Artistas portugueses no Rio de Janeiro”, de Adalberto Mattos

organização de Fernanda Justo, Cynthia Dias da Silva e Arthur Valle

JUSTO, Fernanda; SILVA, Cynthia Dias da; VALLE, Arthur (org.) Artistas portugueses no Rio de Janeiro”, de Adalberto Mattos. 19&20, Rio de Janeiro, v. VI, n. 2, abr./jun. 2011. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/artigos_imprensa/apb_am.htm>

*     *     *

MATTOS, Adalberto. Artistas portugueses no Rio de Janeiro. Illustração Brasileira, Rio de Janeiro, abr. 1925, n/p [Transcrição com grafia atualizada de Cynthia Dias da Silva].

*

HELENA E ALFREDO ROQUE GAMEIRO

Da plêiade de verdadeiros artistas portugueses que tem vindo ao Brasil, sem receio de contestação, Helena e Alfredo Roque Gameiro podem ser considerados os que mais curiosidade despertaram nos meios sociais do Rio de Janeiro. Aquarelistas de valor, trouxeram ao Brasil essa fidalga expressão da arte em Portugal, realizando a mostra no mesmo lugar onde Malhôa e outros mestres da terra portuguesa apresentaram os seus trabalhos à admiração do grande público. A obra apresentada pelos grandeza artistas, estamos certos, perdura ainda na memória de todos. Dizendo que Helena e Roque Gameiro foram os artistas que mais curiosidade despertaram, não erramos, a grande aglomeração que, permanentemente, estacionava diante das suas obras, é o melhor argumento que temos a nosso favor; dificilmente se encontra uma exposição com uma frequência tão desenvolvida, apesar de ser a aquarela um gênero pouco ao alcance da grande maioria.

Dentro da obra apresentada pelos dois ilustres artistas, bem difícil era dizer qual a mais impressionante; toda ela era boa e portadora dos mesmos predicados estéticos. Roque Gameiro nos deu o belo coeficiente de 137 trabalhos, todos rigorosamente tratados como documentação.

As obras de Roque Gameiro são vigorosas, obedecem ao critério de exatidão nos menores detalhes. Como exemplo citaremos a Porta dos Jerônimos, que apesar da fatura desenvolvida é de um rigor absoluto. Na grande cópia de trabalhos apresentados pelo pintor, o feitio de ilustrador prevalece de uma forma bizarra e insofismável. Como tal, Roque Gameiro é extraordinário. O que ele fez para o livro de Julio Diniz “As Pupilas do Sr. Reitor” é simplesmente magnífico. O mesmo não se dá com sua filha Helena; ela é mais emotiva, mais artista e de técnica mais larga. Os seus assuntos são mais de artista; seu pai preocupava-se sobremaneira com o caráter documental, ao passo que ela procura mais o sentimento. Rosas cor de rosa, O último olhar, Ao espelho, No meu jardim, A oração, Sol de chuva e No meu terraço, confirmam plenamente a nossa observação.

Dos 53 trabalhos apresentados pela gentil artista, podemos dizer que todos eram bons, e assim fazendo, não fazemos nenhuma amabilidade. Muito se tem ainda a esperar da jovem artista; ela está em plena adolescência artística, a sua obra assim o demonstra.

CARLOS REIS E SEU FILHO JOÃO REIS

Os ilustres pintores portugueses Carlos e João Reis, bem avisados andaram, escolhendo a Galeria Jorge para realizarem as suas mostras de pintura. Sem favor, o local escolhido basta para recomendar os artistas de pintura. Sem favor, o local escolhido basta para recomendar os artistas que o procuram; o critério de seleção, que pauta os empreendimentos artísticos que nele se efetuam é notório, assim como a sua honestidade. Bem raras tem sido as exposições ali realizadas que não tenham merecido o aplauso da crítica imparcial. O número de trabalhos apresentados pelos dois artistas - pai e filho - é reduzidíssimo, porém, portadores de condições estéticas caracterizadas, os conceitos verdadeiros do belo, em toda a sua plenitude, estão representados com segurança pouco vulgar na obra dos artistas. Em Carlos Reis, que incontestavelmente é um dos maiores mestres da pintura contemporânea, vamos encontrar mais uma vez qualidades que encantam e confortam o espírito do observador, em geral torturado, contra gosto, pelo malabarismo e histerismo dos inovadores do critério verdadeiro da arte. N a obra do pintor vemos ensinamentos, exemplos a seguir pela feitura, técnica e correção. “Dia da esmola” é, antes de mais nada, uma magnífica paisagem, luminosa, cheia de sol e contrastes nas suas gamas quentes e coloridas; muito simples no seu corte, traduz um estado de alma inspirado e um momento flagrante que empolga o espectador...

As massas das figuras são resolvidas com uma segurança perfeita, elas se movimentam naquele ambiente de luz, como seres vivos e completam o cenário calcado numa perspectiva real.

Neste quadro o velho mestre revela a sua ginástica de pincel e uma forma sólida e simples, patenteia a técnica encantadora de tantas outras obras que trazem seu glorioso nome.

Outro quadro do artista que encanta é a “Leitura de um soneto”: representa um “atelier” de pintor, rico de detalhes bem distribuídos e pintados com galhardia. As duas figuras que existem no quadro são nitentes de verdade e sentimento; o pintor deixa por instantes a tela para ouvir a leitura do soneto pela mulher de talhe aristocrático e elegante; a atitude do pintor é natural, cheia de observação; na sua expressão lê-se o interesse despertado pela leitura.

A figura da mulher é por sua vez manchada com um saber grandioso, os mínimos detalhes são resolvidos com toques de mestre: a cabeça é sentida, fala, anima o ambiente com a sua voz que se percebe maviosa... Os mesmos predicados vamos encontrar em “Uma leitura interessante”.

No ambiente íntimo de uma sala de jantar algumas figuras na penumbra ouvem atentamente a leitura de uma jovem que se destaca no primeiro plano: é o quadro de uma simplicidade de encanto, a figura da criatura que lê é tratada com amor, com uma nobreza de toque que deixa transparecer a não menos nobre visão artística do pintor.

Do mestre, existe ainda um retrato de adolescente, que supera tudo que o pintor apresentou na sua exposição; no referido retrato tudo é justo; a carnação, o vestuário de veludo, a expressão do olhar, a atitude e a técnica, surpreendem pela correção; o sentimento da figura é simplesmente magistral, impressiona profundamente o espectador mais impertinente.

Todos os gêneros lhe são familiares. A sua arte é radiosa, comunicativa, enche de satisfação o contemplador; o contraste existente entre o “Mercado de louça” e “Comungantes” é digno de um verdadeiro artista, de um mestre cuja alma é acessível aos vários sentimentos humanos.

Panteísta, concebeu obras como “O Castanhal”; figurista, interpretou com raro saber: “Duas infelizes”, “Anunciando a festa”, “O Pila” e outros quadros onde a sua receptividade é clara e insofismável.

Como pintor de natureza morta, executou “Cristais” e o ambiente de “Mercado de Louça”.

Pintor de gênero, transmudou a sua oficina para a tela: “Canto do meu atelier”; como retratista, Carlos Reis é invejável.

O retrato de sua Mãe é uma verdadeira joia que honraria o museu a que pertencesse; o retrato de Senhorita, que mandou ao Salão de Belas Artes e que lhe valeu a medalha de ouro, é outro primor. Toda a série que expôs na Galeria Jorge era magistralmente executada. Dona Julia Lopes de Almeida, Felinto de Almeida, Carlos Americo dos Santos, Alexandre Albuquerque, Rainho e Epitacio Pessoa, foram pintados pelo artista com um talento que só os privilegiados se podem orgulhar de possuir.

Todos esses retratos foram executados no Rio de Janeiro, porém, nenhum é superior ao que presentemente apresenta ao público, que é, a nosso ver, a obra mais sólida que o artista realizou no Brasil; ela deixa longe o próprio retrato com que o pintor conquistou a medalha de ouro no nosso Salão de Belas Artes, apesar de ser uma obra prima.

João Reis, apresentou, por sua vez, um conjunto apreciável; nos seus quadros percebe-se a preocupação de seguir a estrada brilhante de seu pai. As suas obras despertam a atenção pela maneira segura e simples por que são executados. “Espumas do mar” revelam um sabor especial e um encanto equilibrado; “Prenúncios” mostra quanto o desenho preocupa o moço artista e quanto os motivos abraçados são amados e resolvidos. Um quadro que causa impressão é o intitulado “Poente”; nele, a paisagem é sentida, as massas são jogadas com capricho; com planimetria cuidada, os planos são compreendidos, assim como a cor e o contraste.

ADALBERTO MATTOS

Ilustrações originais

Helena Roque Gameiro

Alfredo Roque Gameiro

Os [...]- A. Roque Gameiro

A. Roque Gameiro - “Porta dos Jerônimos”.

A. Roque Gameiro - “O Cavaleiro”

A. Roque Gameiro - “O Médico”

Helena Roque Gameiro - “O último olhar”

Carlos Reis

D. Carlos I” - Carlos Reis

João Reis

Minha Mãe” - Carlos Reis

O gravador Adalberto Mattos” - João Reis

Resignação” - Carlos Reis

Carlos Reis - “Os gaiteiros”

O meu atelier” - Carlos Reis