A Exposição Internacional do Centenário da Independência do
Brasil de 1922 no processo de modernização da cidade do Rio de Janeiro
Fernanda
de Azevedo Ribeiro
RIBEIRO, Fernanda de Azevedo. A
Exposição Internacional do Centenário
da Independência do Brasil de 1922 no processo de modernização da cidade do Rio de Janeiro. 19&20, Rio
de Janeiro, v. XV, n. 1, jan.-jun. 2020. https://doi.org/10.52913/19e20.vXVi1.00006
* * *
1. No
início da década de 1920, durante a administração do prefeito Carlos Sampaio (1920-1922),
a cidade do Rio de Janeiro foi preparada para a comemoração do Centenário da
Independência política do Brasil em relação à metrópole portuguesa (1822-1922),
através da execução de um plano de obras que previa, entre outras realizações,
o arrasamento do Morro do Castelo, iniciado em 1920, para a realização do
evento. Na área proveniente do aterro ao mar foram construídos os pavilhões da
Exposição Internacional do Centenário da Independência, inaugurada em 7 de
setembro de 1922 e encerrada oficialmente em 2 de julho de 1923, que teve como
objetivo mostrar os progressos da nação e contou com a presença de pavilhões
nacionais e a participação de 14 pavilhões estrangeiros, construídos ao longo
da Avenida das Nações, aberta em área antes ocupada pelo mar, e também em
alguns quarteirões do antigo bairro da Misericórdia.
2. As
comemorações do Centenário da Independência de 1922 sob a forma de uma
exposição internacional representam um importante marco, que se traduziu em
avaliação e demonstração do progresso do país e em idealizações quanto ao seu
futuro. Ao mesmo tempo, simbolicamente a exposição acenava para os outros
países com o potencial desenvolvimento brasileiro, descortinando-o e criando
visibilidade para investimentos externos.
3. No
contexto da pesquisa que realizamos, trata-se da oportunidade de refletir sobre
o processo de transformação urbana pelo qual a cidade passou através de
intervenções radicais e muitas vezes polêmicas, motivadas pela necessidade de
modernização em nome do progresso, como a do referido arrasamento do morro do
Castelo em andamento nesse período.
4. Buscamos
compreender o papel da Exposição Internacional do Centenário da Independência
de 1922 no processo de modernização da cidade do Rio de Janeiro a partir da
proclamação da Independência do Brasil em 1822, momento de construção de novos
valores para a nação, quando teve início uma série de medidas para solucionar
os problemas relacionados especialmente a saneamento e saúde pública. Foram
criadas comissões para estudar as principais questões que afetavam a cidade e
apontadas soluções, das quais muitas só seriam realizadas durante o período da
Primeira República (1889-1930). Caracterizado por inúmeras intervenções
urbanas, muitas delas monumentais, sobretudo nas administrações dos prefeitos
Francisco Pereira Passos (1902-1906) e Carlos Sampaio (1920-1922), que
contribuíram significativamente para a transformação da cidade sob o aspecto
urbanístico, político, social e econômico.
5. A
questão da Exposição do Centenário da Independência de 1922 é tratada a partir
da reflexão sobre as razões de sua realização e sobre o seu impacto no processo
de modernização que se desenvolvia na cidade do Rio de Janeiro através de
importantes transformações do espaço urbano, sobretudo na área central da cidade.
Pretendemos arguir a sua relevância (ou não) para a configuração espacial atual
da cidade.
6. O
papel da Exposição no processo de modernização da cidade, nos leva, ainda, a
analisar a atuação dos agentes sociais produtores do espaço urbano,
destacando-se a de Carlos Sampaio, justificada por sua participação direta como
prefeito e presidente da Comissão da Exposição do Centenário, momento em que
ele teve oportunidade de realizar complementarmente uma série de intervenções
urbanas, tais como a criação e recuperação de vias, canalização de rios,
construção de pontes e túneis, construção e recuperação de equipamentos
públicos, e criação de praças, para preparar a cidade para o evento.
O
processo de modernização e a cidade do Rio de Janeiro
7. Anos
antes do centenário da Independência em 1922, órgãos da imprensa[1]
demonstraram a preocupação com sua celebração, refletindo sobre o passado em
diversas áreas, especialmente fazendo balanços sobre os últimos cem anos e
forçando “a intelectualidade a tomar pé da situação nacional, compreender as
causas do atraso do país e formular um programa de ação para superá-lo” (MOTTA,
1992, p. 26).
8. No
âmbito do urbanismo a partir de 1822, identificamos períodos e fatos
significativos no processo de modernização da cidade do Rio de Janeiro. Durante
o regime monárquico (1822-1889), destacam-se a criação de instituições
responsáveis pelas transformações urbanísticas ocorridas na cidade, além de
normas e atos voltados para o controle, regulamentação e planejamento do espaço
urbano.
9. Em
1842, o relatório de Henrique Beaurepaire Rohan, Diretor de Obras Municipais,
apresentado à Câmara Municipal, indicava as ações consideradas necessárias para
a remodelação da capital. As propostas focavam principalmente a salubridade
pública e o embelezamento da cidade.
10. A
partir da segunda metade do século XIX, as mudanças da sociedade brasileira em
consequência do esgotamento do modelo de produção escravagista, transferiram os
capitais antes “empregados no tráfico negreiro e na agricultura,” para
aplicações em “oportunidades abertas com a modernização e a expansão da
economia,” concentradas nos setores de transportes, portuário e de geração e
transmissão de energia (KESSEL, 2004, p. 1).
11. O Rio
de Janeiro, como capital do país, atraiu grande parte dos investimentos
responsáveis pela viabilização de uma série de reformas urbanas julgadas
necessárias, pois a cidade sofria com problemas como falta d’água, epidemias
frequentes de doenças tropicais, transportes e serviços portuários precários.
12. Em
1874, o Ministro do Império, João Alfredo Correa de Oliveira, nomeou uma
comissão destinada a elaborar um plano de melhoramentos para a cidade, formada
pelos engenheiros Francisco Pereira Passos, Jerônimo Rodrigues de Moraes Jardim
e Marcellino Ramos da Silva. Essa gerou dois
relatórios entregues em 1875 e 1876 ao Imperador D. Pedro II, propondo soluções
urbanísticas para sanear e embelezar a capital, contestadas por privilegiarem
áreas próximas ao Palácio Imperial e não preverem a participação da iniciativa
privada. Mesmo não sendo executadas, inspiraram um modelo de concessão, baseado
na “colaboração entre o capital estrangeiro, o governo e os engenheiros na
realização de cirurgias urbanas” (KESSEL, 2004, p. 2).
13. O
arrasamento do Morro do Senado, no centro da cidade, foi um marco no período,
sendo considerada por Barros (2002) a maior intervenção do século XIX, gerando
uma esplanada e terrenos edificáveis na área do morro e na área do Canal do
Mangue, aterrado com o material resultante. Essas novas áreas foram criadas com
a colaboração do Governo municipal e do Banco Auxiliar, tornando-se valorizadas
para a venda e construção.
14. A
chegada do século XX anunciou um novo período de desenvolvimento e
transformações para a cidade, após o advento da República em 1889. Logo nos
primeiros anos, começou a se delinear o novo centro político-administrativo do
Governo Federal do Período Republicano (1889-1930) no entorno da Praça Floriano
Peixoto - atualmente conhecida como Cinelândia -, de maneira totalmente
distinta dos outros que o antecederam - o Largo do Paço (atual Praça XV), no
Período Colonial, e o Campo de Santana, no Período Imperial [Figura 1]. Enquanto
nos dois últimos o processo de formação aconteceu de forma gradual, o centro
republicano formou-se rapidamente como resultado de intervenções drásticas,
complementares e simultâneas, realizadas pelos governos municipal e federal
(SISSON, 2008, p. 84).
15. As
maiores transformações ocorridas no centro da cidade do Rio de Janeiro, então
Capital Federal, e visando a promoção de sua imagem perante o cenário
internacional, tiveram início no governo do presidente Rodrigues Alves, que
após sua posse, em 1902,[2]
nomeou o engenheiro Francisco Pereira Passos para prefeito do Distrito Federal,
conferindo-lhe amplos poderes para a modernização do porto e a remodelação da
cidade. A partir de então, foi empreendida uma série de reformas com inspiração
nas realizações de Haussmann para a modernização de
Paris na segunda metade do século XIX.
16. Durante
este processo, o Conselho Municipal foi suspenso e foi sancionada uma nova
legislação de posturas e desapropriações para facilitar a concretização das
propostas que rapidamente transformaram a cidade. O programa de embelezamento e
saneamento criou condições favoráveis para a expansão e modernização dos
serviços urbanos, através de concessões a empresas estrangeiras.
17. Entre
as intervenções realizadas pelo Governo Federal, a abertura da Avenida Central,
atual Avenida Rio Branco, foi uma das mais radicais, transformando a imagem do
centro da cidade [Figura
2]. A obra previa a demolição de 702 casas, passando por 21 ruas, e o
arrasamento parcial de dois morros: o do Castelo e o de São Bento, nos extremos
da Avenida. As demolições foram resultado de uma extensa desapropriação,
removendo a arquitetura remanescente da cidade colonial que abrigava uma
população de baixa renda, que migrou para bairros vizinhos ou passou a ocupar
as encostas dos morros.
18. A
Avenida Central [Figura
3], inaugurada em 15 de novembro de 1905, se tornou o símbolo da
chamada “Belle-Époque” carioca, complementada pela Praça Floriano Peixoto, onde
se localizava o conjunto de novos edifícios públicos mais representativos do
poder republicano: o Palácio Monroe, o Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional,
a Escola de Belas Artes e o prédio do Supremo Tribunal Federal.
19. No
caso da reforma Pereira Passos, a construção do novo centro republicano, além
de sua constituição como lugar de intenso significado cultural, representou a
construção de símbolos do poder e de uma nova ordem para a sociedade.
20. Por
outro lado, a abertura da Avenida Central e o surgimento das novas tipologias
representam uma ruptura, não apenas no sentido arquitetônico e urbanístico, que
transformou em sua essência o centro da cidade em relação à cidade colonial [Figura 4, Figura 5, Figura 6 e Figura 7], mas
também no modo de vida e costumes da população, o que deu início a uma nova
relação com os espaços. No exemplo da implantação dos edifícios da Biblioteca
Nacional, do Teatro Municipal e da Escola de Belas Artes no entorno da Praça
Floriano, a estrutura monumental estabelecida através da relação entre eles e a
Avenida Central, rasgou a malha colonial obrigando a reestruturação dos lotes.
Na concentração de edificações notáveis no entorno da Praça Floriano Peixoto
verifica-se a ocorrência do fenômeno urbano, destacado por Panerai
(2006, p. 78), de que “os espaços públicos mais importantes atraem a
implantação de monumentos.”
A
Administração Carlos Sampaio (1920-1922) e a Exposição do Centenário
21. A
virada da década de 1910 para a de 1920 foi marcada por um sentimento
nacionalista após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A política externa do
Brasil havia levado o país à participação na guerra, assegurando um lugar na
Conferência de Paz de Paris e na Liga das Nações. Com a aproximação do
Centenário da Independência, vários jornais cariocas iniciaram uma campanha que
objetivava pressionar o governo a adotar medidas para a realização de uma
grande comemoração.
22. A
ideia começou a tomar forma em 1920 com o projeto apresentado pelo deputado
Costa Rego autorizando o Poder Executivo a realizar a Exposição que, a
princípio, foi concebida como nacional (LEVY, 2013, p. 11). Apesar das
dificuldades econômicas enfrentadas no início dos anos de 1920, o presidente
Epitácio Pessoa decidiu pela celebração, sediando na Capital a Exposição
Universal do Rio de Janeiro. Para isso, seria necessário que a cidade fosse
saneada e embelezada, o que resultou em uma década, de reformas urbanas no
Centro e na Zona Sul. Nesse ponto entra a participação de Carlos Sampaio.
23. Sampaio
ingressou na administração da cidade em substituição ao Prefeito Sá Freire,
como parte da intenção do Presidente Epitácio Pessoa em acelerar a preparação
da cidade para a visita dos Reis da Bélgica em 1920 e para as festas do
primeiro Centenário da Independência do Brasil, em 1922. Apesar de participar
anteriormente como agente executor de concessões a empresas estrangeiras,
afirma seu apoio a um Estado promotor de intervenções urbanas e seu ideal de
executar reformas da mesma magnitude das realizadas na administração Pereira
Passos.[3]
24. A
cidade foi preparada para a comemoração do Centenário da Independência, através
da execução de um plano de obras que previa, entre outras realizações, a
finalização do desmonte do Morro do Castelo, em 1922. Esta era uma proposta
defendida desde o final do século XVIII, como medida de combate à insalubridade
e ao desafogamento do tráfego.
25. O
arrasamento gerou intensa polêmica. O debate através
da imprensa carioca apoiava-se em diferentes interpretações “do que seria uma
cidade sintonizada com a modernidade do século XX.” De um lado estavam os
“sacrílegos” representados pela Revista da Semana com apoio da Careta
e do Correio da Manhã; do outro lado estavam os “tradicionalistas,”
representados pelo Jornal do Brasil (MOTTA, 2013, p.55).
26. Sampaio
comparava o Castelo a um “dente cariado” na linda boca que era a Baía de
Guanabara. O Jornal do Brasil, por sua vez, defendia que “o Rio de
Janeiro deveria se mirar no exemplo dos países modernos e civilizados, onde a
natureza era protegida dos interesses “utilitários” e preservada na sua
“exuberância.” O grupo dos tradicionalistas defendia, portanto, a submissão da
natureza à cultura (MOTTA, 2013, p.55-56).
27. A
visão do Castelo como símbolo degradado do passado colonial português, aliado à
necessidade de situar a Exposição do Centenário em um local de destaque na
paisagem e na estrutura da cidade, encobriam as razões econômicas relacionadas
à criação de terrenos na área supervalorizada do centro, que por si só
justificariam o arrasamento, decretado em 1921. A obra monumental consumiu
grande volume de recursos - além do que estava previsto -, o que levou o Estado
a contrair dívidas para a sua realização.
28. Carlos
Sampaio foi acusado de corrupção, por ser um dos donos da empresa que recebeu,
no final do século XIX, a concessão para a demolição do morro. Além disso,
estudos feitos na época mostravam que a realização de “obras de embelezamento
no morro custariam bem menos, cerca de um terço do valor gasto no desmonte”
(BARROS, 2002).
29. Com o
Castelo, desapareceu um importante patrimônio religioso: a Igreja de São
Sebastião, o Colégio dos Jesuítas, além de outros símbolos como as “casas dos
pretos,” onde eram realizados cultos de origem africana. Foram também
destruídos o relógio da torre e o observatório astronômico, que indicavam o
significado histórico do lugar.
30. Higienizar
e modernizar a cidade significava a eliminação dos lugares insalubres e também da cidade colonial, com seus “valores culturais
relacionados ao período imperial, valorizando a inserção cultural e econômica
europeias, principalmente pela absorção da visão do mundo francês.” A
construção de um “novo centro mais moderno, significaria a construção simbólica
de um novo país, instaurado pela ordem republicana.” Os discursos higienista e
estético legitimaram as reformas de Passos e Sampaio (BARROS, 2002).
31. Na
área resultante do arrasamento do Castelo [Figura 8 e Figura 9], foram
construídos os pavilhões da Exposição do Centenário da Independência [Figura 10 e Figura 11], movimentando intensamente o centro do Rio de
Janeiro. A exposição foi inaugurada em 7 de setembro de 1922 e encerrada
oficialmente na administração do Presidente Artur Bernardes e do Prefeito Alaor
Prata, em 2 de julho de 1923.[4]
32. O
período de preparação da Exposição do Centenário foi representativo para os
debates arquitetônicos que vinham se desenvolvendo. Parte dos arquitetos
criticavam a arquitetura da cidade onde predominavam resquícios do período
colonial, apesar da Reforma de Pereira Passos. Defendiam um estilo ligado às
tradições e ao ambiente brasileiro, fugindo do estrangeirismo dominante nas
artes em geral. A defesa do estilo neocolonial, concebido como uma busca dos
“elementos essenciais” do colonial como inspiração, se fortaleceu ao mesmo
tempo apresentando ambiguidades, já que o discurso do processo de modernização
da cidade apontava para a eliminação dos resquícios coloniais (LEVY, 2013, p.
21, 25).
33. Na Exposição,
o ecletismo estava fortemente presente. O neocolonial ficou associado ao evento
e também ao prefeito Carlos Sampaio, que se engajou em
campanha para que os projetos dos pavilhões fossem assinados e executados por
arquitetos, defendendo a utilização na arquitetura de elementos estilizados da
fauna e da flora brasileira “para a criação de um estilo nacional” (LEVY, 2013,
p.21).
34. A
Exposição do Centenário tinha como objetivo mostrar internacionalmente o
progresso do país, valorizando as suas conquistas. Participaram 14 pavilhões
estrangeiros[5] e a
Exposição foi considerada um sucesso, apesar das falhas na concretização de
obras que não foram concluídas a tempo para o dia da inauguração.[6]
35. Alguns
pavilhões, sobretudo os nacionais, foram construídos em caráter permanente para
depois abrigarem funções públicas. Quase todos foram demolidos, imediatamente
após o encerramento da Exposição ou nas décadas seguintes.
36. Entre
os vestígios da Exposição do Centenário estão [Figura 12]: o
Pavilhão de Honra da França - réplica do Petit Trianon, atual sede da Academia
Brasileira de Letras (ABL); o Pavilhão do Distrito Federal, atual Museu da
Imagem e do Som (MIS); o Pavilhão da Estatística, atual Centro Cultural da
Saúde; o Pavilhão das Grandes Indústrias, uma adaptação do conjunto formado
pelo antigo Arsenal de Guerra formado pela Casa do Trem e o Forte do Calabouço,
atual Museu Histórico Nacional (MHN); e um dos torreões do antigo Mercado
Municipal, que foi adaptado para a Exposição recebendo uma fachada falsa para
abrigar o Pavilhão das Indústrias Particulares, atual Restaurante Albamar.
37. A
Exposição deixou como legado para a cidade três hotéis encomendados para o
evento: o Hotel 7 de Setembro, o Copacabana Palace e o Hotel Glória. Durante
este período inaugurou-se o Palácio Tiradentes e o centro republicano da cidade
começou a receber a configuração atual. Sampaio efetuou o recuo nos terrenos do
Convento da Ajuda, na Praça Floriano [Figura 13 e Figura 14]. O novo edifício do Conselho Municipal (Palácio
Pedro Ernesto) foi inaugurado em 1923, representando a última iniciativa de
escala monumental, um símbolo do poder público que complementou o conjunto
representativo da Praça Floriano [Figura 15 e Figura 16].
38. Na
reforma urbana empreendida em nome da Exposição do Centenário e da visita dos
reis da Bélgica, o volume das demolições, aterros, obras e alargamentos no
centro consumiu grandes investimentos obtidos a partir de empréstimos de bancos
estrangeiros.[7]
39. Apesar
de Sampaio ter deixado “a prefeitura do Distrito Federal praticamente falida”
(BARROS, 2002), sua administração realizou intervenções marcantes, que tiveram
como consequência uma significativa transformação na paisagem e na estrutura da
cidade, especialmente no centro. O Morro do Castelo, que até esse momento representava
um marco simbólico, histórico e geográfico na paisagem da cidade, e mantinha
relação com a Praça Floriano, de onde era possível vê-lo parcialmente e os
edifícios históricos pertencentes a ele [Figura 17],
desapareceu, alterando definitivamente a paisagem local. Outros marcos, como a
Santa Casa de Misericórdia e a Igreja de Santa Luzia [Figura 18],
originalmente situados à beira mar, permaneceram, mas sua presença foi atenuada
no novo contexto urbano [Figura 19].
40. A
maior intervenção urbana da administração Carlos Sampaio, considerada também a
maior do século XX (BARROS, 2002), não se resolveu de forma completa. O
processo de arrasamento do morro não foi concluído no momento da exposição,
estendendo-se até o final da década de 1920. Problemas legais decorrentes dos
contratos assinados entre a prefeitura e os bancos impediriam a urbanização da
área, que só teria a sua ocupação iniciada na década de 1930.
41. Para o
vazio deixado no lugar do morro e para o criado pelo aterro, foram realizados
alguns projetos [Figura
20]. Na planta de 1935 [Figura 21], vemos que a malha viária já tinha sido
disposta, adotando o traçado com base no Plano Agache [Figura 22]. Mas a
ocupação e consolidação da área só ocorreram posteriormente.
A
Exposição, o último grande projeto da Velha República
42. A
Exposição do Centenário da Independência de 1922 representou um marco no
processo de modernização na cidade do Rio de Janeiro que ocorreu de forma mais
acelerada nas primeiras décadas do século XX, especialmente a partir da Reforma
Pereira Passos. Sua importância estende-se além do fato de ter representado o
maior evento republicano do início do século XX ou apenas a primeira exposição
internacional realizada no país e na América Latina para exibir seus avanços -
do ponto de vista industrial, econômico e social.
43. Seu
caráter simbólico foi inegável. Entretanto, mais que a promoção da cidade e do
país no cenário internacional, contribuiu para a produção do espaço urbano, com
modificações em sua estrutura espacial e consequências em sua imagem e
paisagem, sobretudo no centro, com o desaparecimento de um importante marco
físico, histórico e simbólico – o Morro do Castelo. Provocou também com o
desaparecimento de marcos arquitetônicos e a criação de novas áreas de expansão
para a cidade proveniente da área do morro e da área criada na orla através do
aterro, além de obras como a canalização de rios, abertura de túneis, vias e
construção de edifícios marcantes do centro.
44. Na
preparação da cidade como palco para a Exposição do Centenário, os projetos do
governo priorizaram, em sua maioria, as áreas mais valorizadas da capital
republicana, com o propósito de torná-la adequada para recepcionar os
visitantes estrangeiros e promover a imagem da capital do país no cenário
nacional e internacional.
45. A
imagem que se pretendeu passar representou um progresso, que não correspondia à
verdadeira realidade da cidade. Durante o processo de modernização se
desenvolveram paralelamente duas cidades: uma convertida no lugar de
representação da modernidade, do progresso e do espetáculo, refletindo os
ideais da população mais abastada; e outra na qual esse mesmo ideal excluiu a
maioria da população, fazendo crescer uma cidade caracterizada por condições
insalubres de vida e pela precariedade de serviços essenciais como transporte,
iluminação, abastecimento de água e redes de esgoto.
46. No
contexto das intervenções, a mobilização da paisagem através da atuação do
Estado se reveste de significativo conteúdo simbólico, especialmente na reforma
Pereira Passos, responsável pela construção do novo centro republicano, e na
reforma Carlos Sampaio, que sob muitos aspectos complementou as intervenções de
Passos. Parece evidente durante todo o processo de modernização da cidade do
Rio de Janeiro, o caráter destruidor das intervenções, com a negação dos
aspectos culturais, sociais e naturais, resultando em uma paisagem
expressivamente alterada, especialmente com o desaparecimento dos morros e os sucessivos
aterros na orla.
47. Podemos
afirmar ainda, que a Exposição do Centenário representa o fechamento de um
ciclo, especialmente na política do país. A crise política iniciada nas
eleições de 1922 gerou a crise militar que deu origem ao movimento tenentista
que culminou com o fim da Velha República na Revolução de 1930, com a tomada do
poder por Getúlio Vargas. O quadro de dirigentes do país mudou e a influência
política dos grupos oligárquicos foi transferida para os grupos tenentistas. A
partir de então, buscou-se a construção de uma nova nação, o que gerou reformas
em diversos setores como os de educação, saúde, finanças, administração pública
e gestão urbanística. Para a arquitetura, a Exposição significou um
momento de experimentação e os anos de 1920 se mostram como um período de
transição do ecletismo para o modernismo. No urbanismo, a Exposição faz
parte das grandes cirurgias e projetos urbanos, o último da Velha República.
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em: http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-418/sn-418-38.htm
Acesso em 28 de fev. 2014.
SISSON, Raquel. 2008. Espaço
e poder: os três centros do Rio de Janeiro e a chegada da Corte Portuguesa.
Rio de Janeiro: Arco, 2008.
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[1] Em 1917, a revista Eu
Sei Tudo publicou o artigo “Noventa e cinco anos de Independência” afirmando
o momento como oportuno para despertar estudos sobre nossa nacionalidade,
marcar rompimentos e para nos tornarmos um povo civilizado.
[2] A posse ocorreu em 29
de dezembro de 1902.
[3] SAMPAIO, Carlos. Obras
da Prefeitura do Rio de Janeiro: 8 de junho de 1920 a 15 de novembro de 1922.
Lisboa: Lumen, 1924. (Memória Histórica)
[4] Um decreto de janeiro
de 1923 adiou o encerramento da Exposição, previsto para 31 de março, para 2 de
julho. (LEVY, 2013)
[5] França, Estados Unidos,
Bélgica, Portugal (representado por dois pavilhões), México, Inglaterra, Dinamarca,
Itália, Noruega, Suécia, Tchecoslováquia, Argentina e Japão.
[6] Alguns canteiros e
jardins ficaram prontos às vésperas e alguns pavilhões foram inaugurados meses
depois.
[7] A arrecadação de
impostos da Prefeitura e o aval do governo federal constituíam a garantia dos
financiamentos (KESSEL, 2004, p. 7).