O desafio de conservar a memória projetual e construtiva do
campus Seropédica da UFRRJ
Claudio
Antonio S. Lima Carlos
CARLOS, Claudio Antonio S. Lima. O desafio de conservar a memória projetual e construtiva
do campus Seropédica da UFRRJ. 19&20, Rio de Janeiro, v. XI,
n. 1, jan./jun. 2016. https://doi.org/10.52913/19e20.XI1.02
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* *
Introdução
1. O
presente trabalho relata os esforços empreendidos por professores e alunos da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) na tarefa de resgatar,
divulgar e conservar preventivamente o acervo de plantas relacionadas à
construção do conjunto arquitetônico-paisagístico do Campus Seropédica,
ocorrida no período 1938-1947 [Figura 1]. O
citado processo inclui inúmeras dificuldades enfrentadas que remetem a
reflexões que confrontam a extrema importância da memória documental com o
crônico e generalizado descaso das instituições públicas com relação à tarefa
de conservá-la. O estado de conservação extremamente precário do acervo trabalhado
revela, de maneira dramática, uma omissão institucional, de décadas, na tarefa
de conservação de sua própria memória.
2. A
existência deste importante acervo foi constatada em 2007, graças ao mapeamento
de danos das fachadas e interiores dos pavilhões protegidos pelo tombamento
estadual, desenvolvido como atividade curricular da disciplina de Projeto de
Conservação e Restauração do Patrimônio Cultural Edificado, do curso de arquitetura e urbanismo da UFRRJ.[1] A atividade incluiu, previamente, uma
pesquisa histórica e documental acerca das edificações objeto do mapeamento de
danos, o que direcionou os alunos ao arquivo de plantas localizado no prédio da
Prefeitura Universitária da UFRRJ. Na ocasião, foi possível constatar a extrema
relevância do acervo, bem como seu precário estado de conservação e guarda [Figura 2].
3. Mais
tarde, o referido acervo foi tema de projeto de iniciação científica,
denominado “Descobrindo o campus da UFRRJ por intermédio de seu acervo
documental”, desenvolvido pelo autor, no período 2009-2011. A referida pesquisa
detectou diversos originais assinados por Mário Whately, Eugênio
de Proença Sigaud, Ângelo Murgel, dentre outros
arquitetos, que foram elaborados com técnicas tradicionais de desenho com a
utilização de nanquim, grafite e técnica mista sobre papel manteiga ou vegetal.
Em 2014, o autor iniciou o desenvolvimento de outra pesquisa de iniciação
científica denominada “Técnicas retrospectivas de desenho e representação
gráfica”, com o objetivo de levantar, estudar e mapear
as técnicas utilizadas na confecção das plantas. As pesquisas realizadas ao
longo dos anos de 2009 e 2015 possibilitaram a elaboração de artigos
apresentados em eventos internacionais, despertando grande
interesse dos participantes.[2]
4. Em 2013,
com o apoio do Centro de Memória da UFRRJ e de professores dos cursos de
Arquitetura e Urbanismo e Belas Artes, foi elaborado um projeto de conservação
preventiva e digitalização da referida documentação que foi contemplado com
recursos concedidos pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de
Janeiro (FAPERJ). A iniciativa viabilizou a conservação preventiva de mais de
300 plantas - até o presente momento -, além de incluir a compra de
equipamentos que viabilizarão futuramente a montagem de um laboratório
especializado na conservação de papel, especialmente as plantas arquitetônicas
do campus Seropédica. Uma vez estabelecido, este laboratório será um
instrumento importante no processo de conservação e divulgação da memória do
campus, fornecendo, inclusive, subsídios históricos importantes para a
conservação da sua arquitetura e paisagismo.[3]
5. Em
face do exposto, o presente trabalho será estruturado em quatro partes. A
primeira se destinará a abordar alguns aspectos teóricos e legais acerca da
importância da análise e conservação de documentos, especialmente aqueles
relacionados à arquitetura. Na segunda parte, são abordados brevemente alguns
dados históricos e característicos do conjunto arquitetônico do campus Seropédica,
com destaque para as edificações protegidas pelo tombamento. Na terceira parte,
são apresentadas as atividades do projeto, objeto do presente trabalho, e seus
respectivos resultados. Na quarta parte, são descritos os meios e procedimentos
técnicos utilizados pela iniciativa de conservação preventiva e digitalização
do acervo de plantas, bem como os resultados até agora obtidos e as principais
dificuldades encontradas pela equipe, para sua viabilização. Por fim, são
apresentados os resultados e expectativas futuras criadas pela iniciativa de
conservação objeto do presente trabalho.
A
importância da conservação preventiva de documentos
6. Para
Le Goff (2003, p. 419), o conceito de memória é referência crucial e possui a
“propriedade de conservar certas informações” que nos remetem “em primeiro
lugar a um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode
atualizar impressões ou informações passadas, ou que ele representa como
passadas.” Maurice Halbwachs não considera a memória
apenas como um atributo da condição humana, tampouco como algo que é construído
a partir do seu vínculo com o passado, mas sim como resultado de
“representações coletivas construídas no presente” que têm como função manter a
sociedade coerente e unida. Para Halbwachs a memória
tem apenas um adjetivo: coletiva (SANTOS, 2003, p.21). Le Goff (2003, p.525)
afirma que a memória coletiva possui a sua forma científica, a história, que se
aplica em dois tipos de materiais: os documentos e os monumentos.
7. O
termo latino “documentun” deriva de “docere”, que significa ensinar e assume o sentido de papel
justificativo - domínio policial - e também, a partir
da virada do século XIX para o XX, para a corrente positivista, de fundamento
do fato histórico, prova histórica (LE GOFF, 2003, p. 526). Ocorre que, em
1929, segundo Le Goff (2003, p. 530), os fundadores da revista Annales d’Histoire Économique
et Sociale, pioneiros de uma história nova,
ampliaram a noção e o sentido de documento que passou a abranger aqueles
escritos, ilustrados, transmitidos pelo som, imagens, desenhos ou qualquer
outra maneira. Estes vinculam a sua existência a da própria história, ou seja,
“não há história sem documentos” (LE GOFF, 2003, p.531)
8. Quando
se trata de arquitetura, a documentação histórica é uma relevante fonte de
conhecimentos e informações que permitem, dentre outras coisas, a
reconstituição precisa das intenções e sentimentos dos seus respectivos
idealizadores (empreendedores e arquitetos). Segundo o dicionário Hoauiss (2001), projetar possui diversos significados,
desde atirar, arremessar à distância, até fazer um projeto, planejar. O termo
relaciona-se com algo que lançamos ou vislumbramos a frente. No caso do projeto
arquitetônico, há uma nítida revelação de uma intenção futura, ou seja, o
projeto permite a visualização prévia e em escala reduzida, do edifício que se
pretende construir. A análise dos projetos originais de uma edificação nos
fornece uma concreta possibilidade de perceber o que se pretendeu no passado e,
por comparação, identificar o que realmente foi realizado, executado e de que
forma foi apropriado no presente. A identificação, a catalogação, a análise e a
divulgação de documentação escrita e iconográfica relacionada à arquitetura
tornam-se ações fundamentais para uma melhor compreensão de sua importância e
trajetória. Trata-se da conservação de um dos pontos que compõem o extenso
mosaico de referências materiais que contribuem para a construção e a
manutenção da memória coletiva de grupos humanos, tendo em vista que as
arquiteturas, especialmente as de uso público, são
locais de convivência e vivências coletivas. Além da própria edificação,
este mosaico é composto por relatos, lembranças e, sobretudo, pela documentação
escrita e iconográfica, tais como, desenhos, projetos, imagens, textos etc.
Myriam S. dos Santos (2003, p.19) confirma esse pensamento quando afirma que os
objetos e os documentos são capazes de reproduzir parte do que foi vivenciado
no passado.
9. No
caso específico das entidades públicas, os arquivos assumem grande importância
no processo de perpetuação das respectivas memórias, representando verdadeiros
repositórios que testemunham fatos vividos no passado. Os conjuntos de
documentos neles guardados, independente de suporte, inequivocamente, são
frutos de acumulação proveniente de atividades dessas entidades ocorridas em
diversas épocas e sob diferentes contextos culturais e políticos. Após terem
cumprido a sua função original (instrumentos de trabalho), transformam-se em
evidências do passado, guardando a memória de fatos, intenções concretizadas ou
não (ANGELO, 2009, p.92).
10. Em
nível mundial, a importância da memória documental foi primeiramente destacada
em 1931, na Carta de Atenas. O
documento materializou consenso de ideias e conceitos entre nações
participantes da Sociedade das Nações sobre a conservação do patrimônio
cultural. Seu texto enfatizou no subitem “c”, do item VII (A Conservação dos
Monumentos e a Colaboração Internacional) a utilidade de uma “documentação
internacional” sobre monumentos. Dentre outros pontos, recomendou a importância
da publicação de documentos relacionados aos monumentos, bem como a iniciativa
de cada Estado membro de constituir arquivos “onde serão reunidos todos os
documentos relativos a seus monumentos históricos” (CURY, 2004, p.16).
11. A preocupação
com a guarda e a publicação de documentos acerca de bens culturais foi
reafirmada, em 1956, no documento conclusivo da 9ª Sessão da Conferência Geral
da Unesco, ocorrida em Nova Delhi acerca do patrimônio arqueológico. Em 1964, a
Carta de Veneza (Carta Internacional
sobre conservação e restauração de monumentos e sítios), redigida após o II
Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos dos Monumentos Históricos,
recomendou que toda a documentação gerada a partir de intervenções de
conservação em bens culturais deveria ser publicada e/ou disponibilizada em
arquivos de órgãos públicos, de forma a ser acessível aos pesquisadores
atuantes na área. No Brasil, a Constituição Federal, estabeleceu, em 1988, a
obrigatoriedade de órgãos públicos, no tocante ao patrimônio cultural e na
forma da lei, na viabilização de meios de gestão da documentação governamental,
bem como as providências cabíveis para franquear sua consulta a quantos dela
necessitem.
12. A
importância da guarda e da conservação de documentação primária, especialmente
aquela relacionada à arquitetura, também é comprovada por meio da existência,
em diversas cidades brasileiras, de edificações projetadas e construídas
especialmente para esse fim. Pode-se citar como exemplo, na cidade do Rio de Janeiro,
dentre outras, o caso do Arquivo Geral da Cidade (AGCRJ) que guarda conjunto
documental de cerca de 50.000 processos de licença de obras, que contam parte
da evolução urbana da cidade, desde 1792. Segundo Ingrid Beck (2002, p.33), o
acervo do AGCRJ “possui grande valor informativo, seja para fins de pesquisa
acadêmica, seja para teses de graduação e pós-graduação (Engenharia,
Arquitetura, História, Jornalismo etc.)”.
13. No
caso do acervo de plantas relacionadas à memória projetual do campus Seropédica
da UFRRJ, observa-se uma infinidade de intenções não concretizadas - não
executadas - ou diversificadas. Estas informações permitem constatar os
ambiciosos objetivos do Estado Novo de Getúlio Vargas no intuito de criar um
centro acadêmico de excelência nas ciências agrárias, capaz de proporcionar
autonomia aos produtores brasileiros do setor. O apuro dos detalhes
arquitetônicos e do mobiliário especialmente projetado para os interiores
transmite requinte e apuro formal ao conjunto. Por outro lado, também nos
permite comparar criticamente soluções projetadas com as executadas, bem como
as apropriações contemporâneas dos espaços projetados no passado.
Breve
histórico do campus Seropédica
14. O
processo que viabilizou a construção do campus Seropédica da UFRRJ foi iniciado
em março de 1934, quando as Escolas Nacionais de Agronomia e Nacional de
Veterinária tiveram o regulamento comum aprovado e tornaram-se
estabelecimentos-padrão para o ensino agronômico do país. A partir daí um
conjunto de medidas legais resultaria na criação da Universidade Rural, em
1944, que se instalou definitivamente no campus Seropédica em 1948 [Figura 3].
15. Segundo
registros históricos relacionados ao processo de construção do campus
Seropédica, o engenheiro-arquiteto Ângelo Alberto Murgel
(1907-1978) supervisionou todos os projetos de arquitetura dos pavilhões que
foram executados pela empresa paulista Mário Whately
Engenheiros Civis, Architectos e Industriaes
em estilo neocolonial, conforme exigência do governo federal. Murgel liderou uma grande equipe de colaboradores que, no
período 1938-1947, desenvolveu o projeto do campus e acompanhou a construção do
conjunto de edificações que seria erguido num terreno situado em área anteriormente
pertencente ao Ministério da Agricultura, sendo, originalmente, parte
integrante da Fazenda Nacional de Santa Cruz.[4]
O projeto paisagístico, em estilo inglês, ficou a cargo de Reynaldo Dierberger que deu ares
rurais ao lugar, criando lagos e pequenas colinas artificiais, utilizando-se
preferencialmente de flora nativa [Figura 4].
16. Segundo
dados obtidos nos arquivos da Prefeitura Universitária da UFRRJ, Murgel assinou como autor apenas alguns dos projetos,
dentre eles o da Escola de Agronomia. As demais plantas e desenhos levantados
apresentam carimbos assinados por Mário Whately,
Engenheiros Civis, Architectos e Industriaes
e diversos colaboradores, com destaque para a contribuição do arquiteto e
artista plástico Eugênio de Proença Sigaud (E. P. Sigaud) que assinou diversos estudos, croquis e detalhamentos
de ornatos de interiores e de mobiliário.
17. A
assinatura de Ângelo Alberto Murgel foi identificada
apenas nas pranchas do projeto da Escola Agrotécnica Ildefonso Simões Lopes
(atual Colégio Técnico da Universidade Rural -CTUR) e do Instituto de Agronomia,
além de diversas revisões de outros desenhos. Foi ainda possível identificar a
participação da Empresa Laubisch & Hirth, que empregou o “designer” de móvel Joaquim
Tenreiro, no período 1933-1943. Este fato possibilita inferir que, pelo seu
período de atuação na empresa, é muito provável que tenha projetado mobiliário
e interiores de alguns pavilhões da UFRRJ, o que amplia o interesse de
preservação deste mobiliário, pouco considerado ao longo dos anos.
18. Conforme
anteriormente comentado, o governo federal recomendou, na construção do campus,
a adoção de elementos que caracterizassem um típico “ambiente rural” compatível
com as atividades desenvolvidas ligadas à agropecuária. Para tal, a
monumentalidade dos prédios deveria ser associada a
sua tendência estilística, obrigatoriamente em neocolonial. A relação entre a
tradição das atividades agropecuárias e a tradição arquitetônica brasileira
conduziu à opção pelo estilo artificialmente construído, no início do século
XX, a partir de exemplares de arquiteturas tradicionais civis (rurais e
urbanas) e religiosas surgidas no período colonial brasileiro, precisamente no
século XVIII.
19. Cabe
ressaltar que a tendência estilística à época já era questionada e considerada
ultrapassada por muitos dos principais arquitetos que a seguiam, como, por
exemplo, Lúcio Costa, que liderou uma equipe de arquitetos que elaboraram
o projeto do prédio do Ministério da Educação e Saúde (MES, 1937-1943), no
Centro do Rio de Janeiro. Outro evento importante que se destaca no contexto
arquitetônico do Rio de Janeiro é a construção da cidade universitária da UFRJ,
iniciada em 1949, cujo plano geral foi elaborado por Jorge Machado Moreira e
equipe (CZAJKOWSKI, org, 1999, p. 130). A proximidade
cronológica entre os dois eventos possibilita inferir que o “Brasil rural”,
ligado às tradições conservadoras, era esteticamente identificado com o estilo
neocolonial, enquanto o “Brasil urbano” já incorporava o moderno. O fato
transmite ao conjunto arquitetônico-paisagístico do campus da UFRRJ um caráter
documental dos mais importantes para a compreensão de parte do contexto
arquitetônico brasileiro referente ao século XX.
Aspectos
administrativos e estruturais do Campus da UFRRJ relacionados ao projeto
20. Em
novembro de 2013, foram iniciadas as atividades do projeto com uma reunião
entre os professores membros da equipe e bolsistas dos cursos de Arquitetura e
Urbanismo e Belas Artes que estabeleceu as prioridades de compra de materiais
de consumo e equipamentos; espaço necessário para as atividades, definição da
equipe e captação e identificação das plantas objeto da
pesquisa.[5]
21. Com
relação aos espaços necessários para as atividades do projeto, a equipe
vislumbrou a necessidade de cessão de uma ou mais salas pela administração
superior, com área, segurança e instalações prediais (elétrica e hidráulica)
suficientes para abrigar os equipamentos e as atividades técnicas relacionadas
ao projeto de pesquisa. No entanto, mediante as dificuldades e a lentidão nos
processos administrativos internos de obtenção desse almejado espaço,
decidiu-se pela imediata utilização do pequeno espaço do Centro de Memória da
UFRRJ (CM/UFRRJ) para, mesmo que precariamente, alocar equipamentos, materiais
de consumo e a realização de reuniões e treinamento da equipe. O projeto também
ocupou imediatamente duas salas, sem uso, localizadas no segundo pavimento da
Prefeitura Universitária do Campus Seropédica (PU/UFRRJ), onde se encontram as
mapotecas com o acervo a ser conservado. A solução visou não prejudicar o
andamento do projeto, porém não afastou a continuidade das negociações junto à
administração superior, de um espaço no novo prédio da nova biblioteca do
campus, recentemente construído. O local é considerado pela equipe como ideal
para não apenas abrigar o laboratório de restauração de documentos, mas também
todo o acervo de plantas objeto das intervenções de conservação e digitalização
que atualmente está precariamente guardado no prédio da Prefeitura
Universitária (PU) do Campus Seropédica [Figura 5].
22. Cabe também
destacar que a UFRRJ, especialmente o campus Seropédica, lugar da pesquisa,
passa por uma grave crise originada pelo acúmulo de problemas administrativos e
estruturais acumulados nos seus mais de sessenta anos de existência. Os anos de
2013 e 2014 caracterizaram-se pelo agravamento da citada crise, sendo marcados
por greves (de funcionários, alunos e professores), ocupação da Reitoria por
alunos e ações de reestruturação administrativa. Em 2015, o panorama se manteve
inalterado contando ainda com outra greve de funcionários que se estendeu de
maio até outubro. Adiciona-se ao quadro, a contenção de despesas estabelecidas
pelo governo federal este ano, que refletiu diretamente sobre as Universidades
Federais.
23. Sob
esse contexto, a partir de 10 de março de 2014, iniciaram-se tratativas que
visaram à obtenção de um espaço adequado e um maior apoio ao projeto, por parte
da administração superior da UFRRJ, tendo em vista suas proposições e metas
estabelecidas, bem como os problemas encontrados pela equipe para o seu pleno
desenvolvimento.
24. Com
relação ao espaço para as atividades de conservação das plantas históricas, foi
solicitada, como solução alternativa, à administração superior à cessão de uma
das salas do prédio da PU/UFRRJ, o que foi atendido e legitimado. A citada sala
guarda uma mapoteca de grande porte, sem uso e em excelente estado de
conservação que está sendo utilizada para a guarda das plantas higienizadas e
conservadas preventivamente. O equipamento foi identificado pelos
pesquisadores, em março de 2014, encontrando-se instalado no andar térreo do
prédio da PU/UFRRJ, em sala cujas instalações elétricas carecem de reparos e
que, guarda uma série de móveis inservíveis em seu interior. Em função disso,
foi solicitada a sua desocupação e a realização das obras necessárias na rede
elétrica, fatos que ainda não ocorreram.
25. No
mesmo dia em que a citada sala foi concedida à pesquisa, os integrantes da
equipe elaboraram novo layout para a transformação de uso da sala da mapoteca
metálica em espaço para pequeno laboratório de análise, conservação e guarda do
acervo das plantas históricas referentes à construção do campus da
Universidade. As obras ainda não foram realizadas e, perante a crise
orçamentária atual, não têm previsão de início. Os equipamentos até agora
comprados encontram-se parte localizados no Centro de Memória, no Pavilhão
Central (P1), e parte no local da mapoteca original em madeira por questões
técnicas que buscam a separação entre as plantas higienizadas e não
higienizadas. É importante destacar que as instalações elétricas do P1 encontram-se sobrecarregadas, inviabilizando a plena
utilização dos equipamentos adquiridos, dos quais muitos ainda nem foram
ligados.
26. Após
reivindicação da equipe do projeto à administração superior, obteve-se, em 2015,
um cargo administrativo terceirizado que será ocupado por um especialista em
restauração de papel que gerenciará o futuro laboratório e dará continuidade
aos trabalhos de conservação, cadastro e digitalização do acervo. Espera-se que
o laboratório, assim como o acervo de plantas, tenham
um local definitivo até 2017. Acredita-se que importante passo foi dado para
sua consolidação na estrutura administrativa da Universidade.
A
conservação preventiva do acervo
27. A
teoria da conservação do patrimônio cultural indica sempre a conservação
preventiva como ação primordial no sentido de evitar-se a restauração. Segundo
o Dicionário de Terminologia Arquivística
(1996, p.18, 61), a conservação é o “conjunto de procedimentos e medidas
destinadas a assegurar a proteção física dos arquivos contra agentes de
destruição”, e preservação é “função arquivística destinada a assegurar as
atividades de acondicionamento, armazenamento, conservação e restauração de
documentos”.
28. Mediante
essas premissas, as iniciativas do projeto priorizaram a conservação preventiva
das plantas do acervo e a retirada gradativa dos originais da mapoteca de
madeira, onde estão suspensas por “orelhas de papel” grampeadas aos originais,
bem como do ambiente no qual se encontram que se apresentavam com goteiras e
muita poeira, em sala prédio da Prefeitura Universitária
(PU) [Figura 2].[6]
29. É
possível observar que, apesar de seu precário estado de conservação e guarda, o
conjunto de documentos ainda demonstra o extremo apuro formal e riqueza de
detalhamentos de ornamentos e interiores do conjunto arquitetônico que abriga
os diversos institutos da UFRRJ. Neste universo, como referido, destacam-se os
projetos de interiores e mobiliário executados pela empresa Laubisch
& Hirth que empregou Joaquim Tenreiro no período
1933-1943 e detalhes feitos em várias escalas, inclusive a 1/1, por E. P. Sigaud [Figura 6].
30. As
ações de conservação preventiva do acervo se restringiram basicamente ao
controle do ambiente interno e à higienização (remoção de sujidades), retirada
de grampos metálicos, “orelhas”, fitas adesivas e outros elementos que
promoviam a deterioração dos originais, a maior parte em papel manteiga e
vegetal. Essas etapas foram executadas na própria sala da Prefeitura
Universitária, situada no segundo pavimento, onde está localizada a mapoteca
original em madeira. Para facilitar os trabalhos, a mesa de higienização
adquirida com recursos da FAPERJ foi transferida para o local [Figura 7]. Desta forma, foram seguidos os seguintes
passos:
• registro fotográfico do carimbo da planta, possibilitando
a visualização do seu número original de registro, autoria, data de execução e
tema;
• registro fotográfico da planta inteira mostrando o
original em suas reais proporções e estado de conservação;
• registro fotográfico das patologias detectadas.
31. Após
essas etapas, providenciou-se a análise minuciosa de toda a planta (exame
organoléptico), para em seguida preencher-se a ficha de registro especialmente
criada para o projeto [Figura 8].
Terminado o preenchimento da ficha, iniciaram-se as medidas básicas de
conservação curativa, tais como, higienização - feita com trincha - e remoção
de grampos e orelhas de papelão [Figura 9]. As
plantas higienizadas foram transferidas para a mapoteca em aço localizada na
sala no primeiro andar do prédio da PU/UFRRJ, após a mesma
ter sido rigorosamente limpa.
32. A
documentação foi acondicionada por número de registro na prateleira. Com a
compra do papel de pH neutro, iniciou-se a elaboração de pastas de
acondicionamento individual, levando em conta o tamanho da planta. Os citados
trabalhos foram executados nas dependências do Centro de Memória/UFRRJ.
33. Outra
atividade desenvolvida foi o controle climático do laboratório e da sala da
mapoteca. Utilizou-se o aparelho denominado termo higrômetro
para medir a temperatura mínima, máxima e a umidade relativa (UR) para atestar
se a plantas não sofreriam um choque de diferença climática (umidade e
luminosidade), o que prejudicaria a sua conservação. O importante é
construir-se um ambiente estável para a guarda das plantas e, para tal,
mediu-se a temperatura duas vezes ao dia.
34. Uma
vez higienizados e livres de elementos agravantes do seu estado de conservação,
as plantas foram acondicionadas em “pastas em cruz”, feitas com papel “filiset” neutro acompanhada de uma base protetora embaixo e
acima para que a obra não entre em contato com outros documentos [Figura 10]. O papel escolhido é um papel, “acid free”, por não ser fabricado
pelo processo convencional de colagem ácida. Este papel tem longa durabilidade
por ser resistente a fungos e proliferação de bactérias, sendo ideal para
restauração ou recuperação de documentos. Seu objetivo é manter características
intrínsecas do documento, como sua originalidade e autenticidade. Nas plantas
arquitetônicas muito grandes foi necessário unir dois ou mais papeis “acid-free” com cola CMC (Carboxil-metil-celulose).
35. Feitos
os devidos trabalhos de conservação preventiva, efetuaram-se os registros
fotográficos e o cadastramento de cada original, por intermédio de fichas
especialmente elaboradas para o projeto, que apresentam dados relacionados às
ações de conservação preventiva executadas, análise do estado de conservação,
características do original (suporte, dimensões, técnica utilizada) etc .
36. As
plantas higienizadas e envelopadas primeiramente foram guardadas na citada
mapoteca metálica sem uso. Porém, este ano, em função de obras de conservação
no citado prédio (atualização das instalações elétricas), elas foram
transferidas para as dependências do Centro de Memória onde estão guardadas,
provisoriamente, em mapotecas horizontais em aço. Atualmente, o projeto
conseguiu higienizar e cadastrar cerca de mais de 350 originais relacionados à
memória projetual e construtiva do Campus Seropédica da UFRRJ. Intenciona-se,
futuramente, inseri-los no tombamento estadual do campus (2001) como bens
móveis, fato que gerará responsabilidade legal da administração superior, de
conservá-los, garantindo a sua existência e transmissão às gerações futuras.
A
Digitalização do acervo
37. Em
função das dificuldades encontradas, no que diz respeito ao espaço para
equipamentos, bem como o estado precário das plantas, optou-se por fotografar
os originais com o auxílio de câmera profissional acoplada a um suporte criado
pelo Professor Delson de Lima Filho, integrante da
equipe do projeto, especialmente para este fim [Figura 11].
Por meio de suave sucção, o original é planificado em uma base oca de MDF
possibilitando a execução da fotografia com luz indireta. As fotos recebem
tratamento digital e, em médio prazo, pretende-se disponibilizar parte do
acervo em arquivo com extensão PDF.
38. Há
também a possibilidade de disponibilização das informações relacionadas ao
acervo no Sistema de Gerenciamento de Acervos Museológicos - SISGAM, do Estado
do Rio de Janeiro, por intermédio do cadastramento do Centro de Memória da
UFRRJ. Os contatos entre membros da equipe do projeto e da Secretaria Estadual
de Cultura foram iniciados no dia 5 de agosto de 2015. As iniciativas incluem
um acordo de cooperação técnica com a Escola de Museologia da UFF, com vistas à
obtenção de bolsistas para a correta catalogação do acervo conforme normas estabelecidas
pelo sistema, bem como a disponibilização em rede para consulta das fichas
cadastrais das plantas. Espera-se em curto médio prazo, disponibilizar e
divulgar o acervo de plantas da UFRRJ para pesquisadores em geral.
39. Pretende-se,
ao longo de 2016, conservar preventivamente e digitalizar todo o conteúdo da
mapoteca original em madeira, para no ano de 2017, empreender esforços no
sentido de iniciar os trabalhos de restauração do acervo. Para o mesmo ano, a
equipe também pretende propor ao Conselho Estadual de Tombamento (CET) a
inclusão do acervo conservado preventivamente, no tombamento estadual da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1998-2001).
Considerações
Finais
40. A
experiência do projeto de conservação preventiva do acervo de plantas relacionadas
à construção do campus da UFRRJ revela de maneira clara, o crônico desinteresse
das administrações dos órgãos públicos pela preservação e divulgação da sua
própria memória.
41. O
precário estado de conservação e a guarda inadequada do acervo de plantas
históricas revelam, de maneira inequívoca, décadas de abandono e descaso por
parte das sucessivas administrações da UFRRJ. Por outro lado, é alvissareiro
constatar que, a partir da iniciativa de conservação preventiva empreendida por
docentes dos cursos de Arquitetura e Belas Artes pode-se despertar o grande
interesse dos discentes envolvidos no projeto que se dedicaram e se dedicam
diariamente às árduas tarefas de salvamento e conservação preventiva da
preciosa documentação. Lamentavelmente, o interesse de docentes e discentes
pela conservação do acervo histórico contrasta com a desarticulação
administrativa da Universidade e a sua excessiva lentidão no atendimento das
demandas inerentes ao relevante projeto.
42. O
estado avançado de degradação e a forma como tão valioso acervo se encontrava e
ainda se encontra, em parte, acondicionado, não deixam dúvidas sobre a sua
plena e inevitável perda em curto prazo de tempo, caso as iniciativas não
houvessem sido tomadas. Com ele, se perderia além de informações preciosas, um
acervo de plantas de rara beleza e importância para a história recente da
arquitetura brasileira, que apresentam técnicas de desenho e representação
gráfica atualmente pouco utilizadas ou até mesmo perdidas. A experiência
proporcionou aos professores e, principalmente, aos alunos envolvidos, acessar
um universo de nossa arquitetura em grande parte desconhecido, enriquecendo
certamente suas formações profissionais.
43. Apesar
das extremas dificuldades encontradas pela equipe, foi possível cumprir os objetivos
propostos pelo projeto de pesquisa, o que garante boas perspectivas futuras de
continuidade dos trabalhos de pesquisa, exploração e divulgação do acervo de
plantas que testemunham a projetação e construção do Campus Seropédica da
UFRRJ.
Bibliografia
ANGELO, Carla Viviane da
Silva. Arquivos e Preservação Documental, In: Mestres e Conselheiros: Manual de atuação dos agentes do Patrimônio
Cultural /organização Marcos Paulo de Souza Miranda, Guilherme Maciel
Araújo e Jorge Abdo Askar. Belo Horizonte: IEDS,
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BECK, Ingrid. Manual de conservação de documentos.
Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, 1985
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______________________________
[1] O tombamento estadual
ocorreu de forma provisória, em 1998, e definitivamente em 2001. O objeto
inicial do pedido feito por técnicos da Universidade foi o painel de azulejos da
artista plástica portuguesa Maria Helena Vieira da Silva, localizado no espaço
do antigo salão do restaurante de alunos e atual sala de estudos. Ao visitarem
o campus da UFRRJ, técnicos do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural
decidiram incluir na proposta de proteção o parque paisagístico, além do
pavilhão Central, prédios dos Institutos de Química e Biologia; residência do
Reitor e prédio sede da Embrapa.
[2] II e III colóquio Ibero
Americano de Paisagem cultural, patrimônio e projeto (2011 e 2014) e IV
Seminário Ibero Americano de Arquitetura e Documentação (2015).
[3] A equipe do projeto
contou com os pesquisadores: Claudio Antonio Santos
Lima Carlos (DAU/IT/UFRRJ, Coordenador, Ana Paula Ribeiro de Araujo (Professora Dra. Arquiteta DAU/IT/UFRRJ), Arthur
Gomes Valle (Professor Dr. em Artes Visuais, DArtes/ICHS/UFRRJ),
Delson de Lima Filho (DAU/IT/UFRRJ), Fábio Pereira
Cerdeira (Professor Dr. em Ciência da Arte, Dartes/ICHS/UFRRJ),
Júlio César Ribeiro Sampaio (Professor Dr. Arquiteto, DAU/IT/UFRRJ), Lucília
Augusta Lino de Paula (Profa. Dra. em Educação, DTPE/IE/UFRRJ); e dos
estudantes: Bianca Pacheco Trindade - Graduanda em Arquitetura e Urbanismo,
Clayton Oliveira - Graduanda em Belas Artes (ICHS/UFRRJ), Diogo Gomes da
Fonseca, Ellen Bento Alves, Jéssica Cristina Gonçalves Gomes - Graduanda em
Belas Artes (ICHS/UFRRJ), Lorynne Duarte –
Graduanda em Arquitetura e Urbanismo, Mariana Von Seehausen
- Graduanda em Belas Artes (ICHS/UFRRJ), Priscila Marcondes da Silva -
Graduanda em Belas Artes (ICHS/UFRRJ), Wallace Marcel - Graduanda em Belas
Artes (ICHS/UFRRJ).
[4] Atual quilometro 07 da
BR-465, originalmente, situada no distrito de Seropédica, integrante do município
de Itaguaí. Desde 1995, o citado distrito é um município do Estado do Rio de
Janeiro.
[5] Participam e
participaram como bolsistas do projeto Jéssica Cristina Gonçalves Gomes (Belas
Artes, formada em 2014), Clayton Cristian Lima de Oliveira (Belas Artes,
formado em 2015), Priscila Marcondes (Belas Artes, formada em 2015), Mariana
Von Seehausen (Belas Artes); Raphaela
Sigiliano, Bianca Pacheco Trindade e Loriynne Duarte (Arquitetura Urbanismo).
[6] Em fins de 2014, foram
realizadas obras de recuperação do telhado da PU/UFRRJ que eliminaram o
problema.