes Mitre e Flôres; e, em seguida, o Sr. conselheiro Angelo Ferraz
dirigio-se á praça a fim de terminar a capitulação.
Ás 3 ½ horas da tarde o
conselheiro Ferraz mandou avisar o Imperador que tudo estava concluido.
Estigarribia rendera-se.
VI
Os generaes Flôres e mitre
approximaram-se então das portas da cidade, ficando do lado de fóra das
trincheiras.
Nesse momento chegou o
ministro Ferraz com Estigarribia.
Ao declarar o chefe inimigo
que estava rendido, o nosso ministro da guerra tirou-lhe a espada e o revolver,
que trazia á cinta.
Em seguida a este vinha o
célebre padre Duarte, tão tranzido de medo que mal podia caminhar, vendo-se o
general Cabral obrigado a amparal-o, e a dizer lhe para tranquillisal-o: - “Não
tenha medo, que o Imperador garante-lhe a vida”.
Ás 5 horas da tarde os
representantes das tres potencias alliadas acercaram-se das trincheiras para
ver desfilar os prisioneiros.
O Imperador estava no centro.
O general Flôres á direita.
O general Mitre á esquerda.
Pungente foi o quadro que e
ntão se desenhou á vista dos exercitos alliados e de seus chefes.
Os soldados paraguayos
inspiravam a um tempo, como diz o citado informante, compaixão e desprezo.
Pareciam cadaveres ambulantes,
ou loucos fugidos de um hospital.
Em suas physionomias estavam
pintadas a fome e a miseria.
Os poucos officiaes que havia
sahiram desarmados; outros achavam-se doentes na povoação.
A cidade era um cemiterio.
Exhalava cheiro pestifero. Os sitiados não tinham já que comer e apenas lhes
restavam alguns cavallos magros.
Eis o que a respeito deste
memoravel acontecimento escreve o Sr. Dr. Tenente-coronel Antonio José do
Amaral, testemunha occular deste feito, e que por consequencia deve merecer
inteiro credito.
“Reunidas as forças aliadas
no acampamento em numero sufficiente para assaltar a cidade occupada pelos
Paraguayos, e cuja fortificação não se conhecia bem, investio-se a praça,
seguindo-se todos os preceitos da arte. Pelo rio, fizeram cerco os vapores de
guerra Taquary, União, Onze de Junho e Uruguay, e
mais duas chatas; por terra, o sitio estabeleceu-se collocando-se pelo lado de
L. a 1ª divisão, commandada por Canavarro, com 4 brigadas de infantaria e de
cavallaria; pelo lado do S. a 2ª divisão do barão de Jacuhy, composta de 4
brigadas de cavallaria; ao N. eestendiam-se as duas divisões alliadas, uma do
general Flores, contendo uma brigada brasileira, e outra do general Paunero
acampada na margem esquerda do rio Imbaá, á retaguarda da divisão Canavarro.
“Todo o exercito sitiante
continha cerca de 22,000 homens com 40 bocas de fogo, sendo 10 nossas e 30 das
forças alliadas. A marinha dispunha de 12 peças de grosso calibre.
“O inimigo tinha perto de 6,00
homens, com 5 bocas de fogo de campanha.
“Apertado o sitio, ficou o
inimigo em tristes condições e fortes embaraços, limitando-se sómente aos
recursos encontrados em Uruguayana.
“Para salvarem-se os
principios de humnanidade podia-se, pela fome, obrigar a praça a entregar-se á
discrição; mas este desfecho trazia uns 15 ou 20 dias mais de demora, e era
necessario activarem-se as operações de guerra; além de que alguma outra força
paraguaya poderia vir em soccorro dos sitiados, e isto seria um novo estorvo a
remover-se. Decidio-se, portanto, o assalto, depois da intimações aconselhadas
pela humanidade e civilisação, as quaes foram repellidas com estupida
selvageria.
Ás 6 horas da manhã do dia 18
de Setembro, dia designado para o attaque, todas as forças sitiantes levantaram
acampamento, e na mesma ordem em que estava acampadas seguiram em columnas
contiguas para Uruguayana. Ás 11 horas a praça estava completamente investida,
e a força disposta em ordem de combate. Á direito da linha achava-se o exercito
brasileiro, a divisão argentina no centro, e a oriental na esquerda; toda a cavallaria
estava á esquerda da linha, á retaguarda e em posição conveniente para
protegel-a. O ataque devia ser precedido por um forte bombardeamento.
“A força sitiada estava
irremediavelmente perdida.
“.... Investida a praça,
notificou-se o rendimento a seu commandante, e, depois da troca de algumas
notas entre os chefes das forças sitiantes e sitiadas, os paraguayos depuzeram
as armas e, humilhados, desfilaram por entre as alas de seus generosos
vencedores.
“Baqueado perante a
civilisação o baluarte levantado pelo barbarismo na bella e heroica provincia
de S. Pedro do Rio Grande do Sul, achava-se esta livre de seus selvagens
invasores”.
A seguinte carta, não menos
importante, do general Mitre ao vice-presidente D. Marcos Paz, completa as
informações que nos fornecem do proprio theatro dos acontecimentos:
“A guarnição da cidade
de Uruguayana entregou-se á descripção dos alliados, sendo superior a mais de
6,000 homens.
“Os tropheos da victoria
foram:
“5 canhões,
“9 bandeiras,
“Mais de 5,000
espingardas,
“1,300 lanças com suas
bandeirolas das côres paraguayas,
“Clavinotes,
“Correiames,
“Caixas de guerra.
“Além de uma esquadrilha
de canôas e chatas, nas quaes intentaram evadir-se da sorte que os esperava.
“O general D. João
Madariaga, que foi meu ajudante de campo, apresentará a V. Ex. uma das
bandeiras paraguayas.
“Havendo-se
estiuplado que a guarnição sahiria das trincheiras desrarmada e sem honras, com
seus chefes e officiaes tambem desarmados na frente, e sahindo por essa
occasião da fórma um porta-bandeira, foi della despojado pelo general Cabral,
ajudante de campo do Imperador. Este a recebeu e entregou-m’a, e eu a acceitei
em nome do povo argentino, como recordação do dia de hoje, em que cerca de
7,000 homens desfilaram, rendidos, perante o soberano e os representantes da
soberania dos povos alliados”.
Assim se completou esta phase
da campanha do Paraguay.
Victoria explendida que não
custou uma gota de sangue aos vencidos nem aos vencedores.
VII
Pouco depois deste memoravel
dia de tanto alcance para o explendor e para a preponderancia das forças
alliadas, e de tão desastradas consequencias para os temerarios planos do
dictador Lopes, o Imperador voltou de novo ao Rio Grande, e d’ali embarcou para
esta côrte.
Grandes foram as manifestações
de regosijo publico que se prepararam na capital do Imperio para receber o
Monarcha, que voltava victorioso de uma batalha incruenta, a qual influio, no
emtanto, poderosamente no exito final da campanha. Arcos triumphaes,
illuminações, festas e bailes, nada faltou para assignalar a data gloriosa da
rendição de Uruguayana, no dia 18 de Setembro de 1865.
A população do Rio de Janeiro exultou
de jubilo, e a notícia, espalhada com a maior rapidez por todos os angulos do
imperio, foi acordar nos corações brasileiros estremecidos de alegria e de
contentamento patriotico.
Entre as significativas
demonstrações de prazer nacional, deve mencionar-se um explendido saráo
litterario offerecido a S. M. o Imperador nos salões do Club Fluminense.
Ali se celebram sob todas as
formas litterarias as expressões do sentimento publico.
Escriptores nacionaes e
estrangeiros concorreram a esta festa das letras, tão brilhante quanto
memoravel.
Não só no Brasil e entre os
alliados teve uma grande significação esta victoria incruenta: tambem entre os
estranhos foi ella considerada como um factor significativo para a civilisação
desta parte da America do Sul.
Os sentimentos de patriotismo
que animavam o nosso exercito só podem ser comparados á humanidade e á
generosidade com que sempre procedeu com o inimigo selvagem e feroz, além de
traiçoeiro.
As guerras européas, assim
terrestres como maritimas, fizeram ainda mais realçar estas qualidades de
nossos valerosos soldados.
Em quanto os nossos
concidadãos assignalavam a sua passagem no Paraguay por actos de valor e
heroismo, não menos se distinguindo por acções meritosas, os soldados europeus,
filhos dessa outra parte do mundo onde a civilisação está tão adiantada, davam
funestas provas de seu barbarismo incendiando cidades, que eram reliquias
venerandas de seculos, e matando e devastando povoações inermes e
desprevenidas.
Nenhumas desta maculas manchou
felizmente as nossas armas. O soldado brasileiro, apezar de sua educação civil
e falta de tactica militar, foi o verdadeiro soldado do nosso tempo-paciente,
generoso, invencivel!
Tal é o feito que faz o
assumpto de nosso segundo quadro.
A rendição de Uruguayana foi
um dos mais bellos episodios da campanha do Paraguay.
Depois do combate de Riachuelo
e do aprisionamento de Estigarribia e suas forças, os acontecimentos bellicos
tomaram necessariamente uma outra direcção.
Entraram então os exercitos
alliados em uma phase nova, em um novo plano estrategico.
Depois de haverem desalojado o
inimigo do territorio invadido, era preciso, para que a desaffronta fosse
completa, perseguil-o até o seu ultimo reducto, e ali exterminal-o para sempre.
Os mesmos louros que souberam
conquistar nos dois feitos, que já temos mencionado, os acompanharam, como
veremos, nas subsequentes victorias.
Pedro Américo (1843-1905), O ataque da ilha
da Redempção. Litografia baseada em óleo, J. Vitorino litógrafo, 52,5 cm x
71,5 cm (aprox.)
Rio de Janeiro Museu
Histórico Nacional
Corria o mez de Abril de 1866.
Havia pouco mais de um anno
que o Chefe supremo do Paraguay, fazendo-se mantenedor do equilibrio
sul-americano, que só elle aliás pretendia romper, arrojará sobre os povos
vizinhos desarmados e desprevenidos suas hostes semi-barbaras e fanatisadas.
Ao noirte, na provincia de
Matto-Grosso, provincia remota, despovoada e limitrophe do Paraguay, o pavilhão
tricolor do povo guarany maculava ainda com a sua sombra sangrenta o solo
sagrado do Brazil; mas ao sul, revezes sobre revezes tinhão succedido aos seus
primeiros triumhpos, filhos da sorpreza e da felonia.
O exercito alliado, composto
em grande parte de homens que na vespera havião abandonado a enxada ou a lima,
a penna ou o pincel, as lides do commercio ou os trabalhos do gabinete, e que,
reunidos ás pressas em batalhões, sem disciplina nem instrução, marcharão sobre
o inimigo de que estavão separados por centenares de leguas, havia esmagado
3,000 Paraguayos em Jatahy, aprisionado 5,000 em Uruguayana e enxotado da
Confederação argentina as numerosas phalanges de Resquin, emquanto a esquadra
brazileira escrevia nos fastos heroicos da humanidade essa pagina esplendente,
que se chama a batalha naval de Riachuelo.
Deixando mais tarde os acampamentos
da Lagôa brava e da Tala-Corá, onde demasiadamente se demorará, viera elle
afinal fincar as suas tendas na margem esquerda do rio Paraná, em frente ao
Passo da Patria, quartel-general de Lopes, e ao alcance de artilharia do
Itapirú, fortim erguido na ribanceira opposta pelo pai do dictador.
Sahindo apressadamente do
territorio argentino, o exercito paraguayo abandonára a offensiva audaciosa com
que começára a luta, e que lhe dera tão amargos fructos, para collocar-se
francamente na defensiva.
Desde então começarão as
retiradas; retiradas seguidas de longas paradas em pontos protegidos por
obstaculos naturaes, fortificados pela arte, e entremeiadas de ataques bruscos,
de sortidas e sorprezas mais ou menos felizes, porém, sempre vigorosa e valentemente
executadas. Terrivel systema, capaz de eternisar a guerra por maiores que sejão
os recursos, o valor-e a superuoridade numerica dos adversarios, quando fôr
energicamente dirigido e posto em pratica com abnegação e coragem. E Lopes deu
provas de uma energia inquebrantavel; seu exercito tinha o valor e a disciplina
que levarão o soldado á morte certa sem cuidados, sem murmurios, sem hesitação;
seu povo possuia bastante abnegação para, em obediencia a uma simples ordem,
abandonar tranquilamente o lar, destruir as searas affrontar a fome e fugir do
contacto de um inimigo que lhe offerecia liberdade e protecção, deixando-lhe
sómente campos talados, arvores cuidadosamente despidas de fructos, e a agua de
seus brejos, onde saciando-se a sede muitas vezes se bebia a morte.
Além disso, o paiz, cortado de
rios, coberto de pantanos e de tremedaes sem fundo, sobretudo na região por
onde podia ser mais facilmente atacado, erriçado de mattas tropicaes, quasi sem
estradas e de seculos vedado ao estrangeiro, estava talhado para taes
operações.
Lopes comprehendeu tudo isto;
tarde para triumphar, se triumphar podia, mas ainda em tempo de paralysar
durante annos os esforços de tres povos contra elle colligados.
Tendo o exercito de Resquin
transposto o Paraná, o dictador reunio-o ás suas outras forças, e postou-o na
margem direita desse rio collosal, interpondo assim um fosso enorme entre os
seus canhões e as bayonetas da alliança.
Fôra executada a primeira
retirada ia ter lugar a primeira parada.
Primeira retirada, primeira parada,
que devião ser seguidas de outras muitas, durante quatro annos, através de todo
o territorio paraguayo, desde o Passo da Patria até ao Aquidaban, e que
constituem outras tantas peripecias da epopéa da defesa, epopéa brilhante, se o
seu principal protogonista não alliasse a uma indomavel tenacidade a fereza do
tigre; se os outros personagens, grandes ou pequenos, não deixasem
transparaecer, mesmo nos seus feitos mais notaveis, antes a obediencia passiva
do escravo que morre porque o senhor lh’o ordena, do que o enthusiasmo viril do
cidadão que por impulso proprio á patria se sacrifica.
Fazendo alto na margem direita
do Paraná, o execrito paraguayo esperava o inimigo protegido por um tremendo
obstaculo que os alliados devião transpor, se as nações que representavão não
se contentassem, como não se contentavão, em repellir a invasão que tão
brutalmente lhes fôra levada.
A expulsão de Lopes das livres
terras da America era para ellas não só questão de ponto de honra, mas garantia
de um futuro tranquilo e desassombrado. Derrocar de uma vez o fatal sisteema
implantado por Francia no Paraguay, e que fazia do povo dessa republica um
grande exercito, feroz e disciplinado até o automatismo, afiada espada sempre
apontada aos peitos dos vizinhos, tornára-se para ellas uma necessidade
indeclinavel, se querião afazer os braços de seus filhos antes ao serviço do
arado ou aos trabalhos da industria, do que ao manejo da lança e aos exercicios
da artilharia, se ambicionavão vel-os a labutar nas officinas e herdades, e não
agglomerados nas fronteiras, de espingarda ao hombro e de patrona á cinta.
Atravessar, porém, um grande
rio, guardado por um exercito numeroso e valente, tendo-se de penetrar em
regiões desconhecidas e mysteriosas, é sempre uma operação arriscadissima. Era,
entretanto, preciso executal-a, e quanto antes.
O tempo necessario para
preparal-a já parecia por demais longo ás nações alliadas, que, ardendo na
febre da vingança, pedião em altos brados prompta e completa desforra dos
insultos recebidos.
Havião entregue aos seus
generaes o mais puro de seu sangue, posto á sua disposição todos os seus
thesouros; nem hesitavão em comrpometter o futuro, nem as assombrava a miseria
e o luto. - Vingai-nos, dizião; e vingai-nos já.
Mas a responsabilidade dos
generaes era immensa; as febres populares dissipão-se; a reflexão vem depressa
quando a despertão o pranto das mãis, os gemidos dos orphãos e a aspera voz do
fisco a reclamar a maior parte do producto de afanoso labor.
Era preciso atravessar o
Paraná; perseguir a fera no seu antro: mas os que estavão á testa do exercito
devião assegurar, tanto quanto possivel, um exito feliz a essa perigosa
operação, para que mais tarde não se lhes pedisse severa conta do sangue inutilmente
derramado, dos recursos esbanjados por falta de tino e de prudencia.
Entretanto, a impaciencia que
lavrava no animo dos povos alliados trabalhava tambem o espirito de seus
exercitos: cumpria fazer-se alguma cousa; tiral-os dainacção em que havião
cahido; do contrario se crearia talvez o desanimo, ou pelo menos se adormeceria
o nobre afan, a sêde de combates de que estavão animados.
Foi, cremos, principalmente
sob a pressão dessas considerações que o general em chefe dos exercitos
alliados accedeu ao plano apresentado em conselho pelo então major Dr. José
Carlos de Carvalho, chefe da Commissão de Engenheiros do exercito brazileiro.
Esse distincto official, que mais tarde veio a succumbir no serviço do paiz,
propunha que fosse occupada a ilha, ou antes o banco, que na vasante o Paraná
deixa a descoberto em frente ao Itapirú.
Essa idéa fôra muito
impugnada. Fizera-se notar que a occupação da ilha não traria vantagens e
sujeitaria as forças que nella terião de permanecer ao fogo do inimigo e a
penosos sacrificios. De posse della sem duvida de mais perto se poderia
bombardear o Itapirú; porém este fortim mais facilmente seria destruido pelos
pesados canhões dos encouraçados do que pela pequena artilharia do exercito.
Occupada a ilha facilitava-se a passagem do Paraná? Directamente, de certo que
não. Indirectamente, talvez que sim; servindo essa occupação para illudir os
Paraguayos em frente á ilha, no ponto mais guardado da margem paraguaya, e sob
o fogo dos canhões das suas fortificações.
Quer porém interviessem
decisivamente, como cremos, as considerações de ordem moral acima apontadas,
quer não, o que é facto é que o plano de occupar-se a ilha foi abraçado pelo
general em chefe.
Na noite do dia 5 de Abril
algumas canôas guarnecidas por praças do exercito, e conduzindo a parte do 3º
batalhão de infantaria brazileira, acompanhávão um vaporzinho qem que ião o
chefe e outros membros da commissão de engenheiros, dirigindo-se da margem
correntina para a ilha, onde sem novidade chegárão.
Chefe e membros da commissão de
engenheiros, officiaes e praças do 3º de infantaria em pouco tempo a
percorrêrão.
Estava desertam e seu solo
completamente arenoso prestava-se a que em poucas horas nella se
erguessem fortificações passageiras.
Feito o reconhecimento,
regressou a expedição.
No dia seguinte (6 de Abril)
reinava notavel animação nos arraiaes do exercito brazileiro. Sabia-se já que
se ia occupar a ilha naquelle mesmo dia, e esse acto de franca offensiva
exaltava os espiritos.
Na beira do rio batião-se os
ultimos pregos das jangadas que devião servir ao transporte, nos acampamentos
dos corpos dava-se a ultima de mão aos cestões e salsichões, que se estavão
preparando havia dias; na quartel-mestrança recebião-se milhares de saccos
entregues pelos fornecedores, e na commissão de engenheiros reunião-se pás,
enxadas e picaretas.
A tarde estava tudo prompto, e
em jangadas, canôas e pequenos vapores forão embarcados cestões, saccos,
salsichões, utensilios de sapa, munições de boca e de fogo, 4 canhões e outros
tantos morteiros; os primeiros, pertencentes á primeira bateria do 1º batalhão
de artilharia a pé, sob o commando do capitão Francisco Antonio de Moura, os
segundos, constituindo uma bateria especial, sob o commando do capitão Antonio
Tiburcio Ferreira de Souza.
Depois chegou a vez de
embarcarem-se o 14º de infantaria, formado em grande parte por guardas
nacionaes do municipio neutro e commandado pelo major Joze Martini/ o 7º de
voluntarios, organisado em S. Paulo e tenente-coronel Francisco Joaquim Pinto
Pacca; um contigente do batalhão de engenheiros, sob o commando do capitão
Brazilio de Amorim Bezerra.
O embarque de todo esse
pessoal, novecentos homens, e sobretudo de tão pesado material, consummio toda
a tarde e os primeiros momentos da noite.
Concluio elle, jangadas e
canôas, a reboque dos pequenos vapores, puzerão-se a caminho para a ilha, e a
ella aportárão já a hora avançada, sem terem sido incommodados pelo inimigo, a
quem de certo não havião escapado os preparativos da expedição, mas que
ignorava o seu destino.
A ilha, como já dissemos, é um
simples banco de arêa, completamente submergido nas grandes cheias do Paraná.
Tem uma fórma um tanto oval e o seu maior diametro fica paralello ás margens do
rio.
Esta muito mais proxima do
territorio paraguayo, a que pertence, de que do correntino: mas é ainda
separada daquelle por um canal assás largo e, como depois se soube, bastante
profundo.
Quando nella desembarcou a
expedição estava em grande parte coberta de alta e espessa macega. Dominava-a o
fortim de Itapirí, a alcance de um tiro de carabina.
A bateria desse fortim, e as
que os Paraguayos collocassem na margem do rio, poderião facilmente varrel-a.
A posição seria, pois,
insustentavel, se os occupantes não tratassem logo, na mesma noite de seu
desembarque, de levantar seguras trincheiras, que os abrigassem na manhã
seguinte das balas, que, era de esperar, choverião sobre eles.
Foi esse o primeiro cuidado do
tenente-coronel João Carlos de Willagran Cabrita, commandante da força
expedicionaria.
Com uma actividade digna dos
maiores ecomios traçou logo a linha das trincheiras e distribuio o trabalho
entre os seus subordinados, que com ardor puzerão mãos á obra.
Os cestões e os salsichões
estavão preparados; não faltava arêa para encher os saccos; sobravão enxadas e
pás para cavar um terreno pouco consistente; os braços erão robustos e
diligentes. Estes preparão o fosso, aquelles enchem os saccos outros empilhão e
collocão cestões e salsichões. Durante toda a noite esses novecentos homens
trabalhárão sem cessar; mas quando o dia surgio uma forte linha de trincheiras,
guarnecida por oito bocas de fogo, os protegia da artilharia inimiga, estavão
desde então solidamente estabelecidos em um pedaço do solo paraguayo.
As trincheiras erão duas, mas
formavão uma unica linha defensiva, desenvolvida pouco mais ou menos no sentido
longitudinal da ilha. A da direita era um pouco obliqua á direcção das margens
do rio. Mais approximada na sua extrema direita da margem correntina do que da
paraguaya, formava depois na esquerda um angulo obtuso, cujo vertice era
dirigido para o Itapirú. A parte dessa trincheira que, vindo da direita,
precedia o angulo, abrigava o 7º de voluntarios e o 14º de infantaria; a parte
que succedia ao angulo estava guarnecida por dous canhões. No prolongamento
dessa parte artilhada, em uma direcção parallela ás margens do rio, erguia-se a
trincheira da esquerda, mais cuidadosamente feita do que a da direita, e
guarnecida por dous canhões e quatro morteiros. A trincheira da direita não
chegava ao rio; havia ahi um pequeno espaço limpo de fortificação por onde se
podia passar com facilidade. Entre a trinchieira da direita e a da esquerda
ficava também uma abertura, no centro da qual foi plantado o mastro da
bandeira; entre a trincheira da esquerda e o rio permanecia um extenso tracto
de terreno sem nenhuma obra de arte, offerecendo portanto a maxima facilidade a
quem quizesse contornar a fortificação e entrar nella por um flanco.
Desta tão succinta descripção
vê-se que, se essas trincheiras abrigavão a guarnição dos canhões inimigos, mal
a resguardarião se ella fosse assaltada.
Mas não se temia um assalto:
de dia seria elle impossivel; á noite deveria ser considerado altamente
temerario; pois quando mesmo os assaltantes conseguissem tomar a ilha, serião
despedaçados pela metralha dos grossos canhões da esquadra.
Começava-se a guerra; não se
sabia até que ponto de audacia, mesmo de loucura, chegarião as aggressões
paraguayas e podia-se pensar assim. Mais tarde, Cabrita não confiaria nesse
raciocinio: a esquadra guardaria a retaguarda da fortificação, e esta formaria
um recinto fechado.
No dia 7 pela manhã virão os
Paraguayos, naturalmente com o pasmo, o pavilhão brazileiro hasteado na ilha.
O Itapirú abrio logo fogo; a
resposta não se fez esperar.
Começou um combate de canhão e
de que um ou outro tiro de carabina. Nessa luta realmente improficua de lado a
lado, ora vigorosa, ora fracamente sustentada, escoárão-se os dias 7, 8 e 9, e
assim se escoarião provavelmente todos os que lhes succedessem, se Lópes não
fosse o director supremo do exercito paraguayo.
Era Lopez um general
excepcionalissimo. Fugindo pessoalmente do perigo, cauteloso da propria
individualiudade até o ridiculo, só lhe aprazião, entretanto, as operações
arriscadas.
Não o intimava o plano mais
audaz, comtanto que outros que não elle o executassem. Cheio de estulta
vaidade, desprezava os mais positivos principios da arte militar. Se uma
operação tinha dez probabilidades a favor e noventa contra por isso mesmo a
preferia; e dotado de um profundo desprezo pela vida dos homens que derramavão
seu sangue para satisfazer-lhe a ambição, empenhava-os em tentativas
arriscadissimas, mandando-os á morte com implacavel serenidade.
O coronel Dias, seu favorito
então, lhe suscitou a idéa de expellir da ilha os Brazileiros, tomando-lhes os
primeiros canhões que nessa guerra havião rolado sobre o solo paraguayo.
Se tivessem bom exito, esse
golpe desmoralisaria o exervito alliado, se corresse mal, perder-se-hião
algumas centenas de vidas, cousa para Lopes de minima importancia.
A idéa era atrevida, por isso
mesmo agradou; e entre o dictador, Mme. Linch e o coronel Dias foi logo
concertado o plano da operação.
Mil e duzentos homens,
escolhidos entre as melhores praças do exercito paraguayo, serião divididos em
tres columnas de 400 homens cada uma.
O commando da primeira caberia
ao major Romero, homem astuto e refalsado.
Essa columna embarcar-se-hia
em canôas um pouco acima da ilha, e, deixando-se levar pela correnteza, a favor
das sombras da noute a deveria alcançar, desembarcar sem ser presentida, atacar
a trinhceira, tomal-a de sorpreza, aproveitando-se da estupefacção de seus
defensores.
As outras duas partirião uma
após outra do ponto mais vizinho da ilha, e ganhal-a-hião a força de remos,
logo que a primeira tivesse desembarcado: constituião as reservas, e devião
decidir da victoria, caso esta fosse disputada.
Na noite do dia 8 estava tudo
preparado para a realização desse plano.
Grande numero de canoas
cercadas de agua-pés amarrados ás bordas, para occultar-lhes as fórmas sob uma
capa de verdura, esperavão os soldados que devião transportar. Estes estavão
reunidos na margem, armados e municiados.
Ia dar-se a ordem de embarcar,
quando ouvio-se tropel de cavallos.
Pouco depois estacou em frente
da tropa uma amazona montada em soberbo ginete, tendo a seu lado um menino e
atrás um numeroso estado maior.
Se a noite não fosse tão
escura, ver-se-hia que essa amazona era uma mulher de trinta annos, d e porte
elevado e de fórmas amplas e acentuadas. Bastos cabellos castanhos, quasi
louros, emoldurávão-lhe a testa elevada e lisa. Suas feições regulares podião
passar por bellas, se já não estivessem como que empastadas por uma camada
demasiadamente abundante de tecido adiposo, que alterava a pureza das linhas.
Seus olhos azues, com reflexos amarellados quando a ira os accendia, tinhão o
brilho incommodo e frio do aço polido, se ella intencionalmente os não
ameigava. Era de certo pujante a natureza daquella mulher. Brunehaut e
Fredegonda forão sem duvida assim. Naquella fronte que sabia vergar-se com a
mais perfeita humildade, erguer-se com soberba imperial, e illuminar-se de uma
aureola seraphica, conforme as necessidades de momento, assentava bem a corôa
que cingirão aquellas duas rainhas francas. Como ellas ambiciosa, hypocrita,
intelligente, perversa e lasciva, era capaz de passar ainda palpitante de
volupia da mysteriosa recamara votada a Venus ao severo gabinete do conselho,
onde, inspirada pela sêde do poder, ninguem se mostrava mais calmo, mais
friamente calculista, mais habil em forjar intrigas, em formular planos, em
preparar vingança.
Essa amazona era Mme. Linch, a
amazia de Lopes, o máo genio do Paraguay, apanhada pelo dictador nos
prostibulos de Pariz, para vir com seus pés, que parecião destinados somente a
levantar o pó das bodegas da grande capital, pisar sobre a cabeça de um povo
americano, cujas donzellas prostituio, cujas matronas chicoteou, cujos homens
fez matar ou envileceu sem dó nem compaixão: sonhará com um imperio para si e
para seu amante, e queria alcançar o throno mesmo passando por cima de montões
de cadaveres!
Mme. Linch vinha animar os
soldados e representar uma scena de comedia. A esses pobres guaranys, que ella
tratára sempre com o maximo desdem, começou a distribuir charutos e sorrisos.
Diz-lhes que se vão cobrir de gloria expellindo do seio da patria os
Brazileiros, que os querem levar captivos as longinquas terras, roubando-lhes
os filhos e as mulheres. Promette-lhes grandes premios, assegurando-lhes ao
mesmo tempo ser de facilima execução a empreza que vão tentar: tudo está
previsto e preparado para dar-lhes esplendida e pouco custosa victoria. Arrouba
se, excita-os, e termina declarando que traz-lhes seu mais estremecido filho,
menino de 10 annos, para acompanhal-os em tão gloriosa expedição. Os pobres
soldados chorão enternecidos, vendo essa mãi, essa estrangeira, mandar com
elles ao combate seu filho mais querido, e jurão morrer ou voltar riumphantes.
Quanto ao menino, esse não partirá; não o querem os soldados, nem Romero
consente. O menino chora, quer combater pela causa da patria: Mme Linch
apoia-o, insiste, irrita-se; mas Romero não cede, e, como estava combinado,
vence afinal.
Toda
essa scena fôra magistralmente representada. Os soldados ficarão convencidos
que se devem deixar matar, não só por obediencia, mas também por amor dessa
heroica mulher e desse filhote de tigre, que chora porque não o querem deixar
confundir com o delles o seu precioso sangue.
São tres horas da manhã: é
preciso partir.
Enchem-se as canôas e arrancão
da margem. Com algumas remadas alcanção o fio da corrente. Recolhem-se os
remos, e ahi vão ellas na escuridão da noite caminhando unicamente impellidas
pela correnteza. Só o piloto tem a cabeça fóra da borda; os outros agachão-se
no fundo.
A esse tempo, na margem correntina,
dorme o exercito alliado a somno solto: unicamente as sentinellas e rondas
estão alerta, como de tempos a tempos o annuncião as pancadas seccas da
bandoleira sobre a espingarda e o tropear abafado e lento de dous ou tres
cavallos, que se parão aqui ou alli ao grito de-quem vem lá?
Na esquadra, cujos vasos estão
todos distantes da ilha, reina profundo socego.
Na mesma ilha tudo revela a
maior tranquilidade. Na vespera o Itapirú, em vez de cessar o seu fogo, como de
costume, ao pôr do sol, o prolongará até as nove horas. Mas depois callára-se.
Quasi toda a guarnição da ilha dorme por detrás das trincheiras.
Este sonha com a mãi a
abraçal-o lavada em lagrimas de alegria no dia do regresso; aquelle com a
noiva, que lá ficou na patria, a offerecer ao seu primeiro beijo a fronte
coberta de pudico rubor. Quantos sonhos fagueiros não acodem nestas noties mal
dormidas, em frente do inimigo, sob a abobada celeste, o corpo estendido sobre
o chão molhado pelo rocio, a cabeça apoiada na moxilla!
Dormem e sonhão os defensores
da ilha, e aquella massa negra que boia sobre o rio, approximando-se delles
cada vez mais, traz-lhes talvez a morte. E ninguem a pressente, a traiçoeira!
Entretanto, fóra da
trincheira, uma linha de vedetas borda a ilha em frente á margem paraguaya.
Vigião ellas? Sondão, como era de seu dever, com o olhar attento e perspicaz a
superficie das aguas, já cobertas de alguns tenues vapores, que pesadamente se
vão leevantando com a approximação da madrugada? É licita a duvida. A noite
está a findar; o frio da manhã começa a fazer-se sentir; murmura monotonamente
o rio, lambendo as margens da ilha: tudo está tão tranquillo!
O que é verdade é, que a massa
negra se avizinhava sempre, e ninguem ainda soltou o grito de alarma.
Se alguem a viô, tomon-a de
certo por uma dessas ilhotas trançadas de verdura, que o rio quando engrossa
arranca ás suas margens.
Por entre as sombras da noite
que ainda envolvem em seu crepe negro aguas, florestas e terras, com effeito
difficilmente se poderião distinguir as canôas paraguayas, artificiosamente
cercadas de verdura e agrupadas, destas ilhotas que ás dezenas, durante os dias
e as noite anteriores, havião passado por junto do banco.
Nenhuma remada as denuncia;
nenhuma voz as atraiçoa; vêm vagarosa, mas incessantemente chegando-se. Já
distão poucas braças da ilha. -Sentinella, álerta! É tempo ainda; dispara a tua
espingarda; acorda teus camaradas, que descansão confiados na tua vigiliancia.
-Mas, as sentinellas dormem, ou estão illudidas, e a massa negra das canôas
paraguayas se encostou à ilha.
Como se fosse uma jaula
repentinamente aberta, com pulos de panthera saltão della para a ilha 400
homens. Algumas vedetas são mortas, antes talvez de terem despertado; outras
lutarão a ferro frio: algumas; algumas buscão as trincheiras, e um immenso
grito de triumpho “Vivão os Paraguayos!” seguido de feroz vozeria, atrôa os
ares. Mas, uma fita de fogo orlou a crista das trincheiras: a valente guarnição
estava a postos, e acolhia o inimigo com uma descarga cerrada. A essa descarga
succedeu um fogo por filas admiravelmente sustentado: não se diria que por
detrás daquelles parapeitos estavão recrutas, que pela primeira vez entravão em
combate e que havião despertado quasi sentido o ferro do inimigo. Tanta segurança,
serenidade e precisão revelava aquelle fogo que parecia executado em parada por
tropas veteranas e adestradas.
Felizmente foi sobre a
trincheira da direita, pela frente della, que convergirão os esforços dos
Paraguayos; quer porque a macega não lhes tivesse deixado ver quando era facil
penetrar pelo centro, pela extrema direita e sobretudo pela extrema esquerda,
contornando a fortificação; quer porque não se pudessem guiar bem na escuridão
da noite. Comprehendendo os lados fracos de sua posição, Cabrita, sempre
sereno, apenas foi sentido o inimigo, mandou o valente capitão Tiburcio
defender o espaço aberto da extrema esquerda, confiou o centro ao intrepido
tenente Eudoro Emiliano de Carvalho e dirigio-se para a direita, onde batião-se
encarniçadamente o 7º de voluntários e o 14º de infantaria, dirigidos por seus
distinctos chefes.
Repellidos das trincheiras os
mais audazes Paraguayos, que no primeiro impeto a ião galgando, debalde
insistem os outros, pretendendo romper por aquella chuva de balas que os
dezima.
Foi reforçada a primeira com a
segunda columna: sobra-lhes valor e disciplina; mas os grupos que formão
cambaleão sob a fuzilaria e alguns tiros de metralha, que sobre elles fez
disparar o bravo capitão Moura.
Não tardão a rarear-se: cahem
os homens como espigas ceifadas por destros lavradores.
Porém não fogem, os bravos;
deitão-se na macega e mesmo deitados fazem fogo sobre as trincheiras: não mais
esperando tomal-as, querem ao menos vender caro as vidas.
Aos primeiros tiros disparados
na ilha acordarão os exercitos alliados: erão gritos de sinistra alegria, como
devem soltar cannibaes prestes a devorar em horrido festim as carnes ainda
quentes do inimigo vencido. Os batalhões formárão-se immediatamente, sem
saberem no primeiro momento onde era o combate; mas a direcção de onde vinhão
os tiros e a vozeria demonstrou logo que a luta se travára na ilha.
Pouco a pouco a margem
esquerda do rio ficou coberta de espectadores. O mesmo certamente aconteceu na
direita; e assim quatro exercitos, debruçados sobre o largo Paraná, assistião,
testemunhas offegantes, a esse ingente duello, que tinha por theatro um banco
de arêa, ergui lo alguns palmos sobre o nivel das aguas. Solemne partida,
jogada de um lado pela civilisação e a liberdade, servidas pela dedicação; do
outro pela tyrannia e a ignorancia, apoiadas na mais completa obediencia de que
o mundo tem memoria!
D’entre os alliados, como de
razão, os mais anciosos erão os Brazileiros; pois Brazileiros erão os que
naquelle momento batião-se pela honra da alliança.
Um batalhão de infantaria
dormia todas as noites na margem do Paraná para ser transportado á ilha, caso a
guarnição desta carecesse de socorro; nessa noite coubera ao 12 esse serviço.
Osorio, cuja impaciencia era
extrema, quiz fazel-o partir: era impossivel; suas ordens a esse respeito não
havião sido cumpridas; o batalhãi estava prompto, mas seis canôas sem remos não
podião transportal-o.
Como batião forte todos os
corações; como o olhar se aguçava debalde, para descortinar os incidentes da
lucta? O que se percebia era, que se valente fôra o ataque, valente também era
a defesa. Ardia em fogo a ilha; a fuzilaria incessante illuminava-a de mil
relampagos a um tempo. Ouvia-se sempre a grita dos Paraguayos, mas
respondião-lhe as nossas cornetas tocando sem cessar a fogo. Ninguém podia
prever os resultados do combate, tão bem ferido parecia elle por um e outro
lado.
Os espectadores quasi não
respiravão: a anciedade tinha chegado ao seu auge.
De subito um raio de sol
rompendo as trevas da noite e as brumas da manhã, que cercavão a ilha, bateu em
cheio sobre a parte superior da haste da bandeira; um brado unisono sahio de
todos os peitos: lá estava flammejante o pavilhão auri-verde, altivamente
desfraldado ás brisas da madrugada!
A luz desceu depressa e veio
illuminar a ilha. Soou o hymno nacional, e todos virão distinctamente a
guarnição saltar por cima das trincheiras e carregar á bayoneta os Paraguayos,
que fugião espavoridos. A victoria era certa - Gloria á guarnição da ilha!
gloria aos palatinos da patria, da liberdade e da civilisação!
Mas o dia 10 de Abril, que
surgia cheio de fulgores, devia ainda marcar a data de outros nobres feitos.
O Henrique Martins,
pequena canhoeira de madeira, fazia parte da vanguarda da esquadra brazileira.
Seu commandante, o 1º tenente Jeronymo Francisco Gonçalves, vendo a ilha
atacadam mandou tocar a póstos, fez acender as caldeiras e dirigio-se ao
commandante da vanguarda para participar-lhe que a ilha fôra assaltada e pedir
ordem para soccorrel-a. Sem ouvir as ponderações que lhe erão feitas relativas
á necessidade de intervenção superior, tomou a responsabilidade sobre si, e
seguido do Greenalgh, commandado pelo tenente Marques Guimarães, a todo
vapor caminhou para a ilha, chegando a tempo de metralhar pelo flanco os
Paraguayos, já completamente desbaratados.
A terceira columna paraguaya,
chegada mais tarde do que as outras, ainda não tinha desembarcado toda, ou teve
tempo de reembarcar-se em parte, apezar de Cabrita ter mandado, quando a
derrota se pronunciou, cortar com machadinhas os cabos que prendião as canôas á
ilha.
O canal entre a ilha e o
Itapirú, por onde se escapavão os Paraguayos fugitivos, era completamente
desconhecido e estava defendido por canhões de 68. O commandante do Henrique
Martins não hesita; enfia por elle, e lança a sua canhoneira sobre a
flotilha de canôas paraguayas. Com a prôa mette umas a pique; com as rodas
levanta outras e as emborca, enquanto a marinhagem de revolver e carabina em
punho mata-lhes os tripolantes, que procurão fugir a nado.
Os canhões paraguayos atirão
com verdadeiro frenezi sobre a audaz canhoneira que lhes passa a tiro de
pistola. A canhoneira responde-lhes metralhando os que da margem lhe fazem
fogo. Percorre lentamente o canal, limpa-o de inimigos, e surge ovante do outro
lado da ilha. Estava consummada a victoria. Então o bravo Gonçalves aproou para
o navio chefe da esquadra brazileira. Chegando á falla, participou ao almirante
Tamandaré, que os Paraguayos havião sido completamente esmagados, e pedio-lhe
licença para encalhar, pois a sua canhoneira, tendo sido atravessada de lado a
lado por balas de 68, tinha os quarteis de prôa e pôpa inundados, e estava
prestes a sossobrar. Felizmente ainda em tempo encalhou: mais alguns minutos de
demora e o Henrique Martins se afundaria nas aguas em que se cobrira de
gloria!
Dos 1,200 homens que atácarão
a ilha rarissimos de certo conseguirão voltar ao exército de onde havião
partido cheios de confiança. 649 cadáveres de Paraguayos alastravão a ilha.
Canoas cheias de mortos forão apanhadas pela esquadra, bem como alguns
nadadores feridos ou não, que, vendo-se cortados pelo Henrique Martins,
dirigirão-se para os navios brasileiros.
Na ilha cahirão prisioneiros
62 paraguayos, dos quaes só 16 não estavão feridos: entre estes figurava o
major Romero, commandante da 1ª columna de ataque.
Oitocentas espingardas, grande
numero de pistolas e sabres de cavallaria pertencentes aos Paraguayos, forão
apanhadas no theatro da acção: 39 canoas ficácrão em poder da guarnição da
ilha.
O enthusiasmo que esse combate
despertou não morreu no ambito do acampamento brazileiro: Argentinos e
Orientaes, esquecendo velhas e entranhadas rivalidades, corrêrão a felicitar os
officiaes e chefes brazileiros, não cessando de elogiar calorosamente o bizarro
comportamento da guarnição da ilha.
Infelizmente essa aspera lição
inflingida a Lopes custou aos Brazileiros alguns sacrificios; poucos, é
verdade, em relação á maguitude dos resultados colhidos, mas ainda assim
dolorosos.
A briosa guarnição da ilha teve
149 homens fóra de combate, 49 mortos e 100 feridos.
............................................................
Terminado o combate, Cabrita
recolheu-se a uma chata que estava à sombra da ilha e que servia de deposito:
ia tomar uma refeição e escrever a sua parte.
Estavão com elle o alferes
Woolf o tenente Carneiro da Cunha e o capitão Sampaio, seu amigo, que de terra
o fôra felicitar. Os Paraguayos, enfurecidos pela derrota, bombardeavão a ilha
com furia desusada. O rio tinha enchido, a chata se elevara com as aguas e mais
exposta ficára. Uma bomba lançada do Itapirú, e dirigida pela mão certeira da
fatalidade, arrebenta entre Carneiro da Cunha, Sampaio, Woolf e Cabrita, que
como Nelson succumbe gloriosamente, findo o combate, na hora do triumpho, haptizando
com o seu sangue o desconhecido banco por seu valor illustrado. Carneiro da
Cunha e Woolf são gravemente feridos; Sampaio cahe redondamente morto.
Tristissimo epilogo de tão
vibrante victoria!
______________________________
O combate da ilha do Cabrita,
que acabamos de narrar, omittindo muitos feitos do mais subido quilate, não foi
sem duvida um desses acontecimentos grandiosos que decidem do exito de uma
campanha.
Se Lopes não tivesse
imprudentemente mandado atacar a ilha, a occupação desta não teria dado em
resultado senão incommodos á sua guarnição.
Se, aceita a idéa do ataque,
fosse este conduzido por outro modo -: pela retaguarda, ou mesmo pelos flancos
largamente abertos da fortificação - quem sabe o que terião de soffrer seus
defensores? Na peior hypothese os canhões da esquadra brazileira os vingarião,
é certo; mas nem por isso deixaria o exercito de ter sido victima de um golpe
doloroso.
Como as cousas se passárão, o
ataque da ilha teve importantissimas consequencias. Perdeu o inimigo mil e
tantas praças escolhidas. As circumstancias que acompanhárão o combate,
dando-lhe o mais vivo realce, superexcitarão o exercito alliado, e
incontestavelmente concorrêrão para apressar a passagem do Paraná, effectuada
seus dias depois com o maior denodo, com maxima confiança e com o mais feliz
exito.
Dr.
Pinheiro Guimarães.
Eduardo De Martino
(1836-1912), Passagem do Curuzú. Litografia baseada em óleo, desenho de
R. Pontremoli, Alf. Martinet litógrafo, 54,80 cm x 71 cm (aprox.)
Rio de Janeiro, Museu
Histórico Nacional
I
Onze dias depois dos combates de
16 e de 18 de Julho, ganhos pelo general Polydoro, pisava terras do Paraguay o
segundo corpo de exercito brasileiro, confiado ao Barão de Porto-Alegre.
Embora sanguinolentos,
aquelles combates haviam reanimado nossa gente e como que mitigado as saudades
pelo chefe querido, que por enfermo se ausentára - o general Osorio.
Reconhecendo o general
Polydoro, como o confessou em ordem do dia, a honrosa mas difficil tarefa
de substituiur soldado d’aquelle valor, atirára-se áquelles combates como a
unica e possivel ordem do dia de um general nas suas circumstancias e nas
circumstancias do exercito brasileiro.
Feridos os combates, Polydoro
encetára logo os trabalhos de fortificação para garantia das posições tomadas,
e o somno da victoria mais uma vez cerrára todos os olhos.
Foi quando aportou ao Passo da
Patria Porto-Alegre com um exercito de sete mil e quinhentos homens das tres
armas.
Polydoro o apresentou aos
soldados do 1º corpo de exercito em um lance tão dramatico quanto justo de seu
boletim:
“Sabeis, soldado, quem é esse general?”
“Os batalhões veteranos que digam quem as
conduzio á victoria nos campos de Moron.”
Definido assim por um camarada
o seu valor, tomou a si mesmo completar a sua figura o veterano de Moron(*):
“Briosos soldados do 2º corpo de exercito!
Ides pela primeira vez pelejar com um inimigo que, desconhecendo as leis da
guerra entre povos civilisados, não as respeita, practicando inauditos actos de
atrocidade.”
“Não useis, pois, de represalias, que
elles não têm consciencia do mal que fazem; e demais, a generosidade é
qualidade inherente aos valentes.”
Bem completa ficou, pois, a
figura aos olhos do exercito: valor de soldado, alma grande. O resto, o que
constitue os heróes, só a sorte o dá. Ella é quem faz vencer em Austerlitz e
apaga em Waterloo o facho da maior fortuna guerreira que o mundo tem
conhecido.
II
Vencedores desde 18 de Julho
os soldados do 1º corpo do exercito, e chegados desde o dia 29 do mesmo os
soldados do 2º, só a 18 de Agosto puderam ou foram chamados a conselho os generaes.
N’esse conselho prevaleceu o
plano de que cinco ou seis mil homens do 2º corpo de exercito, embarcados na
esquadra, seguiriam rio acima o Paraguay, e, vencidas as difficuldades que
porventura encontrassem, se procurasse bombardear e atacar as fortificações de
Curusú e Curupaity, fazendo um desembarque para ameaçar pela retaguarda o
flanco direito das principaes e extensas linhas formadas pelo inimigo.
Assentou-se mais que esse
movimento da esquadra, considerado como uma operação prévia, ou antes um reconhecimento
á mão armada, devia ser feito de inteira combinação com o exercito alliado,
afim de que pudesse este opportunamente lançar não só sobre o flanco esquerdo
das fortificações inimigas uma forte columna de cavallaria - apoiada
convenientemente por forças de infantaria e artilharia - como tambem columnas
de ataque sobre um ou mais pontos centraes das linhas contrarias; combinando-se
igualmente todos esses movimentos com um violento cruzamento de fogos de
artilharia sobre a extrema direita d’aquellas fortificações. (**)
Este plano, que talvez a
fortuna coroasse de loiros, se logo depois de Curusú tivessem as armas alliadas
atacado Curupaity, não deu comtudo, á parte as glorias de Curusú, senão os
desastres diante daquella outra fortaleza, em 22 de Setembro.
Seja como fôr, uma vez
assentado o plano referido, tratou-se de pol-o em practica, e no dia 30 de
Agosto o 2º corpo de exercito, logo que recebeu alguma cavalhada, deixou as
praias de Itapirú, onde até então se havia conservado, e foi acampar mais proximo
á boca do rio Paraguay.
Ahi encontrou o exercito os
transportes a vapor Leopoldina, Izabel, Marcílio Dias, Presidente,
General Flôres, Galgo, Diligente e Pedro II. A
bordo do Apa achava-se o vice-almirante Tamandaré.
Quando veio a noite
ergueram-se do 1º corpo de exercito varios foguetes ao ar, afim de determinar a
situação respectiva dos dois campos.
Naquella escuridão, na vespera
de tantas mortes, que sinistros lumes aquelles! Que sentenças escriptas no ar!
O dia 31 gastou-se ainda na
passagem das cavalhadas para o 2ºcorpo de exercito e na conferencia entre o
general, almirante e o ministro Octaviano; conferencia que fixou o plano de
ataque que devia iniciar-se no seguinte dia por um reconhecimento de esquadra.
Ia, pois, essa poderosa armada
sahir do seu lethargo de mezes e escrever mais uma pagina de heroismo no livro
de sua vida maritima.
III
Rompeu o dia 1 de Setembro, o
mez das primaveras, das alegrias do campo, e dos sorrisos do céo!
O sol marcava sete horas
quando o vice-almirante, presa sua insignia da corveta Magé, ordenou á
esquadra que singrasse aguas acima.
A ordem daquelle cortejo da
morte e da gloria foi a seguinte:
Corveta Magé, Lima
Barros e Bahia (encouraçados), Parnahyba (canhoneira), Brasil,
Barroso, Rio de Janeiro e Tamandaré (encouraçados), Beberibe,
Ypiranga, Belmonte, Araguay e Greenhalgh
(canhoneiras).
Subiram lentamente, já pela
estreiteza do canal e já tambem pela perfidia d’aquellas aguas cheias de
torpedos.
E no entando de lado a lado as
mattas tão ridentes, tão opulento o sol, e tão ebrios de alegria os estandartes
da patria!
Quando a ilha do Palmar
ostentou-se bella e verdejante á tona d’agua, bella como uma nayade descuidosa
e despenteada surprehendida no banho, deu signal o vice-almirante para que
ficassem ahi os navios de madeira e seguissem, até frontear Curusú, os
encouraçados.
IV
Não tardaram as luvas de
desafio do inimigo, e as luvas em resposta dos nossos.
Era meio-dia: muitos
paraguayos e brasileiros iam viver os ultimos minutos da sua vida.
Quatro horas, quatro
longuissimas horas durou o canhoneio.
Era a festa da morte! O rio,
as mattas, os coraçõe e os estandartes estremeciam todos ao som da medonha
musica. Só…. os céos impassiveis! Deus que fiava a teia dos destinos destas
Americas, e o valor brasileiro cheio de confianças n’elle!
Era scenario para os olhos de
um poeta, e lá estava um, disfarçado nas honras de ministro, mas n’aquella
occasião brasileiro sómente e poeta contemplador.
Quando nos dará elle, tão
admirador das façanhas dos Achilles, em Homero, esses quadros condignos, que a
sua boa estrella lhe permittio vêr?
V
Chovia, pois, as balas, e como
victima, que a sorte já designára para os sacrificios do dia segunite, o Rio
de Janeiro enfeitava-se de glorias e dos loiros immortaes, tintos de fumo e
sangue!
Toucava-se ainda a victima já
sobre a sepultura.
Silvado, o commandante, o
noivo escolhido para as nupcias eternas, como que brincava ainda com a noiva,
já ás portas da alcova, e se ainda pedia alguns momentos como que era pra
escrever em cada bala que mandava aos inimigos um legado de gloria para a
Patria, a quem tudo deixou, tudo: o nome, o coração, o valor, o brio, os
ultimos suspiros e aquella sublime estrophe do poema nacional:
“Só lhe negou o corpo, dadiva indigna dos
nomes immortaes.”
VI
Descrevamos, porém. O Rio de
Janeiro, mais ousado do que todos os encouraçados, approximára-se mais que
nenhum das baterias inimigas.
Era como um duello corpo a
corpo que elle provocara. Duas balas paraguayas de calibre 68 oscularam-lhe a
boca da casamata, acertando uma d’ellas em uma peça sua d’aquelle calibre, que
ficou amolgada e fendida.
Bem pouco era e seria se não
fossem os estilhaços que, penetrando na mesma casamata, feriram gravemente o 1º
tenente Napoleão Jansen, e mataram duas praças.
O Lima Barros, que
tivera a honra de trocar o primeiro tiro de artilharia com o inimigo,
continuava a ser alvo da predileção e multiplicação das balas paraguayas. Rivalisavam
com elle o Bahia, o Brasil e o Barroso.
Já o Voluntario da Patria
- pequeno mas galhardo vapor, tendo a seu bordo o 1ºtenente Francisco Romano Steple
da Silva e o practico Fernando Etehbarne - tinha ido reconhecer os obstaculos
que o inimigo porventura houvesse lançado no canal do rio até aquelle ponto,
Curusú.
O resultado do reconhecimento
combinou perfeitamente com as informações dos transfugas paraguayos, quaes
eram: a existencia de torpedos e de uma estavada de navios a pique em frente á
bateria do Curusú.
Bons paraguayos! Como sabiam
fazer a guerra, e como aqui seriam invenciveis se a astucia brasileira não
houvesse verificado que o canal das margens do Chaco dava facil accesso até á
estacada!
Era labor este para o dia
seguinte; perigos que a esquadra deveria vencer. Infelizmente a sorte já
plantára naquelles lenhos a pique a cruz que ia marcar a sepultura do Rio de
Janeiro.
VII
Com o cahir da tarde afrouxou
o bombardeio.
A esquadra tinha galhardamente
cumprido o seu dever n’esse dia e sabia que no seguinte outras dividas tinha de
pagar ao seu paiz. Não faltou, e foi com o mais puro do seu sangue que solveu
as suas obrigações de gloria.
Descendo a noite, o chefe
Elisario, commandante da 2ª divisão, fez descer o encouraçado Rio de Janeiro
para que transportasse os seus feridos para outro navio, e, aproveitando-se das
sombras, os practicos Etchbarne e Bernardino Gustavino com o engenheiro
norte-americano G. H. Tombs reconheceram e sondaram um canal fundo e livre de
obstaculos pelo meio da estacada de navios a pique, pouco acima da bateria.
Ao romper do dia (2) os
encouraçados Lima Barros, Brasil, Bahia e Barroso
avançaram até perto da estacada de Curupaity e romperam fogo vivissimo contra
aquella fortaleza.
Do lado do Chaco haviam já
desembarcado na vespera os batalhões 12º e 13º de voluntarios, com o fim não só
de dominar a margem do rio na parte occupada pela esquadra, como para chamar a
attenção do inimigo para aquelle ponto, emquanto se effectuasse o desembarque
do 2º corpo.
Quando as primeiras luzes da
madrugada vinham annunciando o dia, a divisão do chefe Alvim rompeu fogo
despejando bomba e metrablha contra as mattas que escondiam o inimigo.
Tinha ficado decidido que o
general Porto-Alegre desembarcaria n’esse dia.
Emquanto não chegava a hora
oportuna, reboava o bombardeio, levando ao longe, ao coração do Paraguay, as
noticias d’aquella luta de gigantes.
VIII
E o que era Curusú? O que
valia?
Situado meia legua abaixo de
Curupaity e quasi fronteiro á ilha do Palmar, constituia o apoio do flanco
direito do inimigo.
Por muito tempo escondêra-se
este nas mattas, como fera que espera a presa, ou como castello da fabula; mas
havia dous mezes que nas suas caçadas pelo rio Paraguay, caçadasde torpedos,
descobrira a esquadra aquella caça feroz, como por entre as folhas dos palmares
sorprendem o viajante os olhos do jaguar.
E como quem traz noticias da
bôa que espreita no caminho, já alguns passados haviam tambem informado
d’ella.
Constava Curus´de um grande
reducto, amparado por parapeitos de quase tres braças de altura solidamente
construidos.
Um fosse de 7 palmos de
profundidade sobre 12 de largura o circumvallava.
Treze peças de diversos
calibres, inclusive uma de 68, artilhavam a fortificação, ao mesmo tempo
defendida por 500 homens d’infantaria, além dos reforços numerosos que, em
occasião de ataque, deviam acudir, como acudiram, em numero de tres mil homens.
Os paraguayos tinham na defesa
d’essa posição as vantagens de espessa matta que os protegia dos fogos da
esquadra. Isto na direita.
A esquadra apoiava-se na lagôa
Pires, e em frente havia um estero que dava estreita passagem sómente
por dous passos ou picadas, que canhões de grande calibre enfiavam.
Tal era Curusú, que a todo o
custo era preciso tomar, e que aos olhas da junta militar de 18 de Agosto tinha
parecido uma bella posição contra o flanco direito das linhas paraguayas e um
ponto de communicação entre a esquadra e os exercitos alliados.
IX
O bombardeio continuava.
Fundeados a 500 braças apenas
de Curupaity, os encouraçãdos Bahia, Lima Barros, Brasil e Barroso trocavam as
cortezias da morte com a fortaleza, que lhe fazia fogo com bombas e balas rasas
esphericas de calibre 68 e com projectís oblongos de artilharia raiada de
calibre 80, systema americano!
Nenhuma marinha do mundo
desdenharia de subscrever as paginas que o marinheiro brasileiro escreveu alli
n’esse dia.
Desdenharia? Honra seria para
todas!
Do seu lado o encouraçado Tamandaré
e as bombardeiras Pedro Affonso e Forte de Coimbra
distrahiam-se com Curusú.
Duas chatas paraguayas - que o
almirante convertêra em bombardeiras - com morteiros francezes de 10 ¾
pollegadas davam escellente resultado. Outra chata ex-paraguaya e tambem
com uma peça de calibre 68, unia as suas vozes ao concerto.
X
Ia chegando a hora….
Algumas canhoneiras
principiaram a varrer com artilharia o ponto da margem esquerda do rio,
escolhido para o desembarque.
Á uma hora e vinte minutos a
quarta divisão da esquadra bombardeava e metralhava as mattas adjacentes á
guarda do Palmar.
Ao mesmo tempo desembarcava o
general do 2º corpo de exercito.
Aos sons de que hymno punha pé
o conquistador na terra da conquista!
Compunha-se o exercito de
8,300 praças das tres armas, sendo 4,500 de infanteria.
Bravo até o delirio, arrojado
como um fatalista e mesclad de Ney e Murat, confiante como aquelle na estrella
do seu destino, namorado como este da gloria, e como este taful no meio dos
combates, Porto-Alegre foi o primeiro que saltou em terra.
Convicto de que a luta é a
festa do soldado, entra elle em fogo com o esmero de um casquilho que tem de
lutar e de vencer nas salas.
Traz a farda com rigorismo da
disciplina prussiana, mas atavia-se de ouro como Murat ou assume as proporções
de um d’aquelles generaes mouriscos quando iam á conquista de Granada, pois que
iam-se mirar no espelho d’esta bella - o Xenil.
Porto-Alegre, esperando sempre
a victoria, enfeita-se para recebel-a. Ao sahir do campo póde penetrar n’um
salão: nem as luvas sequer lhe faltam.
Tal é a rapidez e singelos
traços o vulto para quem no momento convergiam as vistas e os destinos do
inimigo, os olhos e as esperanças da Patria.
E como se a natureza já lhe
annunciasse a victoria, o sol ao zenith coroava de ouro e fogo, de purpuras e
de azul o vasto theatro do sanguinolento drama que a orchestra dos canhões
preludiava desde a vespera.
Deixemol-o, porém, por
emquanto fitando aquelles horiznontes e dispondo entre seus commandados a ordem
de marcha.
XI
Approximava-se a hora do
terrivel episodio que devia naquelle dia envolver de crepe o estandarte
victorioso do Brasil.
O encouraçado Rio de
Janeiro conservára-se, como já o dissemos, na frente da linha.
Silvado, o seu commandante,
zombava das balas inimigas e desafiava a morte.
Os paraguayos tinham juncado o
rio de torpedos, e entre elles e sobre elles o Rio de Janeiro
baloiçava-se, brincava, ria-se da morte, dos paraguayos e dos seus torpedos.
Para tão descommunaes perigos,
audacia mais descommunal.
Eram duas horas da tarde
ainda. O Rio de Janeiro, tendo reparado as avarias da vespera, avançava
para tomar o seu lugar na frente, como um soldado que, mal conchegando os
labios de uma ferida mortal, voltava para as fileiras, e por denodo para as
fileiras da frente.
Avançava….
De repente, como quem tropeça,
toca em um torpedo - proximo á estacada dos navios a pique - do qual não havia
o menor indicio.
Tocado o torpedo, seguio-se a
medonha explosão mesmo debaixo da pôpa da formosa nave.
Formoso sim, mas monstruoso, o
gigante estremeceu, vacillou nas aguas, como um Leviathan varado pelo ventre.
Um calafrio de morte percorreu-lhe
a espinha e obrigou-o a tremer como treme o dorso de um cetaceo á flor das
aguas, sentindo os estilhaços de uma bala. Devisme nas cavidades do peito.
Pelo rombo feito penetra
tumultuosa, rouquenha, gritadora, uma columna d’agua.
É muito, é, sem duvida, para o
gigante; mas, como quem em luta de morte, recebido o golpe, abafa-o com a mão e
avança ainda, e ainda encara ultumos instantes, vivendo para ver se mata, o Rio
de Janeiro avança uma vez mais; não avança sómente, atira-se como uma fera
ferida no rastro da polvora….
Um outro torpedo, perfido e
terrivel como o primeiro embaraça o caminho ao monstro, e arrebenta desta vez á
prôa, como seixo de David na fronte de Goliath.
Era demais! A morte seguio-se
instantanea: n’uma columna de fumo o gigante arqueja, arfa e vai exhalando a
vida….
Morre sereno como quem sabe
que cumprio o seu dever e que, aos olhos do inimigo, deve a compostura ser o
ultimo pudor e o derradeiro respeito por uma grande vida.
Vai exhalando a vida; mas,
como um duellista cahido no chão do combate, arqueja ainda sobre um lado, e só,
quandode todo o sôpro final lhe abandona o corpo, deixa tombar a cabeça e a
entrega ao pó, o Rio de Janeiro vai pouco a pouco virando sobre uma das bordas,
dando (t)empo a que os heróes que o pisam se salvem.
XII
Silvado, o commandante, e
Coelho, o immediato, bem haviam sentido morto o seu navio; mas, sendo
d’aquelles que entedem que o amor da vida é somenos do que o amor da honra,
conservaram toda a serenidade como se fosse terra firme aquelle tumulo em que
pisavam.
Silvado expede ordens para que
salvem a vida dos seus commandados, d’aquelles que a Patria lhe havia confiado,
emquanto que as aguas engolem o navio.
Salvas as que foi possivel
salvar, não se julga ainda livre das obrigações a que a honra e o brio o
vincularam: desce á camara para salvar os papeis do navio, a biographia, os
segredos, o testamento daquelle morto.
Á um ultimo olhar despede-se
d’elle: nada mais tem a fazer. Agora sim, lembra-se de que tem uma vida a
guarda, que não é sómente sua, pois da familia o é e tambem da Patria.
Vai a sahir…. approxima-se de
uma das portas do seu encouraçado, fita em frente, dá o primeiro passo….
Era tarde…. o Rio de
Janeiro, ferido mortalmente e cansado de esperar por elle, ou suppondo-o já
salvo, exhalára o suspiro derradeiro, e, virando do lado em que o heróe se
achava prestes a sahir, submerge-o comsigo.
Foi acaso o abraço do afogado
arrastando um companheiro á morte - juntos?
Quiz servir de tumulo a
formosa nave ao seu commandante?
Ou este foi que no momento da
despedida sentio os encantamentos da morte e deixou-se atirar aos braços das
mysteriosas ondinas, sabendo e bem sabendo que era uma morte gloriosa que
legava á Patria?
Mysterios, mysterios que só
Deus terá conhecido.
Mas não desceu só ás habitações
da morte o bravo marinheiro.
Como uma guarda de honra,
ultima homenagem prestada, escoltaram-no o 2 tenente Coelho e 62 praças da
guarnição.
Foram-se; e, volvidos poucos
instantes, as aguas como uma cortina de theatro correram sobre aquelle drama e
sobre aquelles incommensuraveis actores.
Correram e desde então
começaram a entoar a triste monodia sobre a memoria d’elles.
Dormi, dormi, vós todos. Como
o rei Harpalgar das lendas allemãs de Heine sonhaes talvez a vida e relembraes
as façanhas, nos braços das ondinas, aos canticos que ellas desatam dos labios.
Sonhae, sonhae, que bem haveis
merecido da Patria.
Dia e noite a agua corre sobre
a vossa sepultura e só aos astros foi dado escrever com luzes sobre a
superficie os vossos epitaphios.
Dormi, dormi, dormi!
Um de profundis
unisono, grave e mysterioso, modulam as aguas, as arvores e os genios errantes
d’essas ribas; e á beira Deus faz nascer as flôres de mil cambiantes e a
saudade as esfolha pela manhã e pela tarde sobre a vossa sepultura.
Sonhae, sonhae, oh! tristes
argonautas d’esse dia nefasto, oh! semideuses d’essa hora de heroismos!
XIII
Deixámos o general
Porto-Alegre desembarcando o exercito e dando as primeiras ordens.
Estava elle tres quartos de legua
abaixo de Curusú, ponto objectivo.
Em menos de duas horas estavam
em terra esses oito mil e tantos homens.
Determinada a ordem de marcha,
fez Porto-Alegre seguir na frente a 2ª brigada, levando o 11º batalhão de linha
na vanguarda.
Esse batalhão levou ordem de
occupar o extremo da picada que desembocava em frente ao forte e aonde se
construio depois uma trincheira.
O commandante do 11º batalhão
de linha, destacado assim, e o resto da brigada, logo que avistaram a bandeira
do inimigo, trocaram os primeiros tiros; mas os paraguayos despejaram
incontinenti tiros de metralha, e as primeiras victimas regaram com o sangue o
solo do adversario.
A posição era pessima: a
brigada achava-se estendida pela estreita picada e por essa enfiava o inimigo
seus tiros.
Era um combate sem nome na
historia e sem precedentes.
Não contentes ainda os
paraguayos, lançaram fogo ás mattas, e os brasileiros tinham ao mesmo tempo de
vencer o inimigo, dominar as balas e varar por um corredor de fogo e de fumo,
percorrido sem cessar pela bala e pela metralha!
Nunca mostrára a morte tanta
imaginação na decoração dos seus scenarios.
Aquelles que a metralha não
lançava por terra ou atirava aos ares, asphyxiava-os o fumo nos densos
novellos. Á quem o fumo não vencia, as labaredas apagavam o lume dos olhos e
deixavam ás tontas n’esse inferno de carnificina!
Era para endoidecer ou para
desanimar!
Mas esse exercito, contra o
qual lançavam obstaculos nunca imaginados, era o exercito commandado por
Porto-Alegre, e ao lado d’elle extremeciam de valor Alexandre Manoel Albino de
Carvalho, Manoel Lucas de Lima, o tenente-coronel José Antonio da Camara, que
devia acabar essa guerra, Astrogildo Pereira de Castro, o major Manoel de
Almeida Gama Lobo d’Eça, o coronel Antonio Peixoto de Azevedo e outros muitos
bravos de valor igual.
De facto, recebendo como fica
dito os invasores, os paraguayos preparavam-lhes apenas os elementos de uma
victoria formidavel, pois que tremenda era a posição.
Iam sahir victoriosos d’esse
combate de Salamandras!
Os batalhões 11º de linha e 8º
de voluntarios sahiram da picada e estabeleceram-se para a direita em uma
garganta que depois vio-se dava em um campo.
Ahi, logo que chegado foi o
batalhão provisorio de engenheiros, tratou o major Rufino Enéas Gustavo Galvão
de levantar com o capitão Frota uma trincheira que cortando a picada impedia
que o inimigo os sorprenhendesse.
As labaredas, o fumo, as
balas, a orchestra da chamma nas folhas e na madeira, estes gritos e ululos das
matas, mil vozes mysteriosas sahidas, arrancadas do seio d’ellas, as féras, os
reptis que talvez esbarraram com os homens e emudeceram com a morte….. nada
poude deter a loucura dos brasileiros…
A cavallaria rompeu por essa
garganta do inferno: eram dezenas de pontes de Arcole presas umas ás outras,
era um Bonaparte cada um d’aquelles obscuros soldados que levavam, atravez das
chammas, das balas, da metralhadora e do fumo, e o estandarte das duas côres e
ae honra d’esta terra.
Ás 4 ½ horas da tarde, quando
o general dirigio-se ao logar em que o batalhão provisorio de engenheiros havia
levantado uma trincheira, deu ordem de construir um espaldão para assestar
n’elle a artilheria.
Escolhido o ponto para a
referida construcção e sendo elle muito além dos piquetes avançados, foi
concedido ao major Galvão um batalhão de infantaria para proteger os trabalhos
de engenharia.
Antes das dez horas da noite
estavam elles começados.
Ás quatro horas da madrugada
estava prompto o espaldão.
Quando a noite desceu, o
exercito tomára posição debaixo das baterias inimigas.
Vencidos todos os tremendos
obstaculos do dia, os soldados sob a sombre sinistra do reducto esperavam o
amanhecer….
Que vigilia essa! Em pé junto
das peças e de morrões accesos, tal foi o somno que lhes foi dado a dormir.
Deos accendeu uma por uma
todas as suas estrellas no ambiente azul do firmamento.
Quarenta teriam no dia
seguinte de fazerem por sua vez?
A lugubre fortaleza que pensamentos
influio em cada um d’aquelles bravos que alli quedavam firmes sem a certeza do
dia que ia surgir!
Aos fogos dos morrões, á luz
das estrellas no firmamento, aos gemidos e lamentos dos feridos, na ausencia de
todos os entes caros, eras tu, Patria, que enchias todos aquelles corações,
eras tu, que elles viam além d’aquellas muralhas, d’aquelles horizontes, além
dos perigos e da morte.
............................................................
Não és pois um vão nome, uma
mentira, oh! mãi sublime!
Victor Meirelles
(1832-1903), A passagem de Humaitá. Litografia baseada em óleo, Souza
Lobo litógrafo, 50 cm x 69,50 cm.
Rio de Janeiro, Museu
Histórico Nacional
Victor Meirelles
(1832-1903), A passagem de Humaitá. Gravura feita por Souza Lobo Lit.,
em chine-collé, baseada em óleo, 50 cm x 69,50 cm.
Rio de Janeiro,
Bibliotheca Nacional - Hemeroteca Digital
I
As armas da triplice alliança se
havião já opulentamente enfeitado de louros marciaes durante as operações
militares, dirigidas contra o tyranno do Paraguay; o pavilhão brazileiro
tremulava ovante no acampamento de seus bravos mantenedores; a gloria o
enramava de palmas immarcesciveis, ceifadas pelo heroismo dos combatentes em
tantos estadios de victoria, quantos compos de batalha contava por episodios
immorredouros o vivissimo entrecho da sublime Illyade nacional.
Muito se havia adiantado já
para a consummação do sacrifício cruento nas aras da patria; o sangue
borbulhára profuso da arteria rôta para a lustração da bandeira auri-verde,
nodoada pelo insulto protervo e imprudente de um despota; o guante lançado com
insolito desgarro fôra erguido do chão com um rasgo de altiva nobreza cavalheirosa:
a honra patria sellára ante o aggravo e ante a historia o voto de quebrar com
elle proprio as cadeias, que algemavão o povo envilecido de Francia e de Lopes,
e de recalcar depois ainda com elle, a leiva funeraria da tyrannia paraguaya,
sinão do tyranno altanado.
Opimos erão os trophéos, que
se erguião a consolar as angustias do holocausto, bastos os laureis que
exornvão os escudos do Brazil; mas tambem, copioso o pranto, pungente a dôr, e
pesado o luto, que vergavão diante d’elles os corações lancinados de mãis,
viuvas, orphãs e desamparados perguntando em côro de soluços - porque é que a
gloria pede tão caro o preço de seus triumphos?
Si a gloria lhes podera
responder diria: - é que nada se commette e se alcança de verazmente grande no
mundo sem sacrificios: para que a luz fulgure o fogo devora o combustivel; para
que a victoria explenda a luta devora as victimas; para que a partia se
desaggrave seus filhos se immolão por ella nas hecatombes do heroes; os hymnos
de triumpho se descantão aos gemidos dos que o consquistárão com o devotamento
da vida!
Não é que estivesse esmorecido
o patriotismo brazileiro, depauperado a esgotar-se o manancial de suas forças,
de sua perseverança; sua espada não podia embainhar-se emquanto não rematasse o
desforço do pundonor: antes d’isso fôra vergonha a trégoa, deserção a paz; mas,
urgia levar por diante com redobrado vigor o empenho da guerra; o paiz arfava
em crescente pressão sob o peso do esforço que despendia; não era só o melhor
do seu sangue que se escoava nas terras e nas aguas paraguayas, era a gleba da
lavoura, que se esterilisava ociosa ao abandono dos braços, que havião lançado
a enxada da agricultura por empunhar a espingarda do voluntario; era
ainda a seiva de sua prosperidade material, os recursos do seu erario, que
fluindo em jorros, oberavão a geração coeva e contrahião gravames temerosos
para as gerações vindouras.
O sobresalto que o patriotismo
soe promover, o deslumbramento que as victorias motivão offuscão com as
illuminações festivas e legitimas do orgulho nacional as reservas meticulosas
das finanças, os queixumes que á surdina do Thesouro ousa desferir ao
abeirar-se com os passos vacillantes do abysmo da banca rôta; é natural que
seja assim: quem é que vai orçar dispendios, contar moedas em cima da bandeira
da patria e das corôas que a enflorão?! essa bandeira não é panno de tavola
para lanços a calculos dos jogos financeiros; quando a viscera da honra
nacional está vibrante a fibra do egoismo economico se paralysa…
No entanto, as finanças são
uma realidade implacavel, o Thesouro é uma barreira de ferro, o elasterio da
fortuna publica assignala inflexivelmente a medida das ousadias nacionaes.
Por tudo era mister levar ao
cabo a guerra do Paraguay, leval-a com a victoria, porém, prompto.
Desde a jornada titanica do
Riachuelo, que levantára um portico magestoso ás evoluções triumphaes das armas
brazileiras, até o Tuyuty, larga, gigantesca, luminosa era já a estrada
percorrida para o Aquidabam, fulgente o sulco traçado pelo meteoro da bravura
do Brazil.
Lopes vencido nas aguas
gloriosas, que o dia 11 de Julho de 1865 immortalisou, cahindo esmagado nos
plainos do Jatahy, rendida a espada na capitulação da Uruguayana, desistira do
arrojo aggressivo; cego de vaidade, mirando o facil successo de sua causa nos reflexos
fascinadores das 80.000 baionetas de suas hostes, sonhára aniquillar nos
proprios territorios os tres povos, que se colligárão contra seu jugo e sua
petulancia.
Abusão do deslumbramento,
vertigem do suicidio! o tigre lançou o salto sobre o que se lhe antolhava a
presa; esta ergue-se em tempo, e, illudindo o arremesso, suplantou a temeridade
da féra.
Um rebate o instincto de
conservação avisou; sahira-lhe malograda e funesta a investida; inverteu a
traça da campanha, cahiu em defensiva, tentou a guerra de recursos, o appello
do belligerante em transes desesperados; aggravou para as brenhas invias, para
os banhados perfidos, para os rios invadiaveis, para as intemperies, para as
fomes as sêdes, as pestes, que erão os seus alliados naturaes! A patria das
féras e dos despostas é bem essa - o deserto com todas as suas mosntruosidades
selvaticas, traiçooiras e mortiferas!
Recuando elle, cumpria
seguil-o, acossal-o, encantoal-o até que tombasse vencido; o feito logo se
deparou arriscado a quantos o sondárão com a intuição, apoiada no que se
conhecia das forças inimigas, da ferrenha e servil disciplina que demudava em
machinas de morte o povo escravisado, na bravosidade e rudesa do theatro em que
se ia empenhar a tragedia dos combates.
Nem era motivo para hesitação
o ardimento do passo; não havia azo para escolhas; onde quer que approuvesse
aos modernos vandalos arrastar os marcos da estacada, era ahi a lição das
batalhas.
A tatica que se abrigou Lopes
recommendava-se-lhe por tradicções muito para seduzir: foi com ella que os
Parthas vencerão os gregos da Bactriania, submetterão a India até o Hyphaso,
conquistárão a Media a Babylonia e a Assyria, arrebatárão as aguias romanas das
legiões de Crassus e Antonius; foi ainda com ella que a Hespanha empanou o
prestigio magico, que circundava a fronte alterosa do vencedor de Rivoli, das
Pyramides, Marengo, Austerlitz.
O exercito da triplice
alliança entrou em marcha em Abril de 1866; suas bandeiras fluctuárão á margem
esquerda do Paraná, o inimigo estanciava na riba direita; a 16, as tropas
brazileiras pisárão territorio paraguayo; o general Manoel Luiz Ozorio esculpiu
nos marmores da gloria nacional a primeira estrophe do poema de que se havia de
fazer pelo tempo adiante o Achylles: á frente de 12 lanceiros, formados em
guerrilha, recuou combatendo e immortalisou-se recuando em face de uma força
numerosa com que Lopes imaginou esbarrar os primeiros passos dos vencedores do
Jatahy no solo de sua patria, que era a sua victima tambem.
A essas lanças temerarias do
Passo da Patria ata-se a cadeia de louros, que pela outra ponta se foi elar na
barranca onde o despota exhalou o derradeiro suspiro na extrema vasca de uma
derrota longamente protahida, em damno do povo, que quase se aniquillou até o
ultimo homem, debatendo-se contra o impossivel de uma victoria, que o desampara
porventura em pena da escravidão, que tão humildemente soffrera.
Deus abandona em seus ferros,
em sua ignomina e fraqueza os povos, que deixão estrangular suas liberdades, e
curvão covardemente a cerviz ao jugo do despotismo.
Os anneis mais salientes dessa
cadeia de glorias sao: o 17 de Abril, o Itapirú o 2 de Maio,
o 24 de Maio, o 16 de Julho, o 18 Julho, a tomada do
Curuzú, a passagem do Curupaity, o arroio Hondo, o Tagy,
o assalto de Tuyuty e…
O Humaitá.
Cortemos a concatenação das
estrellas inscrustadas pela heroicidade dos bravos nos brazões de seu paiz;
exige-o a traça que nos foi prescripta aos rasgos da penna, que quizera poder
molhar-se em luz fulgurosa para embeber em um engaste de irradiações
impericiveis as joias magestosas do orgulho patrio.
Dos fuzis, que compõem o colar
nobilitario do exercito e da armada do Brazil, coube-nos para descrever um, que
de si bastára á consagrar no pedestal da posteridade mais remota o povo, que o
soube forjar nos raios do pratiotismo e do devotament.
Paremos junto delle; ha muito
deslumbramento nos olhos do que o comtempla a não haver audacia para
relancear-se a vista além…
II
Os ultimos mezes do anno 1867
virão o exercito e a armada do Brazil apertando em circulo de ferro as
fortificações do Humaitá.
Diante do colosso ao qual
Lopes se escorava, sorrindo de orgulho e desafio ao arrojo dos alliados, estes
estanciavão como que irresolutos, porque acaso se lhes afigurava inexpugnavel a
cavernacouraçada do tyranno.
No entanto, não corria
desaproveitado o tempo, não jazião ensarilhadas as espingardas, muda a
artilharia, ociosas as lanças, colhidas em quietação imbelle as bandeiras de 24
de Maio; o exercito combatia á trechos frequentes, a esquadra não
apagava nunca os morrões de suas peças.
Após os recontros de Outubro e
Novembro as forças paraguayas se havião encerrado nas trincheiras; apenas uma ou
outra sortida, conspirada com as sombras da noite, salteava de improviso os
piquetes avançados do exercito, e logo batia em retirada, deixando alguns
mortos no campo e alguns feridos nas mãos dos vencedores.
Lopes, perdido o Tagy, tinha
atravessado o rio Paraguay, e abrindo estrada no Chaco até a foz do Tebiquary,
se evadira ao arrocho do bloqueio com o grosso de suas forças.
O mez de Janeiro de 1868
levarão-no os alliados em tiroteios; um d’elles avultou em batalha pela gloria
com que cingio o legendario brigadeiro barão do Triumpho e pela mortualha com
que o inimigo alastrou dos seus soldados o terreno da peleja.
A vanguarda da esquadra
rompêra viva canhonada contra as baterias do Humaitá; erão os encouraçados, os
heroes do Curuzú, que mandãvão suas balas, exploradoras tremendas, indagar,
batendo nas muralhas do monstro, se com efeito ellas erão vulneraveis ou si
alguma divindade escusa as havia temperado de inexpugnavel inflexibilidade.
Corria voz assustadora por
todo o exercito, pelo Brazil, pelas republicas alliadas, pela Europa mesmo, que
invulneravel de véras era o castello de Lopes!
A imprensa dizia: - Não ha
força capaz de bater o gigante! - representantes illustres de marinhas
estrangeiras repetião: - nem a esquadra da Inglaterra levaria de vencida
aquella garganta do inferno! - um official francez, M. Mouchez, exclamava: - o
Humaitá fecha hermeticamente o rio Paraguay! - por aqui não se passa! -
parecião dizer as 180 boccas de fogo da fortaleza; - por alli se passará? -
perguntavão os bravos, de Riachuelo e Curupaity!
Quando o enthusiasmo
alvoroçava os vencedores, que tinhão vindo precipitando o inimigo de derrota em
derrota até o acampamento do Tuyú-Cué, uma sombra toldava de subito o horizonte
illuminado pelos fogos do triumpho; era o Humaitá que a projectava! um echo
amortecia o estrepito dos hymnos nacionaes, era o reboar do canhão do Timbó que
o vibrava!
A fortaleza tinha um alliado
tremendo, mais forte que ella propria, o terror; a cabeça da Medusa fabulogica
estava escuplida em suas casamatas; sua estatura, como a de um phantasma visto
nos trances de um ephialta, se agigantava até o inverosimil, até o impossivel!
Era na realidade para temer-se
esse obstaculo erguido ás quilhas da esquadra e ás marchas do exercito: a
fortuna de um povo inteiro, sangrado pelo cutello dos despotas, comprara da
engenharia militar aquelle especimen de Malakoff; tudo quanto póde tornar uma
fortificação d’esse genero afoita ainda em frente de uma armada poderosa,
Lopes, o velho, e Lopes, o successor havião reunido alli!
Tambem, o primeiro se
estremecia de amor pelo monumento de sua philaucia e de seu poder; e o segundo
jurava aos deuses da guerra não receiar do universo, umo vez coberto com o
escudo, que lhe forjarão os cyclopes para a impunidade de seus crimes.
Era preciso, porém, passar o
Humaitá.
Demais se paralysava a
evolução invasora dos alliados em face d’aquellas baterias.
Duellar a canhão não bastava,
não havia victoria decisiva; apenas alguns mortos, alguns feridos, excoriações
mais ou menos graves; cumpria que houvesse contusão profunda, golpe de morte.
- Ao Humaitá! ao Humaitá! era
o grito de uma cruzada; o povo e o governo insistião; a propria honra das armas
brazileiras reclamava.
Bastava! não era fraqueza
d’animo o que retinha a esquadra, erão combinações de planos estrategicos,
apparelhamentos de condições preparatorias do grande comettimento.
Bastava! o valor dos generaes
e dos soldados não carecia de aculeo; assaz o havião demonstrado.
Á frente do exercito estava o
marquez de Caxias, uma velha dedicação e uma bravura moça; á frente da esquadra
o barão de Inhaúma, a heroicidade e o civismo de uma vida inteira; atrás
d’elles o patriotismo brazileiro pulsava nos peitos de milhares de heroes.
Ambos os chefes responderão ás
incitações: - si a marinha do Brazil não carece senão de audacia o paiz será em
breve satisfeito. -
Foi assim que disse o
almirante Villeneuve indo encontrar-se com Horacio Nelson nas aguas do
Trafalgar; mas, agora era Nelson que agredia, o Alagoas ia-se
transformar no Victory, e as glorias de Trafalgar no feito immortal da passagem
do Humaitá.
III
O marquez de Caxias e o
vice-almirante barão de Inhaúma traçárão um plano de ataque geral ás
fortificações inimigas: o marquez acommetteria o reducto do Estabelecimento entre
o Humaitá e Laurelles, a esquadra bombardearia a fortaleza, uma divisão de
encouraçados forçaria a passagem.
Na noite de 18 de Fevereiro
uma columna de 5.000 homens de infantaria, 2.000 de cavallaria e algumas boccas
de fogo ao mando do general em chefe, avançou sobre o flanco esquerdo do
Humaitá e tomou posição.
Deixemol-a em fórma fitando o
reducto com o olhar da aguia que mede o surto para arremetter á presa:
transportemo-nos á asquadra, vai comnosco o applauso da patria, que, se não
pôde reslembrar os bravos do Estabelecimento, não tem enthusiasmos bastantes
para os heroes da divisão avançada.
Grande era o alvoroço que
agitava a armada no dia 18 de Fevereiro; dentro de cada encouraçado palpitava a
onda irrequieta do ardor bellico; dentro de cada marinheiro latejava essa inquietação,
que excitão as conjuncturas mais graves da vida, e que é como o fervor do metal
fundido forjando-se em barra inflexivel: forjava-se de feito uma resolução em
todos os corações, a do denodo; compunhão-se energias para um devotamento, o
sacrificio do sangue em suffreagio a honra nacional.
Estavão todos aquelles
corações entre uma victoria e uma temeridade, entre um heroismo coroado de
exito feliz e outro heroismo sobre o qual as corôas que pairavão erão, não as
de louros festivos, porém, as funebres de goivos…
Entre os encouraçados mal
avultavão na exiguidade do porte tres munitores, que de data recente havião
jurado bandeiras; erão recrutas da vespera, porém, fado para invejar,
saudavão-nos já por benemeritos da patria!
Na noite de 13 esses pygmeos
se havião erguido gigantes diante de Curupaity, e no porto Elisiario tudo erão
ovações para celebrar tão promissorio baptismo de fogo.
Nem era só pelos trophéos que
ostetavão, que as vistas da marinagem convergião para elles, por um outro ponto
magnetico attrahião a attenção e a inveja também, fóra que o dedo do almirante
os assignalára com a honra eximia de se irem no dia proximo sepultar entre a
chuva de balas do Humaitá e a explosão dos torpedos do rio Paraguay!
Perto do Rio Grande, do
Alagoas e do Pará tres encouraçados de maior vulto se apercebião
igualmente para partir, erão como elles os eleitos do sacrificio, os
privilegiados da immolação.
O Humaitá estava alli a tiro
de canhão desafiando do alto do seu renome o esforço dos mais bravos; sabia-se
que o rio era tortuoso e esparcelado, que o canal roçava quasi as baterias que
a artilharia inimiga encadeava para desencadear em tempo uma tempestade de
balas, que sob as aguas embuscavão-se torpedos traiçoeiros, que enormes
correntes obstruião o passo; sabia-se que as couraças quebrão-se, que as chapas
varão-se, que as explosões submergem. não se ignorava ou não se pensava talvez!
que a temeridade tem um limite insuperavel na fatalidade da morte!
Mas, não importava! contra
tudo isso, essa pedreira talhada em ataúde, esse rio que vai porventura recusar
agua para a voga dos navios, essa chamma latente que se conchava com as vagas,
transgredidas as repugnancias naturaes, que lhes extremão e excluem os
elementos, contra tudo isso, e contra mais que fôra si preparavão os
encouraçados, monstros de ferro animados de armas de fogo, e consciencia do
dever, incude sublime na qual se tem temperado os mais gloriosos heroismos de
quantos a historia enrama com esse laurel, que jamais murcha, a admiração da
justiça!
Não importava! aquelle rio era
o caminho da immortalidade, sendo cavada de abysmos, mas levantada de
eminências grandiosas para quem se arrojasse a galgal-as; era a estrada
triumphal, ou fosse que désse no tumulo ou fosse que acabasse na victoria, os
materiaes com que se fabricão pedestaes para a posteridade lá se achavão aos
que os apanhassem nos pelouros, que a fortaleza ia vomitar, e nas insidias, que
se escondião no remanço tredo das onças.
A resolução estava feita nos
animos - a morte ou o triumpho -, inscrevendo-se uma ou outra dentro da mesma
esphera luminosa - a gloria pelo denodo!
O almirante ateára o
enthusiasmo; sua palavra lançada á 3.ª divisão d’aquella tribuna, que os raios
da guerra alumiavão, vibrara em todas as almas.
- “É preciso que o Charlestown
d’estas amaldiçoadas piagas fique reduzida ao silencio dos tumulos, e riscado
dos mappas em que o fazem dizer ao mundo - aqui não se passa! -; é o que vai
fazer a divisão brazileira ao mando do capitão da mar e guerra Delphim Carlos
de Carvalho”.
- É preciso -, repetião os
officiaes e a marinhagem da esquadrilha, e decidião-se a tentar; - é o que vai
fazer a divisão -, e esforçavão-se para vencer.
Ao cahir da tarde cada monitor
procurou o costado de bombordo do seu matalote: o Barroso com o Rio-Grande
na testa da linha, o Bahia com o Alagoas no centro, o Tamandaré
com o Pará fechando a vanguarda.
Arthur Silveira da Motta e
Antonio Joaquim, Gulherme José Pereira dos Santos e Joaquim Antonio Cordovil
Maurity, Augusto Cesar Pires de Miranda e Custodio José de Melle, e com as
insignias de chefe Delphim Carlos de Carvalho, eil-os ahi os officiaes aos
quaes foi commettida a honra do pavihão nacional diante do Humaitá.
- “E nós, disse ainda o
almirante, que ficamos em nosso posto de honra, cumprimos tambem nossos deveres
como militares e como homens de caragem e brio, e dizendo-lhes o adeus saudoso
da despedida, repitamos nossos gritos de guerra”.
As palavras do barão de
Inhaúma como que tinhão lagrimas, d’essas que um bravo sabe fazer evaporar ao
fogo do valor tão logo como brotem do peito: é que esse - adeus saudoso da
despedida -, o velho marinheiro receava talvaz que fosse o ultimo!...
IV
Era pela hora primeira do 19
de Fevereiro: a noite envolvia em sombras o horizonte, ao rutilos das estrellas
urdião por sobre o rio Paraguay uma têa de ouropel, como saio de doirada
filigrana revestindo o vulto de uma serpente de bronze.
Era a hora assignalada para a
partida da 3.ª divisão: os encouraçados desferrarão do porto Elisiario, e
travados aos pares, ferirão as ondas com as pás das helices.
O Bahia, o Lima
Barros e o Silvado se affrontavão já com as baterias de Londres.
A esquadrilha segue rio acima
em demanda do passo; não se ouve senão os murmurios mysteriosos da noite…
Calma presaga das tempestade,
o recolher para se retemperarem das energias do cyclone.
N’aquelles momentos como que a
morte carregava silenciosamente os canhões do Humaitá, da esquadra e de
exercito, e se antegostava do prazer da carnificina!
A esquadrilha segue rio acima;
além, ante o Estabelecimento á columna que vai dar o assalto
afigurava-se, debuxando na imaginação, o vogar surdo dos monitores e dos
encouraçados, protogonistas da jornada; além, no Tagy, além, no Curuzú no
Tuyú-Cué, além, onde quer que campeão forças brazileiras, a expectação com que
se alonga o olhar, que não póde vêr, com que se applica o ouvido, que nada
escuta, comprehende-se, mas não se descreve.
A voga dos seis navios é o
polo de uma atracção immensa, irresistivel.
O Barroso, avança
velozmente, tem a firmeza de uma resolução inabalavel, que se ia realisar, o Bahia
desgoverna porém, vai de encontro a terra, encalha; mas, dentro em pouco safa e
prosegue… Não é augurio ominoso tropeçar ao penetrar-se a liça de um combate, é
por vezes curvar-se para cortejar a victoria que se antevê; Cesar pensava
assim, assim provou-o.
Compõe-se de novo a marcha; o
silêncio é profundo e a expectação crescente..
São 3 horas: o Humaitá demora
já a tiro de canhão da esquadrilha; no entanto, apenas os murmurios da noite e
o ruido das helices.
A fortaleza faz como o tigre,
que deixa a presa approximar-se incauta, arma o salto na espessura do juncal, e
só arremete-te quando conta certo abatel-a sem resistencia.
Cada soldado em seu posto; os
morrões accesos; as pontarias enfiando talvez mathematicamente os alvos; porém,
silencio ainda…
São 3 horas e 35 minutos: a
divisão investe o canal.
Um estrondo horrivel, como o
desabar de um serro, atroou o espaço, um clarão immenso afogueou as sombras da
noite, as aguas do rio espadanarão em torno dos navios… era Humaitá que rompia
o duello.
A luva d’aquellas balas
devolve-a a esquadrilha; cada encouraçado despeja metralha sobre as baterias.
Começa a luta: de um lado uma sanha
louca de exterminio, do outro um intuito inquebravel de salvar as bandeiras e a
honra de uma patria, que sulcava alli com um punhado de bravos por cima de um
abysmo.
60 canhões vomitão mil raios
sobre a divisão; os pelouros batem nas couraças como graniso açoitado pelo
vendaval; as chapas estalão, fendem-se… a onda penetra o bojo das naves!...
As baterias, que se havião
feito revolver de bombas, raivavão em furia indescriptivel; mas, a divisão
sulca as aguas do canal… O delirio invadira os canhões da fortaleza: no rudir
de suas fauces flammivomas ha por vezes como que o arquejar epileptico do
energumeno: era a colera despeitada por não se poderem atirar elles mesmo como
projectis sobre os impossiveis encouraçados.. que sulcão as aguas do canal!
Espectaculo que se não
descreve!
Dentro de cada navie ha a
serenidade como que suicida do perigo no auge; a voz dos commandantes mal se
faz ouvir permeando a grita da canhoada - fogo e avante! - era o brado com que
tinhão jurado vencer ou morrer e com que ião passando mal feridos.
A cada momento a morte podia
vir; ella fincava as garras de fogo nas couraças; mas, não erão tanto essas
garras as mais para temer na situação, o que se receiava e o que parecia ja
tardar, era o embate com inimigo oculto nas vagas, era a explosão dos torpedos!
Expectaculo que não se
descreve!
O Chaco era um incendio; os
paraguayos atearão n’elle as chamas de immensas fogueiras para alumiar o
duello, e pôr mais em vulto o objectivo de seus tiros; entre os fogos da margem
e os fogos das baterias prosegue a 3º divisão sua estrada de heroismo.
- Na minha longa vida militar
nunca vi espectaculo tão grandioso! assevera o vice-almirante Joaqui José
Ignacio.
25 minutos durava o combate,
25 minutos de expectativa soffrega, suffocadora para a armada, para o exercito,
para a patria e para a historia.
São 4 horas: o estouro de um
foguete resôa além do Timbó.
Uma acclamação enorme faz-lhe
echo em torno de Humaitá; um viva! no qual se desentranha todo o enthusiasmo
sobreleva o ribombo do bombardeio!
Um outro foguete!... Ainda
outro!...
As acclamações tocam ao
delirio; o enthusiasmo tem convulsões da loucura; o Brasil é saudado por uma
tempestade de alvoroço patriotico; os bravos da divisão avançada são
victoriados por uma ovação igual na intensidade, na demasia ás sanhas do
Humaitá!
Era que esses foguetes
acabavão de escrever no ar, sobre a tela do fumo que o Paraguay estendera para
mortalha da esquadrilha um hymno de victoria!
Querião dizer, que os
encouraçados havião superado o abysmo, e que á salvo cahião nos braços do corpo
do exercito brazileiro, postado no Tagy.
V
Nos navios que deffrontavão
com as baterias de Londres, essa acclamação, esse enthusiasmo esfria
subito; o alvoroço regela, a ovação espasma!
Pois não vencemos? É mentira
esse triumpho?! É miragem sobre uma catastrophe esse sol de gloria?
Aguas abaixo, desvairando pela
corrente encapellada do rio, envolto em espumas das vagas, deriva um monitor da
divisão…
É o Alagoas!
Seme ha um cadaver, é um
heroi, que baqueou na luta.
Baqueou, mas ergueu-se, e
tanto, e tão alto, que offuscou com seu vulto a estatura digantesca de seus
rivaes em brios, em denodo!
Assim, o esmorecimento da
alegria foi curto, as acclamações recrudecem, o enthusiasmo mais caloroso e o
alvoroço mais vivo resurgem do que se afigurára uma catastrophe e foi a corôa
sublime do feito!
Contemos o episodio:
VI
Quando a 3.ª divisão desferrou
do porto Elisiario, o Alagoas seguiu com ella atracado fortemente ao
bombordo do encouraçado Bahia.
Pouco avança quando encalha,
estalando os cabos de reboque; novos viradores o ligão as escudo do matalote
com que se abraçara para affrontar a luta; desencalhado, prossegue…
Ás 3 horas e 25 minutos monta
a ponte de pedras do Humaitá e faz face ás baterias; a chuva de fogo o alcança,
o fere porfiadamente, mas, elle prosegue…
Ás 3 horas e 35 minutos,
transpondo as grossas correntes rompem-se ás balas inimigas os cabos de
reboque; desgoverna, vira águas abaixo…
Essas balas não o molestarão,
elle as agradecia; os canhões que as despedirão fizerão-se alliados de sua
gloria; um desgosto pesava insoffrivelmente na alma do 1.º tenente Maurity e de
seus bravos companheiros: era a sombra do encouraçado Bahia na qual se
eclipsava o pequeno monitor; aquella tutela era um jugo, porque o inimigo
estava ao lado e o perigo em frente! aquelles viradores que o atavão erão
grilhões, porque o protegião das ondas e dos pelouros, e elle era um navio,
isto é, um lutador das vagas, e era um navio de esquadra brasileira, isto é, um
lutador da guerra!
- Bem vindas as balas! disse
cada marinheiro dentro em si.
Aguas á baixo voltêa o Alagoas
até além da 1.ª divisão.
Orienta-se ao cabo de esforço
da manobra; navega em prôa ao navio almirante; vai receber instrucções talvez,
recebe-as de feito:
- Dê fundo!
Maurity empallidece. Dar
fundo! arrear bandeira quando outros batalhão! parar quando outros caminhão!
viver quando elles vão quiçá anniquilar-se! Quem dirá que o desgoverno do meu
navio não foi premeditado?! Não pódem amanhã accusar-me de ter fugido com medo
da gloria, porque avultava atrás do perigo?
O Alagoas não dá fundo!
Vai sepultar-se talvez na
vorage: não terá certamente força para arrostar só, isolado, o que se pregoa
impossivel a uma esquadra: porém, prefere ir morrer diante do Humaitá a
obedecer á ordem, que lhe intima a vida.
Aprôa de novo e caminha pela
corrente, que o desvairára.
- “Arrojos como esses só os
pratica um verdadeiro bravo! Deixemol-o seguir seu bello destino: Deus proteje
actos tão nobres -” era o almirante que perdoava a transgressão de suas ordens:
era Parker, que saudava Nelson, o rebelde de Copenhague.
Caminha o monitor: monta a
ponta de pedras pela segunda vez: mas abalroa com o Herval, desgoverna
ainda vira aguas abaixo até a 1.ª divisão.
A machina se revoltára contra
o homem, a arma contra o braço; o rio repellia a victima por muito somenos
talvez; mas, não havia obstaculos para o valor e tenacidade de Maurity: a
machina deve obedecer, a arma é uma escrava, o rio, se repulsa a victima, hade
aceitar o verdugo!
Pela terceira vez o monitor
investe em direcção ao Chaco: atravessa os redomoinhos das pontas de pedra, e
se arrasta até ás cadêas; a machina vai resistindo á força do piloto, porém,
vai vencida.
Ás 5 horas e 15 minutos
enfrenta com a igreja do Humaitá; o fogo das baterias o quer esmagar; de subito
parão as machinas, uma avaria as paralysa! Parecendo ao inimigo que fugia,
desgoverna ainda uma vez e deriva pela corrente até ir quasi encontrar a ponta
de pedras!
Rompe o dia: cumulo de
complicação a luz! mais um adversario, o sól!
O monitor parado é um alvo
seguro, facil; a claridade da madrugada o expõe ao esmagamento: assim, a
artilharia aponta e dispara freneticamente contra a perseverança suicida.
Ao estrepido das balas ferindo
as chapas a marinhagem repara as avarias da machina: a helice recobra o
movimento, e Maurity a esperança.
Pela quarta vez investe o Alagoas:
o despeito exaspera a fortaleza; exasperada faz fogo: - ao menos este ficará -,
e para que fique não poupa a actividade do odio, do desespero!
O monitor, porém, está
resolvido a não ser vencido onde seus emulos e camaradas forão vencedores:
responde como póde ao odio exterminador e cégo com o heroismo sereno do
patriotismo!
Investe e passa!
Pela pôpa já lhe ficão as
tremendas baterias; as ultimas balas, que lhe vomitão, morrem longe na ardentia
que rasga nas ondas.
São 7 horas: agora as margens
do rio não estrondão mais; as fortificações ficarão aquem; a uma e outra banda
numerosos rebanhos de gado disparão pelas campinas, concitados pelo ribombo da
tempestade mortifera, tão atroadora como nunca fôra a furia do vendavel nos
pampas nativos!
São 9 horas e 25 minutos; pela
prôa do lado do Chaco divisa-se uma barranca fortificada; novo inimigo!
Não importa! o monitor faz
agua por muitos rombos, porém, ainda ha munições; demais, não é provavel que
afunde antes de algumas horas!
Prosegue, deffronta-se com
fortificação; a barranca está disposta a vingar a vergonha do Humaitá; não frue
da fama de inexpugnavel, porém, para acabar com um adversario mutilado, agonisante,
basta ser forte.
Forte é com effeito; sua
grossa artilharia a fizera temivel a uma esquadra, muito mais a um pequeno
navio fulminado, porém de pé.
Dos projectis que arremessa em
saraivada 10 ferem! era muito, era demais! alguns d’elles, porventura todos,
baterão em chagas já abertas!
O monitor responde-lhe com
bombas e lanternetas e vai passando…
Passa a final!
Está mais ferido que d’antes,
porém, ainda com algumas reliquias de força para disputar por algum tempo a
existencia á submersão.
Está no atravéz das baterias
vencidas; salvo!
Ainda não! o inimigo não se
resigna a deixar seguir a impune o vencedor do inexpugnavel; os canhões
forão humilhados; - talvez o Alagoas seja invulneravel ás balas; mas,
póde ser abordado: abordado, lança-se tropa no convéz, e ao cutello e á clavina
succumbirá a tripulação!
Assim se faz: 40 chalanas
carregadas de paraguayos acomettem-no pela prôa e pelos dous bordos; grita
infrene, selvatica atrôa o espaço; são barbaros os que atacão, trazem arcos e
flexas, vem semi-nús; os filhos das selvas tem a sanha das féras de seus
desertos patrios: arremettem com os botes das onças dos sertões, saltão já no
convez!...
O navio marcha mal, não póde
acelerar o passo trepidante, a avaria ainda se faz sentir…
Maurity está no convez junto
da escotilha da coberta: - governa sobre as chalanas e fogo! - brada ao
practico e á guarnição: 3 canôas afundão com o choque do ariete; 3 outras
sossobrão despedaçadas pela metralha; a fuzilaria certeira e nutrida empilha
cadaveres no fundo das outras, e tinge de sangue o rio: as que se aproximão são
repellidas á sabre, á rewolvers; os que ousão abordar tambam fulminados!
Baldado o esforço, as chalanas
cahem aguas abaixo e buscão abrigo na barranca.
O Alagoas está salvo!
Mas aos inimigos ainda resta
uma esperança!
São 10 horas e 15 minutos: o
monitor monta o Timbó: era elle a esperança; bem fundada de certo! O
navio inflexivel vai disputar o ultimo combate com o derradeiro quadrado
da fortaleza inexpugnavel.
É horrivel a explosão do Timbó
vulcanisando-se para subverter o adversario; todas as coleras desvairadas das
outras baterias redobrão, multiplicão-se, transbordão aqui em erupções de
balas!
Tudo quanto arrostou e superou
o monitor é cousa pouca em confronto com o esforço diabolico em que se
desentranha a nova barranca para vingar uma serie de derrotas, e anniquilar
outra serie de triumphos!
Mas, o Alagôas não
podia ser vencido no ultimo passo de sua victoria, uma circumstancia inflamma o
enthusiasmo até o delirio na guarnição, avista-se o Bahia de longe, além
de Laurelles, o Bahia arquejante das convulsões da luta e mais do peso
dos louros, avista-se o Tagy, a multidão do exercito nacional apinhada nas
barrancas, saudando os heroes da passagem, avistão-se ainda as bandeiras
da patria como que victoriando-os tambem no tremular aos ventos.
As palmas da gloria estão tão
proximas, que fôra assaz doloroso morrer sem attingil-as; aquelle tremular dos
estandartes está vibrando a electricidade do patriotismo nas almas.
- Fogo e avante! - brada
Maurity com realentada voz.
O monitor dardeja metralha
sobre o Timbó, este retruca-lhe com uma cascata de fogo.
São 11 horas: está salvo o Alagôas!
d’esta vez, salvo, em que pese ao desespero importente das inexpugnaveis baterias!
Sôa o meio-dia, emquanto o
monitor encalha, batido por mais de 200 balas, junto á prôa do Bahia,
Maurity e seus immortaes companheiros depõem no altar da patria, presente sob
as bandeiras do exercito, os tropheos de uma das mais grandiosas victorias de
que já se orgulho um povo!
VII
Quando os ofguetes, nuncios do
triumpho naval do Humaitá, estourarão nos ares além de Laurelles, os 7.000
homens que o marquez de Caxias fizera marchar contra o Estabelecimento calarão
baionetas e levarão de escalada o reducto, e de vencida os paraguayos, que o
defendião.
O combate foi no entanto
renhido, mas, o despojo basto: a morte ou o aprisionamento de toda a guarnição,
e a tomada de 15 canhões.
O Estabelecimento foi uma
repercução da victoria do Humaitá, o enthusiasmo que ateou-se nos animos do
exercito incendiou as trincheiras inimigas.
Pouco depois d’esses feitos
houve entre o general em chefe dos exercitos alliados e o vice-almirante no
commando da esquadra o seguinte dialogo, inserto nos officios, que entre si
trocarão:
Barão de Inhaúma. - “Permitta
V. Ex. que em meu nome e no de todos os meus subordinados demos a V. Ex. e ao
brilhante exercito de seu commando os mais sinceros parabens pela victoria
alcançada no mesmo dia e na mesma hora em que nós marinheiros pelejavamos;
victoria, que por certo lhe vai dar em breve a posse de Assumpção e a
consequente terminação d’esta desastrosa guerra”.
Marquez de Caxias. - “O ousado
commettimento, que acaba de realizar a esquadra, a eleva a maior altura e
gloria, ella fez mais do que tem sido praticado pelas marinhas européas e
norte-americana!”.
Barão de Inhaúma. - “Se me
fora dado lançar n’este momento as dragonas de official superior sobre os
hombros do meu heroico camarada Maurity eu o faria com o maior dos
contentamentos; arrojos como o d’elle, concordara V. Ex., só os pratica um
verdadeiro bravo”.
Marquez de Caxias. - “Enche-me
de enthusiasmo impossivel de descrever o episodio do Alagôas: eu no caso de V.
Ex. teria tambem grande pezar de não poder transpôr as barreiras da lei
escripta para collocar sobre os hombros do bravo e joven commandante Maurity as
dragonas de official superior da armada”.
Barão de Inhaúma. - “Em nome
da nação brazileira, da honra e do brio louvo ao Sr. chefe da 3ª divisão, aos
bravos commandantes, officiaes e guarnições, que o acompanharão”.
Marquez de Caxias. - “Desejo
que os feitos do exercito possão merecer de V. Ex. e da esquadra, que passou o
Humaitá, sympathica approvação”.
Aos dois generaes,
representantes do exercito e da esquadra, abraçados e confundido seus louros na
jornada memoravel do 19 de Fevereiro, em nome da nação brazileira da honra e do
brio, a patria ainda hoje louva e agradece, - á um no repouso sagrado do
tumulo; ao outro sob as cans venerandas da velhice.
VIII
A passagem do Humaitá é, uma
das datas culminantes e gloriosas da campanha do Paraguay.
Não póde estar olvidado no
indifferentismo da geração, que lhe foi contemporanea e que lhe saudou com tão
entranhado ardor e pompas de orgulho o lustr com que cobrio os brazões
nacionaes; não poderá tão pouco ser esquecida pelas gerações vindouras.
Um povo que deslembra em curto
prazo as grandes dedicações e os grandes heroismos, que lhe exaltão e que lhe
exornão os timbres de suas armas, está em plena decadencia, d’essa que vai
precipitada ao fundo do abysmo de um exicio ignobil, porque começa por eivar a
alma, matando n’ella o sentimento que mais a acentúa e a exalsa, a gratidão
patriotica, que é um modo de ser do patriotismo mesmo.
Não, brilha á todo o
reconhecimento e admiração do sol do 19 de Fevereiro; aos raios d’esse astro de
gloria se refrigera das dôres que padece, e se alenta para as esperanças que
nutre, com o paiz em cuja historia elle explende.
Considerada de perto, aparte a
lente hyperbolica do enthusiasmo pela qual nos será perdoado tel-a visto e
discripto, a passagem das fortificações do Humaitá persiste um arrojo tão
temerario quanto heroico, tão heroico quanto feliz.
O valor dos que commetterão e
levarão ávante a empreza fica o que elle é, ainda desnudo das ramarias do
estylo com que acaso o queiramos enfeitas, fica um dos mais excelsos
testemunhos da impossibilidade e força de que é capaz, em hora dada, o coração
brazileiro.
Não apouca no merecimento dos
bravos, que perdurará intacto, considerar que entrou muito em nosso prol essa
como providencia, que tanto e tantas vezes tem aplainado espinhos e desviado
naufragios diante dos passos do Brazil.
Era bem provavel que Humaitá
redundasse em um desastre a despeito de toda a bizarria e pericia das armas e
da pilotagem: essa apprehensão atribulava todos os espiritos antes do triumpho,
e depois d’elle verificou-se, que bem assentes erão os receios, pois pouco
ficava aquem da fama quasi supersticiosa a realidade do perigo.
Mas, as causas justas tem um
alliado nato da justiça, que sendo a maior força moral, tarde ou cedo, porém,
indeffectivelmente em algum momento se traduz em victoria no mundo contingente.
A justiça embarcára na 3.ª
divisão; como estava no Amazonas em Riachuelo; como tem estado sempre
vigilante e protectora assistindo o direito e a prosperidade da terra de
Santa-Cruz.
O barão de Inhaúma
reconheceu-a e saudou-a: - “eu que tenho a fortuna de ser christão não
posso deixar de attribuir a mais decidida protecção do nosso bom Deos o tão
alto favor d’esse grande triumpho, que bem pouco sangue precioso de nossos
bravos companheiros nos custou”.
A reputação a que alteou-se,
ainda acima da que conquistara em Riachuelo e Curuzú a marinha brazileira,
acclamou-a a imprensa do Prata, a imprensa européa; ciumes recalcarão-se,
antipathias renderão-se para celebrarem em levantamentos de hymnos e encomios a
pagina magestosa, que os seis encouraçados nacionaes escreverão nos fastos
militares.
Na constellação onde fulgem
Salamina, Lepanto, Catana, Aboukir, Trafalgar, Navarino assignou-se lugar de
honra para o Humaitá.
O mundo soube, si o ignorava,
que o Brazil, como o Cincinnatus romano, póde deixar, quando cumpra, a relha do
arado agricola cravado na gleba de seus campos para sahir com galhardia á arena
em que esvoaçava a bandeira de seu pundunor!
Ainda bem, que foi quasi
incruenta, para os nossos bravos essa victoria!
Isso a engasta grandiosamente
no espirito do seculo XIX, que eleva tanto mais o triumpho quanto menos sangue
regou para vicejar os laureis, que o coroão.
O.
P.
Vitor Meirelles
(1832-1903), Assalto e ocupação de Curuzú. Litografia baseada em óleo,
Huascar litógrafo, edição de Fígaro, 50 cm x 70,50 cm (aprox.)
Rio de Janeiro, Museu
Histórico Nacional
I
Ainda nos ares se enovelava o fumo
dos fataes torpedos que tão desastrosamente submergiam o encouraçado - Rio
de Janeiro - e com elle o bravo 1.º tenente Silvado, o 2.º tenente Coelho e
sessenta e duas praças da guarnição; e já doforte Curuzú rompia incessante fogo
de artilharia e fuzilaria contra o 2.º corpo do nosso exercito que, ao mando do
general Porto Alegre e por entre macegas em chamas, ia ousado tomar posição em
frente ao inimigo e ahi, a fé firme, aguardar o dia seguinte, 3 de Setembrp, em
que a historia tinha de registrar mais um feito brilhante das armas
brazileiras.
A noite decorreu morosa e fria
como soem correr, em taes circumstancias, as horas plenas de anciedade e
perigos.
E que tremendas horas
aquellas! De um lado a vida, as honras, a victoria: de outro a derrota, a vergonha
e a morte! De um lado os risos, os vivas e os hymnos: de outro as lamentações,
os gemidos e as lagrimas! A esperança e a incerteza, o calculo e a duvida, o
sonho e a realidade!
Com que violencia não pulsavão
os corações, com que anciedade não offegavão os peitos!
Em balde alongavão-se os
olhares pelo espaço: tudo era trevas - trevas da noite, trevas do futuro. Os
successos, como os horisontes, erão impenetraveis. Ao olhar humano nada era
dado devassar.
Os 8,300 homens, de que se
compunha o 2.º corpo do exercito, alli estavam em frente do forte Curuzú, como,
outr’ora, o gladiador romano em face do contrario antes do signal dado para o
começo da luta.
No meio desses milhares de
cabeças uma havia, mais que qualquer outra, que velava e meditava: era a do chefe.
Sobre o aguerrido general pesava immensa responsabilidade. A Historia e a
Patria o esguardavão immoveis e silenciosas como o infinito.
Uma - a Patria, confiára-lhe oito
mil filhos e a dignidade de sua bandeira; outra, - a História, apontava-lhe o
passado, desenrolava-lhe ante os olhos as paginas dos feitos de Moron, que, não
lhe era mais dado desmentil-os.
Quem pudesse nessa noite
memoravel devassar o que se passava no espirito do velho guerreiro - que
episodio sublime não escreveria na epopeia do heróe!
Que de projetctos, que de
triumphos, que de sonhos não nascião e esvahião-se naquelle cerebro como
luminosas scentelhas electricas que fulgem e fogem em um céo, ermo de
estrellas, em noite de caliginosa tempestade!
Quantas vezes não caminharia
elle prompo, cheio de coragem como quem se apressava a colher os virentes
louros que lhe estendia o anjo das victorias; e quantas tambem não pararia
irresoluto, vacilante, como quem deante de si via erguer-se fatidica a mão do
exterminio! Quantas vezes não escutaria enlevado os hymnos do vencedor, e
quantas tambem, cheio de consternação, não ouviria as lamentações do vencido!
Cada hora, cada minuto, cada
instante era para elle um dia, um anno, uma vida inteira!
O passo tardo, pesado e surdo
da sentinella, o tinir da arma annunciando - alerta, - o ciciar do vento entre
a folhagem, e o lugubre piar da ave nocturna, tudo emfim, era para entibiar
animo o mais resoluto e desilludir esperanças as mais bem nascidas. No entanto,
o veterano da Independência, que, dispensando-se dos gozos da reforma que no
lar querido fruia cheio de doçura, empunhára de novo a velha espada para com
ella vingar os brios da patria, alli estava de pé, calmo, firme, em seu posto
de honra como quem, conscienciosamente cumpria o seu dever.
A noite avançava, fria e
serena como a fatalidade. Escoavão-se as horas, e o dia do porvir aproximava-se
cada vez mais.
Se o exercito brazileiro
velava, tambem mais tranquilla não descançava a guarnição do forte. Os inimigos
que, no correr do dia, sustentarão vivissimo e inimterrompido fogo com os
nossos, occupavão-se, durante a noite, em reunir elementos de deffesa e
destruição.
Não menos corajosos e
intrepidos que os nossos soldados, os paraguayos supprião o patriotismo que
inspira a liberdade, pela obediencia que impõe o servilismo.
O forte Curuzú, guardado por
3,000 homens, era um reducto digno de respeito não só pela sua construcção
solida e feita sob todos os preceitos da architectura militar, como tambem pela
avantajada posição em que se achava colocado e pelas ires bocas de fogo que o
deffendião por todos os lados.
A guarnição do forte era, em
geral, composta de gente escolhida, dextra e de ha muito tempo descançada, o
commandante não era destituido de valentia e nem de todo ignorante na difficil
arte da guerra.
Melhor estréa não podia, pois,
fazer o 2.º corpo do nosso exercito. Em seu primeiro combate não se ia haver
com destroçados pelotões e gente bisonha, não tinha de atacar nenhum
desmantellado reducto nem escalar muradas de improviso: ao contrario, deante de
si tinhão os estreantes muralhas solidas, e um forte respeitavel guarnecido por
soldados aguerridos e bem disciplinados.
Dizia-se geralmente, mas era
uma calumnia e calumnia - que em vez de desmerecer o exercito inimigo só servia
para amesquinhar as nossas victorias - que os batalhões do exercito de Lopes
erão compostos de mulheres, velhos e crianças, nús e esfaimados! Não era
exacto: e nem podia sel-o pois que uma nação, qualquer que seja, não póde
exclusivamente compôr-se desses tres elementos, e nem o dictador do Paraguay
seria tão estulto que a taes mãos, entregasse uma causa que era, como foi para
elle, de vida e morte.
A população da capital do
imperio teve muitas vezes occasião de vêr os prisioneiros, que de lá vinhão;
não erão Hercules, é certo, mas muito menos pigmeus; não desmerecião ao lado
dos nossos soldados senão quanto ao garbo e uma certa vivacidade de movimentos
que tem todo aquelle que não é obriigado a simular o que sente. Um povo livre
sempre tem mais vida, mais emthusiasmo, que um povo escravisado e subjeito á
disciplina tyranica do despotismo.
Os soldados paraguayos erão,
na maior parte, moços, corpulentos e robustos; avançavão com coragem, batião-se
com denodo e morrião com heroismo. Se erão ou não inspirados pelo fanatismo é o
que não podemos affirmar; mas que se dedicavão cegamente á causa que deffendião
demonstrarão-n’o elles por tantas vezes quantas se empenharão nas renhidas e
cruentas batalhas nas quaes, posto que para gloria nossa sahissem quasi sempre
vencidos, derão exemplos de não vulgar heroismo e coragem.
II
A noite do dia 2 de Setembro
foi cheia de perigos e trabalhos; o corpo provisorio d’engenheiros, sob o
commando e direcção do major Rutino Eneas Galvão, occupou-se afanosa mente
levantar trincheiras para abrigo do exercito.
Eis como a parte do major
Rufino, dirigida ao então ministro da guerra Angelo Muniz da Silva Ferraz,
descreve esse feito do brioso corpo d’engenheiros do qual era elle tão dignno
chefe.
“Em virtude da ordem de S. Ex.
o Sr. general em chefe, marchei para a frente afim de reconhecer as posições do
inimigo, indo commigo o capitão d’estado maior de 1.ª classe Julio Anacleto
Falcão da Frota, membro desta commissão, e excercendo interinamento o lugar de
secretario-militar, que havia-se offerecido para esse serviço”.
“O commandante do batalhão
11.º de linha, que ia na frente, destacou-se - logo que avistamos a bandeira do
inimigo - uma guerrilha, trocando-se em seguida tiros entre ella e o inimigo;
porém dentro em pouco dirigio-nos este tiros de metralha, resultando diversos
ferimentos, sendo alguns graves”.
“Nossa posição era má, porque
a brigada achava-se estendida epal estreita picada pela qual enfiava o inimigo
seus tiros”.
“Aquele batalhão e o 8.º de
voluntarios da patria, sahirão da picada e estabelecerão-se para a direita em
uma garganta que depois vio-se que dava em um campestre”.
“Logo que chegou o batalhão
provisorio de engenheiros tratei de levantar com o referido capitão Frota uma
trincheira que, cortando a picada, impedisse que o inimigo nos surprehendesse”.
“Ás 4/2 horas da tarde, quando
S. Ex. o Sr. general em chefe dirigio-se a esse lugar dei-lhe parte do
occorrido, e recebendo ordem do mesmo Exm. Sr ás 7 ½ horas da noite para
escolher uma posição, afim de n’ella construir um espaldão para assestar nossa
artilharia, marchei pelas 8 horas com os outros membros da commissão, que
tinhão-se apresentado ao mesmo Exm. Sr. logo que desembarcarão, segundo
foi-lhes determinado, sendo a commissão na escolha desse ponto muito auxiliada
pelo incansavel tenente-coronel Astrogildo Pereira da Costa”.
“Ficamos a nossa posição além
dos piquetes avançados, pedi um batalhão de infanteria para proteger os
trabalhos de engenharia, aos aques dei começo antes das 10 horas da noite; e
pouco depois das 4 horas da madrugada achando-se prompto o espaldão, constando
de cinco canhoneiras, entreguei-as ao commandante do batalhão 36º de
voluntarios da patria, que esteve de protecção aos trabalhos, mandando retirar
o batalhão provisorio de engenheiros, que muito trabalhou”.
“Durante a noite o inimigo
lançou fogo em diversos pontos ao redor do nosso acampamento que esteve
ameaçado de ser devorado pelas chammas, se o vento fresco que soprava não tivesse
rondado e se não nos tivessemos esforçado em mandar extinguir o fogo em frente
ao lugar onde a commissão levantava o espaldão”.
“Nesse serviço estiverão
sempre commigo os capitães Francisco Xavier Lopes de Araujo, Francisco Antonio
Pimenta Bueno e Antonio Villela de Castro Tavares; o primeiro do corpo de
engenheiros e os dous ultimos do estado-maior de 1ª classe, bem como o 1º
tenente de engenheiros Vicente Pereira Dias e o 1º tenente de artilharia José
Arthur de Murinelly, todos membros desta commissão, que não se esquecerão um só
momento de seus deveres, e trabalharão durante a noite com muita dedicação”.
III
Raiou emfim a desejada aurora.
O dia 3 de Setembro de 1866 surgio
do cháos do porvir, e o futuro, até então incerto e duvidoso, começou a
desenhar-se nos horizontes da vida.
O toque da alvorada resôou
sonoro pelas campinas e florestas. A soldadesca ergueo-se lesta, tocou-se a
postos, unirão se as companhias e formarão-se os batalhões.
Ás frescas brisas
desfraldarão-se os auri-verdes pendões, alegres hymnos saudarão o novo dia e os
guerreiros beberão a largos haustos as auras matinaes.
Ás 6 horas o inimigo ropmpeu
vivissimo fogo de artilharia contra as nossas improvisadas fortificações; a
esquadra, do rio, e o exercito, de terra, acudirão promptos a responder ao
cumprimento da manhã.
O canhoneio, de parte a parte,
nada houvera a invejar. O forte Curuzú atirava com rapidez e certeza, a
esquadra respondia com vigor, e as baterias de terra fazião-lhe honra.
Apoz uma boa hora de
metralhada, o general Porto Alegre enviou aviso ao almirante Tamandaré que
fizesse cessar o fogo da esquadra.
Ia-se começar o assalto.
Separada a divisão de
infateria em duas columnas, foi entregue o commando da que devia operar pela
direita ao brigadeiro Alexandre Manoel Albino de Caravalho e pela esquerda ao
brigadeiro Joaquim José Gonçalves Fontes.
Duzentos homens a cavallo, sob
o commando do major Vasco Pereira da Costa marchavão na rectaguarda, para
obstar qualquer movimento de flanco que, porventura, o inimigo quizesse
emprehender.
Os clavineiros e lanceiros da
3ª divisão que, por falta de cavallos marchavão a pé, commandados pelo coronel
Manoel Lucas de Lima, servião de reserva e devião acudir aos pontos que, pelas
circumstancias do combate, exigiessem promptos soccorros.
Guardava a rectaguarda uma
força de cavallaria da guarda nacional do Rio Grande do Sul.
Emquanto se punha o exercito
nessa ordem, as baterias do nosso espaldão continuavão a sustentar fogo de
artilharia com o forte inimigo, que já então havia soffrido algumas avarias
produzidas pelos tiros da esquadra.
Assim disposto o 2º corpo do
exercito, em linha de tabalha, marchou para o reducto. A guarnição paraguaya
vendo avançar as nossas hostes redobrou de actividade enviando contra ellas
repetidas cargas de artilharia e fuzilaria.
Por algum tempo marcharam os
nossos homens com a lentidão e regularidade que em taes casos requer a
prudencia e o sangue frio; até que chegado o preciso momento, á voz de seus
commandantes, galgarão rapidos o espaço que os separava das muralhas inimigas.
A vaga irada que do seio do
oceano se ergue em noite de tempestade, e que espumante e bramidora,
elevando-se a prodigiosa altura, desaba sobre o costado de um navio fazendo-o
em mil pedaços, não é nem mais imponente, nem mais medonha do que foi aquella
mole de corpos humanos precipitando-se contra o inexpugnavel reducto.
Ao vêr-se, de longe, esse
exercito avançando com tão vertiginosa rapidez, acreditar-se-hia que um
descomunal pampeiro levantado do solo enormissima tromba de areias ia suffocar,
sob espessas camadas, aquella fracção do territorio paraguayo.
Espetaculo mais
horrido-sublime não se offereceria, por certo, aos olhos de quem nesse momento
contemplasse o combate que ia dar-se entre aquella mole humana e as rigidas
muralhas de Curuzú.
Ao approximar do reducto, o
general Porto-Alegre ordenou que cessasse o fogo da nossa artilharia e
immediatamente mandou tocar a avançar a marche-marche.
Possuidos do mais patriotico
ardor e inexcedivel coragem, os nossos soldados lançárão-se ao forte como um
bando de esfaimados leões contra um rebanho de bufalos selvagens.
Recebidos a ponta de lança, a
golpes de machado, a carga de baioneta e de fuzilaria á queima-roupa, a nossa
gente cahia, morta e ferida, como basta messe ao roçagar de cegadora fouce.
Cabeças sem corpos, corpos sem
cabeça, braços, pernas, troncos mutilados epalhavão-se no solo como fructos
maduros ao sacudir do tronco por mão robusta e fera.
Os batalhões de voluntarios da
patria 29º da Bahia e 34º do Pará forão os primeiros que tocarão as
trincheiras. Rapidos vadearão os fossos. Servindo as costas de uns de escadas
para outros, com denodado valor, galgarão os parapeitos, e antes de recobrados
da maxima impressão já os paraguayos cahião crivados pelas nossas baionetas.
Ao capitão Marcolino, homem
preto e natural da Bahia, coube a gloria de ser o primeiro assaltante que pisou
dentro do forte.
O tenente-coronel Astrogildo,
do Rio Grande do SUl, de lança em punho, contornando a trincheira inimiga até
encontrar a entrada do forte, penetrou nelle, só, a cavallo. raio de morte, seu
armado braço, possante e adextrado, cahio sobre a guarnição paraguaya como o
anjo do exterminio. As patas de seu brioso corcel esmagavão cabeças que a
invencivel lança abatia vencidas.
Batidos por todos os lados, os
inimigos tratavão de saltar-se, abandonando o forte e fugindo em magotes
desordenada e desesperadamente.
O brigadeiro Fontes vendo-os
fugir, lançou-se-lhes ao encalço com um troço de bravos que tão longe levarão
com elle a ousadia, que chegaram até a vista das trincheiras de Curupaity,
d’onde retrocederão, em numero de cem, exaustos de forças e munições.
O tenente-coronel Lima e Silva
honrou o nome que tão dignamente usa; o major Lopes, commandante do 11º de
linha e tenente-coronel José Antonio Corrêa da Camara fizerão prodigios de
valor.
Ao penetrarem os batalhões no forte
cahio mortalmente ferido o intrepido 1º tenente Vicente Pereira Dias e pouco
depois foi tambem ferido gravemente o capitão Francisco Antonio Pimenta Bueno,
ambos officiaes d’engenheiros que, além dos pesados trabalhos que durante a
noite supportarão levantando o espaldão, distinguirão-se nobremente no ataque,
avançando na vanguarda tão denodadamente que com seu sangue baptisarão aquelles
feitos.
Ao lado do visconde de Porto
Alegre cahio morto um dos seus officiaes, o que não impedio que o indomito general
proseguisse ávante, sendo sempre o primeiro a correr aos lugares onde mais
empenhada e decisiva se monstrava a luta.
Em hora e meia o forte de
Curuzú, reputado quasi como inexpugnavel e no qual Lopez tanto baseava o seu
plano de defeza, foi assaltado e tomado pelo 2º corpo do nosso exercito, cujo
commandante em chefe se mostrou nesse dia em tudo digno da reputação que de ha
muito gozava, e não menos dos bravos que assim soubera conduzir á victoria.
Para comprovar o denodo e a
valentia com que foi dirigida e executada esta cção, basta dizer-se que em tão
curto espaço de tempo tivemos perto de 1,000 homens fóra de combate.
É indiscriptivel a valentia
com que os nossos atacarão o forte de Curuzú; “desde o general em chefe, diz um
correspondente de Buenos-Ayres, ao ultimo soldado, não houve quem não quizesse
ser o mais bravo nesse dia. Os commandantes de divisão e de brigada, que a
principio tratarão de enthusiasmar as tropas, tiverão de empenhar-se depois em
conter seu excessivo ardor, o que fez com que o assalto fosse dado com tanta
precisão como efficacia”.
As perdas do inimigo forão
avultadas. Mais de 800 paraguayos ficarão sem vida, contando-se no numero
destes o major Avalos que commandava o forte.
As peças tomadas forão em
numero de 13, sendo: uma de 68, duas de 32, quatro de ferro de 12, uma longa de
bronze de 9 e cinco de bronze de 4 a 12.
Além da bandeira que tremulava
na bateria cahirão mais duas em poder dos nossos, bem como muito armamento e
munições.
IV
Curuzú estava emfim vencido;
esse baluarte que por tanto tempo se oppuzera ao proseguimento da guerra estava
desfeito. Ao general Porto Alegre cabia essa não pequena gloria.
“A tomada de Curuzú, diz o
supracitado correspondente, póde-se considerar com um dos feitos mais completos
da guerra do Paraguay, porque com ella se conseguirão todos os fins que se
tinhão em vista”.
“O primeiro era, - tomando um
ponto na costa do rio Paraguay, sobre o flanco do exercito inimigo - tirar-lhe
o forte apoio do rio para a sua direita; o segundo fazer com que o nosso 2º
corpo de exercito, vindo collocar-se á esquerda do 1º, ligasse a esquadra ao
campo dos alliados, formando assim uma linha offensiva muito superior a toda a
frente do inimigo; o terceiro era apossar-se da primeira fortificação do
littoral do Paraguay, que, demorando a meia legua de Curupaity, servisse de
base de operações para o ataque que se levasse contra aquelle forte”.
“Tudo isso foi plenamente
alcançado, e além do prejuizo material causado ao inimigo, o facto de perder
elle a sua primeira trincheira com toda a artilharia leva-lhe muita
desmoralisação á defesa de suas linhas”.
“Tão importante e tão gloriosa
como foi essa acção para as armas brazileiras, seus effeitos sobem de ponto se
se considerar a continuação necesaria que ia ter”.
E assim foi; no dia 4 o
general Polydoro, commandante do 1.º corpo do exercito, chegou a Curuzú para
felicitar o visconde de Porto Alegre pela brilhante victoria que acabava de
alcançar e ao mesmo tempo combinar o andamento das operações contra as linhas
inimidas.
A 7, o 2.º corpo do exercito,
tendo protegido seu flanco direito com trincheiras na previsão de algum ataque
que o inimigo podesse trazer-lhe com forças superiores, tinha collocado suas
avançadas em frente do Curupaity, começando, por agua, o bombardeamento da esquadra.
Nesse mesmo dia o general
Mitre teve uma conferencia com o Sr. Conselheiro Octaviano, ministro
plenipotenciario do Brazil, e os viscondes de Porto Alegre e Tamandaré.
A 13 embarcou em Itapirú o
general Mitre com o exercito argentino de 4,000 homens e seis batalhões
brazileiros, commandados pelo coronel Paranhos, e incorprando-se ao 2.º corpo
do nosso exercito formou um pé de 16,000 homens.
Tudo parecia predisposto para
um proximo e decisivo ataque, mas assim não aconteceu. Sempre que o general
Mitre assumia o commando em chefe das tropas as delongas e adiamentos deixavão
a campanha cahir em completa inacção.
Passaram-se dias e dias, até
que a 18 de Setembro os generaes Flores e Polydoro, receberam ordem de Mitre
para atacarem Tuyuty, dispondo se elle por sua parte a atacar mais tarde
Curupaity. Era justamente o contrario do que havião em conferencia de generaes
combinado!
Dessa inexplicavel modificação
de plano feita por Mitre resultou o revez que soffrerão as armas aliadas em
Curupaity.
Adiado por muito tempo o
ataque a essa fortificação, assentou-se afinal em effectuar-se no dia 17 de
Setembro, o que não permittio a chuva que nesse dia cahio em torrentes.
Depois de novos
reconhecimentos determinou-se o dia 22 desse mesmo mez para dar-se o ataque
diffinitivo a Curupaity.
Logo pela manhã, aproveitando
o tempo claro e fresco que fazia, os navios Brazil, Barroso, Bahia,
Tamandaré, Belmonte, Parahyba e Henrique Martins, 2
bombardeiras e 2 morteiros em chatas romperão fogo do rio, que durou por muito
tempo, sem porem se reconhecer o resultado em razão de uma espessa mata que se
interpunha entre a esquadra e o forte.
Dispunha Curupaity de 56 bocas
de fogo, sendo algumas de 68 a 32 e outras de 12, 6 e 4; dous reductos nas
extremidades da linha cruzavão com efficacia seus fogos; esses reductos erão
deffendidos por um fosso largo e profundo.
A pequena distancia desses
fosses havião abatizes; á esquerda um matagal e á direita um enorme
pantano.
Apenas começou por agua o
bombardeamento, o exercito de terra, formou-se em quatro columnas, sendo a da
esquerda commandada pelo brigadeiro Gonçalves Fontes, a do centro pelo
brigadeiro Albino de Carvalho, e as outras duas columnas, que erão argentinas,
sob o commando do general Paunero. A primeira columna atacaria a extrema
esquerda do bluarte e a segunda ficar lhe-ia de protecção.
Ás 8 horas e meia mandou-se
avisar a esquadra, que tomou nova posição proseguindo no fogo ao qual respondia
o forte com energia e violencia.
Avançou então o corpo do exercito,
atacando a columna esquerda o flanco direito do entrincheiramento inimigo, ao
passo que a segunda columna atacava o flanco esquerdo. Uma columna de
infantaria argentina, apoiada por outra de reserva, batia o centro.
Intrepido e arrojado foi o assalto,
tenaz a resistencia; as columnas de ataque erão recebidas com rigoroso fogo
tanto de bombas de grande calibre como da infantaria, que guarnecia os
parapeitos do entrincheiramento; ellas porém investião com grande valor e em
pouycos momentos cahio em seu poder a primeira linha do entrincheiramento
inimigo, que consistia em um fosse de 12 palmos de largo e 10 de profundidade,
guarnecido de artilharia de campanha, sendo esta retirada immediatamente para
nossa rectaguarda.
Ás 11 horas o almirante deu
ordem para se romperem as estacadas, afim dos encouraçados Brazil, Barroso
e Tamandaré baterem as trincehiras paraguayas o que não conseguirão
efficazmente em consequencia da grande altura das trincheiras.
Não podião atirar por elevação
porque desse modo offenderião gravemente o nosso exercito; alguns tiros, que
tentarão, produziram alguns estragos em nossas fileiras.
Os garibaldinos de S. Fidelis,
que estavam no Chaco, causarão grande damno ás baterias paraguayas das
barrancas.
Passando a estacada a esquadra
teve de cessar fogo.
Depois de occupada a primeira
linha inimiga, esbarrarão os nossos com o mais forte entrincheiramento de
Curupaity.
Era elle de primeira ordem;
constava de uma enormissima muralha, ligada pelas extremidades aos baluartes, e
tanto estes como aquellas, guarnecidas de artilharia de grosso calibre; tudo
circundado por um fosso de 27 palmos de largura e 18 de profundidade.
A vista dessa formidavel
fortificação longe de intimidar os nossos - a artilahria que sem cessar
vomitava sobre elles chuva de balas, em vez de fazel-os recuar, parecia que
mais os animava e attrahia ao renhido e sanguinolento assalto.
Possuidos do maior
enthusiasmo, inspirados pelo anjo das victorias avançarão os nossos bravos
áquele fortissimo entrincheiramento com tanto denodo, firmeza e audacia que o
teriam levado de vencida se obstaculos imprevistos não se oppuzessem á
realização de tão arrojado quão glorioso feito. Um grande banhado, insuperavel
por meio de abatizes embargou os passos áquelles intrepidos soldados.
Em presença de tantas
barreiras, quer naturaes quer levantadas pela mão do homem, impossivel era
levar assim de assalto tão grande e tão potente baluarde, no qual o inimigo
havia concentrado a melhor e maior parte de suas avultadas forças.
Quarenta bravos das nossas
fileiras conseguindo, apesar de tamanha e tão victoriosa resistencia, penetrar
no forte, apoderarão-se de quatro bocas de fogo; mas, victimas illustre de tão
ousado quão pratiotico arrojo, succumbiram na luta que travarão braço a braço
contra massas compactas de inimigos, que sobre elles cahirão como uma torrente
impetuosa sobre relvados campos, que tudo esphacela e esmaga sob sua espumante
e indomita passagem.
Era impossível ir mais longe e
combater-se por mais tempo: mandava a prudencia e o criterio que se recuasse em
regra para não perder-se todo o exercito, que ainda sob tantos revezes se
mostrava animado e disposto a manter-se firme por muito tempo ainda.
Tocando-se então a retirada,
operou-se ella na melhor ordem possivel, carregando-se não só os feridos como
os mortos, sem ousar o inimigo sahir de suas linhas e perseguir-nos.
Emquanto se sustentava o
assalto de Curupaity, o general Flores, com a sua cavallaria, pela esquadra do
entrincheiramento de Riojas, internava-se tão ousadamente que chegou até aos
hospitaes do inimigo, a uma legua de distancia de seu entrincheiramento. Ahi
encontrando um piquete paraguayo bateu-o completamente. Sabendo, porém, do que
se passava em Curupaity, retirou-se para evitar que fosse cortada a sua
rectaguarda.
O general commandante do 1º
corpo do exercito também não perdia o seu tempo; durante o dia bombardeava com
suas forças o inimigo, conservando-se sempre promtpo a atacal-o vigorosamente
caso para isso se lhe deparasse oppurtunidade.
O ataque de Curupaity foi uma
operação malograda, é certo: mas não mariou o brilho das nossas armas; antes
pelo contrario, deu occasião a que mais uma vez dessesm os nossos bravos
soldados uma das bellas provas, que na campanha do Paraguay exibirão, de muita
constancia, valor e disciplina. Batendo-se contra aquellas formidaveis
trincheiras patentearão ao mundo que sabem desprezar a morte quando se trata da
honra da patria.
O feito de 22 de Setembro
posto que não lograsse o almejado fim, deve ser comtudo reputado, como
reconhecimento militar a viva força, um dos mais brilhantes das armas
brasileiras. Não foi certo vencer-mos, mas não fomos vencidos!
A retirada operou-se com summa
felicidade. Não perdemos um palmo do terreno conquistado ao inimigo, nem
ficaram prejudicadas as posições anteriores tomadas.
Foi um combate renhido e
sangrento como poucos contão as armas da memoravel campanha do Paraguay.
Tivemos do 2º corpo do nosso exercito 1,900 homens fóra de combate, sendo
mortos 34 officiaes e 344 praças de pret, feridos 119 officiaes, 1,261 praças
de pret, contusas 48 officiaes e 94 praças de pret.
A força argetina contou mais
de 1,500 homens fóra de combate, entre mortos e feridos; notando-se entre estes
o coronel Rivas e no numero daquelles os coroneis Cuarlan, Dias e Reneti.
As perdas do inimigo não forão
somenos; avalia-se em cerca de 2,000 homens cahidos entre os que receberão
leves e graves ferimentos ou a morte.
V
O desastre de Curupaity
entristeceu o 2º corpo do exercito que tão brilhantemente estreara na tomada de
Curuzú, mas o animo patriotico do bravo general Porto-Alegre em nada arrefeceu
com tal successo, ainda que no intimo d’alma lhe sangrasse dolorosamente ver
assim voltar a Curuzú os companheiros da gloriosa jornada de 3 de Setembro.
De volta ao campo desta
brilhante e immorredoura victoria, dirigio elle a seu exercito esta proclmação,
em que cada linha transparece o nobre enthusiasmo e o amor da patria que se
aninhavam naquelle peito de verdadeiro soldado e cidadão.
“Soldados! Reconhecer e tomar,
se fosse possivel, a posição de Curupaity foi o nosso empenho na jornada de 22
de Setembro.
“O estandarte brazileiro não
tremulou nos muros daquelle forte, mas ainda assim bem merecestes da patria,
que solicita vos contempla.
“Cincoenta e oito bocas de
fogo, convenientemente collocadas e 13,000 homens de infantaria arremeçavão-nos
abobadas de balas.
“Os insuperaveis fossos,
revestidos com os accessorios que a arte ensina, davão animo aos escravisados soldados
do tyranno Lopez. Sobre essa posição assim artilhada, investistes com denodo.
“Ao vosso lado pelejavão os
valentes argentinos; elles e vós cumprirão com admiravel intrepidez o
sacrificio que a patria exige, que a honra ordena e a liberdade espera.
“Muitos dos nossos
conterraneos encontrarão morte gloriosa sobre as ultimas baterias inimigas!
Honra a esses bravos, cuja memoria jámais perecerá.
“O vacuo de vossas fileiras
attesta com eloquencia irrespondivel quão mortifera foi a peleja, e o vosso
denodo conteve o inimigo em suas posições, observando admirado a mais tranquila
das retiradas. Quatros horas tinha durado o combate.
“Soldados! Ainda quando o
movimento do dia 22 podesse ser considerado um - revez para as armas aliadas -
elle retemperou os nossos animos sem diminuir o brilho das nossas armas. Os
bravos que tomarão parte naquelle glorioso combate podem com arrogante altivez
dizer ao mundo: - em Curupaity ficou ilesa é certo, mas nem por isso deixou a
infelicidade do successo de influir fatalmente no proseguimento da campanha e
no animo do exercito que, por tibieza de alguns generaes-shefes, cahio de novo
em profunda apathia; ficando o 2º corpo acampado em Curuzú, reduzido á simples
deffensiva.
A honra da bandeira nacional
ficou ilesa é certo, mas nem por isso deixou a infelicidade do sucesso de
influir fatalmente no prosseguimento da campanha e no animo do exercito que,
por tibieza de alguns generaes-chefes, cahio de novo em profunda apathia;
ficando o 2º corpo acampado em Curuzú, reduzido á simples deffensiva.
Os paraguayos reconquistando a
perdida coragem, levantarão entre Humaitá e Curupaity novas fortificações
guarnecidas de desoito peças de 68 e 32, e cheios de audácia passando da
deffensiva á offensiva, atacarão as avançadas do 2º corpo com um tiroteio
vivissimo e, posto que repellidos galhardamente, nem por isso deixarão de
dissimar aquelle corpo de modo que, em fins de Outubro, achava-se reduzido a
7,000 homens.
Obrigado a permanecer inactivo
o general Porto Alegre desgostava-se de dia para dia profundamente.
A divergencia manifesta de que
ha muito existia entre os generaes de terra e mar, concorria ainda mais para a
resolução a que Porto Alegre parecia inclinar-se de abandonar a campanha.
Nomeado, por decreto de 10 de
Outubro de 1866, commandante em chefe das forças imperiaes na guerra contra o
Paraguay, partio o venerando Marquez de Caxias da côrte a 29 daquelle mesmo mez
e chegou a Corrientes a 16 de Novembro, d’onde immediatamente participou aos
viscondes de Porto Alegre e Tamandaré ali achar-se presente.
O commandante do 2º corpo do
exercito e o almirante da esquadra, respondendo ao officio daquella
participação, communicarão igualmente ao novo general em chefe das nossas
tropas que desejavam retirar-se para o imperio. Esta resolução porém deixou de
ser diffinitiva da parte de Porto-Alegre, pois continando a permanecer no
commando só a 26 de Fevereiro do anno seguinte o passou ao general Argollo para
gozar apenas um mez de licença, que posteriormente pedira para ir ao Rio Grande
do Sul.
Velho camarada do Marquez de
Caxias, o Visconde de Porto-Alegre não pôde resistir as suas instancias. O
illustre commandante em chefe das nossas forças apreciava bastante o caracter,
a valentia e a disciplina do antigo companheiro das suas primeiras lidas de guerra,
para que pudesse prescindir de tão valioso concurso. Por isso, concordando com
a voluntaria retirada do almirante da armada, por fórma alguma annuio a outro
tanto com respeito ao commandante do 2º corpo.
Entrado no gozo da curta
licença que apenas, e a muito custo, lhe fôra concedida, apressou-se o heroe da
jornada de 3 de Setembro em partir para o lugar de seu berço, onde cheias de
saudade aguardavão esposa e filhas, que tanto o estremeciam.
Escravo da disciplina não
ultrapassou Porto-Alegre o tempo concedido para abraçar os seus, a 2 de Março,
já de novo assumia o commando dos bravos companheiros de Curuzú, onde, logo no
dia seguinte, teve occasião de auxiliar efficazmente o bombardeio da esquadra
contra Curupaity.
Permaneceu ainda o 2ºcorpo do
exercito em Curuzú, por mais tres longos mezes, não de todo inactivo, mas sem
ensejo de particar nenhum feito condigno daquelle que o empossara desa
fortificação.
A 29 de Maio, uima enchente
assoberbou o rio Paraguay tão desmesuradamente como não havia exemplo nem
memoria em mais de sessenta annos. As aguas innundarão o acampamento do 2º
corpo por tal modo que as peças de artilharia ficarão submergidas.
Zeloso e disvelado acudio o
Sr. Marquez de Caxias em auxilio dos innundados, e reconhecendo a necessidade
de quanto antes tiral-os de tão embaraçosa posição, resolveo remover d’esse
ponto o 2º corpo do exercito, deixando apenas a guarnição necessaria para
manter a posse da fortificação.
Como essa retirada não podia
ser feita sem que as tropas paraguayas a embaraçassem fortemente, ordenou o
illustre general em chefe um simulado ataque a Curupaity, que servisse de
roconhecimento do estado dessa fortificação com a enchente, e que ao mesmo
tempo, para ali atrahindo toda a attenção do inimigo, protegesse a nossa retirada.
A esquadra seguindo
immediatamente até Curupaity começou um energico bombardeio que durou das 3 [as
6 horas da tarde, lançando no correr desse tempo mais de 600 bombas, e
recebemdo em troca umas 100 que apenas os contrarios puderão enviar, sem nos
causar graves prejuízos.
Ficando 1,500 homens e 13
peças de guarnição a Curuzú, embarcou o resto do 2º corpo, e com feliz
successop acampou em numero de 4,500 homens no Passo da Patria.
Ahi, nesse memoravel theatro
de um dos mais arrojados feitos do legendario Osorio, aguardou o visconde de
Porto-Alegre novos e viventes louros a que o seu patriotismo e bravura tinham
ainda direito.
F.
Ferreira
Eduardo De Martino
(1836-1912), O reconhecimento de Humaitá. Litografia baseada em óleo,
desenho de R. Pontremoli, 54 cm x 74,5 cm (aprox.)
Rio de Janeiro, Museu
Histórico Nacional
Estava-se em frente a Humaitá.
O famoso baluarte, guarda
unico de todas as esperanças de Lopez, continuava invencivel, desfraldando
impavido a bandeira inimiga. Para os exercitos alliados Humaitá era mais que
uma fortaleza - era uma sphinge - , enigma indicifravel escripto em caracteres
de pedra, desconhecidos inteiramente de todos aquelles que, em vão, tentavam
descobrir-lhe o calcanhar do Achilles.
Havia quasi dous anos que o
marechal Caxias assumira o commando em chefe das nossas forças militares em
campanha. A 19 de Novembro de 1866 chegando a Tuyty, o velho cabo de guerra
limitára-se em sua primeira ordem do dia, a communicar ao exercito brazileiro
que assumia-lhe o commando e pouco mais. Essa peça tão singella e tão eloquente
digna é de ser aqui reproduzida, como specimen da linguagem de um valente e
brioso general tão costumado á victoria quanto adstricto á disciplina.
“Por decreto de 10 de Outubro
proximo passado, - assim começa aquelle manifesto, - houve por bem Sua
Magestade o Imperador nomear-me commandante em chefe de todas as forças
brazileiras em operações contra o governo do Paraguay na guerra a que nos
provocou o chefe desta republica.
“Assumindo o commando, acho-me
mais uma vez no meio de vós para vos coadjuvar e dirigir.
“Se já vos não conhecesse, eu
vos reccomendaria valor; mas nos innumeros combates até hoje havidos tender
dado sobejas provas dessa virtude militar.
“Tambem não vos venho
preceituar subordinação, pois sempre testemunhei a conducta do militar
brazileiro nas mais arduas campanhas.
“Conto, porém, com a vossa
constancia e dedicação ao paiz para levarmos a cabo a gloriosa empreza em que
estamos empenhados.
“Mais um exforço e os nossos
trabalhos serão coroados pela victoria!
“Eu o creio e espero, porque a
causa que defendemos é justa e o Deus dos exercitos nos ha de proteger.
“Novos reforços chegam a estes
campos; de todas as provincias do Imperio marcham denoadados brazileiros a
duplicar vossas fileiras, e a mão beneficente do nosso monarcha não deixará sem
recompensa os sacrificios que fazeis pela honra da nossa patria.
“Eia, pois, camaradas e
amigos; prosigamos no caminha da gloria que haveis trilhado”.
Depois desta simples
apresentação tratou o marechal Caxias de passar revista aos dous grandes corpos
do exercito brazileiro, e de organizal-os e provel-os de todo o necessario.
Para isso completou com os recrutas, que iam chegando, os batalhões mais
dizimados pela metralha e pelas emfermidades que não cessavam de assolal-os;
augmentou a infanteria, diminuindo a cavallaria do 2º corpo por estar esta em
muito maior numero que aquella produzindo um desequilibrio desvantajoso á essa
divisão do exercito; fardou e equipou de novo ambos os corpos e remontou a
cavallaria em 5,000 animaes novos e bem tratados.
A esquadra, bloqueando o rio
Paraguay até ao ponto em que estacionava, deixava o Paraná, do Passo da Patria
para cima, em completo abandono, facultando assim livre passagem de Corrientes
para o Paraguay, a tudo quanto o inimigo precisasse, e que com a melhor boa
vontade obtinha dos mercadores daquella provincia; tanto mais que nella havia
muitos individuos, tanto negociantes como particulares, que favoreciam Lopez e
nos eram abertamente adversos.
Nas margens do Paraná, nas
circumvizinhanças daquella situação, foram encontrados caixões vasios com
indicios muito pronunciados de terem sido alli abandonados por tropas
paraguayas, e de terem esses caixões de reconhecida procedencia correntina
contido armamento, munições e até victualhas.
Sabedor de tal occurremcia
ordenou immediatamente o marechal Caxias que o commandante da esquadra mandasse
para o rio Paraná uma divisão de navios pequenos; o que logo se fez, seguindo o
Mearim, Ivahy e o Henrique Martins a estacionar no porto
suspeito.
Em Curuzú fez recuar a
fortificação, deixando a trincheira que havia como vanguarda, para dar mais
amplo acampamento ao 2º corpo do exercito n’um terreno menos paludoso do que
aquelle que até então occupára.
Todos estes melhoramentos,
todas essas medidas e providencias tomou-as o experimentado marechal e as
introduzio no exercito e na ordem das cousas com a calma e prudencia que são
peculiares aos verdadeiros cabos de guerra.
Não obstante, porém, a face
das cousas era a mesma: apathica e ingloria. Urgia proseguil-a, compria
terminal-a. Mas como? - Estava-se em Tuyuty, em frende de Humaitá, caminho de
Assumpção, mas nada se sabia, nem um kilometro se conhecia além das cercanias
do acampamento da vanguarda!
Esta ignorancia, porém, não
era tão cuplosa ao nosso exercito como pretendiam tornal-a os nossos
desaffectos. O Paraguay era um paiz quasi tão desconhecido como os centros
africanos antes das viagens memoraveis do grande Lavingstone; nenhum
estrangeiro lográra até então viajal-o livremente porque a isso se oppuzera
sempre o itneresse dos dous Lopez, pae e filho, como antes delles Francia e
antes de Francia os jezuitas. E nem é de extranhar que o nosso exercito apesar
da longa permanencia noterritorio paraguayo, ainda o desconhecesse, quando em
Argelia as tropas francezas durante vinte oito annos viram-se reduzidas a
reconhecimentos parciaes por instrucções de espiões, elemento esse que nunca
obtivemos por preço algum.
Não podendo caminhar ao acaso
mas sob um plano de antemão assentado em bazes seguras, como aconselhava a
prudencia, ao marechal Caxias occorreu a idéa de servir-se de um meio original
de reconhecimento, que, sendo coroado de feliz successo, foi mais tarde imitado
na guerra franco-prussiana; - o de um estudo topographico em balões
aereostaticos.
Encarregados nesta côrte os
irmãos Green, norte-americanos, da construcção de duas dessas machinas, que
deram a immortalidade e o martyrio ao celebre paulista Bartholomeu de Gusmão,
foram, depois de promptas, levadas ao acampamento de Tuyuty e ahi subio no dia
24 de Junho o primeiro, levando na barquinha o norte-americano Green e
um engenheiro polaco que servia no exercito argentino, não se obtendo, porém,
todo o esperado resultado por terem os paraguayos com tiros de peça e fogueira
enfumaçado por tal fórma a athmosphera que interceptou ás vistas do engenheiro
todo o terreno que ia reconhecer.
Nos primeiros dias do mez de
Julho renovou-se a ascenção, elevando-se a machina a cerca de 100 metros de
altura, preza por cordas que soldados nossos seguravam em terra. Os paraguayos,
mudando então de tactica, para frustrar o nosso intento atiraram sobre os
soldados que prendiam as cordas; mas, posto que quatro destes perdessem a vida,
não conseguiram burlar a singular exploração; o major Chodasiewlay auxiliado
pelo tenente paraguayo Cespedes que então o acompanhava, esboçou
tranquillamente a planta de todas as fortificações, caminhos, banhados, lagôas
e esteios desde o ponto em que se achava até além do Curupaity.
O exercito brazileiro
achava-se reconstituido, o 2º corpo passado do Curuzú para o Passo da Patria, o
1º em Tuyutu, o 3º esperando a cada momento, as plantas levantadas, o plano de
campanha delineado e bazeado, tudo emfim prompto para um proseguimento glorioso
e promettedor de grandiosos triumphos. Não eram factos esses que pudessem
passar desapercebidos nos nossos alliados argentinos.
A imprensa dessa republica
insta então com o presidente Mitre para assumir o commando geral dos exercitos,
e não deixar que os esperançados triumphos laureem a encanecida fronte do nosso
velho Caxias.
Ainda não estava sequer
abalada a covicção que tinha então profunda e ainda hoje talvez um tanto firme,
o general Mitre de sua capacidade militar; acreditava, como a maioria de seus
compatriotas e mesmo o como nosso governo, ser elle o unico competente para
commandar os exercitor alliados; por isso, deixando-se facilmente induzir pela
imprensa de seu paiz, fez embarcar alguma tropa argentina e seguio apoz a
reassumir o commando geral dos exercitos dos alliados.
Emquanto se reconstituiam o 1º
e o 2º corpos do exercito, a instancias do marechal Caxias, o Governo ordenava
o levantamento de um 3º corpo, na provincia do Rio Grande do Sul, confiando ao
general Ozorio o commando geral e organisação desse mesmo corpo.
A provincia do Rio Grande já
havia dado 12.000 homens para a guerra, e não seria por isso facil reunir mais
gente, se á dedicação e patriotismo de Ozorio não se houvesse juntado a
intelligencia e boa vontade do Dr. Homem de Mello, que presidia então essa
provincia.
Graças porém ao prestigio do
general a quem o governo tão acertadamente entregara o commando do novo corpo,
e á prudencia e tino administrativo do digno presidente, que soube tão
habilmente conciliar os interesses individuaes dos cidadãos com as necessidades
da guerra, ainda 4.500 homens cheios de patriotismo e coragem seguiram a
reunir-se a seus irmãos d’armas, sob o mando do intrepido e legendario heróe do
Passo da Patria.
Reunidos emfim em Tuyuty
35.000 brazileiros e 3.000 argentinos, dividido esse grosso do exercito em tres
corpos distinctos, assim determinou a ordem do dia n. 2 de 21 de Julho a marcha
que deveria effectuar-se na manhã seguinte, com excepção do 2º corpo de 5.000
homens e uma força argentina sob o commando do general Porto-Alegre, que
ficaria ameaçando o flanco direito inimigo.
“VANGUARDA. - Sobo commando do
general barão do Herval - 1ª e 2ª divisão da cavallaria brazileira, infanteria
e artilharia oriental, 4ª divisão da infanteria brazileira reforçada com a 4ª e
12ª brigadas da mesma arma e nacionalidade; quatro estativas de foguetes a
congréve e quatro peças raiadas da artilharia brazileira.
“GROSSO DO EXERCITO. -
Commandado pelo marechal Caxias. Todo o exercito argentino; 5ª divisão da
cavallaria brazileira; 3ª companhia do batalhão d’engenheiros; corpo de
atiradores; 1ª divisão de infanteria brazileira; 1º regimento de artilharia
montada, idem; 2ª divisão de infanteria, idem; menos a 4ª brigada da mesma arma
e nacionalidade: transportes e policia; 6ªdivisão de cavallaria brazileira.”
Antes da partida vieram ainda
avolumar o grosso do exercito 2.400 homens recrutados nos hospitaes pelo
coronel Dr. Pinheiro Guimarães, que na dupla qualidade de commandante e medico,
prestou nessa occasião relevantissimo serviço desempenhando a commissão de que
o incumbira o marechal Caxias de passar em revista todas as enfermarias, onde,
sob pretexto de ligeiros incommodos, se achava fóra do acampamento tão avultado
numero de soldados.
O exercito movel poz-se em
marcha vagarosamente em razão dos pesados carros de transporte que levava; por
isso, só ao fim de seis dias chegou ao lugar destinado a acampamento. Na noite
de 27 para 28 chega a Tuyuty o general Mitre com um séquito mais brilhante que
numeroso de 200 homens, e logo incontinenti dirige ao general Gelly y Obes um
officio communicando-lhe sua chegada e encarregando-o de participal-a ao
marechal Caxias.
Posto que esse procedimento do
general Mitre estivesse mais nos usos e practicas argentinas, que nos preceitos
da boa cortezia, não se eximio com tudo o nosso marechal de dirigir ao
presidente da republica argentina, o seguinte officio, que tanto tem de nobre
como de condigno.
“- Illm. Exm. Sr. - Ao Exm.
Sr. general A. Gelly y Obes devo o favor de haver-me communicado a feliz
chegada de V. Ex. ao acampamento de Tuyuty pelo que eu e os exercitos alliados
nos felicitamos, esperando as ordens que V. Ex. queira transmittir-me como
general em chefe, para executal-as como me cumpre.
“Entretanto levo desde já ao
conhecimento de V. Ex. que tendo emprehendido a minha marcha á frente dos
exercitos alliados no dia 22 do corrente, dirigi-me ao passo denominado Tio
Domingos e vadeando n’aquelle ponto o esteiro Rojas parallelamente com elle
buscando a esquerda do entrincheiramento inimigo, onde me parece ter-se elle
reconcentrado, sem haver contudo opposto até agora obstaculo algum á nossa
marcha.
“A posição que hoje ocupamos é
a de Negrete, que, como V. Ex. sabe, dista do esteiro Rojas e do Passo Pires
uma legua apenas, mantendo-se, por tanto, ainda livre a communicação com a
nossa base de operações. Quer isto dizer que se V. Ex. satisfazendo o desejo
dos exercitos alliados, resolver vir honrar este campo com a sua presença, o
poderá fazer com a maior segurança.
“Muito grata me será, Exm. Sr.,
a noticia de que, apezar dos incommodos que de ordinario acompanham as viagens.
nenhuma alteração soffreu V. Ex. na sua preciosa saude, - Approveito a
occasião, etc. De V. Ex. - Marquez de Caxias.”
O exercito alliado acampou
emfim em Tuyù-Cué, á vista de Humaitá.
No dia 31 de Julho chegou o
general Mitre e a 1º de agosto reassumiu o commando em chefe.
Apoz dois annos de inacção ia-se
afim encetar a verdadeira campanha que teria de terminar tão nefasta guerra.
Caberia ao general Mitre esse
triumpho, para o qual tanto predispuzera o tino e a pratica guerreira do nosso
velho marechal? - Para maior e mais limpida gloria das nossas armas, ainda bem
que não.
Acampado em Tuyù-Cuè com
grande magua vio o illustre marechal brasileiro voltar o exercito á antiga
apathia, cahir de novo nessa innacção que tão funesta lhe fôra. As columnas tão
cerradas, tão bem dispostas que com tanta fadiga organisára e disciplinara, e
que sob seu immediato commando fizera avançar em offensiva, via-as agora
reduzidas a uma deffensiva tão ingloria como ridicula.
O inimigo que ao ver-nos
avançar resolutos até aquelle ponto, não ousára sahir ao encontro de nossas tropas,
desde que, em vez de o atacarmos, nos limitavamos a nos preparar para uma
deffeza, tomou elle então a offensiva, levando o arrojo até sorprender em Tuyty
a ala esquerda dos alliados, que teria soffrido grande e vergonhosa derrota, se
o general Porto-Alegre não houvesse com tal intrepidez que nesse conflicto
colheu uma das mais virentes palmas de sua invejavel corôa de triumphos.
“O general Mitre, escreveu um
dos historiadores da campanha do Paraguay, vio do alto do seu mangrulho de
Tuyù-Cuè o perigo em que se achava a sua esquerda; mas nem por isso julgou que
a offensiva, quando não fosse senão para prestar uma valiosa protecção á sua
ala ameaçada, deixou-se ticar em seu campo sem atinar com o que devia fazer; é
o que de ordinario succede aos generaes irresolutos, que manobram sem
principios e sem planos. As indicisões, os mezzo termine perdem tudo na
guerra.”
No fim de seis mezes passados
em conselho de generaes, conferencias, estudos e modificações de planos, o que
quer dizer completo inexpediente; vendo-se desconceituado no exercito e
desacreditado no estrangeiro como cabo de guerra, e, talvez, reconhecendo a
final a sua total inaptidão, o general Mitre passa de novo o commando em chefe
ao nosso marechal e volta a Buenos-Ayres onde em vez dos hymnos de triumpho o
acolhem sorrisos de piedade.
Estava de novo o marechal
Caxias de posse do mando supremo dos exercitos alliados. Não esvacera-se-lhe o
ardor como não se lhe exgotára a paciencia nos longos mezes que teve de se
submeter á supperioridade official de quem tão somenos lhe era em meritos
guerreiros; mas a ordem de consas estaria tambem no mesmo pé de ha seis mezes
passados? - Isto é que não. A opportunidade de um ataque talvez decisivo
fôra-se, e com ella todos os principaes elementos que deveriam concorrer
efficaz e seguramente para o mais brilhante successo.
Em Janeiro de 1868, quando o
general deixou para sempre o commando em chefe dos exercitos, todo o terreno
occupado pelo inimigo em Tuyù-Cuè passára por grandes modificações, de
desguarnecido e franco como estava ao chegar áquelle ponto o nosso exercito
via-se agora coberto de abatizes e de fossos, contrafossos, cheio em fim de
obstaculos e mil ciladas que impossibilitavam um assalto frente a frente. Para
ousar um ataque abertamente precisava-se de 60.000 homens pelo menos, e o
marechal Caxias apenas podia dispôr da metade. Uma derrota seria ali
fatalissima, a ruina seria total. Mais uma prova de seu tino guerreiro e
legitima prudencia deu o experimentado general conservando-se por algum tempo da
deffensiva a que o obrigára a inaptidão do general Mitre.
O estacionamento do exercito
em Tuyù-Cuè não deixava de produzir alguns vantajosos resultados: o inimigo
vendo-o a pé firme e não sabendo como traduzir essa perplexidade não ousaria
atacal-o, e emquanto se ia passando o tempo escasseavam cada vez mais os
viveres que elles, inimigos, já não podiam receber nem do interior nem do
exterior pelo sitio que lhes puzera as nossas forças de mar e terra; e essa
carencia de victualhas não poderia deixar de ser funesta a um exercito que
comsigo tinha tão crescido numero de mulheres e crianças como sempre se faziam
acompanhar as tropas paraguayas. Não obstante mandava a vigilancia e bons
principios militares que se não estivesse em completa innacção, e era isso que
mais preocupava ozelo do illustre marechal que nem um momento se descuidava de
manter em pé de guerra activa os postos, que nossas tropas occupavam em Tuyty,
Tuyù-Cuè, Passo Pecú, Paré - Cué e Tayi.
Depois dos ataques de mais
vulto de Outubro e Novembro de 1867, os inimigos encerraram-se em reducto,
d’onde apenas sahiam em pequenas partidas a fazer surprezas parciaes que as
mais das vezes lhes custavam caro.
Desde que o nosso exercito
occupou Taiy, Lopez começou a passar forças para o Chaco, margem direita do Rio
Paraguay, onde abrio uma estrada até á foz do rio Tibiquary, lugar esse em que
tinha uma das suas fortificações ribeirinhas. As nossas tropas que estavam no
Chaco guardava um dos pontos terminaes da estrada de ferro que se construira
para maior facilidade de comunicação.
Chegando a Curuzú os ultimos
monitores construidos nesta côrte, o marechal Caxias resolveu ir conferenciar
com o vice-almirante e ao mesmo tempo passar revista ás tropas em Tuyty, Passo
da Patria e Chaco. Para isso sahio de Tuyù-Cuè ás 6 horas da manhã de 31 de
Janeiro e ás 5 horas da tarde chegou á esquadra onde ficou durante a noite;
seguindo no dia 1.º de Fevereiro no encouraçado Brazil, com o almirante
Inhauma, para Humaitá a examinar a bateria denominada Londres, que com toda a
justiça passava pela mais inexpugnavel.
Depois de examinar detidamente
essa fortificação e de reconhecer a sufficiencia da força que havia no Chaco,
para resistir e repelir qualquer ataque inimigo; e que não convinha tentar por
ali nenhum movimento, regressou o marechal, chegando ao Passo da Patria na
noite de 1º de Fevereiro.
Ao amanhecer de 31 de Janeiro
a esquadra rompera fogo sobre Humaitá, mas semnenhum proveito. Durante todo
esse mez a guerra não passou de algum canhoneio de parte a parte sem grandes
perdas para nenhum dos lados contrarios. Varias tentativas fez o inimigo para
surprender as nossas guardas avançadas, ma sempre em vão.
A cavallaria Paraguaya não
ousava atacar em grosso. Para chamal-a a campo o brigadeiro barão do Triumpho
na noite de 31 de janeiro emboscou perto das linhas Paraguayas 260 homens a
cavallo sob o mando do Tenente-coronel Hypolito Ribeiro; e ao amanhecer do dia
seguinte 12 desses homens adiantaram-se até o alcance dos tiros dos inimigos.
Estes mal os avistaram sahiram em numero de 8 e perseguiram-nos até que
cercados pelos emboscados foram quasi todos victimas ou prisioneiros.
Com estas e outras que taes
pequenas sortidas se entretinham os nossos, emquanto os capitães do corpo
d’engenheiros Julio Anacleto Falcão Frota e Antonio de Sena Madureira, por
ordem do marechal Caxias, procediam a um exame ocular nas fortificações
inimigas á direita de Humaitá.
Desse detido e minucioso exame
resultou saber-se que: “ - O reducto era de fórma rectangular, completamente
isolado do entrincheiramento geral, tendo as suas faces pouco mais ou menos 50
braças de comprimento e os flancos 30. O relevo e os fossos erão de dimensões
ordinarias nesse genero de fortificações, tendo sido reservadas nos flancos
duas aberturas por onde se faria a communicação com o exterior. O flanco
esquerdo do reducto apoiava-se na matta que margeava o rio Paraguay, e o
direito em um esteiro que se ia lançar no mesmo rio; de um lado e de outro
communicado com o grande banhado, que separa este acampamento das linhas geraes.”
Começava-se emfim a decifrar o
enigma pelo lado da terra, como por agua não tardou a decifrar-se na memoravel
madrugada de 19 de Fevereiro em que se effectuou o brilhante feito da passagem,
em que o inclito Maurity deveu seu nome ao fastigio da historia, dando ao mundo
um dos mais bellos exemplos de intrepidez e amor á gloria.
Emquanto por agua se
preparavam os encouraçados para forçarem aquella famigerada passagem, reputada
quase impossivel por nacionaes e estrangeiros na noite de 18 de Fevereiro, pelas
10 horas, uma columna de 7.000 homens, composta da 1ª brigada commandada pelo
coronel João do Rego barros Falcão, da 2ª sob o mando do coronel Frederico
Augusto de Mesquita e da 5ª ao mando do coronel Dr. Pinheiro Guimarães,
dirigida pelo marechal Caxias em pessoa, marchou em direcção ás fortificações
inimigas.
Ás 5 horas fazendo alto,
deixou o valente marechal a tropa em linha de batalha e foi com o seu estado
maior reconhecer o terreno e a fortificação inimiga, voltando pouco depois a
dirigir o ataque que se operou com tanta galhardia quanta felicidade.
As nossas forças avançaram
resolutamente debaixo de uma viva fuzilaria e renhido canhoneio de 15 peças
inimigas, emquanto a cavallaria, tambem nossa, guarnecia os flancos fazendo
fogo de carabina. Tres batalhões da vanguarda escalaram as muralhas da primeira
trincheira e avivando-se o fogo dos contrarios e sendo numerosas as nossas
perdas ordenou o marechal que o 10º batalhão sob o commando do major Netto e o
1º ao mando do tentente-coronel Valporto atacassem a ultima trincheira. Já a
esse tempo o coronel Pinheiro Guimarães avançára com dous batalhõos de sua
brigada, e o brigadeiro Silva Guimarães com o 1º, 2º e 5º de sua divisão de
outro lado davam decisivo assalto as trincheiras, levando os nossos a ferro e
fogo de vencida o inimigo.
O forte do Estabelicimiento
era nosso; 15 bocas de fogo, armamento e munições em regular quantidade foram
os despojos dessa jornada. Os hospitaes Tuyú-Cué receberam nesse dia 408
feridos, sendo, d’entre elles 42 officiaes e 11 Paraguayos. Se as perdas por
nosso lado foram avultadas, muito maior foi o numero dellas no inimigo pois
contaram cerca de 600 mortes.
O mez de Fevereiro não ficou
só com os brilhantes feitos da passagem por agua e da tomada do
Estabelicimiento: a 27 o general Victorino fez um reconhecimento em Laurelles e
acto-continuo tomou essa posição de assalto com 100 praças apenas de cavallaria
commandadas pelo tenente-coronel Chonaneco e 60 de infantaria sob o mando do
capitão Castello Branco.
Com a enchente do Rio Paraguay
difficultou-se por tal forma a communicação entre as duas divisões da esquadra
que tornou-se necessario transportar em chalanas os viveres para a primeira
dessas divisões pelos lugares onde haviam estado acampadas as forças de terra!
O lento abaixamento das aguas cedo tornou ainda mais difficil o transporte por
falta de fundo sufficiente para a navegação das chalanas.
Para pôr termo a estes
embaraços e ao mesmo tempo estreitar mais o sitio, projectou o marechal Caxias
tomar de assalto o forte de Curupaity.
Se essa operação fosse
realisada com feliz sucesso, immensas seriam as vantagens para o desenlace da
guerra. A esquadra ficaria com as communicações francas, o 2º corpo do exercito
poderiamanobrar mais desassombradamente, e as cavallarias seriam aproveitadas
para a guarnição dos comboios.
Para levar a effeito este seu
projecto, partiu o general a conferenciar com o almirante Inhaúma, e de
passagem por Tuyuty ordenou ao general Argollo que procedesse um reconhecimento
a viva força, á esquerda de seu acampamento, sobre a posição denominada Sauce,
que formava a frente, ao sul, do polygono, não determinado limites a esta
operação, que poderia estendel-a até onde permitisse a occasião.
Para distrahir a attenção do inimigo
determinou tambem o marechal Caxias ao general Ozorio que, com as tropas
argentinas e brazileiras que estavam sob o seu commando, simulasse um ataque às
posições inimigas fronteiras a seu acampamento.
Ordenou tambem o general em
chefe que o coronel Hypolito marchasse com sua brigada de cavallaria para as
immediações de Humaitá e que do acampamento central marchassem dous batalhões,
com seis boccas de fogo cada um, para S. Solano.
Determinadas assim as cousas,
a 22 de Março o general Argollo á frente de 12 batalhões de infanteria, 8
boccas de fogo, 4 estativas de foguetos á congreve 1 corpo de pontoneiros, 1 de
saúde e ecclesiastico, partiu pela madragada de seu acampamento, e por uma
picada de 500 braças, aberta pelos pontoneiros sob vivissimo fogo do inimigo,
atacou a fortificação de Sauce e uma hora depois tomava della posse por direito
da conquista, tendo perdido na acção 3 officiaes e 29 praças, além dos feridos
que foram 10 officiaes e 155 praças. O inimigo perdeu 21 mortos e 6 que cahiram
prisioneiros, conseguindo porém escapar-se toda a mais guarnição, levando 1
bocca de fogo.
A
fortificação de Sauce constava de ante-fosso, por onde corria um arroio
alimentado pela agua dos banhados, represada por uma eclusa; esse ante-fosso
media 850 metros de cumprimento e 9 ½ de largura e 5 ½ de profundidade. Entre o
ante-fosso e o fosso havia um terreno daquella mesma extensão, com 120 metros
de largura, e nesse espaço vinte e quatro ordens de boccas de lobo; o fosso
tinha 2 ½ metros de profundidade e o parapeito 4 ½ de largura na baze.
Durante o tempo em que o
general Argollo praticava esse feito brilhante das nossas armas o general
Ozorio, em cumprimento das ordens do marechal Caxias, avançava até a primeira
trincheira inimiga e com ella engajava um tiroteio de fuzilaria e artilharia
que durou das 6 horas ás 9 ½ da manhã; perdendo nessa jornada cinco homens
apenas.
Emquanto isto se passava em
terra reparando o almirante Inhaúma que Curupaity parecia silencioso, e notando
tambem haver incendio nos ranchos que ali serviam de quarteis ao inimigo,
ordenou ao Magé e Beberibe que descessem o rio até à frente
daquella fortificação.
Aproximando-se os navios e
nada achando, desembarcaram os marinheiros e içaram em tres differentes pontos
a bandeira brazileira. Verificou-se então, que todo o espaço comprehendido
entre a bocca de Paraguay e Humaitá estava abandonado.
O inimigo reconcentrara-se no
formidavel Sebastopol americano.
Era tempo de decifrar o
enigma!
O cerco por terra
estreitava-se cada vez mais: por agua um activissimo bombardeio choveu na
cidadella no dia 28 de Março, tão intenso que chegou a produzir um incendio; os
paraguayos procuravam desviar a attenção para outro lado, atirando sobre o
acampamento de Paré-Cué, mas embalde: o ponto objectivo para onde convergiam
todas as vistas quer do exercito quer da armada era Humaitá! Humaitá era
sphinge cujos hierogliphos começavam a desenhar-se distinctamente: força era
pois decifral-os. Lopez sentia-se vacillar a proporção que o sitio sobre
aquelle baluarte estreitava-se moroso mas seguramente.
O general em chefe tratou
então de cercar o terrivel reducto pelo Chaco, unico ponto por onde se
communicavam ainda o interior e recebiam algum gado; para isso, uma expedição
argentina de 1.200 homens commandados pelo coronel Rivas partia da de
Curupaity, e outra brazileira de 1.600 homens sob o commando do coronel Falcão
sahida de Tagy, encontrarando-se em lugar determinado, onde, poude em debandada
um força paraguaya, firmaram a baze de suas operações.
A força argentina abrio caminho
pelo matto até encontrar estrada, por onde fugiam paraguayos acossados pela
força brasileira que os attacara por lado opposto. No dia 4 de Abril os
inimigos, cobrando alento, attacaram por sua vez a nossa posição do Chaco, mas
foram rechassados com grande perda.
Emquanto isto se passava em
terra, por agua proseguia o bombardeio, ao qual respondia Humaitá com 5 a 6
tiros por dia, e observando que a posição que havia sido abandonada estava
servindo de apoio ao inimigo e que mais tarde este poderia ali reconstruir-se
em pé de difficil expulsão, ordenou que na manhã seguinte se désse um attaque
áquelle ponto de modo á desmontar d’alli completamente o inimigo.
O coronel argentino Martinez
com seu batalhão e mais dois outros brazileiros empenharam a luta, da qual
sahiram vencedores apoz renhido combate em que de ambos os lados se exhibiram
exemplos de verdadeira coragem e admiravel valentia: chegando os soldados
brazileiros a perseguirem á ponta de bayoneta os paraguayos que se internavam
pelo matto a dentro.
Depois deste ultimo combate a
guerra pareceu por algum tempo limitar-se a ligeiras escaramuças e bombardeios
da esquadra, mais inquietadores para o inimigo que damnosos: bombardeio esse
que nos valeu em desforra, uma ousada abordagem dos paraguayos sobre os
encouraçados Barroso e Rio Grande, que, comquanto sem proveito
para elles, não deixou comtudo de ser pouco lisongeiro para nós; pois só a
falta de vigilancia deixaria chegar as cousas ao ponto a que chegaram. Ainda
assim, felizmente, não causou esse arrojo paraguayo mais que a perda, aliás
deploravel, do commandante e do capitão-tenente Antonio Joaquim, segundo
daquelles encouraçados.
Em principios de Julho tendo o
general em chefe noticia de que os paraguayos estavam passando de Humaitá para
o Chaco grande numero de canôas carregadas de gente, e tendo se observado que
na noite de 15 fôra lançado um foguete daquella fortaleza, incidente esse que
parecia um signal convencionado -, tratou o prudente general de tomar a
offensiva antes que fossemos arrastados a uma deffensiva não só ingloria como
até vergonhosa.
Avisado o general Ozorio para
que na madrugada do dia 16 se achasse prompto e em ordem de marcha, com a sua
tropa; ás 5 ½ horas da manhã indo-se-lhe reunir o illustre marechal, e
tomando-lhe a vanguarda, apoz uma pequena e rapida marcha ordenou-lhe que com
as forças ds tres armas de seu commando, avançasse, approximando-se o mais
possivel das trincheiras afim de reconhecel-as e mesmo penetrar nellas se tanto
fosse possivel.
Era o primeiro ataque directo
feito pelas forças da terra áquelle tremendo baluarte e para honral-o, como por
sua fama e renome merecia, dera-lhe o marechal Caxias por chefe d’expedição o
valente cabo de guerra que tantos e tão assignalados feitos havia praticado no
decurso dessa longa e valentissima campanha contra o Paraguay.
Era justo que quem fôra o
primeiro a pisar terra do inimigo, fosse tambem o primeiro a atacar face a face
o famigerado reducto.
Humaitá era digno de um
Ozorio!
O valente Riograndennse que,
acompanhado de doze homens ousára, á frente delles, ser o primeiro a bater com
o coto da sua lança no solo inimigo, tinha jus, por direito de conquista, a ser
tambem o primeiro a atacar aquelle inexpugnavel reducto. Em todo o periodo de
seu brilhante commando em chefe, nunca o marechal Caxias honrou tão
galhardamente o merito e o denodo de um soldado, como quando entregou a Ozorio
o primeiro assalto áquellas terriveis muralhas que ha tanto zombavam impavidas
de nossas forças.
Manoel Luiz Ozorio, ou o
Visconde do Herval, como já o crismára a munificencia imperial em galardão de
seus heroicos serviços, era o cabo de guerra mais digno de quantos se achavam
então naquella campanha de fazer o primeiro reconhecimento a Humaitá; e
encarregando-o dessa gloriosa mussão o Marquez de Caxias dava-lhe a mais
eloquente prova de quanto sabia aquilatar o valor inexcedivel de seu
companheiro de fadigas e de triumphos.
As forças ao commando do
general Ozorio elevavam-se então a:
CORPOS ESPECIAES:
Officiaes..........................................113
ARTILHARIA:
Officiaes...................40
Praças de pret......... 727 767
CAVALLARIA:
Officiaes...................371
Praças de pret.........3,032 3,403
INFANTERIA:
Officiaes...................642
Praças de pret.........10,262 10,904
15,192
Se o intrepido general se
houvesse movido com toda esta gente se a acção fosse de antemão assentada em
plano mais vasto, se em vez de um simples reconhecimento o general em chefe
tivesse ordenado um ataque decisivo, nesse dia Humaitá teria sido vencido, Ozorio
teria plantado em suas muralhas o pavilhão brazileiro, seu nome iria á
posteridade tão fulgente de gloria como heroe de Humaitá, como irá não menos
brilhante como legendario heroe do Passo da Patria.
Infelizmente para maior gloria
do bravo general, a prudencia obrigou o marechal Caxias a limitar-se a um
simples reconhecimento com uma gracção do 3.º corpo e isso foi talvez o que
tornou a acção pequena para tão grande heroe.
Avançou o bravo cabo de guerra
com duas divisões de infanteria, um corpo de cavallaria, um batalhão de
engenheiros e a brigada de artilharia volante; ficando o general em chefe á
frente da 3ªdivisão de infanteria em posição conveniente para marchar em
auxilio daquellas forças, se fosse necessario.
Vivissimo fogo de atradora
metralha rompeu das muralhas inimigas. Salva condigna da approximação do
invicto bravo dos bravos!
Resoavam os clarins unisono
tocando avançar, rapidos voavam os corceis da nossa cavallaria e em celera
marcha seguia a infantaria; corriam em desalinho as carretas d’artilharia como
que entre si apostando qual seria a primeira a chegar ao ponto de fazer ir as
nossas balas ao interior do baluarte. Á frente de tão denodadas hostes lá ia
Ozorio, como o genio das batalhas conduzindo os exercitos á victoria.
Era um espectaculo esse
horrido-sublime, em que se via o heroismo impellido pela gloria correr ao
encontro da morte. Da morte sim, que a metralha inimiga varria nossas fileiras
no descampado como ao sopro de uma criança caem castellos de cartas.
Ozorio o intrepido Ozorio não
via diante de si senão aquellas altivas muralhas onde tremulava ainda
invencivel o pendão inimigo de sua patria. Era preciso abater, humilhar este e
derrocar e pisar aquellas; era preciso porque assim o exigia o pundunor do paiz
por cuja causa ali estava e por cuja honra não lhe importava a vida.
Grande é o exemplo das
virtudes heroicas! Vendo o seu general desprezar a vida e desafiar a morte, as
legiões brasileiras que o seguiam avançavam sempre!
Transpuzeram a primeira linha
de trincheiras e teriam transposto a ultima se tão longe os levasse o ardor do
general.
O 4º e o 13º batalhão de
infantaria e o 39º de voluntarios, ao mando do coronel Frederico Augusto de
Mesquita, affrontando mortifera chuva de metralha, granadas e fuzilaria, e
superando toda a sorte de difficuldades, que a cada passo encontrava sobre um
terreno revestido de abatizes e de outros accesorios de deffeza, chegou a
contra escarpa das muralhas.
Mas vendo o bravo commandante
da gloriosa expedicção que o inimigo oppunha tenaz resistencia, encoberto,
pelos externos e elevados parapeitos; tornando-se, por esse obstaculo,
impossivel a escalada, mandou disso dar parte ao marechal Caxias que julgou
prudente recuar antes que continuar em uma offensiva mais fatal que proveitosa.
Censuram alguns entendidos ao
genera Ozorio o não se ter servido, como convinha, da artilharia, antes de
approximar a infantaria. É certo que a artilharia foi sempre arma favorita de
Napoleão, mas este grande chefe de guerra era um artilheiro scientifico que
além do conhecimento pratico que tinha da armada juntava-lhe o amor da
sciencia. Ozorio é um soldado feito nos campos do combate, a peleja foi a sua
escola, a intrepidez é a sua sciencia.
O amor da patria acendido
pelas chammas da coragem, não consentiria que de animo tranquillo, frio,
impassivel se conservasse por uma ou duas horas o brioso chefe emquanto jogava
a artilharia calculando mathematicamente quantas balas partiam e quantas
produziam effeito!
Diante do inimigo o
scientifico póde domar a natural intrepidez e lançar mão dos meios que lhe
faculda a sciencia, mas ao cabo de guerra que só sabe combater e vencer, esses
meios não lhe aproveitam. O canhão foi feito para os heroes disciplinados nas
escolas theoricas e não para os praticos; demais o general Ozorio vendo-se em
face de muralhas cuidou antes de escalal-as que de derrocal-as pedaço a pedaço
a balas enviadas de certa e calculada distancia.
Se todo o 2º corpo de seu
commando o houvesse acompanhado nessa gloriosa expedição, talvez que o dia 16
de Julho de 1868, fosse a data mais gloriosa da campanha contra o Paraguay;
ainda assim, porém, ella é uma das mais brilhantes pois marca um dos arrojados
feitos de um dos mais valentes cabos de guerra da America do Sul.
Recordando tão grande acção
cumpre não esquecer os nomes dos bravos camaradas do heroe do reconhecimento de
Humaitá, que a historia patria guarda cheia de nobre e justo orgulho:
O brigadeiro Carlos Resin;
coroneis Emilio Luiz Mallet e Frederico Augusto de Mesquita tenentes-coroneis
Conrado Maria da Silva Bittencourt, Antonio de Campos Mello, Vasco Antonio de
Fontoura Chananeco, Severiano Martins da Fonseca e Alexandre Augusto de Frias
Villar; majores João Nepomuceno da Silva, José Maria do Nascimento, Antonio
José Pereira Junior, Dyonisio Amaro da Silveira, e Joaquim Antonio Ferreira da
Cunha, capitães Francisco da Silveira filho e João Teixeira Guimarães; tenentes
Henrique de Azevedo Pires, Manoel Luiz da Rocha Ozorio, José Simões Torres,
José Rodrigues e Manoel Aprigio da Cunha; alferes Frederico Ferreira Rangel,
Domingos José da Silva filho e João Carlos da Rocha Ozorio; cirurgiões do corpo
de saude Drs. Silverio Gomes de Araujo, Francisco Homem de Carvalho, José
Rufino de Noronha e Joaquim Marianno de Macedo Soares; e os academicos Arsenio
de Souza Marques, Manoel Pinto Ferreira Junior, José Pinto da Silva, Elpidio
Rodrigues Seixas e Lucindo Pereira dos Passos Junior.
Taes foram os mais distinctos
companheiros de Ozorio na gloriosa jornada, que deu assumpo a esse quadro.
Victor Meirelles
(1832-1903), O Passo da Pátria. Litografia baseada em óleo, 52 x 68,50
cm (aprox.)
Rio de Janeiro, Museu
Histórico Nacional
I
Ao receber o affrontoso
insulto que, em um momento de desvario, lhe irrogou á face o ex-dictador do
Paraguay, D. Solano Lopez, soltando o seu grito de guerra, que repercutiu do
Prata ao Amazonas, o Brazil não tinha nem armas nem soldados.
Paíz novo, laborioso e cheio
das mais nobres aspirações, descançava nos braços da paz com a consciencia de
quem trabalhar, e reparte a sua casa e a sua mesa com todo aquelle que lhe bate
á porta e pede hospitalidade. Não receiava de que ninguem o viesse perturbar do
meio de seus labores senão para acudir á liça d’essas grandes pelejas da
intelligencia e do trabalho, que se chamam exposições industriaes.
Cuidando de seus mananciaes de
fortuna, pouco pensava no provimento de seus arsenaes e no numero de seu
exercito. Queria antes os seus filhos aptos no manejo da ferramenta que no das
armas, mais dextros no guiar do arado que no sopesar da espada; por isso foi
que, apanhando-o de sorpresa, a guerra do Paraguay encontrou-o inerme e quasi
sem defesa; por isso foi que o imprudente Lopez, aprisionando um navio mercante
em plena paz, invadiu á mão armada duas provincias do imperio e assolou-as tão
barbara quanto deshumanamente.
Em 1864, quando o nosso
plenipotenciario, exgotados todos os recursos conciliatorios, viu-se forçado a
declarar guerra em nome do Brazil, á republica do Uruguay, o nosso exercito era
realmente menos de 10,000 homens, inhabeis, mal armados e disseminados em
pequenos destacamentos pelas provincias, mais como simples corpos de polícia
que batalhões de exercito. Em 1866, isto é, dous annos depois, o Brazil reunia
á margem corrientina do Paraná 33,000 homens, não diremos aguerridos, mas
disciplinados, fardados e bem armados.
Deve-se ao decreto de 7 de
Janeiro de 1865, esse prodigio do esforço nacional; a creação dos Voluntarios
da Patria, foi a vara magica do Moysés politico que, quasi a um aceno, fez
reunir naquelle ponto um exercito forte se não pelo numero ao menos pelo valor
de seus soldados, disciplinado se não pela pratica, ao menos pelo patriotismo,
que os guiava á desaffronta dos brios nacionaes.
Mas, assim como cabe ao
decreto de 7 de Janeiro de 1865, a criação de um tão bello corpo de exercito,
ao general Osorio cabe não menos a gloria de haver feito d’esse corpo de noveis
e bisonhos soldados o punhado de bravos que no percurso da longa campanha
tantas e tão brilhantes provas deram da mais arrojada valentia.
Á medida que se iam formando
os corpos de voluntarios nas provincias, marchavam para a Côrte e d’aqui
seguiam armados e equipados a se reunirem ao exercito no sul, marchavam simples
portadores de armas e ao cabo de dous a tres mezes de exercicio á margem do
Uruguay, trasnformavam-se em soldados habeos e promptos ao primeiro alarma.
Respeitavel já era o nosso pé
de exercito, e quasi dous annos havia que o brado de guerra ao Paraguay fôra
soltado aos quatro ventos pelas nações alliadas e posto que o general Mitre na
expansão de seu enthusiasmo empenhasse sua palavra e sua espada que em oito
dias estaria em campo e em quinze bateria ás portas de Assumpção, o mundo, de
olhos fitos no theatro da guerra sul-americana, embalde esperava a verdadeira
iniciação das operações militares que, ou deviam aniquilar Lopez, ou abater a
seus pés as bandeiras das tres nações que elle só ousára provocar ao campo da
peleja.
Foi longa a espera. Um anno,
dia por dia, gastou-se a preparar o exercito e a armada para encetar campanha
decisiva; mas, faça-se justiça: esse tempo não era muito para um paiz como o
nosso que não só não tinha armamento nem navios como lhe faltavam officiaes
para fabrical-os. Tudo tinha-se de mandar vir da Europa, o que com muita
difficuldade se podia obter; invocava-se a neutralidade, e os paizes que forneciam
a Lopez, ainda depois da declaração da guerra, negavam-se a nos fornecer armas
e munições, cedendo ás intrigas diplomaticas que o dictador do Paraguay sabia
pôr em serviço da sua causa.
Quando, compulsando a
hisioria ainda de hontem, vê-se que em 1827, após tres annos de guerra o Brazil
não ter mais de 6,000 homens para oppor ás forças inimigas que dominavam mais
de metade da provincia do Rio Grande, e posteriormente não poder jámais reunir
mais 3,000 para n’essa mesma provincia debellar os rebeldes que por espaçõ de
nove annos lograram ali a manter erguido o pendão da revolta; vendo-se trinta
annos mais tarde, levantar-se em 14 mezes, um pé de exercito de 37,000 homens -
33,000 á margem do Paraná e 4,000 á margem do Uruguay, força é confessar que o imperio
progrediu e muito em pouco mais de um quarto de século.
As forças ao mando do general
Osorio, promptas a pizar terras inimigas, compunham-se de 3,200 homens de
artilheria, 4,8000 homens de cavallaria e 25,000 de infantaria. Todo esse
exercito achava-se bem fardado e armado como os melhores da Europa, a
artilheria principalmente era da mais moderna e excelentemente fabricada.
“Quanto á organisação do
exercito, diz um testemunho insuspeito que de perto acompanhava o movimento das
nossas armas, não póde desconhecer-se que a inexperiencia do commando em chefe
de que se achava de posse o marechal Osorio, e tendo de fazer o seu primeiro
ensaio com as forças tão crescidas, alguns defeitos devia fazer apparecer. Não
se devia rasoavelmente acreditar que o exercito adquirisse sob sua direcção, e
em alguns mezes, a disciplina e instrucção necessarias, se o general em chefe
tivesse que principiar formando os generaes de divisão, logo os commandantes de
brigada, e, emfim, os chefes de batalhões. Mas a sua boa estrella poupou-lhe
tão arduo encargo.
“Se o Brazil não tinha
exercito, tinha um numero crescido de officiaes superiores formados na boa
escola militar, nas ultimas guerras e comprovados em muitos campos de batalha.
Assim, e sahindo a tempo a promoção de muitos delles a postos superiores, todas
as divisões tiveram á sua frente brigadeiros ainda moços, as brigadas coroneis
na flor da idade e os corpos commandantes moços e cheios de enthusiasmo.”
Commandava a força geral de
artilharia o brigadeiro José da Victoria Soares Andréa, e as seis divisões do
exercito os brigadeiros Alexandre Gomes de Argollo Ferrão, Antonio de Sampaio
Guilherme Xavier de Souza e Victorino José Carneiro Monteiro. As duas divisões
de cavallaria estavam sob o commando dos brigadeiros Candido Augusto Sanches da
Silva Brandão e José Joaquim de Andrade Neves. Uma brigada ligeira de
voluntarios commandava o brigadeiro Antonio de Souza Netto, e outra de
infantaria destacada a bordo da esquadra o brigadeiro João Guilherme de Bruce.
Todo esse exercito dividia-se
em 19 brigadas, formando 1 regimento e 5 batalhões de artilheria, 18 regimentos
de cavallaria e 40 batalhões de infanteria, e compunha-se de 2,164 officiaes e
30,914 praças; ao todo 33,078 homens.
Para fornecimento immediato
desse exercito havia em Corrientes um estabelecimento pyrotechnico montado e
dirigido por engenheiros brasileiros.
Além do corpo principal ao
mando do general Osorio, havia mais duas divisões argentinas uma ao mando do
general Paunero, outra do general Emilio Mitre, e uma pequena força da
republica do Uruguay ao mando do general Venancio Flores. Estes corpos
auxiliares ficavam como de reserva: o exercito brasileiro é quem ia iniciar as
já tão desejadas operações em terras do inimigo.
Vacillou-se por algum tempo no
ponto do rio em que se devia effectuar a passagem, assentando-se afinal no
Passo da Patria, para onde se dirigiu o grosso do exercito e acampou até a hora
do embarque.
II
O logar preferido para a
passageem do nosso exercito foi de indicação do tenente-coronel de engenharia
José Carlos de Carvalho, uma das mais bellas intelligencias, que prestou todo o
seu talento e coragem á causa da patria, perdendo até emfim gloriosamente a
vida nessa memoravel campanha na occupação da ilha de Itapirú. Episodio esse,
que se liga tão intimamente ao feito do Passo da Patria que não póde deixar
aqui de ser consignado e até mesmo narrado com mais alguma particularidade.
Proposta e demonstrada pelo
mesmo engenheiro José Carlos de Carvalho a conveniencia de tal occupação,
autorisam-no a leval-a a effeito o general Osorio e o almirante Tamandaré, que
de concerto dirigiram as operações por terra e por agua.
No dia 29, á 1 ½ horas da
noite o mesmo engenheiro, acompanhado de outros collegas e mais de 80 praças do
3º batalhão de infanteria, saltou na ilha a fazer os primeiros reconhecimentos.
Eram esses os primeiros
brasileiros que pisavam terras paraguayas como inimigos vingadores dos ultrages
irrogados ao seu paiz.
Desembarcada a pequena força,
emquanto em linha de atiradores explorava o terreno, os engenheiros levantavam
a planta e determinavam o logar em que se deveria levantar a fortificação.
A occupação deveria
immediatamente seguir-se ao reconhecimento, mas o general Osorio entendeu dever
sobrestal-a.
Recebendo tão inesperada
ordem, o tenente-coronel Carvalho deu-se pressa em obedecer, mas para logo
esforçar-se em fazel-a revogar, por entender que tal sobrestação podia-nos ser
funesta; e, ou porque conseguisse elle despersuadir o general de sua ultima
resolução ou porque houvesse cessado o inconveniente que este via na occupação
da ilha, o certo é que de novo foram dadas ordens para a realisação do plano
primitivo.
Na noite de 5 para 6 de Abril
foram embarcadas para a ilha 6 peças a La Hitte de 12, commandadas pelo capitão
Moura; 4 morteiros de 0m 22, commandados pelo capitão Tiburcio, ambos do 1º
batalhão de artilheria; o 7º batalhão de voluntários, commandado pelo
tenente-coronel Francisco Joaquim Pinto Pacca; o 14º de infanteria de linha,
commandado pelo major José Martini, e 100 praças do batalhão de engenheiros:
toda essa força sob o mando geral do tenente-coronel João Carlos de Willagran
Cabrita, e a parte technica sob a direcção do tenente coronel José Carlos de
Carvalho.
Os encouraçados Bahia e
Tamandaré e as canhoneiras Henrique Martins e Greenhalg
protegeram o trasporte collocando-se o mais perto da ilha que lhes foi
possivel.
Apenas desembarcados,
formaram-se em duas baterias, uma de canhões e outra de morteiros dando a
frente ao forte de Itapirú e á costa paraguaya que se estende a esquerda do
mesmo forte. Ao amanhecer do dia 6, arvoraram o pavilhão auri-verde, rompendo
vivo fogo de artilharia contra a fortificação contraria.
Desde essa memoravel noite o
exercito brasileiro tomara pé em territorio paraguayo, d’onde não teria de
sahir sem de uma vez para sempre trucidar um por um todos os baluartes,
exercitos e até o proprio dictador Lopez.
Ao fogo não interrompido da
bateria respondeu o forte com as duas unicas peças que lhe restavam, sendo mais
tarde acompanhado por outras de calibre 68, collocadas por detraz delle, ou em
chatas. As balas e bombas da ilha foram reduzindo a escombro o forte, e
causando perdas consideraveis a qualquer força paraguaya que ousava
descobrir-se. Ao mesmo tempo que a bateria da ilha, os encouraçados Bahia e
Tamandaré e a canhoneira Mearim bombardeavam a fortaleza. Todo o
dia durou o fogo de artilheria de um e de outro lado, sem que o inimigo
causasse aos nossos grande damno.
Á tarde como regressassem da expedição
acima de Ytati os vapores brasileiros e argentinos, ao passarem a ilha de
Sant’Anna, os paraguayos descobrindo uma bateria de canhões que ahi tinha,
fizeram fogo e lançaram alguns foguetes á Congrève, dos quaes um acertou no Greenhalg,
mas sem causar-lhe nenhuma avaria grossa.
Nos dias 7, 8 e 9 continuaram
ainda a sustentar vivissimo fogo de parte a parte, conseguindo uma bomba
inimiga matar dous soldados nossos.
No dia 9 foram as canhoneiras
que apiavam a ilha substituidas pelo Itajahy e Belmonte conservado-se
porém firme em seu posto o encouraçado Tamandaré. A guarnição da ilha
pedindo para não ser substituida antes de obter uma completa victoria sobre o
inimigo, continuou a manter-se em sua tão gloriosa quão arriscada posição.
Havia dous dias que não tinham
senão rapidos momentos de descanço. Durante o dia respondiam constante e
interrompidamente ao inimigo, e a noite passavam toda a abrir fossos e a
reforçar trincheiras, porque a previdencia de seus habeis chefes temia de um
momento para outro um assalto do inimigo.
Na noite de 9 para 10,
bastante fria e brumosa, passaram as vedetas em continuos sobressaltos ouvindo
a cada instante por entre o murmurio da brisa o bater de remos sobre as aguas
dormentes do rio. A cada momento como que sentiam o bafeejo de halito inimigo
que mais e mais se approximava.
De feito, na madrugada do dia
10, das 3 para as 4 horas, muitas canôas carregadas de paraguaios remando tão
mansos que mais depressa foram vistos que ouvidos, approximaram-se da ilha. Aos
gritos de - quem vem lá? - os inimigos responderam: - viva D. Pedro
II, viva o Imperador do Brazil; mas não lhes valeu o embuste, porque as nossas
sentinellas tomando-os pelo que elles realmente eram, replicou-lhes com
descargas de espingardas.
Quiuze canôas aportaram logo
ao norte e dellas saltaram 400 paraguayos commandados pelo capitão José Romero,
ao mesmo tempo que pelo noroeste saltava outra força igual.
Avançou immediatamente ao
encontro dos primeiros o 7º de voluntarios ao mando do tenente-coronel Pacca,
em quanto que permanecendo uma parte de nossas forças nas fronteiras, deixava
approximar os inimigos até ao alcance á queima-roupa, para esmagal-os nos
fossos.
Succedendo que as ultimas
forças desembarcadas, occultas nas macegas, fizessem deitadas mortifero fogo
sobre os nossos, o tenente-coronel Cabrita, por indicação do engenheiro
Carvalho, fazendo abrir uma portinhola ao lado direito da bateria, por ella
varreu a viva metralha nos occultos atiradores, pondo-os em completa desordem.
Nesse momento o
tenente-coronel Cabrita, inspirando-se da sua peculiar bravura, ordenou ao
batalhão de engenheiros, que fazendo uma descarga geral sobre o inimigo o
seguisse fóra da trincheira para carregal-a á arma branca. Os engenheiros
unidos aos dous batalhões de infanteria, cahiram sobre os paraguayos com a
irresistivel bravura.
Sendo difficil de armar os
sabre-bayonetas nos mosquetões, ordenou mais o tenente-coronel Cabrita que os
nossos soldados se servissem de machadinhas contra o inimigo que trazia a
bayoneta calada em suas espingardas e reflees; atiraram-se os nossos bravos com
incrivel bravura renovando, por esse modo, um daquelles combates da idade-média,
em que só a ferro frio se batiam os guerreiros corpo a corpo.
Ao vel-os armados de
machadinhas tentavam os paraguayos fugir, mas debalde; os que escapavam do
machado do batalhão de engenheiros espetavam-se nas bayonetas do 7º de
voluntarios, cujo commandante, o tenente-coronel Pinto Pacca, animava com o seu
exemplo a briosa phalange, a que bradava recordando-lhes a terra natal: -
Camaradas! a provincia de S. Paulo vos contempla!
Ao amanhecer o dia via-se o
solo da ilha juncado de cadaveres, muitos deitados em linha como a morte os
surprendera, outros em grupos como haviam sido atacados e vencidos.
Indo o tenente-coronel
Carvalho bater com alguns soldados as macegas ao norte da ilha, sahiu-lhe ao
encontro humilhado, o capitão Romero, pedindo a protecção para si e para os
seus que ainda restavam. Algumas canôas carregadas de paraguayos tentaram ainda
approximar-se da ilha para prestar auxilios a seus compatriotas, mas as
canhoneiras Henrique Martins e Greenhalg bateram-n’as e
meteram-n’as a fundo.
Perto de 650 cadaveres
juncavam a ilha, 600 espingardas e 200 refles foram recolhidos pelos nossos que
de seu lado tiveram 49 mortos e 100 feridos.
Toda a imprensa do Rio da
Prata applaudiu com enthusiasmo tão brilhante feito das nossas armas. “Os
brasileiros, disse a Nação Argentina, combateram com a coragem de leões
e a pericia dos melhores soldados.”
Seis horas depois do combate,
quando os écos dos nossos hymnos de victoria ainda iam-se amortecendo ao longe,
e a história mal registrava tão glorioso feito dos nossos bravos, uma bala do
forte inimigo batendo fatalmente em uma chata onde os chefes da expedição
redigiam a parte official, matou desastradamente o intrepido tenente-coronel
Cabrita e o major Luiz Fernandes Sampaio, ferindo tambem gravemente dous outros
officiaes do corpo de engenheiros.
Triste epilogo de tão
esplendido episodio, cujos louros entretecidos de funereos goivos, perdurarão
eternos nos fastos nacionaes, e despertarão sempre que a posteridade folhear
estas paginas da nossa historia, tão justa magoa por tão prematuras perdas,
como enthusiasmo por tão admiravel feito.
III
“Soldados! proclamou o inclito
general Osorio ao dar ordem de embarque. A margem do rio que tendes á vista é o
termo de vossas fadigas e dos sacrificios da nação brasileira. Chegou a hora da
expiação para esse inimigo cruel, que devastou nossos campos indefesos e
commetteu tantos actos de ferocidade contra populações inermes.
“O ingrato a quem o Brazil
encheu de beneficios verá agora que não nos impunha pela importancia de seus recursos;
já e muito tarde vai conhecer que a politica generosa do governo imperial em
relação ao Paraguay, era inspirada pela magnanimidade de seus principios e pela
nobreza do caracter brasileiro.
“Soldados e compatriotas!
Tenho presenciado a vossa serenidade no meio das privações e a vossa constancia
nos soffrimentos. Tendes dado o mais bello exemplo de dedicação á patria, a
cujo chamado acudistes enthusiasticamente, vindo dos mais longinquos pontos de
todas as provincias do imperio a reunir-vos aqui em torno do pavilhão nacional.
Aproveito este momento solemne para agradecer-vos em nome do Brazil e do
governo de Sua Magestade, o Imperador.
“Soldados! É facil a missão de
commandar homens livres; basta mostrar-lhes o caminho do dever.
“O nosso caminho está ali em
frente. Não tenho necessidade de recordar-vos que o inimigo vencido e o
Paraguay, desarmado ou pacifico, devem ser cousas sagradas para um exercito
composto de homens de honra e de ecoração.
“Ainda mais uma vez mostremos
ao mundo que as legiões brazileiras no Rio da Prata, só combatem o despotismo e
fraternisam com os povos. Avante, soldados!”
Na manhã do dia 15 de Abril
foram expedidas as ordens á esquadra e ás 3 horas da tarde veio ella
prolongar-se com a margem do rio e proximo das pontes por onde devia se
effectuar o embarque.
“N’esse momento, escreve uma
autorisada penna, uma especie de agitação dominava no porto do Passo da Patria;
mas agitação methodica e solemne, principiava no Apa, navio chefe, e se
transmittia aos extremos d’essa numerosa frota. Sobre a margem do rio via-se o
tenente-coronel Carvalho e os dez officiaes da comissão de engenheiros,
prevenir tudo para facilidade do embarque e segurança das tropas á bordo dos
transportes.
“Penetrando nos acampamentos
do exercito, a mesma agitação methodica se mostrava; e era um quadro grandioso
esse que apresentavam 33,000 homens arrumando-se para o desembarque em
territorio inimigo, o que importava dizer - para uma batalha ao saltar em
terra. O marechal Osorio se reproduzia onde quer que a sua presença era
necessaria.
“Ás cinco horas da tarde, uma
expedição de tres canhoneiras foi ao rio Paraguay escolher posição acima da foz.
Ás 11 horas da noite começou o embarque das tropas nos transporte, de modo que
ao amanhecer do dia 16, viam-se elles apinhados de tropas.”
A parte do exercito embarcado
compunha-se da:
1.ª divisão, commandada pelo
brigadeiro Argollo Ferrão, composta de duas brigadas; uma sob o mando do
coronel Jacintho Machado Bittencourt e outra do coronel Carlos Resin.
3ª divisão, commandada pelo
brigadeiro Antonio Sampaio, composta de duas brigadas, commandadas uma pelo
coronel André Alves Leite de Oliveira Bello, outra pelo coronel D. José
Balthazar da Silveira.
A 7ª brigada, composta do 1º e
13º batalhão de infanteria, do 6º, 9º e 11º de voluntarios e 2 companhias de
zuavos.
A 10ª brigada composta do 2º
batalhão de infanteria, e 2º e 26º de voluntarios.
Ás 7 horas da manhã de 17 de
Abril, a corveta Magé, as canhoneiras Ivahy, Ypiranga, Araguaya,
Greenhalg, Chuy e Mearim, os encouraçados Brazil, Bahia,
Tamandaré, e Barroso, as corvetas Paranahyba e Belmonte,
as canhoneiras Mearim e Itajahy, e Henrique Martins, e
duas chatas com peças de 68 formaram uma extensa e vistosa linha de protecção
para apoiar a passagem dos transportes.
Assim que a linha naval
achou-se formada e prompta para qualquer emergencia, oito transportes a vapor
rebocando pontões, chalanas e balsas puzeram-se em marcha, servindo-lhes de
guia uma canhoneira. Eram 8 horas.
Ás 9 horas ouviu-se fogo de
infanteria na margem opposta do Paraguay: immediatamente as canhoneiras do rio
Paraná romperam sobre a costa inimiga vivissimo fogo de metralha e bombardas.
Um quadro magestoso, tremendo
e imponente rasgava-se á vista deslumbrada do espectador.
Na margem esquerda do rio
Paraguay, onde se fazia o desembarque, empenhava-se um combate que de instante
a instante se tornava mais serio; depois, em uma extensão de perto de duas
milhas, a linha dos nossos navios dominando todo a costa. Além a bateria da
ilha sustentando a peleja ha onze dias empenhada tão valente quão
galhardamente; emfim, na extrema, tres canhoneiras batendo a costa onde se
occultava sob as cortinas de mattas numerosa força inimiga.
Todo esse movimento da armada
e do exercito occupava um espaço de cerca de 4 milhas, e tudo quanto ahi se
agitava, os 20 navios de guerra, os 8 transportes, o enorme material de
desembarque, a guarnição da ilha, os 100 canhões, os 17,000 homens que já
combatiam ou estavam prestes a isso, tudo era brazileiro.
A passagem do exercito para o
Paraguay, a primeira invasão do territorio inimigo foi exclusivamente
brazileira. Feitura toda nossa que nos enche de orgulho e cumulo de gloria, sem
que nos venha mesclar os nossos louros a minima folheta de alheias grinaldas.
Osorio, o nosso grande Osorio,
era o Napoleão americano conduzindo as nossas phalanges por aquelle novo
Egypto, onde em vez dos quarenta seculos das pyramides, contemplavam-nos pasmas
as duas republicas alliadas que deixavamos em uma margem e a republica
oppressao pela tyrannia de um despota na outra margem, para onde ousado
palinuro nos guiava a invencivel espada do valente general.
Ao desembarcarem em uma praia
baixa e arêenta, reconheceu-se a necessidade de uma ligeira exploração prévia.
Foi então que deu-se o
grandioso episodio que constitue um dos mais arrojados feitos de guerra que a
historia registra em seus annaes: feito que cobrindo de louros Osorio eleva-o a
proporções legendaria, que com o correr dos seculos o transformará em um desses
semi-deuses da poesia popular, como os doze pares de França ou os mais remotos
Achilles e Enéas que deram assumpto ás impereciveis epopéas dos Virgilios e
Homeros.
Á frente de 12 homens o bravo
general quiz por si mesmo reconhecer o terreno imimigo, e com quasi louca
temeridade embrenhou-se por invias veredas, ora calcando macegas, ora
encharcando-se em brejaes extensos e invadeaveis.
Tamanho e tão raro exemplo de
coragem e de dedicação á causa patria foi como uma fagulha cahida em bem
provido paiol; o enthusiasmo apossou-se dos nossos soldados e aos primeiros
tiros inimigos dados sobre a pequena força de cavallaria que seguia na
retaguarda do general, voaram as nossas hostes a empenhar o primeiro combate
dado em terra dos contrarios.
A força brazileira, embora
ainda em grande desproporção coma a do inimigo avançou sobre elle dando uma
carga de bayoneta contra a infanteria paraguaya. O inimigo recuou, mas não sem
deixar 41 mortos e 5 feridos. Pela nossa parte perderam-se 3 homens e ficaram
10 feridos.
Grande foi a vantagem moral
que adquiriu desde logo o nosso exercito sobre o inimigo, conseguindo ao
primeiro encontro e em desigualdade de forças sahir-se vencedor.
E não menor foi ainda o
resultado que para a exploração resultou de tal encontro, pois avançando os
nossos no ardor da peleja descobriram uma estrada do porto do desembarque até
um terreno alto e firme, e desse ponto o prolongamento da mesma estrada até o
forte de Itapirú.
Desassombradamente pôde então
adiantar-se não só a infanteria, como a artilharia, cerca de tres quartos de
legua até um sitio commodo e seguro onde assentaram acampamento.
Ás duas horas da tarde
sobrevindo uma furiosa tormenta, sobrestou as hostilidades até ás cinco horas,
em que de novo recomeçou com dobrado vigor, e sem maior victoria, quer para um,
quer para outro lado. Um corpo de cavallaria paraguaya carregou porém sobre um
de infanteria nosso, até que este ganhando superioridade levou-a de vencida até
embrenhar-se no matto.
Emquanto se davam essas
escaramuças na margem paraguaya, na corrientina embarcava o general Flores com
5,000 homens, e impedido pela tormenta, só depois della pôde aportar ao logar
de embarque, que effectou com a maior facilidade.
Tentou ainda o mesmo general
Flores approximar-se desde logo de Osorio, mas foi isso impossivel por terem as
cuvas tornado intransitavel o terreno anteriormente percorrido por este.
Com a pequena parte do
exercito; sem poder juntar-lhe aos 5,000 homens de Flores, tão proximo do
exercito paraguayo, em terreno ainda quasi inexplorado, grande vigilancia era
mister da parte de Osorio para não ser sorprendido, principalmente por um
inimigo tão audaz quão astucioso.
De facto, não foram em vão as
cautelas e providencias tomadas pelo nosso general: na madrugada de 17
empenhou-se a segunda peleha entre as forças paraguayas e as brazileiras.
Uma divisão de 3,000 homens
das tres armas, com quatro peças de artilharia apresentou-se-nos a offerecer
batalha.
Mandou o general Osorio os
batalhões 1.º e 13.º de linha, ás ordens do coronel Jacintho Machado
Bittencourt tomar de flanco a columna do inimigo, que teve de dar-lhe a sua
frente, cobrindo o seu flanco direito com as quatro peças de artilharia, mandou
mais o 10.º de voluntarios, commandado pelo tenente-coronel Joaquim Mauricio
Ferreira, atacar esse flanco inimigo, o que causou em suas fileiras graves
perturbações.
Os tres primeiros batalhões
carregaram sobre a frente do inimigo á bayoneta calada, os esquadrões de
cavallaria ao vel-os avançar, apearam-se e esperaram-nos a pé firme.
Travou-se o combate renhido e
tão pleno de valentia de uma parte como de outra, mas bem depressa a victoria
decidiu-se pelo nosso lado, pondo-se os inimigos em debandada.
Duas peças de artilheria,
muito armamento, umas bandeiras e até cavallos arreiados ficaram em nosso
poder. As perdas paraguayas calculavam-se em 500 mortos e 50 feridos, e nosssas
em 250 hpmens fóra de combate.
Emquanto uma parte do nosso
exercito operava esses brilhantes feitos em terra, por agua os nossos
encouraçados e canhoneiras, entrando na enseada de Itapirú, rompiam tão grande
fogo de metralha contra o forte que ás 9 horas da manhã obrigou-o a arrear a
bandeira paraguaya.
A força que estava na ilha foi
então reunir-se ás que estavam com Osorio, e o pavilhão nacional tremulou
impavido sobre os destroços da fortaleza inimiga.
Do dia 20 a 22 effectuou-se a
passagem do resto do exercito. Feito glorioso todo devido à bravura do general
Osorio e à scinencia do tenente-coronoel José Carlos de Carvalho.
A passagem do Passo da Patria
tendo sido a verdadeira iniciação da guerra decisiva contra o Paraguay, foi
tambem o primeiro feito d’armas do novel exercito que desde esse dia mereceu
ser collocado entre os mais aguerridos exercitos do mundo.
Aos dous velhos cabos de
guerra, Osorio e Caxias, deve-se principalmente a gloriosa campanha tão
brilhantemente estreada no Passo da Patria e tão bem determinada.
Osorio, de um grande numero de
homens sem os menores habitos militares, sem disciplina, sem escola, formou um
pé de exercito, valente e destro que pisou em terras inimigas cheio de coragem
e logo aos primeiros encontros deu provas de seu valor e dedicação á causa
nacional; Caxias, de reliquias esparsas desse pé de exercito tão disseminado
por successivas pelejas, continuas e longas jornadas e por desoladoras
epidemias, abatido e quasi desanimado, formou um outro pé de exercito que levou
triumphante o auri-verde pendão ao coração da capital inimiga.
Se só com o disciplinamento do
novel exercito, com a transformação de homens bisonhos em soldados adestrados,
Osorio conquistou um dos mais proeminentes logares entre os benemeritos da
patria, mais alto ainda se eleva, em letras de ouro refulge seu nome no
pantheon nacional com a admiraval passagem do Passo da Patria e o assombroso
episodio do reconhecimento feito por elle, apenas seguido de doze cavalleiros!
De lança em punho, a cavallo,
internando-se com seus doze companheiros por um paiz inimigo que lhe era
totalmente desconhecido, Osorio semelha-se a um desses heróes dos tempos
barbaros em que o valor pessoal era tudo, e o ferro de um guerreiro valia por
um exercito. Só, tratava uma peleja e, levando de vencida os contrarios ou
cahindo-lhes aos pés, era sempre um heróe.
E esse feito do Passo da
Patria, que será um dia assombro para os que lerem no futuro, narrou-o o heróe
ao general em chefe dos exercitos alliados D. Bartholomeu Mittre com uma
linguagem tão singela e tão verdadeira, que mais sobreleva a grandeza da acção
a modestia com que a descreve o heróe.
“Exm. Sr., escreveu elle no
dia immediato á passagem. - Tendo hontem, ás 9 horas da manhã desembarcado,
segundo estava disposto, no territorio inimigo, cerca de meia legua acima da
embocadura do rio Paraguay, effectuei o conveniente reconhecimento, que dirigi
em pessoa, acompanhado de 12 homens de cavallaria, encontrei um profundo e
atoladissimo banhado, unicamente vadeavel por um desfiladeiro que dava passagem
com agua pelo peito dos cavallos.
“Ahi travou o meu piquete uma
guerrilha com o inimigo, que se oppoz, sendo o piquete immediatamente
sustentado por uma pequena força de infantaria, que mandei seguir-me ao
desembarcar. Foi necessario grande esforço para que essas guerrilhas, mui
diminutas em numero, podessem conter o inimigo, que nos aggredia com forças das
tres armas e em numero avultado, figurando tres batalhões de infanteria, duas
peças de artilheria ligeira e alguma cavallaria, que apparecia e desapparecia
no bosque; mas reforçadas as guerrilhas com uma ala do 2;º batalhão de
voluntarios muito bem commandada, batalhão esse a que pertencia a guerrilha de
infanteria, facil foi pôr os paraguayos em completa derrota, até á posição que
actualmente occupo, em espesso bosque abaixo de Itapirú.
“Por ser tarde, estabeleci o
acampamento das duas divisões e oito peças de artilheria, que compunham a
expedição sob meu commando, em bom campo, com vantajosas posições, e onde póde
estabelecer-se todo o exercito, no caso de continuar a chuva que cahe com
abundancia desde hontem ás duas horas da tarde.
“Desde o desembarque até esse
ponto ha uma boa estrada de rodagem, que provavelmente segue para Itapirú.
Quando cessou a perseguição que fizemos ao inimigo, o qual embrenhava-se nos
bosques que tenho em frente, voltou subitamente á carga um corpo de cavallaria
paraguaya contra um piquete do 12.º de linha que estava em frente da
artilheria; com uma descarga e uma carga de bayoneta do piquete, voltou a
cavallaria paraguaya para os seus montes, deixando alguns mortos.
“Tomamos ao inimigo 5 prisioneiros
feridos e 41 mortos, tendo a minha força até hontem á meia noite 3 mortes e 10
feridos, incluso um official subalterno.
“No decurso da noite
precedente foram mortos dous paraguayos e ferido gravemente um dos que ficaram
escondidos nos grandes paúes que ha neste campo, e que protegidos pela noite
faziam fogo sobre as sentinellas.
“Ás 8 horas da noite
atacaram-me a primeira linha de vedetas, foram rechaçadas, voltando ao paúl
donde tinham sahido, e causando apenas leves ferimentos em tres praças do 1.º
batalhão de linha, que formava a dita linha.
“Ao anoitecer veio ver-me o
Sr. general Flores, com quem desde logo me puz de accordo sobre ulteriores
movimentos. - Osorio.”
“P. S. - O inimigo
apresentou-se hoje forte e combate vivamente”.
Como complemento desta peça
tão tocante pela sua simplicidade como digna pela lealdade que respira,
trasncrevemos esta outra de um juiz competente, que nas palavras que
sublinhamos dá a medidade de sua admiração pelo nosso grande general:
“Exm. Sr. D. Bartholomeu
Mitre. - O Sr. marechal Osorio distingue-se com as forças brasileiras combatendo
como heróes. Hoje tomaram ao inimigo duas peças e uma bandeira. Já estamos
com todas as forças reunidas. O general Paunero vai fallar-lhe em nome do
general Osorio e no meu, para combinar o ataque de Itapirú. Receba as minhas
felicitações pelo triumpho das armas alliadas. Mande-nos munições e alguns
viveres para o primeiro corpo argentino. Hoje poderão vir as forças que fôr
possivel enviar durante o dia, apezar de que considero sufficiente o que ha. - Venancio
Flores.”
No dia 19 D. Bartholomeu Mitre
enviou ao presidente da republica argentina D. Marcos Paz o seguinte officio,
no qual faz o mais insuspeito elogio aos nossos bravos em geral e
particularmente ao nosso glorioso general.
“Tenho a honra de remetter a
V. Ex. o boletim n. 2 do exercito alliado, contendo as partes que noticiam a
invasão do territorio inimigo pelo Passo da Patria, pelas forças do exercito
alliado, cujo feliz e glorioso acontecimento succedeu no dia 16 do corrente: assim
como dos combates sustentados por essas mesmas forças contra outras do inimigo,
que se oppuzeram á passagem no acto de effectuar-se o desembarque, e outras que
se apresentaram a meio caminho de Itapirú; tendo-se em ambos os encontros
conduzido as ditas forças, nas suas totalidades brazileiras, e ás ordens do Sr.
marechal Osorio, com toda a honra e bizarria; derrotando o inimigo e
causando-lhe sensiveis perdas em mortos, feridos e prisioneiros; e
arrancando-lhe como trophéu uma bandeira paragaya e duas peças de artilharia.
Felicito a V. Ex. por estes importantes feitos de tanta transcendencia para os
ulteriores da campanha, e que tanto honram os governos e os povos alliados”.
Sejam alguns extractos da
ordem do dia n. 152 do general Osorio a ultima transcripção em que finalisemos
este esboço historico de um dos mais brilhantes feitos da guerra do Paraguay;
porque nella rende o illustre marechal a merecida justiça áquelles que com mais
denodo e valentia o acompanharam em tão gloriosa jornada e o ajudaram á
colheita dos virentes louros que então colheu o exercito brazileiro.
“Quartel general do commando
em chefe do 1. corpo do exercito em operações. Acapamento na Republica do
Praguay, junto ao Passo da Patria, a 25 de Abril de 1866.
“S. Ex. o Sr. general em
chefe, congratulando-se com o exercito do seu commando pelo feliz successo da
operação que nos deu a posso das posições que occupava o inimigo n’esta margem
do Paraná e conseguintemente a passagem franca dos exercitos alliados para o
territorio paraguayo; manda fazer publico ao mesmo exercito as partes especiaes
dos corpos das duas divisões que compuzeram a expedição, os quaes tiveram
occasião de se encontrar em combate com o inimigo, afim de que chegue ao
conhecimento de todos o modo porque foi apreciado o comportamento d’aquelles
que se distinguiram.
“Os Sr.s brigadeiro Jacintho
Pinto de Araujo Corrêa, chefe do estado-maior Antonio de Sampaio, Alexandre
Gomes Argollo Ferrão, commandantes da 1.ª e 3.ª divisão; os Srs. coroneis Jacintho
Machado Bittencourt, commandante da 7.ª brigada e que commandou a força da
vanguarda na manhã do dia 17; Carlos Resin, commandante da 10 brigada; André
Alves Leite de Oliveira Bello, da 5.ª; D. José Balthazar da Silveira, da 8.ª;
não desmentiram o conceito de que gozam, guardando os respectivos postos com
serenidade, activando e dirigindo cada um sua parte o movimento das fracções de
forças do seu respectivo commando, á medida que as circumstancias do terreno o
permittiam ou que a necessidade se apresentava de reforços neste ou n’aquelle
ponto.
“Os officiaes que compunham o
estado-maior de cada um d’estes generaes e commandantes de brigada não deixaram
de desenvolver a actividade precisa e exigivel, quando a qualquer d’elles cabia
a vez de transmittir ordens ou guiar forças.
“Os Srs. commandantes dos
corpos que tomaram parte nos combates parciaes e geral dos dias 16 e 17 do
corrente, até chegarmos a tomar posso do forte de Itapirú e suas visinhanças,
são especialmente felicitados por S. Ex. pelo sangue frio, valor e actividade
que patentearam.
“O Sr. major Manoel Deodoro da
Fonseca, commandante do 2.ºde voluntarios, dirigindo com denodo a vanguarda,
composta das fracções de differentes corpos que já haviam desembarcado no
momento em que o piquete de S. Ex. se achava em luta com o inimigo no
desfiladeiro, mo banhado, avançando intrepidamente em apoio do mesmo piquete e
obrigando o inimigo a bater-se em retirada, prestou relevantissimo serviço na
protecção do desembarque da nossa força. Os nossos tenentes-coroneis Domingos
José da Costa Pereira, commandante do 12.º batalhão de infanteria; Joaquim
Mauricio Ferreira do 10.º corpo de voluntarios; Francisco Antonio de Souza
Camisão, do 8.º de infanteria; Salustiano Jeronymo dos Reis, do 2.º da mesma
arma; majores Francisco Frederico Figueira de Mello, commandante do 26.º corpo
de voluntarios; Francisco Maria dos Guimarães Peixoto, commandante do 1.º de
infanteria; Augusto Cesar da Silva, commandante do 13.º da mesma; João de Souza
Fagundes, commandante do 16.º da mesma arma; e Innocencio Cavalcanti de
Albuquerque, commandante do 11.º corpo de voluntarios, cujos corpos tiveram
occasião de entrar em fogo no dia 16 e principalmente no dia 17, mostram-se
dignos da confiança que até o presente tem merecido de S. Ex.
“O Sr. tenente-coronel Emilio
Luiz Mallet, commandante do 1.º regimento de artilharia a cavallo, que dirigia
as oito boccas de fogo que acompanhavam a expedição, confirmou os seus
precedentes, desenvolvendo a actividade, bravura e energia que ha muito lhe eram
conhecidas.
“O Sr. tenente-coronel José
Carlos de Carvalho, chefe de commissão de engenheiros, que acompanhou o Sr.
general em chefe no dia 16, mostrou-se activo e zeloso em codjuval-o naquillo
que poderia concorrer.
“O Sr. tenente-coronel João
Simplicio Ferreira, empreago junto a S. Ex., cuja bravura já é muito conhecida,
faz excessos de energia; o Sr. tenente Joaquim Pantaleão Telles de Queiroz,
commandante do piquete de S. Ex., o mesmo que no ataque da ilha fez-se admirar
dos seus camaradas pelo valor e energia que desenvolveu, não foi menos
admiravel combatendo com a pequena força de cavallaria que primeiro teve de
fazer frente ao inimigo, continuando depois a exercer com a mesma energia as
funcções de ajudante de ordens, os Srs. tenente-coronel Candido Antonio
Figueiró; capitães do 3ºregimento de cavallaria ligeira Izidoro Fernandes de
Oliveira, e do 1º corpo da brigada ligeira Luiz Alves Pereira, que nesta
occasião fizeram parte do estado-maior de S. Ex., ajudantes de campo, tenente
Manoel Jacintho Osorio e alferes Manoel Luiz Osorio, portaram-se muito
dignamente, nada deixando a desejar no cumprimento de seus deveres.
“S. Ex. elogiando a intrepidez
e serenidade do Sr. Luiz da Costa, commandante dos poucos atiradores á cavallo
da brigada ligeira que naquella occasião formava o seu piquete, lamenta
profundamente que tivesse a infelicidade de ser baleado gravemente no combate
da manhã de 17.
“Os mais officiaes inferiores
que compunham o piquetee de S. Ex. cumpriram o seu dever.
“Plenamente satisfeito do comportamento
dos poucos batalhões que têm tido occasião de medir-se com o inimigo, S. Ex.
reconhece com prazer, que, além do brio natural que anima e enche de valor o
soldado brazileiro no combate, não têm sido perdidos os esforços empregados em
sua disciplina e instrucção, e que os diferentes chefes bem tem correspondido á
confiança que lhe tem merecido.
“S. Ex. o Sr. general em chefe
entende que faltaria a um dever sagrado se nesta occasião e perante o execito
de seu commando deixasse de manifestar-se grato aos nossos bravos irmãos de
marinha e ao seu digno chefe pelo muito que ocncorreram para o feliz exito da
nossa expedição, coadjuvando o transporte das tropas para este lado, já
metralhando o inimigo e desconcertando-o em sua retirada, já finalmente bobardeando
o seu decantado acampamento intrincheirado no Passo da Patria, sendo só a ella
devido o desalojamento precipitado do grosso de suas forças, que, guardadas em
suas trincheiras, julgavam nos impedir o passo para Humaitá”.
Eduardo De Martino
(1836-1912), Ataque e tomada do Estabelecimiento. Litografia baseada em
óleo, desenho de R. Pontremoli, 54 cm x 74,5 cm (aprox.)
Rio de Janeiro, Museu
Histórico Nacional
Depois dos ultimos combates do
anno de 1867, o exercito paraguayo, como que extenuado, deixou-se ficar
inactivo em suas trincheiras; uma ou outra partida de cavalaria sahia ás vezes
em correrias que pouco ou mesmo nenhum resultado lhes dava.
Por conveniencia nossa
mantinha o exercito alliado esse estado de cousas, e assim se passaram ainda os
mezes de Janeiro e Fevereiro de 1868.
Desde que as tropas
brazileiras occuparam Tagy, Lopes começou então a passar forças para o Chaco,
margem direita do rio Paraguay, onde abrio uma estrada que alcançava a foz do
rio Tibiquary, que é a margem esquerda do Paraguay.
As tropas alliadas que estavam
no Chaco eram necessarias para deffender os pontos terminaes da estrada de
ferro e manter livre a communicação entre a esquadra encouraçada, fundeada
acima de Curupaity, e a de madeira, fundeada abaixo desta fortificação, como se
verificou quando os paraguayos as viream atacar para tentar hostilisar os
navios que estavam ancorados nas proximidades do Chaco.
Tendo chegado a Curuzú os
ultimos monitores, construidos nesta côrte, e do Passo da Patria reforços de
tropa, o Marquez de Caxias resolveu ir conferenciar com o vice-almirante sobre
o plano de proximas operações, e tambem passar revista ás tropas de Tuyuty,
Passo da Patria e Chaco.
Depois de conferenciar, o
general em chefe deu algumas providencias, das quaes não surtiam
extraordinarios effeitos; nem para tanto as idéara o Marquez de Caxias, que com
louvavel prudencia aguardava o momento de operar com energia.
Durante o mez de Janeiro as
operações de guerra limitaram-se a alguns tiroteios e canhonadas. Tendo o
Marechal verificado que o canhão Whitworth dava bons resultados, mandou levar
alguns do mesmo systhema para Tuyú-Cué, o que se fez com muito trabalho pelas
difficuldades do caminho.
Varias tentativas manobrou o
inimigo para surprehender, de noite, guardas nossos ou matar sentinellas
avançadas; mas, como de nossa parte havia extrema vigilancia, foi elle sempre
rechaçado.
Para chamal-o a campo
descoberto, mandou o Barão do Triumpho na noite de 31 de Janeiro emboscar em
uma mata, perto da linha paraguaya, um corpo de cavallaria de 260 praças,
commandado pelo tenente-coronel Hypolito Ribeiro.
Ao amanhecer do dia seguinte,
12 soldados desse corpo adiantaram-se até ás guardas inimigas, provocando-as ao
combate.
Uma força inimiga de 80 homens
accometteu logo os 12 soldados brazileiros, que ora parecia querer-lhes fugir,
ora fazer-lhes frente. Assim lograram trazel-os para junto dos nossos, que os aprisionaram
em grande parte, matando alguns na luta que empenharam com muito denodo e
bizarria.
O inimigo teve 32 mortos,
inclusive 3 officiaes, e trouxeram ao nosso campo 2 officiaes e 14 soldados
prisioneiros. Na nossa cavallaria houve 3 feridos.
No dia 8 de Fevereiro, o
general Caxias foi á fortificação de Tagy e passou revista ás tropas; no dia
seguinte foi á villa do Pilar, onde tambem passou revista ás divisões de
cavallaria sob o commando do general Mena Barreto.
Finda a revista, seguio para
Tuyu-Cué e dahi para S. Solano onde soube pelo brigadeiro Barão do Triumpho do
reconhecimento realisado sobre o lado direito do Humaytá.
Este reconhecimento feito com
o mais feliz successo foi a 9 de Fevereiro de 1868; a 11 o Marquez de Caxias
mandou ir do Chaco para Tuyu-Cué os batalhões de infanteria 16º e 34º e de Tagy
para o mesmo os batalhões 7º, 9º e 21º, seguindo para Tagy o 17º e 18º de
cavallaria, commandados pelo coronel Bento Martins de Menezes.
A 13 de Fevereiro passaram as
baterias de Curupaity os tres monitores recemchegados do Rio de Janeiro e que
foram reunir-se aos encouraçados.
No dia 17 o commandante
Giriboni, com 100 homens de cavallaria e 80 de infantaria, indo fazer uma
descoberta no campo, foi atacado pelos paraguayos que estavam emboscados pela
frente e pelo flanco; Giriboni morreu na acção e com elle 3 officiaes e 47
soldados argentinos de seu commando.
A 19 effectuou-se a gloriosa
passagem de Humaytá pelos encouraçados; feito prodigioso a respeito do qual o Standart,
folha que sempre nos foi hostil, escreveu então que “o Brazil pôde bem
ufanar-se de sua victoria, porque não só lhe dará o dominio completo do
Paraguay e demolirá o mais forte baluarte do poder paraguayo, mas deu ainda um
dia de gloria ao seu poder naval, que a posteridade hade venerar.
“Nenhum acontecimento de igual
importancia occorreu ainda nesta parte do mundo nesta geração; e, para honra do
pavilhão brazileiro, é necessario confessar que a victoria naval alcançada é a
todos os respeitos digna de figurar a par de Aboukir e Trafalgar.”
Emquanto operava por agua a
esquadra tão denodada quão gloriosamente, por terra o Marquez de Caxias
aprestava o exercito para uma das mais brilhantes jornadas que se deram sob seu
commando.
Ás 10 horas da noite de 18 de
Fevereiro, uma columna composta da 1ª brigada do commando do coronel João do
Rego Barros Falcão, da 2ª sob o mando do coronel Frederico Augusto de Mesquita,
e da 5ª ao mando do coronel Francisco Pinheiro Guimarães punham-se em ordem de
marcha e promptas a seguir ao primeiro signal.
Ás 11 horas da noite partio de
seu quartel general o Marquez de Caxias acompanhado de seu estado maior, do
qual fazia parte o chefe do corpo de saude o Dr. Francisco Bonifacio de Abreu,
seu secretario, cinco medicos e dous pharmaceuticos.
Aprestadas aquellas tres
brigadas, puzeram-se todos em marcha vagarosa para não fatigar a tropa. A
columna marchou toda a noite.
Ás 4 horas da manhã, já á
pouca distancia do ponto fortificado, ouvio-se o fogo de artilharia muito
nutrido em Humaytá; era a passagem dos encouraçados que se effectuava. A subida
ao ar de foguetes annunciava ao exercito o bom exito da empreza.
Ás 5 horas da manhã chegou o
Marquez de Caxias com a sua columna á vista das forças inimigas que ia atacar.
Ahi fez-se alto emquanto o general em chefe seguia com seu estado-maior a
reconhecer o terreno.
Voltando a tomara direcção do
ataque ordenou o general em chefe que a brigada commandada pelo coronel Barros
Falcão, composta dos batalhões 16º do commando do coronel Antonio Tiburcio de
Souza, 31º do commando do major Assumpção, e do corpo de atiradores do commando
do capitão Mayer, carregassem a marche-marche sobre a trincheira.
Avançado valentemente esta
parte das forças, atacavam o reductor inimigo, que immediatamente rompeu tenaz
e vivissimo fogo sobre os nossos.
Estava travada a peleja.
A luta foi rapida porém
homerica.
A cavallaria, a intrepida
cavallaria ao mando do Barão do Triumpho, avançou denodada contra o inimigo
operando prodigios de valor.
Andrade Neves, como que
rebatptisava-se com o nome que a munificencia imperial recompensára seus
passados feitos; o Barão do Triumpho, não podia nem devia de então por diante
deixar de triumphar.
Á frente de seus bravos
camaradas dava elle o mais bello exemplo de intrepidez e patriotismo.
Em um momento os tres batalhões,
que primeiro avançaram, escalaram as trincheiras, sob um fogo nutrido e
ininterrompido.
O marquez de Caxias ordena
então que o 10º batalhão sob o commando do major Modesto Netto e o 1º ao mando
do tenente-coronel Valporto avancem sobre ultima trincheira.
O coronel Pinheiro Guimarães
com estes dous batalhões de sua brigada auxilia os outros corpos, carregando
todos sobre a segunda trincheira.
Conseguem tambem estes
escalar, e um combate a ferro e fogo trava-se renhido e porfiado.
Eram valentes os nossos, mas
não menos audazes eram os inimigos.
Os paraguayos batiam-se com
verdadeira coragem; disputavam até o ultimo alento a posse daquelle ponto de
defesa.
As tres brigadas 1ª, 2ª e 3ª
que compunham a 3ª divisão commandada pelo brigadeiro José Antonio da Silva
Guimarães, portavam-se com desusada bizarria.
No meio daquella luta de vida
e morte, em face daquelle reducto, onde se estavam dando episodios dignos de
tuba homerica, o vulto imponente e magestoso do velho cabo de guerra alteava-se
dominando todo o conjuncto como a esthetica do quadro.
Sua voz mascular e autosiada
mandava todas as evoluções da acção; seu olhar firme e experimentado avaliava o
estado de todas as situações.
Rodeado de seu brioso estado
maior, afrente daquella acção travada franca e desassombradamente, o Marquez de
Caxias avultava, crescia.
Era bello de ver-se illuminado
pelos raios do sol, sob um céo enegrecido pelo fumo dos canhões, aquella figura
nobre e varonil dando ao mundo o mais admiravel exemplo de verdadeiro amor da
patria.
De todos quantos partiram para
os campos do Paraguay, de todos os quantos tomaram parte naquella porfiada luta
de cinco annos, nenhum foi mais voluntario e mais desinteressado que o Marquez
de Caxias.
Comulado de honras e
grnadezes, nada mais tendo a ambicionar porque tudo quanto a Patria lhe podia
dar já lhe havia dado, velho, cançado e enfermo, que seducções poderiam actuar
no espirito do velho cabo de guerra para fazel-o abandonar seu lar e seus
commodos, para ir em paiz inhospito e inimigo supportar as fadigas e os perigos
da guerra?
As paixões politicas, a inveja
dos contemporaneos procuram debalde escurecer tão nobre e tão memoravel
sacrificio, debalde esforçam-se para baixar ao nivel commum esse sacrificio
sublime que eleva o marechal Caxias a uma altura, onde já não o alcançam os
impotentes votos de seus pigmeus desaffectos.
O heroe elevou-se muito alto;
seu pedestal de gloria está bem solido para que o camartello dos iconoclastas
consiga derrubar o idolo que a posteridade de ha muito esguarda.
No ataque do Estabelecimiento,
como no de Itororó, no de Lomas Valentinas e em todos quantos sua espada
vencedora mostrou aos nossos a trilha da victoria, o marechal Caxias provou até
á evidencia que a velhice e a emfermidade do corpo desapparecem quando o espirito,
remoçado pelo fogo sagrado do patriotismo, lhes impõe o sacrificio do dever.
A dupla operação, por agua e
por terra, que derrocando o importantissimo reducto do Estabelecimiento
assegurou-nos livre e franca passagem até Assumpção, desmontando de uma vez
para sempre Humaytá, não foi um acontecimento fortuito, filho de mero acaso,
mas sasonado cructo de acurado estudo, seguro resultado de acertados planos.
Militar encanecido no serviço das armas, o Marquez de Caxias, na campanha do
Paraguay, provou que os annos e a pratica não lhe eram infructiferos. Da
seguinte parte dada ao Ministro da Guerra, prova-se até a evidencia o que
avançamos:
“Em minha confidencial datada de
4 do corrente mez, levei ao conhecimento de V. Ex. que, como resultado das
conferencias que tive com o Barão de Inhauma, ficou entre nós ambos resolvido
que se forçasse a passagem de Humaytá, aproveitando-se o crescimento das aguas
do rio Paraguay, e devendo essa perigosa empreza ser secundada por um ataque
geral simultaneo contra toda a linha de fortificações inimigas por parte do
exercito.
“Tambem mandei dizer a V. Ex.,
nesta data, que seguiria breve para Tagy, por ter de tomar algumas medidas
connexas com aquella manobra, e de tudo quanto se passasse posteriormente daria
eu parte a V. Ex.
“Agora que as armas imperiaes
se cobriram de gloria tanto em terra como no rio Paraguay, é com o sentimento
do mais vivo jubilo que eu nesta data me dirijo a V. Ex. a fim de narrar-lhe,
ainda que succintamente, tudo quanto praticaram o exercito e a esquadra
brazileira ao amanhecer do dia 19 do corrente, que fôra ultimamente escolhido
por mim e pelo Barão de Inhauma, em consequencia de ter o rio começado a baixar
no dia 17, e não se poder calcular qual o estado de suas aguas no dia 23 que
anteriormente fôra designado.
“Havia dado as minhas ordens e
expedido as convenientes instrucções para que, logo que se ouvissem, na
madrugada de 18 para 19 do corrente, os tiros convencionados da esquadra, o
exercito começasse seu movimento.
“O marechal Alexandre Gomes
d’Argollo Ferrão que, como V. Ex. sabe, commanda o 2º corpo do exercito, o qual
fórma nossa ala esquerda em Tuyty, devia romper o fogo em toda a linha,
ameaçando aquelle ponto della que parecesse mais fraco, devendo anteriormente,
por meio de catos preparatorios buscar chamar a attenção do inimigo, afim de
poder elle crer que ali ia ser diffinitivamente atacado.
“Da lagôa Pires duas ou tres
canhoneiras, da 2ª grande divisão da esquadra, deveriam tambem bombardear em
direcção do Passo-Pocù.
“Ao general argentino D. Juan
A. Gellyy Obes encarreguei eu de, com iguaes manobras, ameaçar o angulo
esquerdo do quadrilatero inimigo, nas proximidades do Passo das Canôas.
“O Barão do Herval recebeu as
minhas orden para ao mesmo tempo romper o bombardeamento contra o Passo Pocù,
ameaçando-se e fazendo crêr que era o ponto escolhido para um ataque sério e
decisivo; e, para que o inimigo tivesse razões para ganhar e robustecer essa
crença, determinei que durante o dia 18 houvesse no campo do 3º corpo de
exercito grande e ostensivo movimento nas carretas e demais vehiculos de
conducção, na artilheria da campanha, que deveria manobrar em differentes
direcções, tendo o inimigo visto que ao declinar da tarde desse dia vieram de
S. Solano e procuraram o acampamento do 3º corpo de exercito forças
consideraveis de cavallaria.
“Duas brigadas de infanteria
pertencentes á 3ª divisão da mesma arma, commandada pelo brigadeiro José
Antonio da Silva Guimarães, foram por ordem minha postar-se em posição
conveniente, na tarde desse mesmo dia, e eu lhes passei revista, tendo tudo
sido observado pelo inimigo.
“Logo porém que anoiteceu as
forças de cavallaria que tinham vindo de S. Solano contramarcharam, e até ás 11
horas da noite em ponto marchei eu á frente de 10 batalhões de infanteria, uma
bateria de 12 boccas de fogo de campanha e uma divisão de cavallaria de 1.700
homens, dos quaes 200 eram Argentinos, e me dirigi para o nosso flanco direito,
ou á esquerda do inimigo, que desta minha marcha se não apercebeu, tendo-me eu
conservado com esta força emboscado até serem ouvidos os tiros da esquadra,
ordenando então ao Barão do Triumpho que, á testa de tres batalhões de
infanteria e de uma brigada de cavallaria, desse assalto contra um forte dos
mais importantes que o inimigo possue na extrema de sua linha e proximidade de
Humaytá, e que guarda e deffende grandes armazens, cujos depositos forneciam
Humaytá de munições de todo genero e armament, havendo alem disto grandes
fabricas de telha e tijolo, de cujo producto se abasteciam ainda as
fortificações inimigas.
“Alem disto, uma outra razão
ha para que o forte que mandei atacar fosse julgado pelo inimigo de subida
importancia, e consiste ella em ser bordada essa localidade por uma lagoa
extensiva e profunda, por onde recebia o gado que do interior e pelo caminho do
Chaco lhe chegava.
“É por tudo isto que esse
forte estava deffendido por tres fossos e duas muralhas, onde estava
asseestadas 15 peças de differentes calibres, e guarnecido por dous batalhões,
um regimento de cavallaria e o s artilheiros sufficientes para fazer jogar
aquellas boccas de fogo.
“Avançar nossa columna de
ataque, assaltar, transpôr os fossos e apoderar-se da 1ª linha de fortificação,
foi obra de um instante. Nem a metralha do inimigo, nem o fogo incessante e o
nutridissimo de seus fuzis, puderam arrefecer a coragem indomavel dos nossos
soldados e o impeto com que praticaram tão brilhante accommettimento.
“O inimigo, concentrando-se
então na sua 2ª linha, resistiu com energia e pertinencia ao ataque das nossas
forças contra esse ponto, durante o longo espaço de 3 horas; e só depois
dellas, da chegada de reforços que fiz marchar, bem como de emprego de machados
contra uma ponte levadiça que fizera levantar e que servia de portão a essa
linha, cedeu e se declarou vencido. A bandeira paraguaya cahiu e foi
substituida pela brazileira, no meio da acclamação unanime de nossos officiaes
e soldados.
“Posso assegurar a V. Ex. que
o inimigo se bateu com incrivel audacia e valor. A mortandade foi grande, mas
os cadaveres eram encontrados nos lugares em que, momentos antes, a defesa da
fortificação era sustentada com o maior vigor.
“O inimigo, entre mortos e
feridos, perdeu toda a força que tinha no reducto inclusive seu chefe; e
aquelles que, depois de vencidos, procuraram atravessar um banhado proximo e
por elle se escapar, cahiram aos tiros de dous batalhões, e a cuja intimação
para se renderem os Paraguayos fugitivos resistiam com incrivel perseverança.
“As 15 peças de artilheria, de
que acima fallei, ficaram em nosso poder, e bem assim uma quantidade
extraordinaria de armamento e munições bellicas e de arreiamento, de que os
depositos se achavam atulhados.
“Dous vapores inimigos o Taquary
e Juarez, que estavam no Humaytá antes de forçada a sua passagem,
vieram abrigar-se contra o fogo dos nossos encouraçados na lagoa que já fiz
menção, e dahi bombardeavam as nossas forças ao tempo em que atacavam ellas as
trincheiras; vendo-se, porém, obrigados a fugir, com muitas avarias, da posição
que haviam tomado, depois que os mandei metralhar por algumas boccas de fogo de
campanha, que fiz convenientemente assestar.
“Asseguro a V. Ex. que a acção
foi importantissima, eu a commandei e dirigi em pessoa, levando commigo os
generaes Barão do Riumpho, commandante da cavallaria, e brigadeiro José Antonio
da Silva Guimarães, commandante de infanteria, sendo a artilheria de campanha
dirigida pelo seu commandante, o coronel Emilio Luiz Mallet.
“Dizer que estes distinctos
chefes se houveram com valor, pericia e dedicação, é repetir aquillo que os
annaes da presente guerra já reconhecem.
“De nossa parte tivemos, entre
mortos, feridos e contusos 500 a 600 homens postos fóra de combate, figurando
entre elles numero crescido de officiaes subalternos dos corpos que assaltaram
o forte, o que prova o açodamento e coragem com que se bateram.
“Na ordem do dia que farei
brevemente publicar declarei os nomes dos commandantes de brigada, dos corpos
de que ella se compoz, dos officiaes e praças que entraram nessa luta gloriosa,
afim de os recommendar á consideração do governo e á munificencia do imperador.
“Concluirei este topico
declarando a V. Ex. que, terminado o combate e ganha tão assignalada victoria,
mandei lançar fogo para destruir completamente a todos esses vastos armazens,
depositos, fabricas e dependencias do reducto atacado, e que é conhecido do
Paraguay pelo nome de Estabelecimiento, não esquecendo as grandes canôas que
cahiram em nosso poder, e que facilitavam as communicações do inimigo com o
Chaco.
“Os navios da esquadra que
forçavam a pssagem do Humaytá, levantando muito alto o pavilhão nacional e
escrevendo gloriosa e imorredoura pagina para a mesma esquadra foram os tres
encouraçados Tamandaré, Barroso e Bahia, cada um dos quaes passou levando
atracado um monitor.
“O commandante dessa
esquadrilha, que tão galhardamente se houve na mais difficil e perigosa
empreza, foi o capitão de mar e guerra Delphim Carlos de Carvalho.
“Não se perdeu uma só vida,
ficando apenas levemente contuso o mesmo commandante da esquadrilha e o
intrepido e dedicado Etchbarne, o que tanto é mais digno de admirar, quanto é
certo que o monitor Alagoas foi abordado por força inimiga, que armada de
lanças e espada ousára tentar tomal-o.”
O trecho seguinte de uma
correspondencia particular completa os detalhes dessa brilhante jornada.
“O Marquez de Caxias resolvido
a atacar uma das fortes posições que Lopes possuia acima do Humaytá e que eram
o Estabelecimiento e Lourelles, deu mui habilmente preferencia ao primeiro.
“Era elle o mais forte,
custaria portanto maior esforço, mas conquistado esse ponto, Lourelles não podia
conservar-se, e pois com um só combate tomavam-se duas fortificações inimigas,
e se encurtava de duaus leguas a sua linha. Demais impossibilitava-se a
passagem de recursos por Humaytá.
“Não só pelos seus meios
proprios, mas pelos auxilios que podia Lopes mandar-lhe de prompto, o ataque do
Estabelecimiento podia dar lugar a uma verdadeira batalha, e o Marquez a quiz
dirigir em pessôa, levando 7000 homens, sendo 5000 de infanteria, 2000 de
cavallaria e algumas secções de artilheria.
“Tendo tomado posição durante
a noite, ás 5 horas da manhã de 19 de Fevereiro principiaram o ataque das
forças brazileiras, jogando sua artilheria durante uma hora ou menos. O
inimigo, presenindo que ia ser atacado, havia nessa mesma noite pedido reforço
a Humaytá, que lhe mandou dous batalhões e dous vapores para apoiar pelo rio.
Assim a força Paraguaya excedia a 1600 homens com 15 canhões, fóra os 10 ou 12
vapores.
“Sendo grande a superioridade
do inimigo em artilheria, o Marquez não quiz prolongar o combate com essa arma,
e resolveu-se dar o assalto. Duas altas trincheiras tinham os Paraguayos, com
largos fossos, abatizes etc. e como o terreno não permittia tomar parte no
combate senão a uma certa porção de nossas forças, o Marquez designou cinco
batalhões de infanteria e um regimento de cavallaria desmontada para levarem e
sustentarem o ataque, que foi disposto de modo que a sua violencia suprisse o
menor numero de forças, que podia empregar.
“As valentes tropas
brazileiras mostraram ainda nesse dia que nada tem que invejar aos melhores
soldados do mundo. Debaixo de um fogo vivissimo de metralha e fuzilaria
arremessaram-se de encontro ás trincheiras.
“As primeiras fileiras cahiram
por inteiro; as outras avançavam e cahiam tambem até que algumas, muito
dissiminadas abordavam o fosso. Com fachinas e com os cadaveres de seus
companheiros cegaram esse fosse e tentaram logo escalar as trincheiras. Ahi,
com seu fogo vivissimo e á bayoneta, o inimigo os repellia, mas animados os
nossos soldados pela voz e exemplo dos officiaes conseguiram trepar aos
parapeitos. Uma parte da força Paraguaya fugiu, mas a outra susteve o combate a
arma branca, ficando uns 600 delles mortos dentro e pelos flancos de suas
fortificações.
“As perdas do exercito
brazileiro não podiam tambem deixar de ser consideraveis. Em officiaes tivemos
16 mortos, 45 feridos e 17 contusos, mencionando-se entre elles alguns muito
distinctos e muito moços que davam lisongeiras esperanças.
“Foi pois perda geral: 147
mortos, 339 feridos e 42 contusos, e na sua totalidade 529 homens fóra de
combate. Calculando-se que mais de metade dos feridos e contusos póde
salvar-se, a perda absoluta importa em 339 homens.
“Em todo o caso a
magnanimidade do triumpho a compensa.
“Sendo dupla a perda em homens
no inimigo, deixou elle ainda mais em nosso poder os 15 canhões, um crescido
material de guerra e uma posição que fecha Humaytá.
“Por pouco mais deixava elles
os seus dous maiores vapores, pois soffrendo alguns certeiros tiros da nossa
artilheria fugiram desmantelados, e com que foram embicar em um ponto da costa
do Chaco, d’onde não pódem escapar.
“No combate de que fallo são
varios os nomes dos chefes brazileiros que se citam como tendo-se distinguido
pela sua bravura, serenidade e pericia, mas sendo incompletas minhas
informações, prefiro ser omisso a parecer injusto; nenhum mencionarei.
“Os documentos officiaes o
terão feito ou farão logo; eu só direi que todos os que tomaram parte nesta
jornada, tão heroica, que os emulos do Brazil a invejam e seus inimigos a
atacam, conquistaram gloria para seus nomes e a gratidão do paiz agora e
sempre.
“Um nome, porém, acha-se bem
destacado e enaltecido nesse feito d’armas: - o do Marquez de Caxias. Á pericia
com que planejou a operação o general idoso, juntou o denodo e a actividade que
o illustraram em sua juventude, e seus biographos tem uma bella pagina para
consinguar e a que não faltou mesmo um singular episodio.
“Tão singular que podia custar
a vida ao nosso illustre cabo de guerra.
“Depois de 36 horas em que os
cuidados e ordens que tinha de dar sobre as importantissimas operações desse
dia não haviam deixado ao Marquez um instante de descanço, e depois de ter
estado oito ou dez horas a cavallo, S. Ex. tendo com seus ajudantes tomado uma
ligeira refeição, deitou-se na rede de um pequeno rancho, dentro do
forte que acabava de ser tomado ao inimigo. Por cima da rede havia preso ao
tecto, um couro estendido, e que no paiz chama-se noque, no Rio Grande giráu
e que serve para guardar os viveres e tudo o mais.
“O Marquez tinha dormido uma
ou duas horas, quando resolvendo ir a Lourelles mandou arrasar as trincheiras
do estabelecimiento e queimar os ranchos. Nesse momento deixou-se cahir do giráu
um soldado paraguayo ferido que alli tinha conservado occulto vendo o
Marquez dormir, como ingenuamente confessou.
“Se aquelle homem não
estivesse ferido e sobretudo desarmado, e sabido o fanatismo com que os
soldados paraguayos ainda depois de rendidos procuram matar, embora morram
logo, que seria da vida do general em chefe quando tão preciosa era ella?
“Com razão, dizem as folhas
argentinas, que só a feliz estrella do Marquez o podia livrar de um perigo tão
immediato e terrivel. Prudente será todavia não repetir a prova duas vezes.”
Tal é o summario desse rapido
mas glorioso assalto que enriqueceu os fastos do exercito brazileiro com mais
uma data immorredoura.
O ataque do Estabelecimiento é
um episodio, mas um episodio d’aquelles que resplandecem e se destacam do
conjuncto, como do quadro do artista o raio de luz que illumina a tela inteira.
Entre os brilhantes e
victoriosos feitos de sua invencivel espada, o venerando Duque de Caxias conta
esse como um dos mais esplendidos e impereciveis. O ataque do Estabelecimiento
é uma dupla pagina de ouro para a Patria e para o velho cabo de guerra.