Wasth Rodrigues e o Caminho do Mar: A azulejaria como memória

Rafael Alves Pinto Junior [1]

PINTO JUNIOR, Rafael Alves. Wasth Rodrigues e o Caminho do Mar: A azulejaria como memória. 19&20, Rio de Janeiro, v. III, n. 3, jul. 2007. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/wr_caminho_mar.htm>.

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Este estudo tem como objetivo, estudar a produção de Wasth Rodrigues (1891-1957), especialmente à construção do Caminho do Mar (1922) e o recurso da azulejaria como elemento visual referente ao patrimônio nacional que se pretendia construir.

A produção de Rodrigues está intimamente ligada aos objetivos de se estabelecer uma arquitetura nacionalista, “brasileira”, no que esta teria de conceitual. Esta na arquitetura brasileira acontece com o surgimento do estilo neocolonial e seu entendimento é fundamental para entender a trajetória de toda a arquitetura do início do século XX. O neocolonial foi lançado em São Paulo na conferência realizada na Sociedade de Cultura Artística em 1914, intitulada “A Arte Tradicional no Brasil: a Casa e o Templo”. Proferida por Ricardo Severo (1869-1940), engenheiro português, a palestra teve imensa acolhida nos meios acadêmicos. Como referencial teórico de suas idéias, Severo se apoiava nas idéias difundidas por Guadet (1834-1908), Choisy (1841-1909) e Blanc (1811-1882), partidários da visão romântica do Zeitgeist [2] e amplamente difundidas na América, favorecendo o florescimento de diversas aspirações nacionalistas.

Ao concluir a conferência, Severo pede aos ouvintes que não vejam nas suas palavras uma “manifestação de saudosismo romântico e retrógrado”. Suas palavras de despedida encerram um apelo que tem o sentido de diferenciar a ocasião de uma simples palestra para ilustração dos amantes da arte, constituindo-se num programa de ação:

Para criar uma arte que seja nossa e do nosso tempo cumprirá (...) que não se pesquisem motivos, origens, fontes de inspiração, para muito longe de nós próprios, do meio em que decorreu o nosso passado e no qual, terá que prosseguir o nosso futuro (...). É necessário, pois, que os jovens arquitetos nacionais dêem princípio a uma nova era de RENASCENÇA BRASILEIRA; a eles ofereço esta lição inicial. Examinai todas as coisas – disse São Paulo, bendito patrono desta terra, em uma de suas epístolas – e aproveitai o que é Bom. (LEMOS, 1985, p. 164)

Decorre daí o interesse pela documentação metódica das antigas construções dos tempos coloniais, interesse que encontra sua origem na exortação do próprio Severo – “examinai todas as coisas” – e que ele mesmo se encarregou de materializar, encomendando a alguns profissionais o registro, em desenhos a bico-de-pena, fotografias e aquarelas, de detalhes construtivos e ornamentais que pudessem se constituir também em material didático, destinado a normatizar as manifestações dos arquitetos que pretendessem seguir o seu apelo em prol do que chamava de “arte tradicional”. Essas encomendas esparsas, que se iniciam em 1914 e se estendem pela década de 1920, estão na origem de vários trabalhos de Alfredo Norfini (1867-1944), Felisberto Ranzini (1881-1976) e principalmente Wasth Rodrigues .

Em São Paulo, esse nacionalismo se materializou pelo interesse por temas históricos do passado paulista, tais como os bandeirantes, os caipiras e relatos de viajantes. É sob as asas deste nacionalismo que a obra de azulejaria de Wasth Rodrigues[3] insere-se na perspectiva de afirmação do neocolonial e sua influência em Portinari seria considerável, sobretudo por se aglutinarem em torno da linha de produção de azulejos no atelier de Paulo Rossi Ossir (1890-1959).

As obras do Caminho do Mar foram encomendadas a Victor Dubugras (1868-1933) por Washington Luiz (1870-1975) para as comemorações do Centenário da Independência em 1922, de onde se destacavam-se vários pontos como o Pouso de Paranapiacaba, o Cruzeiro Quinhentista [Figura 1] e principalmente o Rancho da Maioridade [Figura 2 e Figura 3].

O recurso da azulejaria usado por Rodrigues naturalmente ultrapassa a necessidade natural de impermeabilidade: enquanto elemento simbólico representava o lastro histórico que o uso da azulejaria representava aos brasileiros. A composição das obras do Caminho do Mar aproveita a horizontalidade do suporte de Dubugras e possuem um caráter quase cinematográfico através de seu rigor histórico e documental [Figura 4 e Figura 5]. Sua produção irá influenciar a obra nacionalista de Antônio Paim, Portinari e se estende certamente até a obra ceramística de Djanira.

Colônia portuguesa na origem era esperado que a herança desse gosto dos portugueses permanecesse, que o Brasil participasse do mesmo gosto pela azulejaria. Os portugueses descobriram, através da utilização do azulejo, uma forma original de realização plástica, substituindo materiais suntuosos em períodos sociopolíticos difíceis e acompanhando as correntes estéticas de um modo singular. Vale ressaltar, não é objetivo deste estudo historicizar seu uso, mas importa reconhecer que sua utilização tem acompanhado o quotidiano dos portugueses desde há cinco séculos [4]. O azulejo possui a virtude, enquanto elemento da ambiência de qualquer arquitetura, em adaptação aos espaços que se fez presente, de evoluir ao longo do tempo em função dos novos gostos e estilos, de maneira a permitir uma longa vida histórica de utilização que, associando qualidade e quantidade, não tem rival na produção de qualquer outro lugar.

O contato dos brasileiros com os azulejos data do século XVII[5] usados pela primeira vez na decoração do Convento de Santo Amaro de Água-Fria, em Engenho Fragoso em Olinda, segundo seus moldes lusitanos. Sylvia Cavalcanti (2002, p. 34) identifica como sendo os anos de 1830 como os anos iniciais para o uso parietal dos azulejos em São Luis no Maranhão – a única cidade brasileira a não nascer lusitana.  São Luís foi habitada por franceses e holandeses, mas foi de fato, edificada sob domínio português durante os séculos XVIII e XIV. Os ricos comerciantes da Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e do Maranhão deixaram uma herança riquíssima em arquitetura e cultura. Ergueram o maior e mais homogêneo conjunto arquitetônico colonial da América Latina, considerado o Patrimônio Histórico da Humanidade. Para os franceses São Luís era la petit ville aux palais de porcelaine, numa influência que não se restringiu à área de São Luís, mas estendendo-se à Olinda, Recife e caindo notadamente no gosto popular dos brasileiros.

Mesmo sendo um triunfo, principalmente nas edificações residenciais, o neocolonial parecia estar fadado a um dilema no tocante ao papel desempenhado pela estrutura de concreto armado, mascarada pelo torvelinho de elementos decorativos necessários para conferir à edificação uma ambiência condizente com os princípios do neocolonial. A questão do ornamento na arquitetura é notadamente um ponto importante de ruptura inaugural do modernismo, na sua condenação e expurgo como elemento partícipe da composição arquitetônica.

Naturalmente que tanto o papel correto do neocolonial ao qual se inseria Wasth Rodrigues ainda é objeto de estudos e na historiografia da arquitetura brasileira seu papel somente agora tem sido revisto (PUPPI, 1998). Ao modelo teórico modernista de Lúcio Costa, o papel do neocolonial parece claro: insurgir-se contra o ecletismo dos falsos estilos europeus, colocando-se num quadro de ineroxabilidade da arquitetura moderna no início do século XX.

Referências Bibliográficas

ALCÂNTARA, Dora. Azulejos na Cultura Luso-brasileira. Rio de Janeiro: IPHAN, 1997.

BARATA, Mario. Arquitetura, Tradição e Realidade Brasileira, in Anais IV Congresso Brasileiro de Arquitetos. São Paulo: IAB, 1954, pp.180-4.

BRANDÃO, Carlos A. L. A formação do homem moderno vista através da arquitetura. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999.

BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2005.

CAVALCANTI, Sylvia Tigre de Hollanda. O azulejo na arquitetura Civil de Pernambuco - séc. XIX. São Paulo: Metalivros, 2002.

COLQUHOUN, Alan. Modernidade e Tradição Clássica. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.

LEMOS, Carlos A.C. Azulejos Decorados na modernidade arquitetônica Brasileira. In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional n° 20, Rio de Janeiro, RJ Ed, 1987.

MORAIS, Frederico. Azulejaria Contemporânea no Brasil. São Paulo: Ed. Public. e Comunic. , 1988.

PUPPI, Marcelo. Por Uma História não moderna da Arquitetura Brasileira. Campinas: Pontes, 1998.

SÁ, Marcos Moraes de. Ornamento e Modernismo. Rio de Janeiro: Rocco, 2005.

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[1] Arquiteto, Mestre em cultura Visual e Pesquisador de azulejaria dos séc. XIX e XX no Brasil.

[2] Espírito de uma época determinada, característica genérica de um período específico.

[3] Nesta época era um pintor recém-chegado de uma temporada européia, e dedicava-se à ilustração, trabalhando na obra de Monteiro Lobato. Em 1920 foi convidado por Dubugras para executar os painéis de azulejos que estão no Largo da Memória na capital paulista, e em 1922 para trabalhar nos monumentos que margeiam o Caminho do Mar no caminho para Santos.

[4] A técnica de cerâmica vitrificada plana foi introduzida na cultura portuguesa há mais de cinco séculos pela influência das civilizações de origem islâmica na península Ibérica. Ao contrário de outros países, onde o azulejo se distinguiu essencialmente pela concepção estética erudita e pelo requinte do fabrico, o azulejo português foi sempre concebido em função da sua integração arquitetônica constante e do marcado impacto ornamental.

[5] Para o historiador português João Miguel dos Santos Simões, são cerca de 1620-1640 os exemplares mais recuados no tempo de azulejaria portuguesa no Brasil, os que foram do Convento de Santo Amaro de Água-Fria, do Engenho Fragoso, em Olinda, e que se encontram hoje no Museu Regional de Olinda. “Mas é durante a segunda metade do século XVII “- diz ele – “que intensifica-se a construção templos, sobrados, engenhos e de verdadeiros palácios, e só excepcionalmente estas edificações são desprovidas de azulejos e estes continuam a vir da Metrópole”, acrescentando que “foram as solicitações do mercado brasileiro em meados do século XIX que determinaram o renascimento da velha arte do azulejo português. (MORAIS, 1988, p.10)