Arquitetura Civil da segunda metade do século XIX em Belém-PA:
estudo dos elementos compositivos e da geometria de fachadas [1]
Juliane
Oliveira Santa Brígida[2] e Cybelle
Salvador Miranda[3]
BRÍGIDA, Juliane Oliveira
Santa; MIRANDA, Cybelle Salvador. Arquitetura
Civil da segunda metade do século
XIX em Belém-PA: estudo dos elementos compositivos e da geometria de fachadas. 19&20, Rio de Janeiro, v. XI,
n. 1, jan./jun. 2016. https://doi.org/10.52913/19e20.XI1.09
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Introdução
1. Vistos
os objetivos almejados pela pesquisa “Classicismo nos hospitais da Misericórdia
e da Beneficência na 2ª metade do século XIX: trânsito entre Brasil e
Portugal,” esta pesquisa intentou analisar as fachadas dos atuais prédios do
Arquivo Público do Estado do Pará e da Academia Paraense de Letras, tendo como
embasamento a compreensão da “nova” arquitetura na cidade de Belém da segunda
metade do século XIX, com predominância de traços clássicos.
2. Este
trabalho se insere em uma incursão preliminar através do classicismo em Belém,
de modo a entender as variadas influências do período inicial da Belle Époque paraense, no tempo
decorrido entre as obras de Landi na segunda metade do século XVIII e dos
italianos como Santoro e Gino Coppedè (co-autor do Palácio da Intendência),
assim como Manoel Odorico Nina Ribeiro e José Sidrim
(final do século XIX).
3. Derenji
(1998) afirma que os prédios monumentais construídos em Belém no período entre
1870 e a proclamação da República apresentam um
classicismo tardio, que pode ser exemplificado no Palacete Municipal (1868) e o
Teatro da Paz (1869-1875). A utilização da simetria, ordens sobrepostas,
pórticos com arcadas ou colunas revelam a intenção clássica dos projetistas que
adotavam repertório palladiano[4],
apesar do fato de que a leitura das fontes pudesse ser inexata.
4. Portugal,
por trezentos anos, é a origem de toda e qualquer referência arquitetônica
brasileira até o período imperial, quando ocorre uma inversão no fluxo de
influências. Houve, então, a produção de uma arquitetura inovadora - o
“classicismo imperial brasileiro” - somente três décadas após sua
independência. Este novo estilo é adotado pela ex-metrópole
e é designado como “classicismo à brasileira” por Alberto Sousa em seu livro A variante portuguesa do classicismo
imperial brasileiro (2007).
5. A
tendência obteve destaque nas obras públicas, sendo o primeiro exemplar de tal
estilo o edifício da Academia Militar do Rio de Janeiro, projetado pelo
engenheiro francês P. J. Pezérat na segunda metade
dos anos 1820, por causa das alianças de tradições arquitetônicas
luso-brasileiras, compondo assim uma frente moderna e classicista. Destarte,
também serve de exemplo o Hospital da Beneficência Portuguesa no Rio de Janeiro
(1853-1858) detentor de diversas características do classicismo imperial
brasileiro.
6. O
começo do classicismo à brasileira na arquitetura pública em Portugal, ainda
será bastante dependente do modelo brasileiro. As principais divergências entre
os dois estilos - apesar de serem muito correspondentes entre si - são as
platibandas, a fenestração do primeiro pavimento e a faixa de separação dos
movimentos. As construções do “classicismo à brasileira” serão habitações ao
mesmo tempo unifamiliares e coletivas, visto que as residências virão antes que
os prédios públicos. Na maior parte dos casos, se destacarão elementos
arquitetônicos repetidos nas frontarias, vãos encimados por verga semicircular
e emprego de platibandas, cheias ou vazadas.
7. Esta
arquitetura sobressai-se pelo emprego das platibandas, sendo no “classicismo
imperial brasileiro” mais utilizada a platibanda cheia e no “classicismo à
brasileira” são empregadas as platibandas vazadas e com balaústre. É esse o
elemento que define o estilo, tendo em consideração que a existência deste traço
e de vãos encimados por vergas semicirculares serão primordiais para avaliá-lo
como “classicismo imperial brasileiro,” mesmo que em algumas obras encontrem-se
variações.
8. Considerando
as observações de Sousa (1994), a filiação não fora ainda caso de análise dos
pesquisadores portugueses, exceto a tese de doutorado da Profª.
Raquel Henriques da Silva, Lisboa
Romântica - Urbanismo e Arquitectura, 1777-1874,
defendida em 1997 na Universidade Nova de Lisboa (FCSH), que utiliza a
denominação revivalismo classicista, considerando incorreto denominar
“neoclassicismo tardio.” As ideias de Sousa incitam o interesse no estudo de
tais manifestações, evidenciando a arquitetura pública, e nos entrelaçamentos
migratórios entre as antigas colônia e metrópole.
Arquivo
Público do Estado do Pará e Academia Paraense de Letras
9. Nesta
pesquisa, foram realizados estudos de caso em dois prédios atribuídos a um
mesmo arquiteto: o prédio onde funciona o Arquivo Público do Estado do Pará [Figura 1] e
a atual sede da Academia Paraense de Letras [Figura 2].
10. Segundo
Lucas Nassar Sousa (2007), o edifício do Arquivo Público do Estado do Pará
(APEP), tombado pelo Governo do Estado como patrimônio cultural paraense,
pertence ao final do século XIX e detém características neoclássicas. Sousa
também compara a instituição com os arquivos do Rio de Janeiro, Paraná e
Pernambuco, visto que tem mais de quatro milhões de documentos que abrangem os
séculos XVII, XVIII, XIX e XX: o que resulta no fato de o Arquivo ser o quarto
maior arquivo brasileiro e o principal ligado ao estudo da história amazônica.
11. Criado
a partir da lei nº 164, de 31 de maio de 1894, o Arquivo é sediado no prédio comprado
um ano antes pelo governo do Estado. Anteriormente, o edifício havia sido sede
do Banco Comercial do Pará. A primeira reforma mencionada por Lucas Nassar
Sousa (2007) ocorreu no ano de 1894 e foi registrada no Relatório de Américo
Santa Rosa, então Diretor de Obras Públicas; em 1897 outras reformas são
executadas, embora de pequeno porte. Posteriormente, em 1901, o Governador
Augusto Montenegro dá nova organização ao Estado, fundando três secretarias e
instituindo o anexo da Biblioteca Arthur Vianna no Arquivo Público. Em 1927,
novas reformas são relatadas e em 1978 a Biblioteca Arthur Vianna é separada do
Arquivo. Entre maio de 1989 e fevereiro de 1991, o Arquivo Público do Estado do
Pará sofre sua última restauração executada pelo Grupo Verdi de São Paulo:
nessa restauração foram demolidas paredes, pisos e
forros, além de novas instalações e estruturas terem sido executadas.
Atualmente, o monumento é classificado como de preservação integral; desse
modo, suas características externas e internas são de interesse à preservação.
12. A
respeito da Academia Paraense de Letras, inaugurada em 2 de dezembro de 1874
com projeto do arquiteto P. J. Branco e construção do empreiteiro João
Francisco Fernandes. Azevedo (2013) relata que o prédio primeiramente dava sede
à “Escola Normal” e “Escola Prática,” esta sendo anexa
à primeira. Posteriormente a 1888, a “Junta de Higiene” foi ali situada, bem
como o “Clube 13 de Maio,” que permaneceu no prédio até 1891, período em que
este passou por uma reforma para que fosse adequado para abrigar o Museu
Paraense Emílio Goeldi, já no governo republicano do Dr. Justo Chermont. O Museu ocupou o prédio de setembro de 1891 a
abril de 1895, sendo depois sede do Conservatório de Música (atual Instituto
“Carlos Gomes”), de acordo com a documentação do relatório de 1905 do
Intendente Antônio José de Lemos. Após esse período, o prédio foi utilizado
pelo Laboratório do Estado e demais serviços de higiene, até que em 1975 uma
reforma foi projetada pelo arquiteto David Lopes na gestão do governador
Aluísio Chaves em que apenas a caixa externa do construto permaneceu
inalterada.
O
clássico e sua influência na arquitetura
13. Segundo
José Rámon Alonso Pereira (2010), o classicismo traz
à tona um novo método de controle geral capaz de satisfazer as necessidades da
sociedade moderna. Essa nova ferramenta busca retomar a simplicidade, o
conhecimento clássico (geométrico e aritmético), em que esta regressão figura
como estímulo a novo impulso progressista, a exemplo dos séculos XVII e XVIII.
A base da nova arquitetura será o uso de figuras geométricas elementares e de
relações matemáticas simples, além da reutilização das ordens clássicas da
tradição grega e romana. Expõe a existência de vasta gama teórica do quatrocentto e cinquecento,
fazendo menção à Leon Battista Alberti e ao manual de Giacomo Vignola. Esse tratadismo
relaciona-se com a Antiguidade e ampara a transmissão da experiência clássica
na Idade do Humanismo. Destarte, Alberti em De
Re aedificatoria (1452), busca o alcance de
sistema linguístico e metodológico absoluto, juntando “as teorias abstratas com
as normas práticas de projeto e construção” (PEREIRA, 2010, p. 132)
14. John Summerson analisa a essência do classicismo, focando nas
características que fazem um edifício ser realmente clássico e na arquitetura
como linguagem. O autor trabalha com dois significados do termo “clássico.” No
primeiro significado, o edifício clássico é aquele que possui elementos
decorativos que advém do vocabulário arquitetônico da Antiguidade. Esses
elementos são reconhecíveis, a exemplo das cinco ordens de colunas utilizadas
de modo padronizado: toscana, dórica, jônica, coríntia e compósita; os
tratamentos formais de aberturas e frontões ou as sequências sistematizadas de
ornamentos que são empregadas nos edifícios clássicos. Acham-se elementos
imprescindíveis à fundamentação do discurso de que a arquitetura clássica
objetivava obter uma harmonia compreensível entre os prédios, harmonia essa
entendida como parte complementar dos prédios antigos e como sendo natural aos
principais componentes clássicos - em específico as cinco ordens. No entanto,
foi também entendido por vários teóricos que a harmonia é obtida através da
proporção.
15. Ao
falar de Giulio Romano[5], Summerson
primeiro introduz o termo “rusticação,” que
inicialmente denotava um modo rude e provinciano de organizar pedras não
lavradas, cada uma mantendo ainda suas particularidades, da maneira como foram
retiradas da pedreira [Figura 3].
Esta rusticidade passou a ser vista como detentora de possibilidades artísticas
e, paulatinamente, transformou-se em aspecto de extremo requinte. Apesar disso,
Summerson analisa o período em que se utilizaram os
elementos da arquitetura grega, como uma época negativa do ponto de vista
arquitetônico. Segundo ele, os elementos reaproveitados da arquitetura grega
tinham tendência a ser complexos e caros sem, no entanto, ter utilidade
funcional no projeto e servindo meramente como decoração.
16. Segundo
Anzolch (2009), não se pode, entretanto, ligar todo
desenho geométrico à expressão arquitetônica. Projetar uma edificação incorre
em uma série de decomposições e recomposições do objeto e da imagem para
resultar na obra concluída e, além destas operações, uma gama de elementos
capazes de diferenciar uma edificação projetada desse jeito, à que se denomina
geometria simbólica. Embora Vitrúvio não dispense
atenção ao ornamento, ele também compõe a estrutura, por meio da simetria,
euritmia e ordenação. A geometria de ambos, ornamento e estrutura, possui aí
uma zona de conflito, em função da dificuldade de conciliar os espaços de
projeto de naturezas diferentes, onde o tipo de elemento a ser utilizado possui
suas próprias proporções e medidas.
17. Em De Re aedificatoria,
Alberti volta a abordar e inclusive sugere uma nova interpretação a respeito
dos conceitos vitruvianos, focando no aprendizado da matemática e no tratamento
de questões estéticas. Alberti reconsidera a autonomia de cada elemento e das
ordens em si frente às tipologias vitruvianas. Encarada por este lado, a imagem
de uma arquitetura fundada na tradição greco-romana surgia como extremamente
propícia; porém, era necessária a abstração de sua ligação tipológica e
trazê-la para o presente. Alberti, então, reformula o texto de Vitrúvio de forma aparentemente simplificada. Seu
entendimento de “concinnitas,” por exemplo, apontava
principalmente para a beleza do edifício, fundamentada nas relações dos membros
ao todo de um corpo. O autor afirmava que a tarefa fundamental da “concinnitas” era fixar relações entre partes bem distintas
entre si, de acordo com uma regra específica de tal maneira que correspondessem
um ao outro. Seria comparável, segundo o próprio Alberti, a uma ordem natural,
relacionada à ideia de perfeição e que somente seria alcançada através de uma
definição satisfatória de “numerus,” “finitio” e “collocatio,”
elementos que compõem a “concinnitas”.
18. “Numerus”
é a relação de proporção estabelecida por algarismos arábicos, mas não obrigatoriamente
fixa - ao contrário, permitindo certo jogo simbólico relacionado a números e
relações geométricas específicas, muito próximos da estética. “Finitio” é a própria medida, o sentido da proporção: uma
planta cotada ou algum elemento passível de estabelecer uma relação de escala,
como a espessura das linhas de parede em planta. A “collocatio,”
a certeza de que no arranjo do edifício cada parte esteja no seu respectivo
lugar. A noção da “virtù” sugerida por Alberti não
faria sentido sem um límpido acordo da base de compreensão que se intenciona
fixar entre arquiteto e sociedade. Para Alberti qualquer composição é feita
partindo-se de modelos ou de tipos de edifícios mais apropriados aos desejos do
cliente, seus usuários e o local onde será edificado. O desenho, então, passa
por três estágios: delineamento do objeto em vista, composição de seus
elementos e, por fim, representação de sua superfície.
19. A
analogia é útil, ao seu ponto de vista, embora tenha seus limites. Entretanto,
a composição arquitetônica não se firma com dimensões lineares, mas como
superfícies lisas que se integram umas às outras para compor espaços
harmonicamente proporcionados. “Concinnitas” é,
então, o efeito da composição e também uma lei da
natureza. “Numerus,” “finitio” e “collocatio”
não são mais que outras denominações para a antiga interdependência entre “distributio,” “symmetria” e “dispositio”. Algo que não se processa quando sugere a
atualização do “firmitas,” “utilitas”
e “venustas”. Afinal, “lineamenta,” “materia” e “constructio” são
termos operativamente díspares da proposição vitruviana. Segundo Anzolch (2009), Alberti sugere um novo epistema
ao acrescentar, através da “lineamenta,” o desenho
como algo equivalente ou superior à edificação. Enquanto para Vitrúvio, o desenho era uma ferramenta de visualização,
para Alberti era um elemento de precisão e especulação, dividindo importância
com a matéria e a técnica.
20. “Concinnitas” significa já a instância da leitura, sendo
diretamente interdependente com a “lineamenta,”
embora seja o juízo e as intenções do desenho dependentes da primeira.
“Numerus,” “finitio” e “collocatio”
são operações praticamente sintáticas, de ajuste das partes, sob supervisão da
“concinnitas”. A tipologia adquire valor relativo e
os traços livres da linguagem são ocasionados pela sintaxe adaptativa dos
elementos a certa estrutura. Porém, é necessário que se admita uma dupla
sintaxe. Edificação e estrutura representativa seguem regras próprias no mesmo
objeto. A resposta surge do desequilíbrio entre dois sistemas de regras
interagentes. Mesmo assim, não há garantias de que a empreitada será
promissora, visto que regras particulares se estabelecem ao longo do processo
enquanto outras são descartadas de acordo com a especificidade da obra.
Passa-se do objeto à obra singular. Não obstante, Alberti entende a
ornamentação como secundária e resultante. Para o construtor antigo, o
ornamento era parte integrante e requisitada para qualquer construção “bem
definida” porque confere o efeito de atenuar o desagradável e realçar o
agradável.
21. A
ligação com a gramática é evidente e perceptível, exclusivamente pelo fato de
que Alberti foi o primeiro gramático da língua toscana, mas o real valor está
no fato de tentar dar um estatuto gramatical a uma língua vernácula, ou seja,
aquela que é falada por todos. Desse modo, a parcimônia do teórico clássico
parece entender o ornamento como extensão e justificativa da própria linguagem
do que como algo eminentemente estético. Para Alberti, a beleza provém da
conjunção de “numerus,” “finitio”
e “collocatio”. Para ele, a beleza está relacionada
ao efeito harmônico que deve obedecer às leis da natureza. Ao insistir na
montagem, no entanto, o enunciado de Alberti perturba a integridade da
tipologia e sua série de associação de significados. Isto se traduz em uma
quebra com os significados mais imediatos da antiguidade clássica, abrindo
oportunidades para uma nova semântica.
22. A
publicação do tratado de Vignola (1562) exemplifica
uma abordagem densamente inovadora no trato das ordens. Segundo Anzolch (2009), foi o tratado com a mais ampla divulgação
de toda a história da arquitetura ocidental, sendo também o menos analisado
criticamente. A apresentação quase totalmente gráfica combinada com textos
sucintos e limitados à questão técnica contribui para isto. O formato e a
brevidade de apresentação das pranchas baseiam-se na doutrina de Serlio, no entanto sua inovação mais relevante foi idear um
sistema de proporções coerente que englobasse todos os elementos das ordens.
Para chegar a este objeto, Vignola necessitou se
desfazer dos paradigmas que compunham a objetividade estética clássica
originada nas medições dos edifícios antigos. Como tais medições nunca
concluíam ou conduziam a uma regra duradoura ou universalmente demonstrável,
sugeriu uma codificação discricionária.
23. Mesmo
que se considere a subjetividade e o estrito pragmatismo da proposta, a grande
vantagem do sistema proporcional de Vignola é sua
total integração por unidades modulares, capazes de interagir algebricamente em
qualquer caso. Em seu sistema, Vignola fixou uma
relação constante de 4:12:3 entre pedestal, coluna e entablamento, para
qualquer ordem, e estabeleceu todas as dimensões individuais dos componentes de
cada ordem em relação ao raio de sua respectiva coluna. Tal estabelecimento possibilitava
adaptar as Ordens a qualquer altura por meio das relações algébricas simples.
Contudo, se a geometrização de motivos demonstra grau de precisão, é nas
análises de projeções de sombras que estão sua maior inovação e contribuição
para o desenho arquitetônico. A sombra realça a superfície pela retração e
avanço dos planos. O desenho das fachadas não só ganha profundidade como
adquire maior legibilidade e concisão.
24. Aprofundando
o aspecto projetual, William John Mitchell (2008) trata de algumas leis
auxiliares na identificação de elementos na arquitetura: a diferenciação de
figuras em relação ao fundo contra o qual elas estão situadas compreende uma
etapa posterior ao processamento dos sentidos. A fachada da Villa Snellman
de Gunnar Asplund, por exemplo, é frequentemente
compreendida como um conjunto de imagens bem definidas, distribuídas sobre um
plano de fundo - janelas, motivos decorados e paredes, respectivamente.
Entretanto, a distinção figura vs fundo nem sempre é
tão objetiva. De acordo com Rudolph Arnheim (1974
apud MITCHELL, 2008), é possível compreender os cheios e vazios de uma fachada
de formas distintas: pequenas janelas dão a impressão de estarem soltas sobre o
fundo contínuo de uma parede. Ao se aumentarem as aberturas em relação às paredes,
como na arquitetura gótica, atinge-se um patamar onde a fachada resume-se a uma
continuidade de elementos abertos e fechados, sem a predominância de um ou
outro.
25. Segundo
a lei da similaridade, figuras parecidas também possuem tendência a serem
agrupadas e os dois efeitos podem ser mesclados. Já a lei do fechamento implica
que as figuras de contorno fechado sejam mais suscetíveis à interpretação de
unidades. A lei da boa continuidade dita que contornos relativamente suaves e
sem interrupção também auxiliam a delimitar unidades e a lei da simetria
posiciona que os objetos simétricos tendem, também, a ser encarados como
unidade, sendo esta última lei a mais exposta pelo classicismo. A simetria da
própria Villa Snellman
exemplifica a lei da simetria, remetendo a uma composição de unidade clássica;
no entanto, após um olhar mais atento, percebe-se que a simetria existe apenas
na visão geral da obra.
26. Ainda
no âmbito descritivo, pode-se também analisar as partes do todo, deste modo
compondo uma descrição completa, executando registros dos valores dessas
funções para cada parte específica ou estabelecendo regras gerais para sua
avaliação. É possível o uso de quantificadores e o estudo das relações físicas
e estruturas físicas internas. Operadores lógicos podem ser aplicados para
combinar sentenças e produzir expressões mais complexas a respeito dos objetos.
Por fim, são atribuídos conceitos e definições.
27. Nas
primeiras décadas do século XX, muitos artistas e arquitetos tomaram interesse
por elementos geométricos abstratos e pela exploração de relações formais
desses objetos. O curso introdutório da Bauhaus também ressaltava relações
formais entre elementos abstratos; segundo Mitchell (2008), não se pode afirmar
que a análise formal não ajude no entendimento do projeto, mas faltou a etapa
interpretativa de classificação dos elementos de modo convencional.
28. De
modo resumido, elementos são entes físicos únicos que estão inseridos em um
determinado lugar no tempo e no espaço. Diversos elementos podem ser do mesmo
tipo por terem algo em comum, e cada elemento é submisso ao tipo a que
pertence. Assim, composições complexas podem ser encaradas como combinação de
instâncias de objetos mais simples, adquiridos de um vocabulário. Um edifício
abriga vários tipos de elementos arquitetônicos reconhecíveis (colunas, vigas, paredes, etc.) e o desenho desse edifício detém variadas
formas abstratas (quadrados, círculos, triângulos, etc.) e as regras de
representação delimitam a correspondência entre os símbolos gráficos do projeto
e as instâncias físicas do mundo construtivo.
29. Maria
Beatriz Maneschy Faria (2013) estuda o princípio
compositivo de seus objetos de estudo, com base nos ensinamentos de Vitrúvio e Alberti, aceitando a chamada “Proporção Divina”
como um dos princípios da proporcionalidade na arquitetura. Para estudar as
proporções das fachadas, parte-se da área do retângulo que compõe cada uma das
oito fachadas, passando a conferir se esta obedecia ao princípio da
proporcionalidade no número de ouro, tanto de forma algébrica, como de acordo
com a forma geométrica a partir do retângulo de ouro. Neste ponto, inicia-se
uma série de procedimentos a começar pelo traçado de um segmento AB no
retângulo primário, depois determina-se a mediatriz deste novo segmento, que
corta AB no ponto O; em seguida, ergue-se uma perpendicular de AB com origem no
ponto B; puxa-se, então, um círculo com centro em B e raio BO e determina-se o
ponto C na perpendicular em B, em seguida faz-se o segmento CA e outro círculo,
desta vez com centro em C e raio CB, assim determinando-se D, sobre CA. Por
fim, traça-se o último círculo com centro em A e raio AD para se achar E, sobre
AB [Figura 4].
Análise
da gramática das fachadas
30. Assim,
tendo em vista as análises expostas acima, parte-se para a descrição das
fachadas dos referidos objetos de estudo para melhor compreensão frente à
comparação das mesmas com os teóricos. Datado do final do século XIX com
projeto de P. J. Branco, mesmo arquiteto responsável pelo projeto da Academia
Paraense de Letras, o prédio-sede do Arquivo Público do Estado do Pará
apresenta características clássicas e é tombado pelo Governo do Estado como
patrimônio cultural paraense (SOUSA, 2007, p. 10). Entre as diversas reformas
realizadas nele, o edifício do Academia teve sua mais significante
transformação traduzida na intervenção ocorrida entre 1989 e 1991, quando teve
paredes, pisos e forros demolidos, além do acréscimo de novas instalações e
estruturas.
31. A
fachada principal do Arquivo Público do Estado do Pará é divida em dois corpos,
ambos com cornija sendo o construto das extremidades recuado em relação ao
central. É uma obra predominantemente horizontal, caracterizada pela simetria
do partido clássico, com seis esquadrias simétricas distribuídas igualmente nos
corpos extremos em intervalos regulares. Todas essas esquadrias apresentam
moldura com elementos clássicos, manifestados na coluna com capitel e base que
forma o parapeito (decorado com motivos geométricos e terminando na base do
cunhal) das janelas, além de uma segunda moldura solta em formato retangular
acima da moldura principal. Apresenta também porão com seis óculos circulares
dispostos simetricamente e escadaria de acesso ao corpo central, esta última
sendo ladeada por muros, além da platibanda cheia, típica do classicismo
imperial brasileiro, com marcação horizontal. Conta também com colunas da ordem
jônica, com base e fuste lisos, que partem da altura do porão.
32. Quanto
ao pano central, percebe-se que ele é ressaltado do resto da fachada, com “rusticatto” e frontão triangular ressaltado (KOCH, 2001, p.
152). Apresenta três esquadrias, sendo as das extremidades janelas com frontão
cimbrado e aplicação de colunas com bases formando o parapeito dessas janelas;
e a porta de acesso com frontão clássico. Essas colunas também pertencem à
ordem jônica, percebida pelos seus capitéis em volutas, com afinamento do fuste
e base lisa. O prédio adota a ordem jônica notadamente nos capitéis das colunas
e pilastras deste construto, sendo que somente a porta principal apresenta
bandeira em ferro decorado com motivos geométricos, onde se identifica a
relação entre a proporção desses elementos, a reprodução de volutas em
diferentes escalas e o ritmo proporcionado pelo emprego dos motivos, além de
ter duas mísulas e chave, em pedra, encravadas em verga reta. Além disso,
identifica-se que o elemento central na bandeira é uma flor em ferro decorado,
bem como a vidraça é em vidro colorido. A porta principal exibe dois tipos de
almofadas, ambas decoradas com padrões geométricos, sendo superiores com
círculos e ornamentos em formato de gotas e as inferiores contando com círculos
e quadriláteros. Conta com frontão clássico triangular disposto no centro da
fachada, com óculo centralizado em moldura com volutas, à frente da platibanda.
Apresenta também escadaria com dez degraus em pedra de lioz, assim como o
passeio da rua.
33. O
prédio da Academia Paraense de Letras, por sua vez, foi inaugurado a 2 de
dezembro de 1874, tendo abrigado diversas funções até ser sede da Academia
Paraense. A fachada principal é composta por dois construtos com “rusticatto;” também tem o corpo central mais à frente. O
volume mais recuado apresenta porão com dois óculos simétricos; platibanda
cheia sem o uso de frontão, duas janelas com bandeira com desenho geométrico de
linhas concêntricas em arco pleno, fechada, em madeira e vidro; são emolduradas por falsas colunas. Ambas as janelas
apresentam duas folhas também em madeira com padrão geométrico em vidro, além
de guarda corpo decorado em ferro e madeira pintados em marrom. Apresenta
cimalha frisada, mas sem dentículos.
34. Apresenta
duas colunas no corpo central, ambas da Ordem jônica, cornija e uma escadaria de
sete degraus, ladeada por muros, com altura condizente à do porão. Sua porta
dupla é apoiada em um degrau, além de ser composta por bandeira fechada em arco
pleno, em madeira com ornamentação igual às das outras esquadrias com vidraças;
almofadas em moldes geométricos, no formato de retângulos. A moldura tem
formato de falsas colunas, com arandelas de cada lado. Apresenta cimalha
frisada com dentículos.
35. Segundo
as análises de Pereira (2010), o classicismo traduz-se em um novo método de
controle que procurar retomar a simplicidade do conhecimento, ao conhecimento
clássico (geométrico e aritmético); assim, a base da nova arquitetura seria a
utilização de figuras geométricas elementares e relações matemáticas simples, o
que pode ser verificado nos prédio do Arquivo Público
do Estado do Pará e da Academia Paraense de Letras no formato dos seus
construtos e elementos decorativos. Além disso, inclui-se a reutilização das
ordens clássicas gregas e romanas, também presentes nos prédios referidos,
localizadas em seu corpo central. Disserta a respeito das regras de proporção
já antecipadas pelos pintores italianos do “quattrocento”
e presente nas duas fachadas, embora não seguindo a lei de Vignola
para as colunas (4:12:3).
36. Seguindo
a teoria de Mitchell (2008), percebe-se a clara diferença entre figura e fundo
na fachada do APEP e da Academia Paraense de Letras, exemplificada pela
sobreposição de vazios sobre os cheios. Do mesmo modo, identifica-se a lei da
similaridade nesses edifícios, a partir de figuras parecidas que também possuem
tendência a ser agrupadas (no caso, as equivalentes extremidades no segundo
plano da fachada frontal e suas respectivas esquadrias). A lei da simetria,
principal expoente do classicismo, também está presente nos prédios: no Arquivo
Público no eixo horizontal, visto que a sua altura é influenciada pelo
acentuado declive na rua e, portanto, não é simétrica; e na Academia, em seus
dois eixos – horizontal e vertical.
37. A lei
da boa continuidade foi identificada apenas na fachada da Academia Paraense,
estando expressa na mudança sutil de projeção dianteira que a estrutura central
da fachada apresenta. O mesmo não se repete na fachada
do APEP visto que a proeminência do seu corpo central é claramente perceptível.
A lei do fechamento não pode ser aplicada claramente, visto que a projeção dada
ao corpo central do prédio da Academia Paraense não foi tão acentuada, não
configurando uma percepção de um construto mais delimitado em relação ao todo,
ao contrário do que se verifica na outra edificação, quando a projeção do plano
central visivelmente faz com que se delimite ali um corpo.
38. A
análise de Summerson (1974) engloba o seguinte
significado para o termo “clássico”: seria aquele em que o edifício clássico
detém elementos decorativos provenientes do dicionário arquitetônico da
Antiguidade, aí se encaixando o frontão da atual sede do APEP e as colunas
presentes nas fachadas dos dois prédios estudados. Summerson
também disserta a respeito do “rusticatto,” um modo
de organizar as pedras não lavradas e que depois foi estilizado e aperfeiçoado
até perder seu caráter rústico e artesanal de início. Assim, o “rusticatto” também está presente nas fachadas do Arquivo
Público e da Academia Paraense.
39. Summerson ainda
considerava errônea a utilização de elementos referentes à arquitetura grega, à
sua época, que tinham tendência a ser caros e complexos, apenas servindo como
decoração ao projeto. Assim, pode-se raciocinar então que ele não recomendaria
a utilização do frontão no prédio do Arquivo, assim como as colunas presentes
nos dois prédios, mesmo que isso definisse o edifício como clássico segundo a
própria análise do autor.
40. Mencionada
na tese de Anzolch (2010), a euritmia (ou harmonia)
pode ser observada no prédio da Academia Paraense ao considerarmos sua largura
e altura. O mesmo não acontece no prédio do Arquivo Público. O “decorum,” classificação que define as ordens apropriadas
aos meios e aos fins, pode ser identificado na ordem empregada no edifício do
Arquivo e da Academia - a ordem jônica - historicamente associada a “edifícios
do saber”. É importante ressaltar que em ambos os casos a Ordem foi empregada
corretamente, visto que inicialmente a sede do Arquivo Público abrigou o Banco
Comercial do Pará e o prédio da Academia Paraense foi originalmente a Escola Normal
e Escola Prática. Não se verifica, nos prédios do Arquivo Público do Estado do
Pará e da Academia Paraense de Letras, a mencionada relação de Vignola de 4:12:3. Do mesmo modo, não se tem conhecimento
das medidas bases que Vitrúvio utiliza para analisar
a simetria dos prédios de acordo com o diâmetro das colunas empregadas.
41. Identificou-se,
mediante as análises compiladas por Faria (2013), uma simetria presente em
ambos os prédios analisados: no Arquivo Público [Figura 5],
uma simetria horizontal, em razão de ambos os lados serem equivalentes; as
dimensões das janelas também são iguais, assim como as dimensões das
portas-janelas e esquadrias do porão. Na Academia Paraense de Letras [Figura 6],
existe simetria tanto horizontal quanto vertical; da mesma forma, as dimensões
das janelas também são iguais. Há um predomínio dos cheios sobre os vazios nas
duas fachadas: 163 m² sobre 97 m², na fachada do Arquivo, e 69 m² sobre 35,2 m²
na Academia Paraense. Verificou-se que as fachadas dos dois edifícios não
formam retângulos áureos. Além disso, as alturas do entablamento e porão da
Academia são diferentes, não resultando em simetria: a primeira conta 1,3 m e a
segunda 1,9 m, assim como do Arquivo, que contam com 2,1 m e 1,7 m,
respectivamente.
Referências
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do estilo: Genealogia da noção de estilo em arquitetura. 2009. 466 f. Tese
(Doutorado em Arquitetura) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, UFRGS, Porto
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Estadual Carlos Gomes: Análise Histórica, Arquitetônica e Proposta para uma
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residencial eclética em Belém-PA (1870-1912): um estudo da gramática das
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John. El lenguaje clásico de La
arquitectura: de L. B. a Le Corbusier. Tradução:
Justo G. Beramendi. Barcelona: Gustavo Gili, 1974.
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[1] Plano de trabalho
vinculado à pesquisa “Classicismo nos hospitais da Misericórdia e da Beneficência
na 2ª metade do século XIX: trânsito entre Brasil e Portugal”. Trabalho
desenvolvido com o apoio do Programa PIBIC/ FAPESPA/ UFPA.
[2] Graduanda do curso de Arquitetura
e Urbanismo da Universidade Federal do Pará. Bolsista PIBIC/ FAPESPA (2013 –
2014). Voluntária no Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural (LAMEMO/UFPa). E-mail: jusantabrigida01@gmail.com
[3] Doutora em Antropologia.
Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/ Programa de Pós-Graduação
em Arquitetura e Urbanismo. Coordenadora do Laboratório de Memória e Patrimônio
Cultural (LAMEMO/UFPa). Vice-diretora da FAU,
Universidade Federal do Pará. E-mail: cybelle@ufpa.br
[4] Geralmente, um edifício
concernente ao repertório palladiano apresenta corpo
central avançado com colunas das ordens clássicas e frontão triangular.
[5] Giulio Romano
(1499-1546), arquiteto, decorador e pintor italiano.