As cerâmicas em faiança portuguesa existentes nas platibandas dos casarões do centro histórico da cidade de Pelotas/RS

Keli Cristina Scolari [1] e Margarete R. F. Gonçalves [2]

SCOLARI, Keli Cristina; GONÇALVES, Margarete R. F. As cerâmicas em faiança portuguesa existentes nas platibandas dos casarões do centro histórico da cidade de Pelotas/RS. 19&20, Rio de Janeiro, v. VIII, n. 2, jul./dez. 2013. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net//arte%20decorativa/pelotas_faianca.htm>.

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A cerâmica é uma técnica que mantém enorme relação com o desenvolvimento estético e, também, uma das que mais vem resistindo às revoluções promovidas pela humanidade. Muitas peças artísticas constituem-se em um legado histórico da produção cerâmica, tais como a azulejaria portuguesa que, por sua qualidade, é igualada a outras artes em voga na Europa, tais como a tapeçaria, ourivesaria e o mobiliário.

No Brasil, no período colonial, a cerâmica foi instrumento de composição de projetos arquitetônicos e de estilos artísticos, tais como o barroco, o neoclássico e o eclético. A grande maioria dos azulejos e ornatos existentes nas fachadas dos prédios destes estilos vinha importada da Europa, especialmente, de Portugal e da França.

No século XX, a conscientização da importância de conservar a história das origens brasileiras fez surgir o interesse do Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional e, também, de alguns grupos privados, como o Instituto Portucale de Cerâmica Luso-Brasileira, localizado no estado de São Paulo, pela leitura de cerâmicas artísticas portuguesas como instrumento da memória de nossa colonização.

A cidade de Pelotas, localizada na metade sul do estado do Rio Grande do Sul, distante 250 km da capital Porto Alegre, uma das vinte e seis cidades que integram o Projeto Monumenta do Governo Federal, é detentora de um dos maiores acervos edificados no estilo eclético do século XIX, com 4 edificações com tombamento a nível federal, 1 em nível estadual, 10 a nível municipal e mais de 1700 prédios inventariados. Possui um acervo de decoração cerâmica de fachada de grande beleza e qualidade, em sua maioria na forma de ornatos e esculturas, atualmente sendo restaurado ou em processo de preservação. Esta condição levou ao desenvolvimento do presente trabalho, que buscou a identificação das peças cerâmicas existentes em edificações tombadas do patrimônio histórico da cidade de Pelotas, identificadas como cerâmica em faiança originária de Portugal. Além disto, com vistas à questão da conservação patrimonial, avaliou-se nas peças cerâmicas em faiança a sua condição de degradação.

Os prédios das edificações pesquisadas são os casarões de números 2, 6 e 8 [Figura 1], localizados na Praça Coronel Pedro Osório, conhecidos respectivamente como Casarão do Barão de Cacequi, Casarão do Barão de São Luís e Casarão do Barão de Butuí.

Para o desenvolvimento do trabalho, inicialmente, pesquisou-se a origem das esculturas em faiança e a sua tecnologia de produção. Posteriormente, fez-se a identificação visual, documentada fotograficamente, e a catalogação das peças cerâmicas existentes nos casarões. Após isso, compararam-se os exemplares obtidos com peças existentes em um catálogo da Fábrica de Cerâmica e de Fundição das Devezas [Figura 2], editado em 1910, adquirido pela autora Keli Cristina Scolari, em viagem a Portugal, no ano de 2011.

A cerâmica portuguesa

Na Europa, a cerâmica esteve presente no crescimento cultural e histórico de diversos povos. Esta participou com grande influência no desenvolvimento das artes no Velho Mundo, acompanhando a história da Idade Média, do Renascimento, da Revolução Francesa, bem como, da era Napoleônica (PILLEGI, 1958, p.33). Na cerâmica europeia, destacou-se a produção alemã, austríaca, espanhola, francesa, inglesa, italiana e portuguesa.

A cerâmica portuguesa desenvolveu-se nos séculos XVI, XVII e XVIII e, assim como a espanhola, recebeu influência significativa dos árabes. Os oleiros portugueses acrescentaram as características da cerâmica moura muita criatividade e sensibilidade, vindo a produzir louças, peças artísticas e azulejos de grande qualidade e acabamento.

Foi no século XVII que começou em Portugal a produção de cerâmica ornamental, sendo esta uma das mais elaboradas da Europa. Nesta época surgiram excelentes ceramistas que modelavam peças de uso doméstico e objetos de ornamentação que se sobressaiam pelo colorido dos esmaltes e pela originalidade (PILLEGI, 1958, p.57). Eram produzidos vasos, louças de cozinha, azulejos e esculturas que eram exportadas, principalmente para o Brasil, e vinham muitas vezes na condição de lastro dos navios.

No final do século XVIII, começou em Portugal a utilização do azulejo em fachadas. Segundo os historiadores Barata e Simões (1987), o revestimento de fachadas com azulejos iniciou no Brasil, possivelmente, para solucionar os problemas climáticos, de limpeza e de economia. As fachadas azulejadas tornaram-se coloridas sem a preocupação de desgaste das cores que ocorria quando eram aplicadas as tintas convencionais.

Com a produção azulejar fortificada, artefatos cerâmicos que antes eram utilizados como adornos de jardins se destacaram, passando do chão para as platibandas e frontarias dos prédios, sendo usados como mais uma ferramenta estética nas fachadas dos casarões e palacetes.

No século XIX, a produção de cerâmica portuguesa teve um declínio no período de 1808 a 1840, ocasionado pelas invasões napoleônicas, pelos saques dos invasores e pela vinda da Rainha D. Maria I e de sua corte para o Brasil (SANTOS, 2007, p. 31). Este cenário econômico só mudou com o fim da Guerra, em 1834, que fez com que as fábricas voltassem a receber encomendas e a economia portuguesa se reerguesse. Neste período, houve o retorno da corte para Portugal, mas os laços econômicos com o Brasil se mantiveram sólidos e se expandiram. As exportações de produtos portuguesas se intensificaram.

Em Portugal, a produção dos elementos decorativos concentrou-se e intensificou-se nas cidades do Porto, Vila Nova de Gaia e Lisboa. As principais unidades fabris que se destacaram foram a Real Fábrica do Rato, a Fábrica Miragaia, a Fábrica Santo Antônio do Vale da Piedade, a Fábrica Massarelos, a Fábrica da Vista Alegre, a Fábrica da Viúva Lamego, a Fábrica da Rua da Imprensa Nacional, a Fábrica Carvalhinho, a Real Fábrica de Louça Fervença, a Fábrica do Senhor de Além, a Fábrica Cavaquinho, a Fábrica Pereira Valente, a Fábrica da Torrinha, Empresa Electro-Cerâmica e a Fábrica de Cerâmica e de Fundição das Devezas.

No século XX, a produção de cerâmica ornamental portuguesa manteve-se até a primeira metade do século. Neste período, as exportações para o Brasil entraram em declínio, motivadas pela indústria cerâmica brasileira que se desenvolveu no país.

A cerâmica em faiança

Cientificamente, pode-se afirmar que a cerâmica baseia-se na mais antiga transformação química praticada pelo homem, que é propiciada pelo endurecimento de silicatos hidratados de alumínio por meio de cozimento, obtendo-se peças porosas, duras e resistentes. Em função de suas propriedades, os objetos cerâmicos podem ser classificados como materiais porosos (absorventes) que são as terracotas, as louças (pó de pedra e faiança ou louça branca) e não porosos (não-absorventes), que são o grés e a porcelana.

Os artefatos em faiança ou louça branca, são obtidos a partir de uma argila muito plástica que, após o seu primeiro cozimento, com temperaturas entre 1050° a 1150°C, apresentam-se porosos, resistentes e, geralmente, com coloração marfim clara. Para tornar a peça impermeável e mais resistente, dura e sonora (som metálico) aplica-se esmalte ou verniz, a base de óxido de chumbo ou óxido estanho, e faz-se uma segunda cozedura, com temperatura inferior a da primeira queima, de aproximadamente 850ºC. A cerâmica em faiança é usada na produção de esculturas, vasos [Figura 3], pinhas, pratos, xícaras, jarras, etc.

As peças cerâmicas em faiança podem sofrer ainda uma terceira queima quando sobre estas são aplicadas decorações que não resistem às altas temperaturas, tais como o ouro e o vermelhão. Para a execução desta queima, geralmente são utilizados os fornos de mufla. Além disto, os objetos cerâmicos de uso doméstico ou artístico ainda podem ter sua beleza realçada com a aplicação de diferentes técnicas de decoração. As mais usuais são a pintura a pincel, as fendas, as perfurações, os esgrafiados, os relevos (com engobe, modelada a mão e com vernizes ou esmaltes), os pigmentos metálicos, o decalque, a serigrafia e a estampilhagem.

As cerâmicas, em geral, podem sofrer deterioração durante a manufatura, o uso contínuo, intervenções inadequadas e por fatores ambientais. As patologias que ocorrem por erro de produção são conseqüência da qualidade das matérias-primas e dos processos de manufatura, tais como eflorescência ou “doença da cerâmica”, empolamento do vidrado ou esmalte. As patologias por uso e intervenções ocorrem por abrasão, colagem inadequada, deposição, destacamento ou descolamento do revestimento, despigmentação, esbeiçadela, estalado, fissuras (fissura superficial ou fio de cabelo e a fissura da chacota), fratura e lacuna. As patologias causadas por fatores ambientais são identificados como manchas, presença de microrganismos, pulverulência e sujidades generalizadas.

Resultados e discussão

Com relação aos casarões pesquisados, fez-se uma breve revisão sobre a sua história e características arquitetônicas, acompanhada do levantamento fotográfico das cerâmicas em faiança existentes nos mesmos.

· Casarão Barão de Butuí

O prédio do Casarão Barão de Butuí [Figura 4], também, conhecido como Casarão 2, foi construído no estilo colonial, antes de 1830. Este teve como seu primeiro proprietário o charqueador José Vieira Vianna que, segundo a pesquisadora Chevalier (2002), vendeu a propriedade para o charqueador José Antônio Moreira, então Barão de Butuí. Em 1880, o casarão sofreu uma reforma, possivelmente, realizada pelo arquiteto italiano José Isella, que inseriu uma platibanda vazada com cento e quarenta e um balaustres, pedestais com esculturas e vasos, um frontão central e balcões nas janelas superiores (CHEVALIER, 2002, P. 173). Estas modificações no prédio alteraram o seu estilo original na direção do ecletismo.

No ano de 1970, o prédio foi vendido para a Associação dos Profissionais Liberais Universitários do Brasil (APLUB) e as esculturas e vasos em faiança da platibanda foram removidos pela antiga proprietária, Senhora Inah Bordagorry de Assumpsão [Figura 5].

Em 1977, o casarão foi tombado pela antiga Secretária do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) e, neste momento, a Prefeitura Municipal entrou com um processo de desapropriação do prédio. Neste período, a partir da Lei Municipal no. 2365/77, foi criada a Fundação Museu de Pelotas que assumiu a responsabilidade de restaurar o prédio.

As obras de restauração foram comandadas pelo pintor e restaurador pelotense, Sr. Adail Bento Costa, que veio a falecer em 1980, causando a interrupção da recuperação do prédio.

Em 1987, as obras de restauração foram retomadas, sendo recuperadas as esquadrias e pisos do pavimento superior, e, em 1999, após um período de abandono, que resultou na queda da cobertura e de ações de vandalismo, retomou-se a recuperação do prédio. Foram então colocadas peças cerâmicas nas fachadas e na camarinha, diferentes das originais, com dimensões menores e com uma modelagem de pouca qualidade, que não permite a identificação de sua representação [Figura 6]. Por este motivo, neste prédio não foi possível a realização do levantamento e da identificação das peças cerâmicas originais, sendo este feito apenas em acervos fotográficos, a partir de fotos antigas.

Em 2004 a obra de restauração foi retomada, sendo esta concluída em 2005 [Figura 7].

· Casarão Barão de São Luís

O prédio do casarão Barão de São Luís [Figura 8], também, conhecido como Casarão 6, foi construído em 1879 pelo arquiteto José Isella, para servir de residência ao Barão de São Luís, Dr. Leopoldo Antunes Maciel, e sua esposa, Dona Cândida Moreira de Castro, filha do Barão de Butuí.

Segundo Santos (2010), pela sobriedade do programa ornamental, o prédio se caracterizaria em estilo eclético, seguindo algumas influências clássicas, como a simetria da fachada, cuja parte central é recuada, formando um jardim, que é o acesso principal da casa, enquanto as partes laterais são alinhadas com o passeio público.

Na fachada, a platibanda é constituída de quarenta e nove balaustres e quatro esculturas em faiança. No frontão triangular, ocorrem duas esculturas em faiança. As esculturas da platibanda representam as Artes, a Indústria, o Comércio, a Agricultura [Figura 9] e as esculturas do frontão são iguais e representam a Gratidão [Figura 10].

· Casarão Barão de Cacequi

O Casarão Barão de Cacequi [Figura 11], também conhecido como Casarão 8, foi construído em 1879 pelo arquiteto italiano José Isella, para ser a residência do senhor Francisco Antunes Maciel, o Barão de Cacequi. A edificação é em estilo eclético, possuindo duas fachadas distintas por estar localizado em uma esquina .

O prédio possuía uma platibanda vazada com cento e seis balaustres, nove esculturas (das quais três estão desaparecidas) e três vasos. A Figura 12 apresenta cinco das esculturas existentes na platibanda, representativas do Verão, Inverno, Primavera, Outono (fachada norte), Europa e Ásia (fachada oeste), enquanto a Figura 13 apresenta os três vasos em forma de krater, vasilha grega para mistura de vinho e água, encontrados um na fachada norte e dois na fachada oeste.

A identificação de peças de cerâmica em faiança portuguesa nos casarões foi feita a partir da presença de registro em baixo relevo e de inscrições em azul cobalto, com o nome da fábrica portuguesa Fábrica das Devezas, que aparece em algumas peças [Figura 14]. A identificação do nome da fábrica portuguesa levou a busca de informações sobre a origem, manufatura e produtos fabricados pela referida indústria e, também, na aquisição de um exemplar do catálogo de produtos da Fábrica de Cerâmica e de Fundição das Devezas, editado em 1910 [Figura 2].

O estudo sobre a Fábrica de Cerâmica e de Fundição das Devezas, localizada em Vila Nova de Gaia, mostrou que esta foi uma das maiores indústrias de peças cerâmicas em faiança existente em Portugal. A indústria foi fundada em 1865, por Antônio Almeida da Costa, José Joaquim Teixeira Lopes e Bernado José Soares Breda, com o nome Fábrica de Cerâmica das Devezas. A sociedade Costa, Breda & Teixeira Lopes se desfez em 1870, e Antônio Almeida da Costa ficou com a fábrica, comprando a parte de Bernardo José Soares Breda e de José Joaquim Teixeira Lopes. Este último, mesmo saindo da sociedade, continuou como criador artístico da fábrica.

Em 1874, Antônio Almeida da Costa, José Joaquim Teixeira Lopes e Feliciano Rodrigues da Rocha formaram uma nova sociedade financeira, denominada Antônio Almeida da Costa & C.A, sociedade esta que foi desfeita no ano de 1880, mas a fábrica continuou a funcionar com a administração de Antônio Almeida da Costa e o apoio de seus ex-sócios.

Em 1882, a Fábrica de Cerâmica das Devezas, além da produção cerâmica, passou também a produzir peças em metal fundido e a chamar-se Fábrica de Cerâmica e de Fundição das Devezas. No início do século XX, a fábrica publicou diversos catálogos para promover os objetos produzidos. No Brasil a empresa possuía um depósito na cidade do Rio de Janeiro, na Rua 7 de setembro, n° 45.

Em 1909, José Joaquim Teixeira Costa, já com idade avançada, deixou a fábrica e surgiram dois novos administradores, o Sr. Aníbal Marani Pinto e o Sr. Eduardo Rodrigues Nunes, que introduziram energia elétrica e melhorias na produção. Mas, em 1913, um incêndio destruiu parcialmente as dependências da fábrica. Antônio Almeida da Costa, muito triste e vencido pela idade, morreu no ano de 1915. Passados alguns anos, em 1920, com a administração de Raúl Mendes de Carvalho, natural de Caldas da Rainha, a fábrica foi reaberta. As atividades de produção duraram por cerca de sessenta anos, até 1980, quando a fábrica fechou as portas em total decadência (DOMINGUES, 2003, p. 158), embora ainda existe no papel até os dias de hoje.

O catálogo de produtos da Fábrica de Cerâmica e de Fundição das Devezas utilizado como parâmetro neste trabalho possui trinta e sete páginas, sendo as seis primeiras constituídas com informações sobre o endereço da fábrica e de suas sucursais, foto dos fundadores e processo de venda dos produtos e das imagens. Nas trinta e uma páginas restantes, ocorre o mostruário que contém imagens de figuras, bustos, animais, vasos, jarras, globos, colunas, pirâmides, floreiras, garrafas, talhas, balaustres e fornos para coser pão; peças de sanitários; artefatos de mármore e gesso; peças para fundição e serralheria; azulejos e mosaicos cerâmicos e hidráulicos. A Tabela 1 indica como as características e os preços dos produtos eram apresentados.

A partir do catálogo fez-se uma análise comparativa entre as fotos do levantamento fotográfico das peças cerâmicas dos casarões com imagens impressas. Na análise foram observados os elementos constituintes, as características dimensionais, os panejamentos e os atributos que eram característicos de cada representação.

Tabela 1 - Folha do mostruário do catálogo de produtos da Fábrica de Cerâmica e de Fundição das Devezas, editado em 1910.

Na Figura 15 e a Figura 16 apresentamos, exemplificadamente, o tipo de análise comparativa feita entre as fotos de esculturas das platibandas dos casarões em Pelotas e as fotos das esculturas impressas no referido catálogo da Fábrica de Cerâmica e de Fundição das Devezas.

Analisando a escultura da platibanda do casarão Barão de São Luís, apresentada na Figura 15a, observa-se uma figura de mulher que se encontra em pé, com os cabelos repartidos ao meio e presos em um rabo de cavalo, olhando para frente, com o braço direito semi flexionado e o braço esquerdo quase reto. Seu colo está desnudo, as vestes estão caídas com pregas muito volumosas. A perna e o pé direito estão retos e a perna esquerda está semi flexionada. Toda a escultura esta apoiada sobre uma base circular, na qual aparece à inscrição em baixo relevo “Gratidão”. Verifica-se que esta se caracteriza pela figura de uma mulher jovem que carrega na mão direita uma cegonha, símbolo representativo do agradecimento e, na mão esquerda, um ramo de fava, representando a fertilidade da terra, e aos seus pés se encontra um elefante, simbolizando a cortesia e a gratidão (RIPA, s/data). Comparando-se os elementos constituintes e o panejamento da escultura do casarão Barão de São Luís com a imagem do catálogo [Figura 15b] observa-se a similaridade entre as peças e conclui-se que, provavelmente, a escultura do casarão teve origem na Fábrica de Cerâmica e de Fundição das Devezas.

Analisando a escultura da platibanda do casarão Barão de Cacequi, apresentada na Figura 16a, observa-se por sua vez, a figura de uma mulher que se encontra em pé, os cabelos caídos sobre os ombros e repartidos ao meio, a cabeça e o olhar ligeiramente inclinados para o lado direito; o braço direito está reto e com a mão fechada e o braço esquerdo está quase reto, com sua mão apoiada sobre uma coluna e um globo; o seu colo está desnudo e a figura possui um manto sobre o vestido com pregas muito volumosas. A perna e o pé direito estão retos e a perna esquerda está semi flexionada sobre a cornija. Toda a escultura apóia-se sobre uma base circular e onde aparece a inscrição em baixo relevo “Europa”. Verifica-se que esta se caracteriza pela figura de uma mulher magnificamente vestida com uma coroa na cabeça, com a mão apoiada em um globo, demonstrando a supremacia do Império Romano sobre o universo. A figura possui uma cornija em seus pés, demonstrando abundância e fertilidade. Comparando-se os elementos constituintes e o panejamento da escultura do casarão Barão de Cacequi com a imagem do catálogo [Figura 16b], observa-se a similaridade entre as peças e que, provavelmente, a escultura teve origem na Fábrica de Cerâmica e de Fundição das Devezas. A ausência do cetro se justificaria pela sua maior fragilidade e menor resistência, porque era confeccionado, possivelmente, em madeira (GRAVELOT, 1994).

Quanto ao estado de conservação das peças cerâmicas em faiança encontradas nas platibandas dos casarões, no ano de 2010, ano inicial deste trabalho, foram observadas patologias, tais como a presença fungos, perdas de suporte e sujidade, possivelmente, causadas pela exposição à intempérie e falta de manutenção. No ano de 2012, as esculturas e os vasos do casarão Barão de Cacequi se encontravam em processo de restauro e as do casarão Barão de São Luis foram restauradas, no ano de 2010.

Considerações finais

Os resultados deste trabalho possibilitam inferir as seguintes conclusões:

· O estudo possibilitou a identificação de elementos constituintes, características dimensionais, os panejamentos e os atributos característicos de representação das peças cerâmicas em faiança existentes nas platibandas dos casarões Barão de Cacequi e Barão de São Luís.

· A partir das peças cerâmicas encontradas nas platibandas dos casarões foi possível identificar como fornecedora a indústria portuguesa Fábrica de Cerâmica e de Fundição das Devezas.

· A metodologia de análise comparativa entre as fotos das peças cerâmicas em faiança originais encontradas nos prédios dos casarões com as imagens impressas no catálogo da Fábrica de Cerâmica e de Fundição das Devezas, editado em 1910, foi eficiente como ferramenta de identificação dos produtos.

· A identificação da Fábrica de Cerâmica e de Fundição das Devezas como fornecedora das peças em faiança para os casarões em estudo torna possível a realização de restaurações eficientes e com a utilização de materiais adequados.

Referências bibliográficas

BARATA, Mário - As condições do uso da azulejaria de revestimento externo no Brasil e em Portugal: relacionamento parcial com clima do trópico, no primeiro país. In” Congresso Brasileiro de Tropicologia”, 1, 1996, Recife: FUNDAJ, Massangara, 1987.

CATÁLOGO DA FÁBRICA CERÂMICA E DE FUNDIÇÃO DAS DEVEZAS. Vila Nova de Gaya, Portugal, 1910.

CHEVALIER, Ceres. Vida e obra de José Isella: arquitetura em Pelotas na segunda metade do século XIX. Pelotas: Livraria Mundial, 2002.

DOMINGUES, Ana Margarida Portela. A fábrica de Cerâmica das Devesas - Patrimônio Industrial em Risco. Portugal: editado pela Faculdade de Letras do Porto, 2003.

GRAVELOT, Hubert F., COCHIN, Charles N.. Iconologia. Tradução de Maria Del Carmen A. Gómez, Universidad Iberoamericana, México,1994.

QUEIRÓS, José. Cerâmica Portuguesa. Aveiro, Portugal: Livraria Estante Editora, 2ª edição, 1987.

RIPA, Cesare. Iconologia. Madri. Espanha: Ediciones Akal, S. A. Tomo I.

SANTOS, Cláudia Emanuel Franco dos. Artes decorativas nas fachadas da arquitetura Bairradina. Porto: Universidade Portucalense, vols. I e II, 2007, p. 5

SANTOS, Carlos Alberto Ávila; DUTRA, Amanda; MACEDO, Jamila L.; PEREIRA, Letícia A.; SANTOS, Davi D. Elementos Funcionais e Ornamentais da Arquitetura Eclética Pelotense: 1870 - 1931 - Estatuária. UFPEL: IAD, 2010. Artigo 9º Seminário de História da Arte.

SIMÕES, João Miguel dos Santos. Azulejaria Portuguesa no Brasil. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1965.


[1] Mestre no PPG Mestrado em Memória Cultural e Patrimônio Social da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e Conservadora-Restauradora de Bens Culturais Móveis da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

[2] Professora Doutora Docente do PPG Mestrado Memória Social e Patrimônio Cultural da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).