Artistas portugueses no Rio de Janeiro”, de Adalberto Mattos

organização de Fernanda Justo, Cynthia Dias da Silva e Arthur Valle

JUSTO, Fernanda; SILVA, Cynthia Dias da; VALLE, Arthur (org.) Artistas portugueses no Rio de Janeiro”, de Adalberto Mattos. 19&20, Rio de Janeiro, v. VI, n. 2, abr./jun. 2011. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artigos_imprensa/apb_am.htm>

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MATTOS, Adalberto. Artistas portugueses no Rio de Janeiro. Illustração Brasileira, Rio de Janeiro, mai. 1925, n/p [Transcrição com grafia atualizada de Fernanda Justo].

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Outro artista que esteve entre nós durante um bom período de tempo foi Souza Pinto, um temperamento bem diverso do de Malhoa, como homem e como artista. A mostra de seus quadros, também realizada no Gabinete Português de Leitura, constituiu um verdadeiro acontecimento artístico, um acontecimento, porém, bem diverso do despertado pela exposição de Malhoa: o conjunto era fidalgo, luminoso, despertava exclamações de entusiasmo, mas não faltava nada, absolutamente nada da alma portuguesa! Os quadros de Souza Pinto são magníficas expressões estéticas, mas não possuem, entretanto, as características da individualidade cavalheiresca e romântica de Portugal. Qualquer grande artista da França pode assinar os quadros de Souza Pinto porque neles predomina as características emanadas da grande pátria nos fins do século XIX. Para pintar Portugal é incontestavelmente obrigatório não somente ser português, mas antes de mais nada ter alma portuguesa, alma que saiba compreender e amar a terra encantada, onde no dizer de João de Barros, poeta maravilhoso da Oração à Pátria, “… o mar tem não sei que esplendor melancólico e suave, onde o sol doira com luz macia a maciez das praias e a delicada neve ou a ardente púrpura dos jardins e dos vergéis. Vós lembrai-vos, de certo! Do sul ao norte, do poente ao ocidente, uma natureza - quase feminina pela sua doçura, ora triste, ora alegre, mas nítida de contornos, pródiga de beleza, máscula de força criadora - desperta num clima amorável, em que o Inverno é apenas um breve repouso da terra pródiga. Vedes: - o Minho descansa os seus pomares em flor, e os vinhedos altos, e as suas árvores frondosas na curva lenta das suas colinas, nos vales amenos e férteis, na grandeza risonha das suas montanhas. Os rios ligeiros e límpidos cantam entre a frescura da erva tenra. Há paz, serenidade, um pedaço de terra para cada braço, um sorriso do céu para cada alma… Quem dirá que ao lado desse jardim em êxtase se alcandora o severo vigor de Trás-os-Montes? Ali a leira fecunda cerca-se de uma épica solenidade. A serra altiva emoldura as vegetações esplêndidas. Não ensina a humildade: - ensina o orgulho e a força.”

Pondo de parte a ausência radical das características pátrias, devemos reconhecer no artista um encantador impecável, um pintor senhor de todos os mistérios e de todas as qualidades primordiais ao verdadeiro artista, qualidades que lhe valeram já um renome internacional  e os mais honrosos títulos em França.

Na pinacoteca da nossa Escola de Belas Artes, Souza Pinto possui duas pequenas telas: Le Rendez-vous e Sob [sic] a verdura, ambas rigorosamente executadas, desenhadas a primor e pinceladas com elegância: o colorido limpo deixa perceber claramente o seu valor e a justa cotação em que é tido entre quantos entendem e amam a arte. A figura principal de Le Rendez-vous é encantadora e pousa sobra a ribanceira com naturalidade, o mesmo acontecendo com Sobre [sic] a verdura.

Na grande mostra pessoal realizada no Gabinete Português de Leitura, figuraram dezenas de obras primas, verdadeiras criações de beleza como Dans l'eau e Le Baquet de bleu e de uma infinidade de nus tocados com verdadeira maestria. Souza Pinto é um criador, mas um criador que vê tudo por um prisma onde se reflete a maneira francesa. Mas há exagero em nossa apreciação; quantos se interessam pelas questões de arte devem estar lembrados da sua obra exposta no Rio de Janeiro. Antes da sua mostra pessoal havia apresentado na Exposição de 1908, um punhado de quadros primorosos, dos quais se destacavam: Os namorados, A irmãzinha, O almoço do avô, A hora do banho e Au bon coin.

Entre as suas obras primas figuram ainda: La culotte dechirée, Trempé jusqu'aux, Un nid dans les bois (Museu Monte Carlo), Le bateau diparu (Musue de Lisboa), Cabeça de velho a pastel (adquirido pelo governo francês e posto no Museu de Amiens), Au coin du feu (adquirido pelo governo francês e posto no Museu de Nice), La baignade, Le retour des bateaux, Dans les champs (Museu de Melbourne), La récolte de pommes de terre (adquirido pelo governo francês e posto no Museu de Luxemburgo, em Paris).

José Julio de Souza Pinto nasceu em Angra do Heroísmo, na ilha Terceira. Estudou em Paris, com A. Cabanel. É detentor dos prêmios seguintes: Menção honrosa em 1883, medalha de 2ª classe no Salão de 1889. Exposição Universal, de 1ª na Exposição Internacional de Nice em 1884, de 1ª na Exposição de Belas Artes de Atlanta, de 2ª classe, de ouro, na Exposição de Belas Artes do Rio de Janeiro em 1894, de Honra do Centenário de Vasco da Gama, em Lisboa, em 1898. É Cavaleiro da Ordem de São Tiago de Portugal e da Legião de Honra.

Rodolpho Pinto do Couto é, sem o menor favor, um dos grandes artistas escultores do Portugal contemporâneo. Veio para o Rio de Janeiro há um bom par de anos, aqui ficando e constituindo família, pois contraiu matrimônio com a distinta escultora patrícia D. Nicolina Vaz Pinto do Couto. Dentre os artistas portugueses residentes no Rio de Janeiro, é, fora de qualquer dúvida, o mais forte e o mais operoso. A sua obra é característica, pessoal, emotiva e cheia de imprevistos agradáveis; possuidor de uma consciência artística perfeita, vem, sem interrupção, oferecendo ao público a prova irrefutável do que afirmamos. Entre os seus trabalhos, muitos existem que podem ser considerados, sem obséquio, como verdadeiras obras primas: Estudo para a máscara de Tolstoi, Cabeça de criança, Cabeça de negro, Retrato do pintor Souza Pinto, Rio Branco, Cabeça de velho, Epitacio Pessoa, Wenceslau Braz, F. A. M. Esberard, João Daudt, Dr. H. Vieira de Carvalho, Monumento a Pinheiro Machado, Setembrino de Carvalho, Camões, Retrato de Ernesto Senna, Cabeça de velho [sic], Cabeça de estudo e Gago Coutinho, estão nesse caso.

A nosso ver, as melhores obras, dentre as citadas, são: Ernesto Senna, Souza Pinto e Monumento a Pinheiro Machado; a emoção e a semelhança dos dois primeiros atingem a um grau de elevação pouco comum, mesmo entre os maiores escultores contemporâneos do mundo inteiro: principalmente na cabeça de Souza Pinto, naquele mal acabado proposital da cabeça, percebe-se tudo: a rudeza física do retratado, a psicologia irmanada a uma estesia profundamente encantadora, e uma técnica formidável. O monumento a Pinheiro Machado, é, fora de qualquer contestação, a obra mais completa realizada pelo artista; ela redime as falhas do escultor que, felizmente, são em bem pequeno número.

O conjunto do monumento inspira respeito, faz bem ao observador pela harmonia das linhas, precisão de detalhes e correção de desenho; tais predicados emprestam à auréola do escultor um fulgor grandioso e aristocrático. Os ensinamentos existentes nas mínimas partículas da obra revelam claramente a filosofia da beleza que reúne os fatores estéticos e os estados de alma indispensáveis às concepções da obra de arte. A força grandiosa que se desprende das figuras componentes do monumento gritam bem alto, fazem reunir na memória conceitos que Pilo deixou em Gli esteti della belleza pura: “E, prima d'ogni altra cosa, rammentiamo che nel vero esteta l´impressione seusoria [sic] delle cose deve prodominare in vivezza su tutte le altre, como nel nero [sic] artista l'espressione formale del suo concetto dev'esser [sic] non solo la cura piú assídua, ma il piú essenziale bisogno…”

A figura do general apunhalado, tronco desnudo, braço hirto e cabeça varonil, cujos cabelos comungantes com os louros, vibra tanto, é tão verdadeira que parece na eminência de erguer-se diante dos seus matadores, para dizer como Tasso: Fra un secolo, due, diece, voi e vostri cortegiani sarete polvere, ed io vivró!

Tudo, em conclusão, no monumento a Pinheiro Machado, é perfeito. O artista fez obra digna do seu valor.

Confessamos lealmente sermos devedores de uma satisfação ao ilustre artista, autor do busto de Ruy Barbosa. Em 1922, fazendo rápido estudo sobre os artistas portugueses que nos tem visitado, ao tratar do escultor Pinto do Couto, tivemos, ao analisar o busto do grande brasileiro, uma frase que melindrou o artista: “o observador tem a impressão de estar diante de uma caricatura, não obstante uma bela técnica existente,” foram as palavras. Confessamos a nossa injustiça. Nogueira da Silva escreveu a propósito, dizendo que o nosso juízo visava demolir a obra do artista: “Sei que já se tentou demolir a obra extraordinária do grande artista. E falou-se em caricatura… Não tomaria aqui o reparo se não o tivesse lido em um artista distinto, forrado de um critico consciencioso e justo. Adalberto Mattos escreveu: - “o observador tem a impressão de estar diante de uma caricatura, não obstante a bela técnica existente”. É deveras lamentável que o crítico e o artista tivesse visto a técnica e não a houvesse compreendido. E mais lamentável, porque sei quanto Adalberto Mattos abominava esses bustos lambidos e frios, verdadeiros bonecos de bronze, que certos artistas costumam impingir como obra de arte. Não, Adalberto Mattos não tem razão. O busto de Ruy Barbosa, para o qual Pinto do Couto obteve do mestre inigualável as sessões indispensáveis, é uma obra imperecível, em que viverá eternamente o espírito enorme e invulgar do eminente nume tutelar das nossas liberdades pátrias. Esse mármore, que está na Galeria Jorge, é uma obra imortal. Se Pinto do Couto já não tivesse se imposto como um artista notável, bastaria essa peça para imortalizá-lo”.

Ao escrevermos sobre a obra de Pinto do Couto, devemos dizer que não nos passou pela mente a ideia de demolir coisa alguma, apenas representava a nossa maneira de sentir. Repetidamente fomos à Biblioteca Nacional estudar o busto em bronze em questão, recebendo sempre a mesma impressão. Mais tarde tivemos a felicidade de ver o mesmo busto já em mármore na Galeria Jorge: foi nessa ocasião que verificamos a nossa injustiça. Qual o fenômeno que ocasionou a nossa impressão? Difícil será explicá-lo. Talvez o mármore, pela sua transparência, tenha quebrado a rudeza que antes tantas vezes tínhamos sentido no bronze fortemente patinado. Tem razão Nogueira da Silva: o mármore representando o grande tribuno é realmente uma obra bela. Bem diz o velho rifão: Na escultura o barro é a vida e o mármore a ressurreição! Erramos.

É com a maior satisfação que modificamos a nossa apreciação sobre o busto de Ruy Barbosa. Rodolpho Pinto do Couto merece a justiça que lhe fazemos porque é realmente um grande escultor, uma glória do Portugal contemporâneo; fazendo essa retificação nos sentimos bem. E assim, desejamos sinceramente que os ilustres crítico e artista não nos queiram mal.

ADALBERTO MATTOS

Ilustrações originais

Detalhe do monumento a Pinheiro Machado, por Pinto do Couto

F. A. M. Esberard”

Cabeça de negro”, busto por Pinto do Couto

Dr. Almeida Carvalho”

Barão Homem de Mello”

João Daudt” (esculturas de Pinto Couto)

Julio de Castilhos”

Camões”

O escultor Rodolpho Pinto do Couto, ao lado da máscara de Souza Pinto

Dans l'eau”

Le Baquet de bleu”

Souza Pinto, autor das telas que ilustram essa página

Os namorados”