Da ideologia à arquitetura, um projeto além mar: os Gabinetes Portugueses de Leitura no Brasil

Maria de Fátima da Silva Costa Garcia de Mattos [1]

MATTOS, Maria de Fátima da Silva Costa Garcia de. Da ideologia à arquitetura, um projeto além mar: os Gabinetes Portugueses de Leitura no Brasil. 19&20, Rio de Janeiro, v. II, n. 2, abr. 2007. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/gabinete_portugues.htm>.

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Os Gabinetes de Leitura, cuja inspiração nos remete à França revolucionária, às chamadas “boutiques a lire”, que apareceram após a revolução de 1789,  eram uma casa onde se podiam alugar livros, mediante pagamento e prazo para a sua devolução. Desenvolveram-se na Europa, em especial na França, Inglaterra e Alemanha, dedicados, portanto, ao empréstimo de livros para leitura domiciliar, diferenciando-se das bibliotecas públicas, que permitiam a consulta, muito embora gratuita, somente dentro das suas dependências. O termo também suscita uma conotação moderna, atribuída a um espaço da moda, dada a referência de vanguarda que tanto a função quanto o espaço reservava e que, na literatura da época, aparece associada ao progresso e à civilização e, dessa forma, ao requinte que os novos centros de saber irradiavam.

Nas palavras de Eça de Queiroz, “o que, porém, mais completamente imprimia àquele gabinete um caráter de civilização eram os aparelhos facilitadores de pensamento” (QUEIROZ, 1913 apud MARTINS, 1990, p.23).

O surgimento dessa instituição é coincidente com a expansão do mercado livreiro europeu que veio ao encontro de uma população que almejava dominar o universo do gênero do romance que, então, florescia. Num universo mais amplo, era um público fascinado pela origem da humanidade, tanto quanto pelo seu próprio passado, ávido por consumir as formas de difusão dessas idéias, como os romances de tempos heróicos. Além disso, interessavam-se pelas obras de arte renascentistas, as pirâmides do Egito ou as ruínas greco-romanas, perfeitamente justificadas no gosto romântico pelo passado e expressas na literatura, do romance à moda das biografias, a preocupação com o inventário e a proteção ao patrimônio histórico.

Os Gabinetes de Leitura, enquanto instituição cultural, eram espaços que a modernidade européia consagrava, alimentando ilusões nos leitores em geral, sonhos e devaneios “de senhoras cuidadosas”, ao permitirem o consumo dos romances, além de despertarem preocupação em virtude da dimensão política dos Gabinetes Franceses, pois seus dirigentes, via de regra, eram tidos como “conselheiros” dos visitantes, uma vez que dirigiam o gosto ao orientarem sobre a escolha de jornais, brochuras ou obras especiais para leitura.

De qualquer forma, na incessante batalha de idéias que atravessava a restauração, o Gabinete de Leitura, principal agente de divulgação de textos de todo teor, foi uma arma política eficaz e não a menor nas mãos da burguesia parisiense, em seu combate contra a monarquia restaurada (MARTINS, 1990, p.30).

Essa expansão do mercado livreiro, além de uma necessidade de produção de mentalidade, pode também ser entendida como uma forma de entretenimento, própria de uma sociedade burguesa cujo ritmo era o do trabalho, e conseqüentemente, ao isolar-se, encontrava-se na leitura.

Contudo, a ascensão dos cabinets, em Paris, no século XIX, teve a sua cronologia datada. Entre 1819 e 1844, saltaram de 23 para 215 as salas de leitura, em seu auge, iniciando posteriormente sua paulatina queda, reduzindo-se para 118 em 1883, coincidentemente com o enfraquecimento da leitura dos romances em detrimento do romance-folhetim, que desviou a atenção dos livros para o jornal. Comentava na Revista Universal Lisbonense, em Portugal, Antonio Feliciano de Castilho: ”...este século, tão destruidor quanto criador, matou a livraria e pôs no seu lugar o jornalismo. Os livros eram a muita ciência para poucos homens; os jornais são um pouco de ciência para todos” (MANUELA RIBEIRO apud ANACLETO, 1994, p.22). Outro dado importante foi a fundação do jornal A Imprensa, por Emile Girardin, que, possuindo caráter diário, facilitava o acesso, dispensando as freqüentes idas aos Gabinetes de Leitura.

Isso teve um rebatimento pertinente na sociedade do Rio de Janeiro em meados do século XIX. A configuração desses espaços de leitura, não exatamente a exemplo do modelo francês, devido às próprias diferenças sociais e culturais entre França e Brasil, surgiu por iniciativa da colônia portuguesa ali radicada, homens modernos, intelectuais, médicos, comerciantes e bacharéis em Direito que, ao se reunirem num importante local, difusor de obras e autores para uma pequena elite carioca, os Gabinetes de Leitura, estendiam além-mar esse mesmo projeto, na esteira e no jardim da tradição.

A leitura, na época, uma prática ainda para poucos cultores, aparece entre 1830 e 1840, ligada a um contexto que buscava, além da instrução, o entretenimento. O preço inacessível dos livros restringia a formação de bibliotecas particulares, cita Nelson Schapochinik,

Convertendo-se numa alternativa palpável para aqueles que não dispunham de dinheiro para aquisição de livros e periódicos, [...] os cabinets tiveram um importante papel na difusão de obras e autores desconhecidos para a rarefeita audiência carioca (SCHAPOCHINIK apud BRESCIANI, 1994, p.155).

Os Gabinetes Portugueses de Leitura no Brasil apresentam-se como referenciais urbanos, conformados às aspirações sociais da época, expressos nos novos centros de convívio, cultura e lazer. A sociedade formava-se, os homens aproximavam-se para trocar idéias, e uma nova vida associativa se viu desabrochar, resgatando, por meio de seus edifícios, a memória e a formação da identidade nacional, preservando uma história cuja experiência vivida o tempo poderia pôr a perder.

Dessa forma, tais edifícios, apropriando-se do espaço da cidade, interferiram em nível de representação, através de seus signos e imagens esculpidos num universo simbólico e não somente como edificação, uma vez que alguns deles já contemplavam inovações pertencentes às variáveis estilísticas européias, aqui introduzidas, como o uso do ferro e do vidro.

O seu projeto arquitetônico remete-nos ao estilo das “arquiteturas Pátrias”, apoiado na história como memória coletiva e assumindo uma função simbólica, como imagem de um poder aqui representado através da sua arquitetura. O edifício tornou-se, então, o suporte para essa arte emblemática.

Em Verdade e Método, Gadamer elucida a postura da arquitetura ou da compreensão que ela tem quando em confronto com as demais artes. Ela realiza o papel de um poder mediador, porque, enquanto espacialidade, ao mesmo tempo em que dá forma, ela situa algo no espaço, abrangendo não só as formas pertinentes a essa organização, inclusive o ornamento, mas também em essência ela é decorativa, se pensarmos no espaço urbano onde ela está inserida. A modificação da paisagem, em função da obra, passa por um processo de melhoria, decorativismo ou embelezamento. Segundo Gadamer, isso vale para toda a decoração, da urbanística ao menor ornamento. É essa mediação entre o observador e o urbano que a obra realiza, que deve ser a solução para o problema artístico (arquitetônico), ou seja, inserindo-se num determinado sítio, ela atrai para si o olhar do observador ( satisfazendo-se esteticamente), ao mesmo tempo em que faz com que esse observador se projete para o contexto que a acompanha, a memória que o edifício documentou. 

Neste caso, onde a intenção foi a preservação da memória, a linguagem arquitetônica dos Gabinetes teve como importante aliada a escultura, numa pontual e decisiva interação com o edifício. O ato da construção deu-se como um instrumento de leitura do tempo, pois foi o projeto que permitiu buscar no ideário da nação lusitana a “razão” para a escolha do estilo manuelino, instalando-se em terras brasileiras, refundando a nacionalidade ou, quem sabe, “nacionalizando” a identidade e a cultura portuguesa no Brasil, através da leitura dessa edificação, como uma garantia afetiva presente na memória, que, segundo Halbwachs (1990), é o afetivo que indica o pertencimento, a ligação com o grupo ou com a vivência passada, da qual fez e ainda faz parte, através da lembrança.

O monumento, diz Gianni Vattimo, é feito decerto para durar, mas não como presença plena daquilo que porta como recordação; ao contrário, ele permanece, justamente, apenas como recordação (1996, p.82). Assim é que, produzindo uma forma de referência urbana apoiada na simbologia da imagem, o edifício valorizava um passado que estava ameaçado pela sua própria ausência de memória – o esquecimento. Assim sendo, tornou-se um lugar onde a lembrança encontrou âncora, cristalizou e fortaleceu os vínculos pessoais e os valores de um passado nacional.

É nesse sentido que a memória recompõe a relação entre o passado e o presente como uma estratégia de sobrevivência emocional (D’ALÉSSIO, 1993, p.92-103) que, ao manter vivos laços e traços de destino, vestígios do passado, mantém, acima de tudo, o caráter da identidade.

Esses monumentos edificados, portadores de mensagens, foram os materializadores da memória – petrificada - , buscando, ao preservá-la, identificá-la à memória nacional através daquilo que merecia ser lembrado e não somente pela pura preservação do passado, a associação da história à arte, a reflexão sobre o estado da arte que figura pronta e acabada como expressão de mentalidade daquele imaginário.

Em Teses de Filosofia da História, Walter Benjamin comenta sobre a “história dos vencedores, a qual explica pertencer a um raciocínio linear na história onde o processo aparece como dentro de um curso unitário, exatamente porque aos vencedores pertence o crivo daquilo que deve ou não ser lembrado, perpetuado, marcado também através da imagem transmissora de uma mensagem de poder. Aos vencidos, bem sabemos, eliminados de forma incisiva da história, sempre se preservou uma inteligência voltada para o seu conseqüente banimento, da memória coletiva. Uma forma negativa de preservação, mas que beneficiou a história dos vencedores, pois dela se pôde fazer perdurar apenas aquilo que identifica a legitimação do seu poder, ou, como quer Gianni Vattimo, em O Fim da Modernidade, referindo-se a uma idéia de derivação diltheiyana, que se revela na obra de arte, constituindo uma linha fundamental da existência histórica, pois, enquanto verdade, a obra se revela na monumentalidade  “não tanto enquanto o que dura, mas sim, antes de tudo, enquanto o que resta: vestígio, memória, monumento” (VATTIMO, 1996, p.71).

Enquanto documento histórico, o monumento é o resultado do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro, voluntária ou involuntariamente, determinada imagem de si próprias (LE GOFF, 1984, p.103), pois o documento não é inocente, não decorre apenas da escolha do historiador, sendo ele próprio parcialmente determinado por sua época e seu meio; o documento é produzido consciente ou inconscientemente pelas sociedades do passado, tanto para impor uma imagem desse passado quanto para dizer a “verdade” (LE GOFF, 1993, p.54).

Os Gabinetes de Leitura, como lugares de configuração da memória, onde ela “se corporifica e cristaliza” na acepção do termo usado por Pierre Nora (1984), plasticamente, têm nas características Neomanuelinas que ornamentam esses edifícios o que configura a memória, não só o escudo e a cruz, mas também o uso da esfera armilar como antena cósmica no alto dos edifícios, uma forma de soberania do emblema como amparo para a Nação. Significativamente, como “lugar”, consideramos a propósito a definição de Marc Augé (1994), quando nos diz: “o lugar abriga possibilidades de ser a um só tempo: relacional, identitário e histórico”.

Lugares que ficaram entre a representação de um passado e a construção da história, congregando desejos e conclamando um grupo que se auto-reconhecia, diferenciava e definia, posto que, para o imigrante longe da pátria, a referência do lugar amparava o resgate e a manutenção da tradição.

Lugares topográficos, como arquivos, as bibliotecas e os museus; lugares simbólicos, como as comemorações, as peregrinações, os aniversários ou os emblemas; lugares funcionais, como os manuais, as autobiografias ou as associações: estes memoriais têm sua história (NORA, 1984, p.25).

Esses lugares simbolizaram uma memória viva e espontânea, uma obra de arte celebrativa, um evento, do qual a participação da sociedade não poderia prescindir. Neles realizava-se o esforço de equipar a Nação com aparelhos que militassem para o desenvolvimento cultural, para a preservação da memória nacional e da própria história do País em construção, como também aconteceu com o Arquivo Público do Império, criado logo após a Independência, numa atitude de acolhimento e preservação de documentos que dessem suporte ao Estado, na esteira da dimensão de estatuto legal adquirida pelo documento, no século XIX. Dessa mesma forma,  o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - IHGB, importante instituição que seria a responsável pela construção da história nacional. Seu objetivo era o de escrever a história da Pátria, a partir do testemunho dos documentos (COSTA, 2000, p.227).

Certamente assim, esses lugares de memória cumpriram com essa função,

Não é apenas memória porque não é mais vivida, porque a ruptura com o tempo eterno já foi feita, porque o passado já foi reconhecido, tanto que passa a ser arquivado, registrado (monumentos, museus). Mas é ainda memória porque sacraliza, comemora, celebra (D’ALÉSSIO, 1993, p.103).

Os Gabinetes Portugueses de Leitura no Brasil, em estilo Neomanuelino,  apresentam-se, assim, como uma tentativa de pertencimento à nossa identidade nacional, interferindo na paisagem urbana das cidades em que se localizam por vontade da colônia portuguesa ali radicada, mas não como estilo identificado ao gosto brasileiro. Foi a sua própria necessidade de reconhecimento além-mar que motivara a busca do historicismo arquitetônico, justificado na saudade da pátria, pari passu à vontade de ser aceito e de vencer, conseqüentemente, de aqui se estabelecer.

O Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro é um ícone do estilo Neomanuelino no Brasil, e a sua biblioteca, considerada a maior e mais expressiva biblioteca lusitana fora de Portugal, pelo volume de títulos e obras raras que possui. O lugar  reveste-se num convite à leitura e à reflexão.

Foi criado em 14 de maio de 1837, por iniciativa de um grupo de portugueses comerciantes e, em sua maioria, bacharéis em Direito, durante uma reunião na residência do advogado e emigrante português Dr. Antonio José Coelho Lousada, na Rua Direita (hoje 1º de Março), nº 20, com a presença de 43 associados. Foi a primeira associação literária fundada por portugueses na América do Sul, que, nas palavras de Ricardo Severo, foi um “estabelecimento criado por portugueses, o primeiro do Império, no intuito da sua ilustração, da ilustração geral e de concorrer para a glória literária da Pátria”  [2] (TAVARES, 1977, p.15).

O Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro teve várias sedes. No ano de 1840, no sobrado da Rua São Pedro, n° 83, de onde se transferiu para a Rua da Quitanda, n° 55 (já demolido), um edifício de três pavimentos com azulejos na fachada e telhas de canal esmaltado em Alcobaça, Portugal, que, demonstrando-se insuficiente para abrigar o acervo, transferiu-se novamente, em 1850, para a Rua dos Beneditinos, n° 12.

Essa associação reuniu um considerável acervo de literatura portuguesa e brasileira desde as primeiras doações recebidas; grandes coleções de assuntos diversos, bem como títulos esporádicos, impressos e manuscritos, que já em 1860 relacionavam 31.349 volumes em seu acervo, elevado em 1870 para 42.256; em 1880 para 49.859; e, na virada do século, no período entre 1891 e 1900, somavam-se 61.774 volumes.

Dentre eles, destacam-se a biblioteca de Manoel de Mello, com obras de lingüística, literatura, história e antropologia; a de Antonio Alves Ferreira, com 1.400 livros de medicina, farmácia e cirurgia geral; a do escritor Carlos Malheiros Dias, com 1.500 espécies entre impressos e manuscritos; e a de Francisco Garcia Saraiva. Dentre a valiosa coleção de obras clássicas, encontra-se cuidadosamente guardado numa das salas do edifício o manuscrito autografado, de Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco e o primeiro livro catalogado, uma edição francesa das obras completas de Voltaire.

A formação de uma biblioteca dentro desses parâmetros era fundamental para o reconhecimento da Instituição no âmbito não somente nacional, mas também internacional, pois, no Brasil, Portugal era sinônimo de cultura do branco civilizado, e não somente do elemento nativo, em suma, diferente da imagem corrente. E se o livro era sinônimo de erudição, não haveria então instrumento melhor para consolidar a “glória da pátria” - um projeto político e literário.

Em março de 1935, através de um decreto assinado pelo Presidente português Carmona, com base numa legislação de 1923, a biblioteca do Gabinete passou a receber um exemplar de cada livro impresso e publicado em Portugal, estimando atualmente o seu acervo em 350.000 volumes.

No Brasil e nos países da Europa, que sofreram a influência do Iluminismo, comenta Kátia Carvalho, ter uma biblioteca particular era um indicador de nível cultural e social de seu proprietário. Na esfera pública, fundar uma biblioteca era tornar público o respeito e o culto ao livro. A fundação da Biblioteca Nacional e da Imprensa Régia, no século XIX, concedeu à literatura um caráter de acessibilidade a um público diferente daquele que antes detinha a primazia na aquisição das obras (CARVALHO, 1999, p.129-130).

As doações foram acontecendo, conforme pudemos observar na leitura do Jornal do Comércio do ano de 1837.

A directoria do gabinete portuguez de leitura, em sessão do nove do corrente mez, recebeu do seu accionista o Illmo Sr. Dr. João Joaquim Pestana o offício que vai abaixo exarado, acompanhando a valiosa offerta de 58 volumes de raras e excelentes obras, o que lhe foi aceito com especial agrado e o faço público, em observância do artigo 58 dos estatutos, que considera semelhante donativo como relevantes serviços feitos à sociedade. - o secretário Francisco Eduardo Alves Vianna. Rio de Janeiro, 10 de junho de 1837.[3]

As notícias repetiam-se até com bastante freqüência, pelo que localizamos; porém, muitas vezes, não eram diárias, como atesta esta próxima edição,

O Illmo Sr. Agostinho Corrêa de Almeida accionista do Gabinete Portuguez de Leitura offereceu à livraria do estabelecimento as seguintes obras em diversos idiomas: Os Lusíadas de Camões, em 4º conforme a edição do Morgado de Matheos, anno de 1836, 1 vol; Colleção dos principais autores da História Portugeza, publicada com notas pelo diretor da classe de literatura da Academia Real da Sciencia, em 4º, ano de 1806, 8 vols; Discurso sobre a historia universal de Bossuet, 1 vol; Noites romanas no sepulcro de Scipioens, 2 vols; Tratados de educação por I.B. da S.garret, 1 vol; Constituição política da monarchia portugueza, 1 vol; Máximas e pensamentos do Marquês de Maricá, 1 vol; Poesias avulsas de Américo Elisio, 1 vol; Biographie nouvelle dês contemporains, ou Dictionnaire historique et raisonné de tours lês hommes qui, despuis la revolucion française ont aquis de la célibrité par leurs crimes, soit em France, soit dans lês payes étrangers par Mrs. Arnault, Jay, Jouy, Norvins et autres hommes de lettres, etc., ornée de 300 portraits, 1827, in 4º, 20 vols; Dictionaire historique e bibliographique por Mr. Ladvocat, 5 vols; Libras Meditations d’une solitaire inconnu, par Mr. Senancour, 1 vol; Lês derniers moments de Napoleon, por Antommarchi, 2 vols; Histoire dês Juifs despuis la destruction de Jerusalen jusqu”a ce jour, par Charles Malo, 1 vol; Décade Historique par lê Conte de Ségur, 3 vols; Mélange de litterature et de critique, par Ch. Nodier, 2 vols; Voyagens em Egypte et Syrie, pare Volney, 3vols; Espirit du memorial de S.Helene, 3 vols; La Morale apliquée a la politique, par Jouy, 2 vols; Potal, 60 vols. Esta offerta foi recebida com especial agrado pela directoria, e assim como hum serviço relevante feito à sociedade. Rio, em junho de 1837. o secretário F. E. A. Vianna.[4]

 No dia seguinte,  20-06-1837, no jornal n° 135, página 3, a coluna se repete, porém logo abaixo das declarações do dia já a encontramos num espaço dedicado ao Gabinete Português. Uma coluna específica, o que nos pareceu bastante pertinente, posto que podemos disso depreender uma identificação do Gabinete com a comunidade carioca, como aceitação dessa associação que pode vir a não ser mais somente lusitana, mas tornar-se, pela contribuição aos costumes da época, uma associação luso-brasileira.

Gabinete Portuguez de Leitura do Rio de Janeiro

A directoria tendo a satisfação de receber dous bellos modelos para a apólice e timbre da sociedade, que generosamente offertara Mr. Boulanger mestre de desenho de S.M.I, em nome da sociedade agradece ao mesmo Sr. Boulanger o zelo e interesse que toma pela prosperidade deste estabelecimento literário.

Rio, 18 de junho de 1837. o secretário F.E.A.Vianna. [5]

Contudo, nas das décadas seguintes, as dificuldades financeiras foram aumentando, o déficit era grande e o pagamento dos aluguéis, uma realidade. Estende-se até 1872 um período difícil para os associados, conforme encontramos nas Atas e Relatórios da Diretoria do Gabinete.

A nova diretoria, no ano de 1878, lança um Apelo à Comunidade Portuguesa radicada no Rio de Janeiro para aumentar os “fundos para o edifício”, visto que já haviam adquirido, entre 1871 e 1872, dois terrenos na Rua da Lampadosa, nº 28 e 30. Essa diretoria, uma das mais atuantes, presidida pelo Sr. Eduardo Lemos e seu vice-presidente, Joaquim a Costa Ramalho Ortigão, vendo aproximar-se o dia 10 de junho, no ano de 1880, data das comemorações Camonianas – o 3º Centenário de Camões -, manda demolir os quatro velhos prédios[6] para preparar o terreno da Rua da Lampadosa (atual Luís de Camões) para o lançamento da pedra fundamental do novo edifício, cuidando para que o fato alcançasse grande repercussão.

Era um local privilegiado, perto dos teatros mais freqüentados (como o Teatro S.Pedro, hoje João Caetano), a Escola Politécnica no Largo São Francisco, o Conservatório de Música e a Sociedade Beneficente Musical, ambos na Rua da Lampadosa, conhecido, também por isso, como “bairro das artes” e um eixo por onde, certamente, deveria passar o desenvolvimento da capital carioca.

Em 10 de setembro de 1887, ao completar 50 anos de fundação, foi inaugurado o atual edifício do Gabinete Português de Leitura, na Rua Luís de Camões, meio a uma grande festividade, melhor representada num trecho do discurso de Joaquim Nabuco:

o edifício está completo, a estructura material está prompta, ides agora inflar-lhe o espírito, a alma que o há de animar. Que alma deve ser essa? Ella sahe destas pedras senhores.

Deliberadamente, vós, portuguezes construístes uma biblioteca, a mais grandiosa das edificações desse gênero na América e a levantastes sob o duplo padroado, de Luis de Camões e do Infante D.Henrique. A alma deste edifício é assim, antes de tudo,a própria alma nacional. Estas pedras são estrophes dos Lusíadas. [...] É a 1ª significação deste monumento; é um monumento levantado à missão da vossa nacionalidade e, portanto, é uma afirmação da vossa consciência portugueza, da pátria intangível, tão convencida, tão solene e tão alta como é a Batalha e como são os Lusíadas.[...]

Mas este edifício tem um 2º caráter: elle é um padrão de posse nacional; com elle reclamais para vós o domínio da língua portugueza no Brasil em nome de Luís de Camões. E tendes razão. A língua é uma tradição preciosa. [...] Há uma 3ª afirmação neste edifício: é o culto a Camões. Elle pertence ainda à comemoração gloriosa de que tivestes a iniciativa. [...] Ahi estão os três grandes traços desta criação: affirmação da pátria, reivindicação da língua portugueza, centro da religião, ou melhor, da cultura Camoniana – há um quarto traço: aliança intellectual luso-brazileira. Este monumento é um símbolo de fraternidade” (BARROS MARTINS, 1901,p.64-66).

Vários arquitetos foram consultados para a elaboração do projeto da nova sede [Figura 1]. Por um lado, a apresentação pelo arquiteto Bosisio (Borsisio)[7], por intermédio de Miguel Couto dos Santos, enviava “dois quadros e projeto da obra”, bem ao gosto da Renascença Italiana; de outro, ofertado pelo vice-diretor Miranda Leone, o projeto feito em julho de 1872 pelo engenheiro arquiteto Raphael da Silva e Castro para a construção nos terrenos de nº 28 e 30 da Rua da Lampadosa, que em carta de 19 de julho de 1872, juntamente com as sete pranchas, dizia ele, “das acanhadas proporções do terreno”, que não lhe ofereciam condições suficientes para realizar o trabalho que desejava (13,20m de frente). Contudo, o projeto definitivo, em 1880, “de traço Manuelino”, conforme solicitado, com a aquisição dos terrenos do fundo em 1882[8], foi desenvolvido com as devidas alterações para a utilização da área.

O outro projeto solicitado pela diretoria, em 1879, foi dirigido ao renomado arquiteto Francisco Bithencourt da Silva, discípulo de Grandjean de Montigny, também com a fachada em estilo Manuelino. Porém, mesmo tendo sido escolhido o projeto de Raphael da Silva e Castro, encontra-se registrada no agradecimento dirigido a Bithencourt da Silva, a justificativa da preferência “pela simples razão de ser este de execução mais fácil e mais barata.[9]

O Gabinete representava a fundação da modernidade portuguesa emigrada para o Brasil (BARROS MARTINS, 1901). A autorização do Poder Legislativo para a dispensa dos direitos de importação possibilitou a encomenda na Europa dos elementos em pedra e ferro para a construção do edifício, cuja obra esteve sob a responsabilidade do arquiteto português Frederico José Bianco, residente no Rio de Janeiro.

A cantaria da fachada [Figura 2], aparelhada em pedra de lioz, foi contratada em Lisboa com o “canteiro” e marmorista Germano José Salles, pela qual recebeu onze contos de réis (TAVARES, 1977, p.80). As estátuas e os medalhões ornamentais foram contratados em Lisboa, com o escultor José Simões de Almeida Junior, para representarem o Infante D.Henrique, Luís de Camões, Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral; nos medalhões, os bustos de Fernão Lopes, Gil Vicente, Alexandre Herculano e Almeida Garrett.

Além disso, a diretoria encomendou na França, através da importadora Fiorita e Tavolara, situada na Rua da Alfândega, nº 15, “o vigamento de ferro laminado para quase toda a obra, e de tijolos tubulares para formar abóbadas ligando e travando o mesmo vigamento” (TAVARES, 1977, p.80). A cobertura de madeira, considerada inconveniente, foi substituída pelo ferro, a exemplo de outros edifícios europeus e americanos que, a partir de 1850, passaram a utilizar o ferro fundido para construírem edifícios maiores, mais econômicos e mais resistentes ao fogo.

O Salão da Biblioteca possui 400m², com pé-direito de 23,50 m, do piso ladrilhado à clarabóia. Construído em estrutura de ferro aparente, é recoberto por uma grande clarabóia em vidro colorido que abriga uma luminária em ferro e bronze, com uma lâmpada ao centro e oito outras colaterais que, com efeito, emolduram esse grande cenário, meio às colunas retorcidas em ferro e exuberante decoração com folhagens, cordas e demais símbolos do poder real, como o escudo e a cruz de Cristo, que cercam os arcos das galerias e estantes de madeira.

Nas quatro paredes laterais, encontramos imponentes estantes em ferro e madeira, refratárias a cupim, que recobrem toda a sua extensão vertical e abrigam um acervo calculado em 350.000 volumes. Nas amplas mesas laterais, encontram-se à disposição jornais correntes da imprensa européia e principalmente lusitana, além de jornais nacionais diários.

Em 1900, o Gabinete Português de Leitura transformou-se em biblioteca pública. O presidente daquela gestão administrativa, Ernesto Cibrão, convidou o intelectual Benjamin Franklin de Ramiz Galvão, para organizar um novo catálogo do acervo bibliográfico, concluído em 1906, ano em que o rei D. Carlos atribui o título de “Real” ao Gabinete.

A partir de 1972, com recursos internos, solicitação de auxílios diversos, colaboração de amigos e da Fundação Calouste Goulbenkian, foi possível a realização das obras de manutenção e restauro do edifício. Também de grande valor foi o extenso levantamento do acervo artístico e utilitário do edifício, realizado em 1973, que deu início a um inventário do Real Gabinete que, ao fim e ao cabo, concluído em 1974, foi entregue à Secretaria para arquivo. Interessante notar é que, na parte artística, foi apurado um significativo acervo de 22 quadros de autores consagrados, como José Malhoa (a sua obra, “O sonho do Infante”, foi adquirida por ocasião da exposição do artista, em 1906, no Real Gabinete, para acervo do local), Carlos Reis, Eduardo Malta, Henrique Medina, Bonnat, Constantino Fernandes, Jorge Maltieira e Steckell, dentre outros; 14 retratos artísticos; 13 bustos; 24 objetos e peças artísticas, dentre as quais o valoroso “Altar da Pátria”, uma peça em prata e marfim que evoca os Descobrimentos, e a maquete original do monumento a Pedro Álvares Cabral, existente no Largo da Glória. [10]

O Gabinete Português de Leitura de Salvador foi criado em 02 de março de 1863, na sala de sessões da Real Sociedade Portuguesa de Beneficência Dezesseis de Setembro, por iniciativa de um grupo de portugueses, que tinha por finalidade a aquisição de um maior número de obras de "reconhecida utilidade", escritas em português e francês, para utilização de todos. Seu fundador e primeiro Presidente foi o português Comendador Manoel Joaquim Rodrigues, acompanhado de seu irmão, Francisco José Rodrigues Pedreira. Ambos portugueses, idealistas, nascidos em Soutelo, Município de Vila Pouca de Aguiar, Portugal. No mesmo ano, em 09 de junho, foi instalada a sua primeira sede, na Rua Direita do Comércio, n° 44,  2° andar, onde tiveram início as suas atividades.

Devido à sua crescente procura, o Gabinete foi transferido três vezes, sendo a última instalação em 27 de junho de 1896, a da Rua do Palácio n° 40 (originalmente era chamada Rua Direita do Palácio e, depois, Rua Chile).

Ficou pouco tempo na Rua Chile, pois a reestruturação urbana indicava vários edifícios para serem demolidos. O edifício do Gabinete de Leitura encontrava-se nessa lista das demolições que permitiria a realização das obras de alargamento da Rua Chile. Para isso, o Presidente, Sr. Augusto Pinho, levou ao conhecimento da Diretoria a proposta do Intendente Municipal para a sua desapropriação, recebendo por indenização a quantia de oitenta contos de réis.

O novo edifício do Gabinete Português de Leitura, construído na Praça 13 de Maio, atual Praça Piedade, foi inaugurado em 03 de fevereiro de 1918.

A solenidade, presidida pelo Sr. Francisco José Rodrigues Pereira, contou com a presença do Governador do Estado, Dr. Antonio Muniz de Aragão; do Engenheiro Dr.Theodoro Sampaio, orador brasileiro; do Cônsul Português, Dr. João Barbosa Figueiredo, e do Revmo. Pe. Luís Gonzaga Cabral, orador português, além de outras autoridades presentes.

O orador português, conforme descreve a Ata de Inauguração do Novo Edifício[11], Pe. Luis Gonzaga Cabral, falou em nome da Pátria e como representante d’Ella formou dos dois quadros decorativos do vestíbulo “Camões salvando os Luzíadas” e o “Adamastor”, e do futuro vitral representando a Segunda Missa no   Brasil, a ser colocado entre os dois citados quadros,  a trilogia admirável, Livro, Pátria e Fé, sobre o que dissertou brilhantemente.[...] Em seguida, foi servido o champagne em profusão, trocando-se alguns brindes.A porta principal do edifício e a sala da Bibliotheca  foram policiadas por guardas civis.[...][12].

Construído em pedra de granito, medindo 30 metros e 50 de frente, e na sua maior altura 16 metros, em estilo Neomanuelino, foi desenhado entre 1912 e 1915, pelo arquiteto italiano Alberto Borelli, que fiscalizou e acompanhou todo o serviço da obra.[...] A decoração externa e do vestíbulo, de primoroso acabamento foi confiada ao   hábil decorador portuguez Sr. José Pinto Parente[13].

Edificado em dois pavimentos, atualmente, encontramos à direita o salão da biblioteca  e à esquerda, onde já foi a sede do Consulado Português, uma secretaria e um pequeno auditório com capacidade para cinqüenta pessoa, além de outra biblioteca, com acesso independente (feito pela esquina esquerda), com livros e jornais. É aberto ao público diariamente, em dois turnos, e sua biblioteca possui cerca de 17.000 títulos, sendo que seu primeiro catálogo é de 1902, tendo sido organizado pelo bibliotecário Zeferino Leal, e mantido junto às demais peças em exposição no local, como as Atas de Fundação, Medalhas Comemorativas, Quadros de Honra e Pratos Decorativos com motivos celebrativos.

A escadaria, construída em concreto armado, é revestida em mármore de Carrara, com um lance central, onde se vê um vitral executado em Paris por A. Dupleix, em 1921[14], e retrata a Primeira Missa realizada na Bahia, em 26 de abril de 1500. É ladeado por duas pinturas a óleo de De Servi[15], já repintadas (que, pela aparência grosseira não podemos inferir como resultado de restauro).

Na parte externa [Figura 3], a fachada, decorada por cordões, escudos, esferas armilares, mede 94 metros de extensão e “compreende três faces livres com 26 janellas, uma porta principal ao centro e outra em cada ângulo”. Identificam-se duas esculturas, a do Infante D. Henrique, do lado esquerdo, que “atira seus compatriotas bem armados na rota dos descobrimentos e das conquistas, e a de Luís de Camões, do lado direito, que “com seus Luzíadas magnifica e immortaliza a literatura portuguezae, nos medalhões, Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral[16].

Idealizado pelo Comendador Miguel José Alves, então Chanceler do Consulado de Portugal e fundado em 03  de novembro de 1850 pelo médico e jornalista Dr. João Vicente Martins, o Gabinete Português de Leitura do Recife foi o segundo do Brasil (o primeiro foi o do Rio de Janeiro, em 1837) , anterior ao de Salvador.

Sem finalidade lucrativa e vivendo às expensas do patrimônio resultante de doações de compatriotas e simpatizantes ao longo do tempo, e sem auxílio financeiro de qualquer instância governamental, foi instalado na sua primeira sede, em 15 de agosto de 1851, na Rua da Cadeia Velha – Bairro do Recife (atual Marquês de Olinda). Tinha como missão, conforme esclarece o Artigo 1° dos Estatutos, “unir os portugueses residentes em Pernambuco, fomentando a sua unidade moral e congregando-os no culto à Pátria Portuguesa e amor ao Brasil”.

Em virtude do crescente acervo de sua biblioteca e da prestação de serviços à comunidade local, já se encontrava nos planos da Diretoria uma nova mudança, desta vez para uma sede própria, que teve o lançamento da pedra fundamental em 1909. Em 1921, foi inaugurado o edifício em três andares, no mesmo endereço, onde atualmente se encontra, na Rua do Imperador Pedro II, n° 290. 

Na década de 1930, a associação já era uma referência local. Lá se realizavam concertos, apresentações teatrais, conferências e produções artísticas de elevado gabarito. Contudo a fatalidade tomou conta do edifício no dia 17 de julho de 1937, às 4h30, com um incêndio de grandes proporções, a partir da sala onde estava instalada a firma Palvarini, Mallet & Cia. Rapidamente tomou o assoalho do Gabinete e as estantes, atingindo o vitral do teto sem, contudo, danificá-lo.

A biblioteca atingida teve o seu acervo tanto danificado pelo fogo quanto pela água usada para combatê-lo, não poupando o mobiliário, os retratos dos beneméritos, as obras raras e documentos insubstituíveis. Para a sua recuperação, foram apresentados projetos de ampliação da área bem como o de um novo edifício com oito andares, resultando, alguns anos depois, na permanência do Gabinete Português de Leitura “fiel às suas instalações de então, tanto quanto possível clássico em seus vitrais e escadarias... (AREIAS e NOGUEIRA, 1993, p.102).

A obra de ampliação e modernização das instalações internas deu-se em 1973, com a criação de um auditório, uma sala de exposições e com o aproveitamento do pé-direito do térreo na modificação das escadas. Há, ainda, duas bibliotecas: a da Sala Jordão Emerenciano, que abriga a sua biblioteca pessoal doada ao Gabinete, e a Eça de Queiroz, num espaço aberto, com um projeto moderno, amplas estantes e mesas individuais, guardando ao fundo uma mesa para reuniões, de onde podemos ter uma visão puramente romântica.

Contudo, pudemos observar que nada mais é original. O assoalho foi  refeito. O espaço interno da biblioteca é todo em madeira, inclusive o teto em caixotão, que pouco foi danificado, somente as vigas são em concreto. O lustre que enriquece o centro do espaço, e que aparentemente é de bronze, também é de madeira. As colunas abrigam, numa caixa quadrada de madeira, as estruturas cilíndricas, internas, em concreto.

Atualmente, uma fachada nitidamente de influência neoclássica [Figura 4], associada ao pesado ferro da porta principal, às bandeiras das janelas e falsas portas, da belíssima clarabóia central da biblioteca em vidro colorido pontuada pelo emblema da Ordem de Cristo – a cruz, e da farta iluminação natural que se pode usufruir nesse espaço, garante a presença em azul e branco desse edifício Eclético no Nordeste.

A história do Centro Português de Santos remonta aos finais do século XIX e início do XX, quando a cidade vivia em pleno regime Republicano, em meio a uma época de grandes transformações políticas e sociais da Nação, o seu período de expansão, através dos benefícios que o setor cafeeiro iria consolidar, marcando o desenvolvimento comercial e urbanístico que a cidade via nascer.

O amor à Pátria longínqua, a necessidade de representação de classe e a união pelo amparo moral, jurídico e social motivaram a colônia portuguesa a um movimento associativo que deu origem, conforme Ata de Fundação, sob “teatro lotado”, o Teatro Guarani, em 01 de dezembro de 1895, com sessão presidida pelo Sr. José Maria de Azevedo, ao Centro Português de Santos.

Esse empreendimento [Figura 5] foi obra de iniciativa do Vice-Cônsul de Portugal, Luís José de Matos; do Dr. Manuel Homem de Bittencourt; Joaquim Inácio da Fonseca Saraiva; José Maria de Azevedo Magalhães e José Maria Soares. Presidiu a sessão, o Dr. Manuel Homem Bittencourt que depois de discursar, passou a palavra ao jornalista Alberto da Veiga o qual, amparado pela história, resgatou, em seu discurso, a memória da Restauração e Independência de Portugal, em 1640.

Na oportunidade, Alberto da Veiga explicou os motivos da criação do Centro Português, que era “congregar todos os portugueses com a finalidade do culto ao tradicionalismo, da cultura literária, científica, profissional e social, sem intuitos políticos e para a defesa e amparo dos portugueses humildes e desprotegidos[17].

Esse mesmo idealismo pátrio, observamos,  na leitura as atas e  discursos dos três Gabinetes Portugueses de Leitura, como mentalidade e manutenção do espírito ligado à tradição.

Localizado no centro velho de Santos, o Centro Português teve sua primeira sede no edifício da Praça da República nº 11, e sua atual sede própria, encontra-se na Rua Amador Bueno esquina com a Martim Afonso.  A pedra fundamental foi lançada em 15 de maio de 1898, data comemorativa dos 400 anos da descoberta do caminho marítimo das Índias, descrito no épico de Camões, Os Lusíadas.

O edifício, também em estilo Neomanuelino, foi projetado pelos engenheiros portugueses Ernesto de Maia e João Esteves Ribeiro da Silva e construído no lote nº 188 da Rua Amador Bueno, com área de 700,90 m², concluído em 02 de maio de 1899 e inaugurado em 08 de outubro de 1900.

Um dos seus espaços mais expressivos, o Salão Camoniano  inaugurado em 1913, abrigou em seus áureos tempos a elegância dos grandes saraus literários e dos bailes da sociedade local, prestigiados por imortais como Rui Barbosa, Olavo Bilac, Vicente de Carvalho e Martins Fontes, além de intelectuais Santistas. Esse espaço que ainda é original teve nas obras de restauração do Centro Português as suas características preservadas. O teto possui importante obra do pintor Antonio Fernandez que ali retratou estâncias de vários cânticos dos Lusíadas, justificando o nome do salão. Nas paredes com obra de pintura de João Bernils, encontram-se medalhões e armas da nobreza que remetem a vilas e cidades portuguesas.  Na reforma de 1951, o salão recebeu novo assoalho e sanitários mais modernos, além de uma escada bifurcada no hall de entrada garantindo melhor acesso aos pavimentos. 

É interessante ressaltar que os documentos principais que relatam a história do Centro Português foram guardados (e alguns dados por perdidos), no assoalho central do Salão Camoniano [18], e foi localizado por um minucioso trabalho de pesquisa e perspicácia do grupo de pesquisa do Departamento Feminino, que realizava em 1995, uma pesquisa histórica que deu origem ao volume comemorativo ao seu Centenário. Ao levantar as tábuas centrais do assoalho encontraram duas latas de cobre totalmente lacradas que foram abertas no dia 08 de maio na presença do Conselho Deliberativo, Diretoria, Departamento Feminino e demais convidados.

Na abertura das caixas, foram encontradas os documentos referente à pedra fundamental do Centro Português além de moedas e recortes de jornal da época da fundação, documentos da reforma de 1951 e moedas de vários países. Seguindo a tradição, durante as comemorações do Centenário do Centro Português foi depositada mais uma caixa com os documentos relacionados ao evento no piso do Salão, numa atitude nobre e patriótica do Grupo de Pesquisa no sentido de manutenção da tradição e dos valores históricos para as novas gerações.

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[1] Doutora em Artes pela ECA/USP (SP). Mestre em História e Cultura pela FDHSS/UNESP, Franca (SP). Docente de História da Arte do curso de Arquitetura e Urbanismo e do PPGE – Mestrado em Educação, do Centro Universitário Moura Lacerda de Ribeirão Preto (SP).

[2] Discurso de Ricardo Severo proferido por ocasião das comemorações do 1º Centenário do Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, em 14 de maio de 1937.

[3]Jornal do Commercio de 15-6-1837. Rio de Janeiro. Anno XI nº 131, p. 2; rolo MR 103 – biblioteca FFLCH/USP. No original, que se lê através do microfilme, o número do jornal está retificado a lápis alterando de nº 130 para nº 131, fato que observei neste lote a partir do nº 101 e que, por estar duplicado para a edição do dia 08 e 09-05-1837, se retificou, sendo nº 101 para 08-05-1837 e nº 102 para 09-05-1837, assim corrigindo todos os  demais até o exemplar de nº 140.

[4] Jornal do Commercio – 19-6-1837. Anno XI nº 134, p. 3. rolo MR 103. Biblioteca FFLCH/USP.

[5] Esta informação encontra-se retificada em nota no exemplar do dia 27-06-1837, nº 140, p. 2, por solicitação de um leitor que diz: Sr. Redactor. Vendo o Jornal do Commercio de terça-feira, 20 do corrente, em hum officio da directoria da bibliotheca portugueza, Mr. Boulanger qualificado de mestre de Desenho de S.M.I., devo advertir que houve engano, sem dúvida involuntário, nessa qualificação, sendo Mr. Boulanger o mestre de escripta e o director da Academia das Belas Artes, Mr. Felix Emilio Taunay, o mestre de Desenho. Espero, Sr. Redactor, q V. admittirá na sua imparcal folha esta rectificação – (assina) hum curioso das bellas artes.

[6] Relatório da Diretoria do Gabinete Português de Leitura em 1880. Rio de  Janeiro:Typ. e Lith. Moreira, Maximiniano & Cia, 1881, p. 43. Porém, no Relatório da Diretoria  de 1881, p. 27, encontramos “ a  diretoria folga de mencionar neste relatório a aquisição.

[7] Na documentação encontrada, aparece das duas formas, sendo a que usamos a mais utilizada. Não encontrei, até o presente momento, material sobre a nomenclatura correta.

[8] Refere-se aos terrenos de nº 32 e 34 da Rua da Lampadosa.

[9] Relatório da Diretoria do GPLRJ de 1880. Edifício em Construção. 1881, p. 43

[10]Relatório do Real Gabinete Português de Leitura. Dez anos de atividades (1972-1981), p. 2-3/24. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

[11] Livro Ata original, p. 4 e 5

[12] Ressalte-se que, na documentação apresentada pela Diretoria do Gabinete, encontra-se citado o artigo da Revista Renascença e que a referida revista também se fez presente na inauguração, “representada na alludida sessão pelo seu diretor intellectual Prof. Antonio Garcia”.

[13] Extraído das p. 3 e 4 da cópia do artigo “ Gabinete Portuguez de Leitura. A inauguração do novo edifício” publicado na revista Renascença. A Diretoria do Gabinete não possui o artigo nem a revista em original, mas aceitam as informações contidas no artigo, como verdadeiras.

[14] A referência está gravada no vitral, abaixo e à esquerda.

[15] Assinatura do artista Carlos De Servi, na própria obra.

[16] A exaltação dos vultos históricos através da representação da imagem esculpida, no edifício, encontra-se como exemplo semelhante na fachada do Real Gabinete de Leitura do Rio de Janeiro.

[17] ALVES, Maria de Fátima Pereira e outros. Centro Português de Santos e seu Centenário. Edição Comemorativa. Santos, 1995.

[18] Informações obtidas durante as entrevistas que realizei com o Sr. José Duarte de Almeida Alves