Pavilhão do Brasil na Exposição de Filadélfia (1925): o projeto de Lucio Costa

Samuel S. de Brito

BRITO, Samuel S. de. Pavilhão do Brasil na Exposição de Filadélfia (1925): o projeto de Lucio Costa. 19&20, Rio de Janeiro, v. IX, n. 2, jul./dez. 2014. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/expo_filadelfia_1926.htm>.

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A Exposição de Filadélfia

                     1.            Durante os meses de junho a dezembro de 1926 os Estados Unidos da América realizaram na cidade de Filadélfia a “Sesquicentennial International Exposition,” a feira que comemorou o sesquicentenário de sua independência. A exposição reeditava cinquenta anos depois, naquela mesma cidade berço, os festejos da feira de 1876, que comemorou o primeiro centenário da conhecida declaração de independência de 4 de julho, segundo a qual “todos os homens são criados iguais, sendo-lhes conferidos pelo seu Criador certos direitos inalienáveis.”[1]

                     2.            Em meados de 1925, o governo do país norte-americano já organizava os preparativos do evento e convidou diversas nações, como o Brasil, a se representarem no evento com pavilhões próprios. A feira se daria numa grande planície perto do centro da cidade, que incluía o parque de “League Island” com seu belo paisagismo junto a lagos e canais e que veria se desenvolver em suas margens, além dos muitos pavilhões nacionais e internacionais, um grande estádio e um parque de diversões. Entre as curiosidades dos encargos de construção estava a ativa participação do recém-formado Louis Kahn (1901-1974),[2] então chefe dos desenhos do escritório de um arquiteto local chamado John Molitor, cuja firma havia sido contratada para realizar alguns dos projetos dos pavilhões da administração e de exposição dos mostruários dos EUA.

                     3.            Com o convite ao governo brasileiro, o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, sob o comando do ministro Miguel Calmon, passou a providenciar como se daria a representação do país. Em nome do Presidente da República, solicitou um crédito de dois mil contos de réis junto à Câmara dos Deputados,[3] e passou a mobilizar as bases produtoras para se promoverem no futuro evento, como a circular dirigida aos governos estaduais incentivando à representação na feira das classes industriais, do comércio e dos serviços de cada região.[4]

                     4.            Com o início dos preparativos para a representação, o então diretor do Museu Nacional, Arthur Neiva, foi escolhido chefe da delegação brasileira, e instalou-se o escritório da comissão organizadora no Palácio das Festas, o grande pavilhão construído para as comemorações do centenário da independência brasileira de 1922, que havia sido projetado e construído no Rio de Janeiro baixo os olhares do jovem Lucio Costa, que à época de sua execução trabalhava no escritório de Archimedes Memória e Francisco Cuchet, arquitetos que assumiram a liderança do Escritório Técnico Heitor de Mello após a morte de seu fundador.

                     5.            A intenção da participação brasileira na feira era, naturalmente, a de expor e fazer propaganda do seu desenvolvimento e produtos, mas também a de se fazer representar com a mesma grandeza e destaque com que o país havia sido representado na edição anterior da feira, quando, por ocasião das comemorações do primeiro centenário em 1876, o Imperador D. Pedro II, junto com a imperatriz Dona Teresa Cristina e sua comitiva, havia estado em visita oficial ao país norte-americano, realizando uma marcante passagem pela feira de Filadélfia. O monarca brasileiro era o primeiro soberano desta categoria a visitar o país republicano, e sua visita lhe rendeu grande popularidade e badalação pela imprensa e autoridades dos EUA. Mas o que realmente passaria para os acontecimentos históricos nesta sua visita foi a importante contribuição que o Imperador deu para que o desconhecido inventor escocês Graham Bell pudesse ter seu mais novo invento apreciado pelo júri da exposição de Filadélfia, que até então havia ignorado e tratado com desinteresse o modesto e escondido estande em que estava o primeiro telefone.[5]

                     6.            Talvez por esse episódio, e pela sombra de tão badalada representação na feira anterior, quando os deputados da Câmara discutiram a aprovação do crédito de dois mil contos de réis solicitado pelo governo, um dos parlamentares defendeu entusiasticamente que se fora designar tão pouco expressiva soma de valores, mais valeria se destinar tão só vinte contos de  réis, pois se era para fazer figura feia, melhor fazê-lo gastando apenas vinte contos.[6]

O concurso para o Pavilhão do Brasil

                     7.                                                  O Dr. Miguel Calmon, ministro da agricultura, tomando em consideração as representações que lhe foram dirigidas pelo Dr. José Marianno Filho, como presidente da Sociedade Brasileira de Bellas Artes, e Dr. Nerêo de Sampaio, como presidente do Instituto Central de Architectos, relativamente à nossa representação na Exposição de Philadelphia e construção do nosso pavilhão, decidiu autorizar o Instituto Central de Architectos a abrir, pelo prazo improrrogável de 40 dias, a contar de 23 do mês corrente, entre arquitetos brasileiros, um concurso de ante projetos […].[7]

                     8.            Com o crédito devidamente aprovado, o ministro Miguel Calmon tinha que decidir como se daria a realização do pavilhão brasileiro: se repassava o encargo a um arquiteto norte-americano ou se convidava algum arquiteto brasileiro para tal tarefa. Historicamente, o país nunca havia realizado um concurso para decidir sobre sua participação em exposições internacionais e, das nove feiras que havia participado até então, apenas duas delas envolveram projetos desenvolvidos por um brasileiro, o engenheiro militar Francisco Marcelino de Souza Aguiar (1855-1935).[8] Nas demais participações que implicaram na construção de pavilhões próprios, estenderam-se os encargos para arquitetos locais do evento. Foi assim que foi realizado o pavilhão do Brasil na feira do centenário de independência de 1876 em Filadélfia, à maneira dos pavilhões edificados pelo país para sua representação nas feiras de Paris em 1889 e de Bruxelas em 1910.[9]

                     9.            Não perdendo de vista a oportunidade de interceder junto ao ministro pela realização de um projeto neocolonial, José Marianno Filho é quem dá o primeiro passo, se dirigindo por carta oficial, na categoria de presidente da Sociedade Brasileira de Belas Artes, e sugerindo que estava-se diante de uma oportunidade ímpar para o governo realizar um concurso de projetos entre a classe de arquitetos, sendo o estilo tradicionalista um dos desejados requisitos da participação.[10] A sugestão era oportuna, visto que o neocolonial vivia um momento de afirmação, sobretudo para edificações de caráter monumental, uma vez que havia sido catapultado ao apogeu na construção dos pavilhões projetados dentro deste estilo para a Exposição do Centenário da Independência em 1922, no Rio de Janeiro. Os festejos que comemoraram os cem anos do grito “Independência ou Morte” serviram de plataforma para que o neocolonial se mostrasse como um estilo de fato, provando sua independência da paleta mais europeizante. Tendo sucesso em seu resultado, o novo estilo se mostrava moderno, capaz de se adaptar aos programas complexos das grandes construções, e não apenas às já bem sucedidas edificações residenciais e escolares.[11]

                  10.            Autor da alcunha “neocolonial” para o novo estilo tradicionalista, José Marianno Filho teve ao longo da década de 1920 um militância ferrenha em favor da institucionalização deste, em contraponto às correntes ecléticas acadêmicas e ao estilo “caixa-d’água,” como costumava se referir à arquitetura moderna. Entre as benesses praticadas pelo abastado médico pernambucano - que mais exerceu a atividade de crítico e historiador em artes e arquitetura que propriamente a medicina - esteve a criação e patrocínio de diversos concursos para promover e fortalecer o então incipiente conjunto de obras neocoloniais no Rio de Janeiro. Ao total, foram oito certames organizados diretamente por Marianno, que se deram entre os anos 1921 e 1926, tendo Lucio Costa participado de três.[12] Além dos certames organizados por ele, José Marianno também interferia junto ao governo e instituições para que nos editais de outros concursos fosse previsto que os projetos se inspirassem na arquitetura tradicional brasileira, como podemos ver em particular neste caso do pavilhão do Brasil para a feira de Filadélfia. Um conjunto de atuações que fizeram com que se consolidasse a sua liderança à frente do grupo tradicionalista, tarefa que exercia com ares messiânicos, deixados entrever no tom profético dos seus dez mandamentos para a arquitetura neocolonial que havia escrito em 1923 para a revista Architectura no Brasil,[13] tentando com isso normatizar o novo estilo.

                  11.            Aproveitando a sugestão dada pelo paladino do neocolonial, o Instituto Central de Architectos também se pronunciou publicamente sobre a grandeza de um concurso público entre a classe para a escolha de seu pavilhão nacional, e põe-se a disposição do ministro para realizar dito certame. Sob a gestão dos arquitetos Nerêo de Sampaio, como presidente, e Adolpho Morales de los Rios Filho, como primeiro secretário, o ofício enviado pelo Instituto ao ministro também defendia a importância de se contar com profissionais das artes e da arquitetura entre os organizadores da representação brasileira, para que houvesse uma curadoria com princípios estéticos na escolha e na forma com que os itens seriam expostos dentro do pavilhão.[14] E para reforçar o coro de intercessão, também a diretoria da Escola Nacional de Belas Artes enviou uma carta oficial ao ministro Miguel Calmon, manifestando apoio às propostas da Sociedade Brasileira de Bellas Artes e do Instituto Central de Architectos, ressaltando em especial que era a favor de que o pavilhão “seja construído em estilo calcado nos moldes da arquitetura tradicional brasileira.”[15]

                  12.            Ainda que houvesse outras sugestões sobre a maneira de realizar o pavilhão, como a proposta do delegado comercial do estado do Pará para se realizar uma edificação toda em madeira, com o intuito de fazer propaganda da matéria nativa,[16] o ministro decidiu pela realização de um concurso de ante-projetos, incumbindo o Instituto Central de Architectos da tarefa. Este estaria encarregado de realizar o edital do certame, o recebimento e o julgamento das propostas, designando assim a escolha do pavilhão a ser construído, assim como dos demais projetos que também seriam distinguidos com prêmios. Tal decisão motivou um profundo agradecimento da classe de arquitetos, que posteriormente agraciaria o ministro Miguel Calmon com a homenagem de sócio honorário do Instituto Central de Architectos.[17]

                  13.            A abertura do concurso se deu dia vinte e dois de setembro de 1925, tendo os arquitetos quarenta dias para entregarem os anteprojetos na sede do Instituto Central de Architectos do Rio de Janeiro. O edital do certame era bastante específico sobre as questões técnicas do programa, especificando os ambientes e a metragem deles, assim como o estilo em que as propostas deveriam estar. De acordo com o segundo parágrafo do edital: “o estilo da construção será exclusivamente o tradicional brasileiro (neocolonial).”[18]

                  14.            Ao terminar o prazo do concurso, dia 31 de outubro, vinte e um projetos haviam sido entregues no formato especificado pelo edital, em invólucros sem marcas nem nomes, que acompanhavam envelopes lacrados com as referências de seu autor. No dia seguinte, conforme rezavam as normas previamente anunciadas, o júri iniciou o primeiro dos seus encontros de avaliação, descartando as propostas que não seguiam fielmente o edital, mantendo, porém, os nomes dos autores sob sigilo pois, para evitar constrangimentos, não seriam abertos os envelopes.

                  15.            O júri, já anunciado no edital, estava composto por cinco membros: José Marianno Filho, João Moreira Maciel, Adolpho Morales de los Rios Filho, Sylvio Rebecchi e A. Monteiro de Carvalho. Encabeçados pela imponente presença do paladino do neocolonial, um dos critérios decisivos que norteou o julgamento foi a qualidade estilística com que o projeto estava desenhado, pois este deveria seguir a vertente mais tradicional do neocolonial, a luso-brasileira, e não as vertentes exógenas do colonial hispânico, entre elas o “mission style,” tão em voga na época. Foi o que aconteceu com a proposta apresentada pela sociedade de Raphael Galvão e Edgard Vianna, discriminado pelo júri como no estilo “neo-colonial livre”, que lhes rendeu apenas uma menção honrosa, qualificação posteriormente protestada pelos arquitetos autores.[19]

                  16.            Mas antes de prosseguirem com a avaliação final das propostas, o júri recebeu uma notícia que mudou por completo a perspectiva da tarefa em labor. Entre os últimos dias de outubro e os primeiros dias de novembro, pouco após do ministro haver se comunicado com o diretor geral da feira, o coronel David C. Collier, por meio do cônsul do Brasil de Nova York, confirmando a participação brasileira e a aceitação do terreno escolhido pelos organizadores em Filadélfia, o governo brasileiro recebeu um telegrama anunciando que devido à escassez de tempo, os organizadores da feira decidiram diminuir as proporções da exposição, e declararam sem efeito o convite feito às nações estrangeiras a se representarem na exposição com pavilhões próprios.[20]

                  17.            Este fato influenciou o júri a tratar desde outra perspectiva os projetos em apreciação, pois, revogado o convite ao Brasil, não havia compromisso em tirar um veredicto decisório. De fato, quando foi realizada a avaliação final do concurso, em sessão do dia nove de novembro de 1925, o júri decidiu que os três melhores projetos não seriam distinguidos hierarquicamente, e repartiriam entre si o montante da soma dos prêmios em dinheiro, que inicialmente estava repartido como doze contos de réis para o primeiro classificado,[21] cinco contos ao segundo e ao terceiro um prêmio de três contos de réis. Os autores dos projetos premiados foram, em ordem de menção: Lucio Costa, Nerêo de Sampaio & Fernandes, e Ângelo Brunhs. Coincidentemente, ainda que os trabalhos houvessem sido julgados sob o anonimato de suas autorias, o resultado premiava os mesmos arquitetos distinguidos em outros concursos organizados por José Marianno.

                  18.            Com o fim do certame, foi publicada em jornal a ata que lavrava o resultado do júri[22] e os trabalhos foram expostos no saguão do Liceu de Artes e Ofícios a partir do dia 12 de dezembro. Não se sabe ao certo se apenas foram expostos os três projetos vencedores junto aos três outros distinguidos com menção honrosa, o pavilhão proposto por Raphael Galvão e Edgard Vianna e outros dois projetos propostos por Elysiario da Cunha Bahiana, ou se outros integrantes também tiveram seus projetos expostos, como Victor Dubugras, que, sabe-se, também participou do concurso.[23]

O projeto de Lucio Costa

                  19.            Quando Lucio Costa realizou o seu premiado projeto para o Pavilhão do Brasil na Exposição de Filadélfia, era apenas um jovem de 23 anos que ainda frequentava o último ano do Curso Especial de Arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA).[24] Mas apesar da aparente inexperiência, Lucio trabalhava há três anos em escritório próprio, em sociedade com seu antigo colega do curso geral da ENBA, Fernando Valentim, quem o havia convidado para a sociedade em 1922, quando este recém se formara arquiteto.

                  20.            O contexto de Lucio, portanto, era o de um jovem arquiteto que consolidava sua experiência no meio profissional. Porém a perspectiva muda se considerarmos o reconhecimento entre os que estavam envolvidos com o neocolonial, porque o jovem Lucio já havia, desde suas primeiras participações nos concursos organizados por José Marianno, inscrito seu nome entre os arquitetos mais destacados.

                  21.            De fato, um ano antes desta sua participação no concurso para o pavilhão de 1925, Lucio Costa havia permanecido aproximadamente um mês em Diamantina[25] realizando uma viagem de estudos do autêntico colonial. Nesta pequena cidade do interior mineiro, com sua incrivelmente preservada arquitetura do século XVIII e começo do XIX, Lucio deambulou pelas ruas em ladeira e arredores da cidade, estudando e desenhando seus edifícios de aspecto singelo, arquiteturas quase homogêneas, anônimas construções de taipa e madeira: “Lá chegando, caí em cheio no passado no seu sentido mais despojado, mais puro; um passado de verdade, que eu ignorava, um passado que era novo em folha para mim. Foi uma revelação […].[26]

                  22.            Lucio Costa volta de Diamantina deslumbrado e fortalecido em suas convicções sobre a força plástica da tradição colonial luso-brasileira, ainda que com certa desconfiança da validade de seu “revival” contemporâneo. Mas a semente dessa suspeita só iria vingar no final da década, e, sendo assim, ao voltar da cidade mineira o arquiteto aprimora seu preciosismo ao projetar novos encargos neocoloniais, encontrando no concurso para a feira de Filadélfia a primeira oportunidade de exercitar-se num programa monumental, fugindo da escala residencial a que, essa sim, já estava bem acostumado.

                  23.            O projeto realizado por Lucio para o concurso do Pavilhão do Brasil em Filadélfia [Figura 1, Figura 2, Figura 3, Figura 4, Figura 5 e Figura 6], tenta seguir com certo rigor todas as considerações de seu edital, que previa um edifício de três pavimentos: um subsolo semi enterrado que serviria como depósito; um primeiro pavimento com os principais cômodos para o programa da feira; e um segundo pavimento com biblioteca e duas amplas salas. Seu projeto, porém, faz algumas interpretações que desrespeitaram o edital. Primeiramente, por haver disposto a sala de conferência no segundo pavimento e a biblioteca no primeiro, invertendo a sugestão do edital, além de também alterar a metragem solicitada. Talvez o arquiteto tenha feito esta alteração para poder jogar com a altura da sala de conferência, pois sendo esta no pavimento superior, pôde criar um pé-direito duplo, mexendo na volumetria do edifício e dotando o aspecto exterior da impressão de um terceiro pavimento, o que plasticamente favoreceu muito o conjunto.

                  24.            Outra infração realizada por seu projeto foi haver desenhado uma perspectiva interna ao lado do corte transversal [Figura 2], pois, de acordo com o programa do concurso, apenas estava permitido uma perspectiva geral do edifício, a ser realizada na escala 1:50, além das plantas na escala 1:200, cortes na escala 1:100 e uma elevação da fachada principal na escala 1:100. Essas sutis infringências do projeto de Lucio não passariam ilesas das considerações do júri, que se utilizou dessas minúcias, feitas também nas avaliações das outras propostas, para reforçar seu argumento de que não havia projeto vencedor, “por se afastarem todos eles do programa oficial publicado.”[27]

                  25.            Mas pelas considerações da ata de julgamento, o projeto de Lucio Costa parece ter sido o que mais havia agradado o júri, visto que, comparativamente, na avaliação de quatro critérios utilizados, seu projeto é o que melhores conceituações recebe:

                  26.                                                  Distribuição - Boa distribuição interna, não satisfazendo, porém, a sala de conferências as exigências do edital, quanto as dimensões e a situação do primeiro pavimento.

                  27.                                                  Estilo - Neo Colonial, respeitando a tradição.

                  28.                                                  Harmonia - Equilíbrio de massas, com grande movimento e concordância de motivos.

                  29.                                                  Caráter - Profano e festivo para a época colonial, com acentuada expressão regional.[28]

                  30.            Comparando os desenhos com os quais Lucio Costa participou do concurso com os projetos dos demais premiados,[29] vemos que, à diferença da maioria dos concorrentes, o projeto de Lucio seguia um rigoroso modelo ajustado à arquitetura civil do colonial brasileiro, enquanto praticamente todos os demais projetos se utilizavam de torreões, frontões curvos e óculos, recursos mais característicos da arquitetura sacra, além de outros detalhes que dotavam os desenhos dos demais com feições características do colonial hispânico.

                  31.            Plasticamente, o pavilhão explorava os recursos mais nobres da arquitetura civil colonial, que bem poderiam estar presentes em alguma Casa de Câmara e Cadeia ou algum outro casarão mais sofisticado, isto é: revestimento das arestas dos volumes com cunhais de pedra; grandes telhados de quatro águas com espigão curvo e telha de ponta; cimalhas no beiral e nas aberturas; embasamento revestido em pedra com aberturas em grade para a ventilação do porão; pináculos marcando as esquinas dos principais volumes; luminárias externas tipo lampiões; escadarias externas etc.

                  32.            Nas plantas-baixas [Figura 5 e Figura 6], vemos se confirmar a total simetria já anunciada na fachada. O partido retangular do térreo faz com que se ocupe a quase totalidade do solar, do qual o Instituto Central de Architectos não havia facilitado a planta de situação, pois o governo brasileiro ainda não a havia recebido dos organizadores norte-americanos; apenas se sabia as medidas, sessenta metros de frente por trinta metros de fundos. Já o partido em “c” adotado no pavimento superior, evidencia mais o pátio que se criava no interior do pavimento de acesso, com o comportado jardim interior logo atrás do vestíbulo de entrada do pavilhão.

                  33.            Uma das qualidades deste projeto de Lucio Costa está justamente na permeabilidade de seu pavimento de acesso, que possui todo seu perímetro desenhado com contínuas aberturas. O corpulento e simétrico pavilhão neocolonial, ao se aproximar do solo, se transforma numa inúmera sucessão de aberturas que somente com a planta não podemos diferenciar, mas que provavelmente são arcos e portas-janelas em arco pleno, proporcionando aos futuros visitantes trânsito livre e vistas desimpedidas. Pode-se ver pelos cortes [Figura 2 e Figura 4] que uma bela arcada se estrutura ao redor do pátio interior, dando a impressão de que o arquiteto estava fazendo um gesto quase religioso, dotando o edifício com ares de claustro jesuíta, como as belas construções monásticas brasileiras do período colonial.

                  34.            Outro incontestável atributo deste projeto está no arranjo de áreas abertas, semi-abertas e fechadas, com uma destreza que faz tudo parecer um grande espaço fluído. E, para o desenho desta solução, tem um papel fundamental a articulação que fazem os dois grandes porches que emolduram a entrada principal. Estes dois volumes anexos ao corpo principal do edifício, são galerias em arco que articulariam o fluxo entre o espaço interior do pavilhão, junto ao hall das escadarias, e os terraços externos localizados nas duas extremas do prédio, previstos no edital do concurso para a possibilidade de servir como espaço de degustação de café, mate e cacau.

                  35.            Desde a fachada [Figura 3], estes terraços não se vêem, estando escondidos detrás das fontes d’água que marcam as esquinas do pavilhão, desenhadas à maneira de muitas fontes coloniais: um tanque com três ou mais bicas pendendo de um muro, talvez azulejado, com frontão ondulado, volutas e pinhas. Ademais estas fontes estavam servindo de suporte para as agulhas, hastes que provavelmente serviriam de mastro para a bandeira do Brasil.

                  36.            De modo geral, o aspecto exterior do neocolonial adotado por Lucio Costa é singelo: até mesmo a portada de acesso não é muito suntuosa, com ornatos comportados, se parecendo muito com a portada que havia desenhado para a recém-construída casa dos artistas Olga e Raul Pedrosa, de 1924. Porém a singeleza do exterior do pavilhão se contrapõe com o interior rebuscado que a pequena perspectiva interna do salão de conferências deixa patente, dando até mesmo a impressão que se sugeria um painel de azulejos revestindo à maneira de lambri - em semelhança, talvez, com os belos painéis da igreja Outeiro da Glória no Rio de Janeiro.

Neocolonial: herança maldita?

                  37.            Com o fim do concurso e a notícia de que o país já não se faria representar na feira estadunidense, surgiram vozes na imprensa lamentado tal fato de diversas maneiras, mas também louvando a coragem do país norte-americano em tomar tal atitude em prol da boa organização de seu evento. E dando margem ao pessimismo interno no país, com a boa dose de ironia própria do humor brasileiro, questionou-se se esse funesto destino não teria sido culpa do neocolonial e a má sorte que o estilo costumaria trazer. Em intrigante matéria publicada na Gazeta de Noticias em uma sexta-feira treze, o autor que assinava como “D. Xiquote” era apenas uma das muitas vozes que expressava a desconfiança pelo novo estilo tradicionalista, que, como podemos ver, ainda não estava de todo popularizado.

                  38.                                                  Ora, há muito tempo que ouço dizer que isso de estilo colonial dá urucubaca da miudinha.

                  39.                                                  Vários casos me tem sido contados, sucedidos a cavalheiros da nossa alta sociedade que, depois de construírem ou se instalarem em casas de estilo colonial, degringolam na vida, perdem a fortuna, enterram pessoas caras quando não são eles próprios enterrados.

                  40.                                                  Não é possível! Gritava eu.

                  41.                                                  Pois enganava-me; é não somente possível, mas certíssimo; aos muitos fatos incontestes de que tenho conhecimento, acaba de acrescentar-se mais um, em que o tal estilo azarou e estragou projetos de muita gente: A Exposição de Filadélfia que ia ser internacional passa a realizar-se em família. O Brasil que tinha sido convidado a comparecer e já se preparava para fazê-lo, foi, com os outros países, desconvidado com uma cerimônia perfeitamente americana.

                  42.                                                  E sabem o que é que deu o azar na Exposição? O Brasil já tinha preparado o projeto do seu pavilhão... de estilo colonial![30]

                  43.            Em outra matéria semelhante, publicada no Correio da Manhã, questionava-se se realmente o neocolonial haveria sido uma escolha acertada para representar a identidade brasileira num evento internacional. O autor da matéria, que se dizia amigo pessoal de José Marianno, expressava que se era por questões de beleza, então, ao invés de um colonial de estufa, mais valiam as construções monumentais existentes em Portugal, muito mais formosas que qualquer outro palácio tradicionalista que se havia construído na exposição do Centenário da Independência do Brasil de 1922, por exemplo. E, para escolher um belo pavilhão para Filadélfia, recomendava o autor que apenas bastava “ir um arquiteto, qualquer, aos arredores de Lisboa e pôr, num caderno de desenho ou na película de uma Kodak” algum de sues belos solares. Segue afirmando que se a França havia feito assim em uma de suas representações internacionais, copiando cabalmente um Trianon de Versalhes, porque não poderia o Brasil fazer igual com relação à sua matriz lusitana?

                  44.            Porém, mais adiante, o autor da matéria chega a conclusão que se o objetivo do pavilhão brasileiro era representar o país no exterior, talvez fosse realmente acertado construir seu neocolonial, já que sua feiúra e mal gosto representariam com propriedade a arquitetura brasileira:

                  45.                                                  Mil vezes alojar o Brasil num desses monstros que surgiram do ventre do estilo colonial e que nós conhecemos sob a denominação pitoresca de Estilo Goiabada, com as suas janelas de sobrancelha, as suas compoteiras de cimento ou louça, obrigado a gradil cor de prata e ano da construção na fachada verde ou roxa! Mil vezes! Pelo menos o Brasil lá estaria, muito embora pior representado, mas sem a pele do leão, como na fábula.

                  46.                                                  E no fundo essa idéia não seria sem inteligência e, quiçá impatriótica, porquanto, no meio de palácios estilizados, de uma arquitetura precisa e bela, o estrangeiro, assim que descobrisse um monstrengo sem forma, sem expressão e sem gosto, caldicanizado (sic) em tintas berrantes, diria logo: - O pavilhão do Brasil!

                  47.                                                  E passaria adiante não ingressando a cloaca, evitando, de tal sorte, a humilhação maior que nos reservaria o desvendar de um interior correspondente ao “goiabada” exterior.[31]

                  48.            Ironias e críticas à parte, o neocolonial passou ileso ao longo da década de 1920, chegando a se popularizar durante as décadas de 1930 e 1940. Lucio Costa, com sua intensa atuação ao longo de toda a década de 1920, foi um dos arquitetos da “vanguarda” deste estilo e sua refinada contribuição ajudou a conferir prestígio ao “tradicionalismo de estufa.

                  49.            Sua passagem por esse estilo lhe proporcionou aprendizados duradouros; essa é uma questão chave que tem que ser bem entendida pelos que se detêm no estudo da obra de Lucio Costa e ainda um tabu a ser desmistificado. Dar crédito ao neocolonial como contato prévio com a racionalidade é uma questão crucial, pois compreender que há pontos de contato entre sua obra eclética e moderna requer negar certas conclusões que o próprio Lucio tentou montar como historiografia oficial.

                  50.            Em seu texto de 1951, Depoimento de um arquiteto carioca,[32] Lucio Costa descarta o neocolonial como uma experiência válida para a aparição da modernidade no Brasil. De acordo com ele, a ascendência válida da vanguarda moderna remonta diretamente à arquitetura neoclássica trazida pelos artistas da missão francesa, já que esta, como a vanguarda moderna das décadas de 1930 e 1940, integrou a arquitetura brasileira ao “espírito moderno da época”.[33] Por sua vez, o neocolonial era considerando um hiato, um período nulo na escalada de contribuições históricas para o surgimento da modernidade.

                  51.            Apesar de comumente a historiografia moderna ter ido à reboque das conclusões de seu maior autor, esta conclusão não é compartilhada por muitos pesquisadores que entendem o valor do neocolonial não apenas pelos seus frutos arquitetônicos, mas sobretudo pela aproximação dos arquitetos neocoloniais à um vernáculo regional, exigindo de seus adeptos a pesquisa de construções coloniais seiscentistas, setecentistas e oitocentistas, muitas delas residências simples e robustas, que exalavam o próprio período histórico em que se inscreviam.

Referências bibliográficas

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[1] Declaração da Independência dos Estados Unidos. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Declaração_da_Independência_dos_Estados_Unidos>. Acesso em: 20 jan 2015.

[2] COOPERMAN, Emily T. American Architects and Buildings [database]. Disponível em: <http://www.philadelphiabuildings.org/pab/app/ar_display.cfm/21829>. Acesso em: 13 jul. de 2014.

[3] Na Câmara. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 14 ago. 1925, p. 2.

[4] O Brasil na exposição de Philadelphia. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 30 ago. 1925, p. 5.

[5] Enquanto acompanhava o júri da Exposição de Filadélfia, em sua avaliação dos inventos expostos na feira de 1876, D. Pedro II gerava tumulto e interesse da imprensa que o seguia de perto. Quando reconheceu um espectador desolado por ter sido excluído do circuito dos jurados, lhe bradou o nome com alegria e deu uma saudação calorosa. Era o Sr. Bell, com quem havia se encontrado semanas antes. O júri então desperta para saber quem e o quê expunha aquele nobre amigo do monarca e então dá-se lugar a umas das cenas mais inusitadas da ciência do século XIX. Bell lhe convida a provar o invento em demonstração aos jurados, lhe pedindo que coloque junto ao ouvido um receptor metálico do seu aparelho, e a cem metros dali, em outro aparelho conectado por  um fio, o cientista recita as palavras “To be or not to be,” que atônito faz D. Pedro II exclamar com entusiasmo, “My God, it talks!” Ver: Power Plant Engineering apud O imperador D. Pedro descobriu o inventor do telephone na exposição de Philadelphia. A Republica, Curitiba, 14 jul. 1921, p. 1; GOMES, 2013, p. 132-133.

[6] O Brasil na exposição de Philadelphia. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 5 set. 1925, p. 6.

[7] Exposição de Philadelphia. O Paiz, 25 set. 1925, p. 2.

[8] Souza Aguiar foi encarregado pelo governo para realizar os projetos dos pavilhões do Brasil para a feira de Chicago em 1893 e a de Sant Louis em 1904.

[9] DANTAS, 2010, p. 65.

[10] Contra a crítica de curiosos: O Instituto Central de Architectos solidário com o Dr. José Marianno Filho. O Imparcial, 10 set. 1925, p. 3.

[11] Apesar de não superar em número as construções ecléticas, o neocolonial se consagrou como estilo nacional na Exposição do Centenário da Independência em 1922 pela boa quantidade de arquitetos que optaram por projetar dentro desse vocabulário tradicionalista. Dentre os oito principais pavilhões brasileiros, a metade adotava a linguagem neocolonial. Ver: KESSEL, 2008, p. 122.

[12] Em 1922 do Prêmio Mestre Valentim e Prêmio Araújo Vianna, propostos para elementos de jardim de casa nobre, portão de entrada e sofá de alvenaria; e em 1923 do Prêmio Heitor de Mello, projeto de uma casa nobre brasileira.

[13] MARIANNO FILHO, José. Os dez mandamentos do estylo neo-colonial. Architectura no Brasil, Rio de Janeiro, v.4, n.24, set. 1923, p. 161.

[14] O Instituto Central de Architectos e a Exposição de Philadelphia. O Paiz,14-15 set. 1925, p. 5.

[15] O Brasil na Exposição de Philadelphia. O Paiz, 20 set. 1925, p. 4.

[16] A Exposição de Philadelphia. Gazeta de Notícias, 20 de out. de 1920, p. 3.

[17] O Dr. Miguel Calmon, sócio honorário do Instituto Central de Archietctos. Gazeta de Notícias, 5 fev. 1926, p. 10.

[18] Noticiário. Architectura no Brasil,  ano 3, v. 5, n. 26, nov. de 1925, p. 48.

[19] A contestação dos arquitetos Raphael Galvão e Edgard Vianna é um capítulo à parte deste episódio, tendo gerado certa repercussão na imprensa. Os arquitetos autores escreveram ao ministro contestando o resultado do concurso, que por sua vez solicitou aos membros do júri que se manifestassem esclarecendo à opinião pública. (O pavilhão do Brasil na Exposição de Philadelphia: um ante-projecto discutido. O Globo, 23 dez. 1925); (O pavilhão do Brasil na Exposição de Philadelphia. Jornal do Commércio, 25 dez. 1925).

[20] Em matéria do jornal O Paiz, de 4 de novembro de 1925, já se anunciava a posição dos organizadores da Exposição de Philadelphia em impedir a participação estrangeira, tendo em vista o retardo de tempo que demandaria a construção dos pavilhões internacionais. Dos sete países convidados, apenas dois convites permaneceram vigentes. (Exposição de Philadelphia. O Paiz, 4 nov. 1925, p. 7). Porém sabe-se que mais tarde a feira manteve o caráter internacional e que houve mais pavilhões de países estrangeiros que se fizeram representar no evento, entre eles a vizinha sul-americana Argentina. O Brasil se fez presente no evento com um navio da armada da Marinha Brasileira, que foi à Filadélfia exclusivamente para representar o país. (Para a ida do cruzador Bahia a Philadelphia o governo precisa de 200 contos, ouro. A Noite, 1 jun. 1926, p. 3). De certa forma o país também esteve representado através do pavilhão do Instituto de Café do Estado de São Paulo, denominado “Santos Coffee”. (Gazeta de Notícias, 17 ago. 1926, p. 3).

[21] Os doze contos de réis seriam pagos em duas parcelas ao arquiteto vencedor, uma ao final do concurso e outra quando da entrega do projeto executivo. Sendo assim, na soma do montante repartido entre os três vencedores foi incluído apenas a primeira parcela do primeiro prêmio.

[22] Os anteprojetos do pavilhão do Brasil na exposição de Philadelphia. Jornal do Brasil, 11 nov. 1925, p. 7.

[23] REIS, 2005, p. 83.

[24] O histórico escolar de Lucio Costa diz que em cinco de maio de 1926 ele foi “habilitado no Concurso de Grau Máximo”, habilitação profissional que se fazia mediante concurso entre os estudantes aspirantes ao grau de arquiteto e que fazia parte de uma estrutura de avaliação por concursos adotado na disciplina de Composição. Lucio foi um dos ganhadores da Pequena Medalha de Ouro, premiação que correspondia ao 2º lugar do certame acadêmico do ano de 1925, cuja a classificação fora: “1º lugar (grande medalha de ouro), Atilio Correia Lima e Ricardo Antunes; 2º lugar (pequena medalha de ouro), Lucio Costa, Sampaio Ferraz e Luiz Bergerot; 3º lugar (medalha de prata) Floriano Brilhante; 4º lugar (medalha de bronze) Ernani Dias Corrêia; 5º lugar (mensão honrosa), Salvador Duque Estrada Batalha e Jayme da Silva Telles”. (A Pátria, 27 jul. 1926 apud SANTOS, 1960, p. 4 das notas de rodapé).

[25] Do final do mês de abril até o final do mês de maio de 1924 (BRITO, 2014, p. 117).

[26] COSTA, 1997, p. 27.

[27] Os anteprojetos do pavilhão do Brasil na exposição de Philadelphia. Jornal do Brasil, 11 nov. 1925, p. 7.

[28] Idem.

[29] As imagens dos projetos foram publicadas pela revista Architectura no Brasil, v.5, n.28, abr.-maio 1926, p. 117-128.

[30] Gazeta de Notícias, 13 nov. 1925.

[31] Correio da Manhã, 17 nov. 1925.

[32] COSTA, 1997, p. 157-171.

[33] Ibid, p. 157.