“Artistas portugueses no Rio de Janeiro”, de Adalberto Mattos
organização de Fernanda Justo, Cynthia Dias da Silva e Arthur Valle
JUSTO, Fernanda; SILVA, Cynthia Dias da; VALLE, Arthur (org.) “Artistas portugueses no Rio de Janeiro”, de Adalberto Mattos. 19&20, Rio de Janeiro, v. VI, n. 2, abr./jun. 2011. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artigos_imprensa/apb_am.htm>
* * *
MATTOS, Adalberto. Artistas portugueses no Rio de Janeiro. Illustração Brasileira, Rio de Janeiro, nov. 1925, n/p [Transcrição com grafia atualizada de Arthur Valle].
*
Argemiro Augusto Pereira da Cunha é um artista português de valor que se fez no Brasil, tendo o seu nome bem ligado à arte brasileira. Veio para o Brasil muito jovem com escalas pela Bahia, onde praticou o comércio. Iniciou seus estudos no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, com Evêncio Nunes, autor da “Morte de Anchieta”; no velho estabelecimento fundado por Bethencourt da Silva, Argemiro Cunha mostrou sempre rara compreensão para os estudos artísticos, conquistando honrosas classificações em vários concursos. Nada mais tendo que aprender no Liceu, matriculou-se na Escola Nacional de Belas Artes, prestando para tal fim o concurso de admissão; foi companheiro de um punhado de jovens valorosos; à sua geração pertencem: Marques Junior, Henrique Cavalleiro Dias Junior, Augusto Bracet, Annibal Mattos, Angelina Agostini, Moreira Junior, Silva Mayer, Puga Garcia, João Timótheo, e tantos outros artistas que hoje honram a arte brasileira.
Durante meses frequentou a aula de Rodolpho Amoêdo; deixando o autor da “Partida de Jacob” a direção da classe, passou a frequentar o curso de João Batista Costa e João Zeferino da Costa. Durante os estudos revelou-se um aplicado, um fanático pelo desenho, tornando-se em pouco tempo respeitado pelos colegas e considerado pelos mestres, que viam nele a personificação de um verdadeiro artista.
Dotado de um temperamento especial, era o apaziguador de todas as rusgas existentes entre os companheiros. Teve sempre pelos assuntos religiosos a mais pronunciada inclinação, produzindo algumas obras de real mérito. Além dessas qualidades, foi sempre um devotado do retrato.
Nos Salões de Belas Artes tem exposto obras magníficas, conquistando com elas valiosas recompensas. O retrato de Mlle. M. S., que figurou no salão de 1919, sob o título de “Rosas”, espelha bem as suas qualidades de retratista; é o retrato em questão de uma grande observação, bem “posado” e de colorido fino, e com ele conquistou a medalha de prata. Anteriormente a “Rosas” pintou o “Último recurso” e o retrato de “Mocinha” e em ambos os trabalhos as qualidades eram flagrantes. O “Último recurso” é um belo quadro de composição; representa um ambiente pobre, onde os figuras, que sofrem a falta de recursos para socorrer ao moribundo, discutem a decisão de empenhar a última joia...
No quadro, a verdade, o empastamento, a cor e a ideia revelam um artista emotivo, que sabe ver e compreender os menores detalhes. No retrato de “Mocinha”, um conjunto todo em negro, os valores emprestam ao quadro uma nota de sinceridade; os meios-tons são de finura rara; o empastamento e a técnica mostram bem a facilidade com que o artista tratou o assunto.
Outro retrato que pode ser colocada entre os melhores pintados ultimamente entre nós, é o da senhorinha Léa Meirelles. Grande, ao natural, de claro-escuro pronunciado e “nuances” delicadas, bem lançado e de rara semelhança. Foi o retrato premiado (Salão) com a grande medalha de prata. Na Exposição Geral de Belas Artes de 1921 figurou uma paisagem de Argemiro Cunha, - uma das boas paisagens - que mereceu da crítica as referências mais lisonjeiras. Muito bem tocada, encantava, dava ao observador a noção exata da cor local. Possuía planimetria e valorização justas.
Portador de um grande valor, é, no entanto, o pintor, de uma timidez que revolta; a cada passo titubeia, receia que a sobra não preencha os bons princípios estéticos, quando é precisamente o contrário, dada a sua competência.
Com o mesmo garbo com que cultua a pintura resolve, nos vários procedimentos da água-forte, na aquarela, no desenho a pena e litografia, os motivos impressionadores que lhe passam ao alcance da mão adestrada. São perfeitas as suas águas-fortes: Porta da cidade, No estaleiro, Velho barco e Cajueiro retorcido, por exemplo, representam um cabedal de conhecimentos abundantes. Na litografia, entre outras produções, tem o retrato de João Zeferino da Costa, seu mestre, que, sem dúvida alguma, é o melhor que do velho professor se tem feito.
É ainda Argemiro Cunha um decorador seguro, consciencioso. Foi um dos autores da decoração da residência do general Pinheiro Machado, - no morro da Graça - autor dos frisos da residência do professor Arnaldo Barreto, trabalho fino, de grande emoção. Nas grandes decorações do atual ministério da Fazenda, o seu autor, o professor H. Bernardelli, teve em Argemiro Cunha um auxiliar inteligente.
Tem colaborado em outras decorações de valor, merecendo sempre o mais franco elogio.
Argemiro Cunha tem sabido honrar a pátria distante e a escola onde estudou.
* * *
Julião Machado é outro grande espírito que durante anos viveu no Rio de Janeiro, produzindo sempre obras de real valor. Presentemente encontra-se em Portugal, dedicando-se a realização do seu maior sonho de artista: a ilustração dos “Lusíadas”.
Ao seu valor devemos os vitrais dos edifícios de “O Paiz” e Associação dos Empregados no Comércio, trabalhos reveladores da sua consciência artística. Julião Machado, além de um fino artista, é um escritor de temperamento privilegiado; à sua pena devemos deliciosas crônicas e belíssimas páginas de teatro; caricaturista de temperamento [...], criou situações de destaque, colaborando na maioria dos jornais e revistas cariocas.
ADALBERTO MATTOS
Ilustrações originais