Patrimônio reconstruído: a trajetória da arquitetura da Santa
Casa de Misericórdia de Manaus através da memória documental
Camyla Lorena
Torres Silva[1] e Cybelle Salvador
Miranda[2]
SILVA, Camyla Lorena Torres; MIRANDA, Cybelle Salvador.
Patrimônio reconstruído: a trajetória
da arquitetura da Santa Casa de Misericórdia
de Manaus através da memória
documental. 19&20, Rio
de Janeiro, v. XV, n. 1, jan.-jun. 2020. https://doi.org/10.52913/19e20.vXVi1.00001
* * *
Sobre história e memória
1. A
historiografia do século XX encarou a tarefa cada vez mais complexa de
abordagem do passado em meio aos novos caminhos e territórios abertos pelos
contextos do modernismo e pós-modernismo. Assim, a tarefa dos historiadores
concentrou-se não apenas na seleção e organização dos fatos, mas em evidenciar
as mentalidades, ou seja, os pensamentos que caracterizam os longos períodos de tempo.
2. Walter
Benjamim foi um dos pensadores que buscou romper com o paradigma da análise
histórica até então vigente, que assegurava a trajetória da história como uma
sucessão de fatos interligados, interpretados de forma neutra e organizada sob
ponto de vista dos sujeitos dominantes e dos ideais de progresso. A visão
dialética benjaminiana encara a historiografia emanada das questões sociais e políticas,
na qual a história cultural é produto das lutas sociais de classe. Sua crítica
ao historicismo deve-se ao movimento em torno dos discursos dominantes, cujos
personagens “participam de um cortejo triunfal, em que os dominadores de hoje
espezinham os corpos dos que estão prostrados no chão.”[3]
3. A
crítica de Benjamin dialoga com as ideias do filósofo Friedrich Nietzsche, de
que o povo necessita de um certo conhecimento do passado. Contudo, essa atitude
transformou as ciências históricas do século XIX em uma necessidade de ação
interminável, extrapolando as margens da história. A partir desse fenômeno,
criou-se um crivo para a separação do que fosse essencialmente significativo e
relevante, em detrimento ao aleatório e desimportante. Nesse contexto de
seleção do passado surge a relação entre história e memória, determinada pela
reciprocidade das limitações que uma mantém sobre a outra, e que se fez de
forma mais enfática quando do surgimento da historiografia crítica, como um ato
de emancipação do método histórico positivista, na qual o direito da memória se
fez prevalecer sobre a outrora poderosa história oficial.[4]
4. Para
Pierre Nora,[5] a
oposição de memória e história reside no caráter principal das duas. Assim, a
primeira é viva e em constante evolução, sempre aberta à dialética da lembrança
e do esquecimento, enquanto a segunda é uma reconstrução quase sempre
problemática e voltada para o passado. Enquanto a memória organiza e fundamenta
as origens e as questões relacionadas à herança, a história separa e seleciona
os fatos do passado e cria identidades de caráter universal, em contraponto às
identidades específicas que advém de determinadas memórias.
5. Maurice
Halbwachs trilhou um caminho sociológico para a
distinção de memória e história e seu interesse na primeira foi estudá-la como
um elemento de coesão em determinado grupo e agregador de lembranças em comum.
Enquanto a memória emerge do grupo que ela une ou é individualizada, a história
é universal e sem pertencimento. Para o autor, a história “só começa no ponto
em que termina a tradição, momento em que se apaga ou se decompõe a memória
social. Enquanto subsiste uma lembrança, é inútil fixá-la por escrito ou pura e
simplesmente fixá-la.”[6]
6. Em
comum, esses autores evidenciam o direito da memória em face da história neutra
e objetiva, tratando-a como absoluta e enraizada no espaço, nas imagens e
objetos.
Sobre a memória e seus locais de sobrevivência
7. Enquanto
os processos de recordação ocorrem espontaneamente nos indivíduos e seguem
regras gerais dos mecanismos psíquicos, no nível coletivo e institucional esses
processos são guiados por uma política específica de recordação e esquecimento.
8. Para
garantir sua permanência, a memória viva deve ser traduzida em memória
cultural, implicando em seu suporte em mídias e na sua proteção através dos
monumentos, memoriais, museus e arquivos. A transformação da memória viva e
individual para memória coletiva e artificial é um processo problemático e pode
sofrer ações de deformação, redução e institucionalização da recordação, que só
pode ser amenizado e tratado com um trabalho de crítica e reflexão.[7]
9. Considerando
que as mídias externas se atualizam tecnologicamente, a construção da memória
também se modifica. Com a evolução da internet e o aumento considerável da
capacidade de armazenamento dos dispositivos, os arquivos, que antes residiam
fisicamente em bibliotecas e instituições, estão agora cada vez mais
disponibilizados de forma virtual e gratuita aos usuários.
10. As
mídias permitem acessos diferenciados à memória, como, por exemplo, as
diferentes experiências que imagens e textos carregam. Já os locais incluem
localizações que guardam os acontecimentos relevantes e reativam as
recordações.
A imagem como locus
da memória
11. A
deferência da história à escrita tornou esta última o meio principal da
memória, a partir da atribuição de critérios de legibilidade e transparência.
Todavia, este posicionamento alterou-se radicalmente com a utilização das
imagens como fontes históricas. A escolha pelas fontes imagéticas não se
associou ao critério de transparência atribuído à escrita, mas sim por ela ser
um símbolo de ambivalência irredutível. A claridade dos textos contrasta com a
opacidade e mutabilidade das imagens.[8]
12. A
historiografia deparou-se com a limitação das fontes materiais textuais,
produzidas no âmbito da história oficial das instituições e de seus arquivos.
Consequentemente, os historiadores utilizaram a imagem como evidência
histórica, desenvolvendo um trabalho de crítica às fontes, assim como já
realizavam com os textos. O uso das imagens proporcionou não só o acesso ao
passado, como uma “testemunha ocular,” mas também semeou o campo da discussão
do impacto que as experiências e o conhecimento obtido através da análise
visual podem ter no presente.
13. No caso
do estudo da arquitetura e da cidade, ao se analisar as imagens de paisagens
urbanas ou edifícios é possível apreender, através dos detalhes, os aspectos da
cultura material passada que os textos poucas vezes abordam ou mesmo não
conseguem descrever de forma fiel.[9]
14. Com a
evolução das pinturas para as fotografias e filmagens, a dialética visual
obteve maior credibilidade e transparência, com o poder de resgatar os
vestígios imagéticos do passado. A fotografia como meio de recordação supera
todos os outros meios, pois a mesma é, em boa medida,
a emanação do referente, uma comprovação indexadora de um passado.[10]
15. As
fotografias e retratos podem tornar evidentes as questões de poder e status
social de épocas e atuam na seleção do que é digno de ser marcado na memória ou
desaparecer da história, como por exemplo, moradias populares e o cotidiano das
camadas populacionais menos desejáveis, como os doentes e loucos. Estas
imagens, muito utilizadas na divulgação das grandes metrópoles e de novos
cenários citadinos, projetam os valores da mentalidade dominante e o espírito
que, por períodos de tempo, moldaram os costumes e as
opiniões do local.
16. A
análise detalhada de uma imagem para fins de interpretação foi chamada, pelos
historiadores da arte do século XX, de iconografia, podendo ser aplicada tanto
a pinturas como a fotografias. A chamada Escola de Warburg obteve destaque
entre os grupos de iconografistas, que tinha, entre
seus membros, o historiador Erwin Panofsky.
17. Para
Peter Burke,[11] os
estudos de Panofsky continham um enfoque de
interpretação da imagem similar à tradição alemã para a interpretação de
textos, distinguindo a análise em 3 níveis: o da descrição iconográfica, que é
o significado natural dos elementos (pessoas, animais, eventos); o segundo
nível, que é referente à análise iconográfica, reconhecendo os significados
convencionais dos elementos; e o terceiro nível, a interpretação iconológica,
que se voltava para os significados intrínsecos da imagem e que refletiam as
atitudes de uma nação, crença, política e cultura.
18. O
campo da iconografia atraiu novos estudiosos e aprimorou-se a partir dos
enfoques de Panofsky. Neste trabalho especificamente,
iremos utilizar o método estruturalista de análise de imagens, que considera
não só a imagem focal retratada, mas também o que não foi escolhido e os pontos
cegos das imagens, equivalentes aos silêncios dos discursos orais.[12]
A memória implicada nos jornais e periódicos
19. Os
acervos de jornais e periódicos ainda figuram timidamente como fontes nas
pesquisas históricas sobre a cidade. Contudo, propõem o desafio de pensar a
imprensa como “prática social constituída e instituinte dos modos de viver e
pensar a cidade.”[13] O uso
da imprensa nos estudos sociais e históricos busca captar as práticas culturais
e o exercício das mentalidades de diferentes épocas, para se extrair dela
somente as informações publicadas, mas também compreender as motivações que
estão por detrás de suas produções.
20. A
disponibilização de publicações jornalísticas e comunicações governamentais
pela Hemeroteca Digital Brasileira da Bibliotheca
Nacional/RJ, por exemplo, permitiu acesso a uma renovada fonte de informações e
uma diversidade de materiais que jaziam em arquivos mortos, mas que, no
passado, servira como veículo de informações para os mais diversos segmentos da
sociedade.
21. A
imprensa cede espaço para a manifestação das dinâmicas de significações e dos
papéis sociais, mostrando-se como uma faceta importante da vida e das
construções na/da cidade. A cultura letrada da imprensa abre caminhos no
terreno da História Social através da densa riqueza de documentos e testemunhos
que permitem o estudo em perspectivas particulares.
22. Para
esta análise, buscou-se compreender os materiais da imprensa como um
instrumento do fazer histórico e que, ao se articular com a iconografia, abre
espaço para um campo de investigação sobre a Santa Casa de Misericórdia de
Manaus/AM e de sua arquitetura, no momento em que a memória institucional encontra-se afetada pela perda de arquivos e documentos. A
articulação entre a cultura da escrita e os espaços ocorre a partir do
entendimento de como a imprensa projetava e impunha a cidade e suas
transformações, no período do final do período provincial do Amazonas,
perpassando a belle époque manauara até a República, período aqui
compreendido entre a década de 1870 até o início da década de 1940.
23. Ao se
utilizar tais fontes de acesso ao passado, faz-se importante ressaltar que, nos
trabalhos sob este enfoque, “está a preocupação comum em pensar as experiências
culturais desse período, onde o signo da transição, instabilidade,
experimentação e novidade indicam uma situação cultural efervescente em função
de suas marcas próprias.”[14] Tal
preocupação demonstra como as relações de poder, refletidas na cultura e na
produção dos espaços, articulavam o jogo de forças e as motivações ideológicas
tanto da sociedade brasileira imperial, quanto do período provincial e
republicano no Amazonas.
24. Segundo
Maria Luiza Ugarte Pinheiro,[15] a
imprensa no Amazonas surgiu juntamente com a elevação do Amazonas à categoria
de província e assim, de forma tardia em comparação ao restante do Brasil,
esteve por muito tempo vinculada aos governos locais. O desenvolvimento do
periodismo se deu no início do século XX e tinha como característica principal
a efemeridade, já que os altos custos de produção, a distância geográfica em
relação ao centro administrativo do país e a escassez de profissionais
inviabilizavam a permanência prolongada das tipografias no Estado.
A Santa Casa de Misericórdia e sua história nos
periódicos e na iconografia
25. É
possível que o acervo documental da Santa Casa estivesse, outrora, minimamente
organizado, já que há citações de relatórios de portaria, registros de pacientes
e relatórios administrativos
em
trabalhos acadêmicos de anos anteriores.[16]
Atualmente, não há informações na página eletrônica da instituição sobre os
documentos e demais materiais relativos à história e funcionamento do hospital.
26. Segundo
a crônica publicada no blog amazonense “Táqui
Pra Ti” em 6
de março de 2005,[17] o Prof. Dr. José Ribamar Bessa Freire informa que certo
pesquisador, em visita ao acervo da Santa Casa de Misericórdia de Manaus, constatou
que não existia dentre os materiais nenhum documento produzido no século XIX,
já que em seu entendimento, a instituição teria sido fundada em 1880. Os
documentos estavam armazenados de forma precária em uma sala do hospital [Figura 1], e
continham informações da instituição a partir de 1950: controles de estoque da
farmácia; folhas de pagamentos e livros de caixa; ocorrências dos pacientes;
relatórios de cirurgias; fotografias de instalações; reformas e eventos no
prédio. Bessa Freire recomenda ao pesquisador a busca de informações em outras
fontes históricas como os jornais de época e cita trabalhos de referência neste
campo, como as publicações da citada Prof.ª Dr.ª Maria Luiza Ugarte Pinheiro, Coordenadora do Laboratório de História da
Imprensa no Amazonas, da Universidade Federal do Amazonas.
27. Não há
informações oficiais sobre o paradeiro do acervo da instituição, já que seu
prédio foi saqueado e todos os pertences que permaneceram após o seu fechamento
não se encontram mais no local. Atualmente, é possível consultar documentos
dispersos em algumas instituições, como a Biblioteca Ramayana
de Chevalier, do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), a
Associação Comercial do Amazonas (ACA) e a Biblioteca Virtual do Amazonas,
sendo que somente esta última possui seu acervo digitalizado.
28. Para
alcançar um enfoque mais específico no campo da arquitetura da Santa Casa,
buscou-se fontes de pesquisa nos acervos da imprensa e na iconografia de época,
nos quais tanto a Província do Amazonas quanto a cidade de Manaus são
retratados em seus aspectos urbanos, políticos, econômicos e sociais. A
pesquisa concentrou-se exclusivamente no acervo da Hemeroteca Digital
Brasileira, que disponibiliza um acervo digitalizado cuja socialização auxilia
nos estudos históricos na medida em que novos acervos e obras raras são incluídas
para acesso, diminuindo assim, o abismo da falta de informações documental na
região amazônica e proporcionando uma apropriação crescente de seu conteúdo por
parte dos pesquisadores. Também foram utilizadas as fontes da Biblioteca
Virtual do Estado, principalmente os álbuns municipais, códigos de posturas e
relatórios administrativos.
29. Na
Hemeroteca Digital, a busca por informações iniciou-se pelo local “Amazonas,”
incluindo todos os períodos disponíveis, utilizando as palavras-chave “Hospital
da Caridade” e “Santa Casa de Misericórdia.” Importante destacar que o senso
comum sobre a Santa Casa de Misericórdia de Manaus estabeleceu seu surgimento
em 1880, a partir da Lei Provincial nº 451 e poucos materiais já publicados
informam a criação de um hospital da caridade, ainda no período provincial do
Amazonas. O resultado perfez um total de 413 ocorrências em 171 periódicos,
entre o período de 1862 a 1990 para “Hospital da Caridade” e 7.044 ocorrências
em 171 periódicos, de 1852 a 2007 para “Santa Casa de Misericórdia”.
30. Em 25
de janeiro de 1873, foi recebida pelo governo da Província do Amazonas a
quantia de 1.470$000 réis, doada pelo comerciante e tenente-coronel José Coelho
de Miranda Leão, para promover a construção do Hospital da Caridade em Manaus,
capital da província. A autorização para o início das obras partiu do
Ministério da Agricultura em 26 de outubro do mesmo ano, nos terrenos
“delimitados pela rua do Progresso, rua de José Clemente, continuação da
travessa da nova matriz e a primeira travessa que fica ao ocidente do largo de
S. Sebastião”[18] [Figura 2]. A
informação sobre a localização do terreno do antigo Hospital da Caridade
revela, portanto, que a Santa Casa de Misericórdia de Manaus está implantada no
mesmo local há 146 anos. Assim, a subsuperfície de sua área e demais estruturas
em pé são testemunhos históricos da evolução de sua construção e podem
preencher lacunas a respeito de sua arquitetura.
31. Na
época de sua construção, apenas o Hospital Militar de São Vicente [Figura 3] prestava
socorro aos acometidos pelas endemias e pestilências; contudo, seu atendimento
era restrito apenas a militares e civis do sexo masculino. Criada no ano de
1855, a enfermaria localizada na ilha de São Vicente foi, provavelmente, a
primeira instituição médica da cidade de Manaus.
32. Até o
ano de 1853, Manaus era constituída por edificações de apenas um pavimento,
construídas em pau a pique, cobertas de palha, destacando-se apenas a Igreja da
Matriz, a Prefeitura Municipal, o prédio do Antigo Tesouro Público e o Colégio
Amazonense D. Pedro II. A ausência de relatos e imagens desta época revelam a
indiferença por essas construções, já que não apresentavam características
monumentais dos edifícios de outras províncias.[19]
33. A
proposta de contratação do serviço para a construção do Hospital da Caridade
foi aceita em 25 de outubro de 1875, para a “construção de uma parte do
pavimento térreo do hospital da caridade desta capital.”[20] A
obra perpassou os anos de 1876 e 1877 e possivelmente o atraso decorreu da
escassez de mão de obra, dos altos custos de navegação e da burocracia da administração
imperial, que se encontrava centralizada, enquanto Manaus padecia por causa do
isolamento geográfico no extremo Norte do país, segundo Otoni Mesquita.[21]
34. Nos
jornais não é informado sobre a autoria do projeto do hospital, constando
apenas existência de projetos de detalhamentos como o desenho da cantaria com
ombreiras, soleira e da volta de pedra de lióz, que
podiam ser vistos na sede da Repartição de Obras Públicas.[22] A
dificuldade para os estudos da arquitetura de Manaus no período provincial está
na ausência dos projetos e dados desta repartição. Pode-se aferir a hipótese de
uma falha na organização dos setores da administração pública ou o desprezo dos
governantes pela autoria dos projetos, orçamentos e forma como esses projetos
eram executados.
35. Parte
do hospital foi entregue pelo construtor Gregório José de Moraes em 11 de março
de 1878 e são descritos como executados alguns serviços que não constavam na
contratação inicial, como “construcção de uma parede
de alvenaria dividindo em duas a enfermaria do corpo meridional; na abertura de
uma porta exterior e collocação de soleira, ombreira
e volta.”[23] No
corpo setentrional, edificou-se uma cozinha, para tão logo se iniciar os
atendimentos aos doentes.
36. No expediente
da Assembleia Legislativa do Amazonas, de 26 de agosto de 1878, o presidente da
Província do Amazonas, Barão de Maracajú, autorizou a
utilização de parte do prédio do hospital para o aquartelamento da Guarda
Policial, sob a justificativa de economia do erário. O quartel da polícia de
fato se alojou no prédio do hospital, já que há um anúncio no Jornal
Commercio do Amazonas, no qual consta que a padaria “Estrella do Amazonas”,
da firma Nazareth & Cia, situava-se em frente ao quartel da polícia (Hospital
da Caridade).[24]
37. Pode-se
especular que tanto a execução de obras com acréscimos e alterações quanto a
cessão de parte do prédio para outra função demonstram como a saúde e
assistência não eram a prioridade da província. A pasta recebia o menor
orçamento em relação às outras rubricas e, mesmo assim, deveria assegurar o
atendimento da saúde tanto na capital quanto no interior.[25]
38. Até
1879, o Hospital da Caridade ainda se encontrava em obras e, no mesmo ano,
constituiu-se uma comissão para “organizar o compromisso da irmandade da Casa
de Misericórdia, que deverá crear-se nesta capital.”[26] A
comissão era composta por grupos de pessoas que deveriam estudar os efeitos
legais e financeiros da criação da instituição, angariar donativos e organizar
a irmandade da Misericórdia.
39. Segundo
o jornal Amazonas, em 31 de janeiro de 1880 o Tesouro Público Provincial
do Amazonas publicou a contratação de obras para a construção de quatro salas e
um corredor no corpo posterior do Hospital da Caridade. No mês seguinte, foram
comprados camas, colchões e travesseiros para a inauguração do hospital, sob a
responsabilidade de guarda de Manoel Brígido dos
Santos Sobrinho.[27]
40. Em 4
de abril de 1880, a Santa Casa de Misericórdia de Manaus foi criada através da Lei Provincial nº 451,
assinada pelo Presidente José Clarindo de Queiroz. A administração do hospital
ficou à cargo das Irmãs de Sant’Anna e coube ao presidente não só a entrega do
edifício, mas também a destinação de todas as quantias que fossem voltadas à
sua manutenção, assim como decidiu-se que os rendimentos do Cemitério Público
da capital passariam a ser administrados pela irmandade.
41. A
partir de maio do mesmo ano, o hospital já inicia os trabalhos de recolhimento
de indigentes e de presos enfermos, já que a penitenciária não dispunha de
local de tratamento. Neste momento, constam registros de surtos de varíola e
cólera na cidade, contudo, os mesmos não desencadearam
taxas significativas de mortalidade na população.
42. Em
sessão extraordinária da Assembleia Legislativa Provincial de 1 de outubro de
1880, o Presidente da Província e médico Satyro de
Oliveira Dias informou sobre o andamento das obras públicas e demonstrou
preocupação sobre a insuficiência dos espaços do Hospital da Caridade, devendo
ser implementadas obras para a construção de “acommodações
especiaes para os presos e para os alienados.”[28]
43. No ano
seguinte, a Diretoria de Obras Públicas autorizou o recebimento definitivo das
obras do Hospital da Caridade, construída por Leonardo Antônio Malcher e José Cardoso Ramalho. Nossa hipótese é de que
estas obras se referem à primeira construção, iniciada em 1873.
44. No
final do século XIX, a cidade de Manaus já passava por mudanças significativas
em seu espaço urbano e despertava o interesse internacional por conta do
aumento na atividade de extração da borracha. A cidade deixava para trás um passado
decadente e estagnado do final do período colonial, modernizando sua
infraestrutura urbana, instituindo códigos de posturas, e edificando seus
prédios institucionais e residências com uma arquitetura à altura da nova
capital.
45. As
obras públicas do período provincial já indicavam traços arquitetônicos com
elementos do ecletismo. A adoção do ecletismo, já então amplamente difundido no
Ocidente, pode ser interpretada como uma tentativa de se integrar ao mundo
moderno, adequando-se ao padrão vigente. Mesmo que de forma tímida, Manaus já
vinha definindo-se como uma cidade “civilizada,” acentuando sua faceta eclética
a partir do século XX, com o financiamento de obras com os lucros da exportação
da borracha[29].
46. O
inchaço populacional ocasionado pela migração e o fato de que as reformas
urbanas e epidemias trazidas pelos vapores que atracavam no porto da cidade
agravaram os problemas de saúde em Manaus, tornaram os espaços do hospital
insuficientes para o atendimento da população. Reclama-se orçamento para novas
obras a fim de atender, além da população doente, os indigentes, elefantíacos, loucos e presos, que eram recolhidos a partir
da implementação do Código de Posturas de 1890. A Santa Casa de Misericórdia
crescia à medida que suas funções aumentavam para o tratamento dos alienados,
dos imigrantes acometidos pelas doenças tropicais como febre amarela, órfãos,
tuberculosos e desvalidos. Contudo, seu prédio não acompanhou a premissa de
modernidade e progresso que justificou as transformações da cidade,
permanecendo uma edificação térrea, sem a indicação de uma organização espacial
condizente com o modelo hospitalar mais comum da época, o pavilhonar.
A tipologia adotada seguia certos padrões do programa higienista, como a
construção em bloco único e térrea, pátio central, compartimentos que se abrem
para corredores e a sequência de vãos das janelas das fachadas. Esta
configuração permitia a renovação do ar e iluminação das enfermarias em
atendimento às exigências higienistas.[30]
47. O
projeto de transformação de Manaus se intensificou entre os anos de 1892 a 1900, sob o comando do governador Eduardo Ribeiro,
alterando radicalmente as feições da cidade e os modos de vida da sociedade.
Segundo Mesquita,[31]
dentre as principais mudanças, destacam-se o aterramento de igarapés que antes
cortavam a cidade, alteração do traçado urbano da área central, demolição e/ou
remodelação dos edifícios herdados do período provincial, nivelamento de
colinas e pavimentação de ruas e calçadas.
48. Os
melhoramentos transformaram a cidade em uma vitrine, que refletia a vida
cosmopolita das grandes capitais europeias e atraíam cada vez mais estrangeiros
e capital para investimento. Contudo, o projeto de embelezamento também é
encarado nos estudos revisionistas deste período como uma maquiagem da
realidade local que não proporcionou qualidade de vida para toda a população,
excluindo as camadas mais pobres e acentuando a miséria e desigualdade social.
49. Na
carta cadastral da cidade e arrabaldes de Manaus de 1895, já é possível
observar que o prédio do hospital ocupa quase todo o quarteirão, possui um
pátio interno e necrotério [Figura 4]. O Palácio da Justiça é representado na
planta possivelmente em construção, já que só viria ser inaugurado em 1898, e
será um marco referencial importante para se verificar a imagem da Santa Casa
em segundo plano [Figura
5].
50. A
historiografia de Manaus cristalizou-se em torno do discurso do moderno e do
belo, perpetuando-se principalmente em fotografias, postais e álbuns
governamentais que circulavam pelo Brasil e exterior, e representavam o
exibicionismo da riqueza da borracha e evidências apenas de um aspecto da
imagem da cidade. Assim, tanto Burke (2004) quanto Assmann
(2011) defendem que a imagem é o meio que mais desperta afeto nos indivíduos e
que sob o enfoque na modernidade, muitos estudos se concentram, primeiramente,
no efeito que as imagens geram na sociedade, e posteriormente, na influência da
sociedade na produção de imagens.
51. A
imagem de Manaus foi difundida nas principais exposições internacionais da
época, dentre elas a de 1893 em Chicago, com a apresentação do álbum The
City of Manaós and the Country of Rubber Trees. Sobre este material, Bruno Braga escreve:
52.
No seu interior, vemos de tudo um pouco, desde elementos
nativos como variedades da fauna e flora, os prédios de Manáos
que começavam a surgir neste período, e os índios, sim o índio aparece neste
álbum, porém de uma forma longínqua, afastada, o que fica em evidência é a
belle époque, a reurbanização da cidade, as pompas que a economia gomífera proporcionou. Entre a cidade mostrada e a cidade
real, neste álbum temos uma distância expressiva, pois, essas fotografias de
paisagens, com a participação em exposições universais, desperta uma sensação
de “não estar no todo,” de “iluminar uma parte escurecendo as demais.” Sim, não
é toda a Manáos que aparece neste álbum, até porque,
quem não se enquadrava nas normas, no discurso do belo e organizado, não iria
ser bem visto em uma exposição progressista, que
precisa atrair investidores na cidade.[32]
53. Dos
dois hospitais existentes, a Santa Casa e a Beneficente Portuguesa [Figura 6], apenas o
segundo era incluído nos álbuns propagandísticos, como digno de representar a
modernidade e progresso no âmbito da saúde. A ausência de imagens e projetos
arquitetônicos da Santa Casa pode ser encarada como um silêncio ao signo da antimodernidade que as doenças e a miséria representavam
naquele momento.
54. No
período Republicano, o Governador do Amazonas, Coronel José Cardoso Ramalho
Júnior, em mensagem de 10 de julho de 1900, informa a necessidade de um
edifício apropriado para a Santa Casa de Misericórdia, não sendo procedente a
realização de reformas já que o local era insuficiente e sem qualidades
apropriadas para uma casa de saúde. Segundo o Governador:
55.
[...]
a influência indirecta de um bom hospital é de um
alcance incalculável para a immigração: o extrangeiro que se arreceia de vir para o Amazonas, temendo
ver-se aqui desamparado de socorros caso as molestias
do clima o ataquem, sabendo que, os socorros são infallíveis
na zona para onde teme se transportar, verá eliminado o seu receio e sem
hesitar virá trazer-nos espontaneamente o concurso do seu trabalho.[33]
56. No ano
anterior, Ramalho Júnior já havia solicitado providências da Diretoria de Obras
Públicas e assim, foi lançada a concorrência para a construção do novo hospital
da Santa Casa. A empresa Antônio Januzzi, Irmão &
Com. arrematou as obras e propôs uma séria de alterações no projeto cedido pelo
Governo do Amazonas [Figuras
7a e 7b]. As exigências da então moderna higiene hospitalar prescreviam
mecanismos de ventilação e renovação do ar, em consonância com a teoria dos
fluidos então em voga, que consideravam que o ar e água poderiam ser portadores
de emanações pútridas e fétidas, os miasmas. Sobre as definições de projeto, Januzzi propõe:
57.
Com effeito, a engenharia
sanitária condemna absolutamente os hospitaes de proporções gigantescas, aconselhando, ao
contrário, a construcção de pavilhões isolados,
independentes, como meio de conseguir-se conscienciosa separação dos doentes de
molestias puramente organicas,
dos affectados de molestias
de origem infecciosa.[34]
58. O
contrato com a empresa de Januzzi foi rompido em 1900
e o projeto reduzido à uma proposta de edifício mais modesto, de menores
dimensões e construído em diversas etapas. As obras que já estavam ocorrendo
foram paralisadas e entregues ao Estado, com a justificativa de que fora
“verificada quasi que inexequibilidade da construção
do projeto primitivo, motivada pela demasiada grandeza do edifício muito
superior ás necessidades actuaes
desta capital.”[35]
59. Nos
próximos anos, os relatórios de atividades da Santa Casa registram apenas a
execução de serviços de manutenção como caiação, troca do assoalho do
refeitório das irmãs, troca dos vidros e venezianas da enfermaria feminina
(1900); construção da capela no local do antigo necrotério (1903); reparos nos
dormitórios das irmãs e no telhado, pinturas interna e externa, colocação de
grades nos corredores da enfermaria (1908).
60. O
hospital novamente apresentava necessidade de mais espaços para atender ao recolhimento
cada vez maior de indigentes, devido às imposições mais rígidas dos códigos de
postura de 1901, 1910 e 1920. O hospital assumiu a demanda de tratamento dos
doentes da extinta enfermaria militar; dos mortos, por ser o único necrotério
da cidade; e dos presos da cadeia pública. De acordo com Silva (2012) os surtos
de disenteria, paludismo, beribéri, tuberculose e gripe espanhola demandaram a
construção de novas enfermarias e salas de isolamento.
61. Ao
entrar no século XX, aumentam as ocorrências para o termo “Santa Casa de
Misericórdia” na Hemeroteca Digital Brasileira. Contudo, são poucas as
informações sobre obras e aquisições de materiais. Grande parte das notícias
são notificações de recolhimento de pessoas, internamento, falecimento e
assuntos administrativos.
62. Durante
a passagem de sua expedição à Manaus em 1916, o médico americano A. Hamilton
Rice descreveu o que viu na Santa Casa de Misericórdia, informando que “o
hospital está em uma estrutura velha, totalmente inadequada e suja,
contrariando as informações recebidas de que seria um espaço amplo e
recém-construído.”[36] Rice
observou que em uma época de alta incidência de febre amarela na região, o
governo local despendia recursos na construção de um vistoso teatro, ao invés
de implementar melhorias das condições da população doente.
63. A
fotografia do relatório de Rice registrada a partir do pátio interno do
hospital [Figura 8]
mostra uma edificação térrea, com uma sequência de aberturas em arco pleno,
telhado com revestimento cerâmico em 4 águas e uma edícula com aberturas em
arco ogival, lambrequins no telhado e jardim sem tratamento paisagístico. A
identificação do prédio e do ângulo da foto foi possível a partir da observação
da platibanda do Palácio da Justiça,mostrada
ao fundo.
64. O
estrangeiro, como uma testemunha ocular, cede uma perspectiva impressionada ou
crítica da situação, que muitas vezes governantes buscavam esconder ou tratavam
com naturalidade; assim, mostra-se como fonte para a contraposição dos
discursos oficiais. A partir do relato de Rice pode-se concluir que a Santa
Casa de Misericórdia, naquele momento, ainda era encarada como uma instituição
secundária, já que seu prédio possuía aparência simples e sem nenhum tratamento
estético, apesar de seu papel nas políticas públicas de saúde e higiene no
Amazonas.
65. As
melhorias mais significativas na Santa Casa e registradas com imagens [Figura 9, Figura 10, Figura 11 e Figura 12] foram executadas
na gestão dos provedores Coronel Leopoldo de Moares e Mattos e do arquiteto
Aluysio de Araújo. No relatório da Santa Casa de Misericórdia referente ao
exercício de 1922, é informada a construção de novos pavilhões de primeira e
segunda classe com dois pavimentos, inserção de elevadores, quartos para
pensionistas com acabamentos de luxo e jardins com tratamento paisagístico.
66. Em seu
relatório de gestão, Aluysio de Araújo descreve as reformas na Santa Casa:
67. Crearam-se
varias
enfermarias novas, inclusive a de clinica ophtalmologica, de creanças e dos
militares, a secção de maternidade e salas para tratamento electros e raios x,
para não citar numerosos gabinetes de clinica, laboratorios, pavilhões com luxosos
apartamentos para pensionistas de primeira e segunda classe.
68.
[...]
No andar, por cima do vestibulo, ainda em consequencia dessa alteração, ficou o salão nobre, bem ao
centro do edfificio. Deste modo, foi o logar primeiramente reservado ao alludido
salão subdividido em varias enfermarias, o mesmo se
fazendo quanto ao antigo dormitório das irmãs, cujos aposentos de transferiram para logar mais
adequado [...].
69.
[...]
A fachada do prédio, revestida de cimento em fórma
de pedras artificiaes, o que, acima de tudo, demorará
os estragos do tempo, tomou linhas modernas e de grave estylo.[37]
70. Após
reformas sofridas nos anos 1930, a fachada principal do prédio pouco
alterou-se. Contudo, internamente as modificações e acréscimos foram continuados, adequando os espaços para as normas de saúde
vigentes e atualizações da tecnologia médica. Em 2004, a Santa Casa de
Misericórdia de Manaus encerrou suas atividades em meio a uma grave crise
administrativa e imersa em dívidas trabalhistas, permanecendo fechada até
meados de 2015, quando iniciou-se um profundo processo de degradação de seu
prédio causado por invasões e depredações [Figura 13]. Todo o
madeiramento do telhado, telhas, vidros, cabeamento elétrico, móveis, materiais
de expediente e esquadrias foram roubados e vendidos no mercado ilegal.
Mediante a vulnerabilidade de seu prédio, usuários de drogas e indivíduos em
situação de rua passaram a residir no local. As notícias desta ocupação
indevida denunciam o abandono da instituição e mostram a delicada realidade do
local.[38].
71. O
Decreto nº 7176/2004 do município de Manaus classifica a Santa Casa de
Misericórdia como Unidade de Interesse de Preservação de 1º Grau, devendo estas
conservarem as características originais de suas fachadas, volumetria e taxa de
ocupação do terreno. No âmbito federal, o Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN), publicou a notificação do tombamento do centro
histórico de Manaus no Diário Oficial da União nº 222, seção 03, em 22 de
novembro de 2010, incluindo a Santa Casa na área tombada.
72. Mesmo
supostamente protegida pelo seu reconhecimento como patrimônio cultural
brasileiro e manauara, a Santa Casa de Misericórdia padeceu do mal que sempre a
acompanhou desde a sua criação: o esquecimento e a negligência. Sua história
representa o que José Reginaldo dos Santos Gonçalves (1996) expõe nos discursos
preservacionistas atuais, nos quais a imagem da perda é o fato histórico
exterior ao discurso da preservação, embora representada por ele em maior ou
menor ênfase como seu principal elemento articulador.
Considerações finais
73. A investigação
sobre a história da arquitetura da Santa Casa de Misericórdia de Manaus e seu
registro na memória documental não se restringe apenas a um retorno às origens
ou à geração de esquemas comparativos com outras arquiteturas de sua época, mas
ocupa-se também em evidenciar a contribuição de seu atributo material como um
documento histórico do passado, capaz de resgatar elementos do contexto de sua
criação e trazer subsídios para sua preservação no presente.
74. Tanto
a internet como as tecnologias de digitalização de documentos impressos
ampliaram o campo dos estudos da História e permitiram a democratização das
informações antes restritas a bibliotecas e arquivos. Superar as estruturas de
poder, às quais o arquivo se deixa dominar pelo controle de seu conteúdo e a
seleção do apagamento, faz com que as fontes históricas passem a circular nos
mais diversos campos dos estudos historiográficos, permitindo o revisionismo de
narrativas antes estabelecidas como o único discurso legítimo.
75. A
revisão da produção historiográfica do Amazonas é recente e buscou descortinar
a abordagem tradicional da belle époque manauara, expondo neste caso as
formas políticas e sociais da concepção e organização do espaço urbano, os
mecanismos de controle, exclusão e isolamento, que recaíam sobre a camada menos
favorecida da população.
76. No
caso da Santa Casa de Misericórdia de Manaus, ao nos depararmos com a escassez de
fontes históricas sobre a instituição e com a perda de seu acervo documental,
coube-nos a tarefa de buscar outros meios de armazenamento da memória no campo
imagético e no periodismo. Perscrutar a memória
jornalística e as imagens do passado possibilitou superar o discurso comum que
se tem acerca do hospital, como sua criação anterior à 1880 e compreender as
reformas executadas até seu aspecto atual.
77. O que
se busca com este estudo é lançar a hipótese de que nem a importante função d
Santa Casa como o mais antigo socorro público e sua participação no projeto de
embelezamento e limpeza social da cidade foram relevantes o suficiente para
inseri-la no rol das obras arquitetônicas representativas do período histórico
da borracha. As estruturas de poder dos séculos XIX e XX produziram um
simulacro da realidade local, ocultando as dimensões cotidianas da doença,
miséria e caos social e assim, a modernidade determinou o esquecimento da
história da Santa Casa.
78. Para
Nora, a memória apropriada como história possui característica arquivística e é
tomada pelo que de há mais material e concreto no registro da escrita e da
imagem. O interesse pelo arquivo marca o mundo contemporâneo e a preocupação
com a preservação do passado dá ao mais simples testemunho uma dignidade virtual.
As fontes periódicas e imagéticas se apresentam como o domínio da memória,
distante pelo esquecimento, tornando-se o local de sua permanência.
79. Os
lugares associam-se a ideia da perda do patrimônio cultural e dos valores
identitários atrelados a ele. O estado atual de abandono e degradação da Santa
Casa de Misericórdia de Manaus materializa a predestinação da instituição ao
esquecimento a que sempre esteve submetida e assim, o presente se apaga e se
distancia de um passado que ainda está por ser resgatado.
Referências bibliográficas
ASSMANN, Aleida. Espaços
da recordação: formas e transformações da memória cultural. Campinas, SP:
Editora da Unicamp, 2011.
BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito da história.
In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: Ensaios sobre
literatura e história da cultura. São Paulo, SP: Editora Brasiliense, 1985.
BRAGA, Bruno Miranda. A cidade e suas
representações: Manaus no século XIX (1850-1883). CLIO: Revista de Pesquisa
Histórica, Recife, PE, v. 34, n.1, mai. 2016. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaclio/article/view/25026/20273 Acesso em: 06 nov. 2019, às 20:35h.
BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e
imagem. Bauru, SP: EDUSC, 2004.
COUNCILMAN, W. T;
LAMBERT, R. A. The medical report of the Rice expedition to Brazil. Cambridge:
Harvard University Press, 1918.
COSTA, Cybele Morais da. Socorros públicos: as
bases da Saúde Pública na Província do Amazonas. Dissertação: Mestrado em
História, Universidade Federal do Amazonas (Dr. Hideraldo
Lima da Costa), Manaus/AM, 2008.
CRUZ, Heloisa de Faria. São Paulo em papel e
tinta: Periodismo e vida urbana 1890-1915. São Paulo, SP: Arquivo Público
de São Paulo, 2013. Disponível em: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/site/publicacoes/memoria_ebook/ver/sao-paulo-em-papel-e-tinta---periodismo-e-vida-urbana---1890-1915
Acesso em 27 dez 2019 às 15:35h.
BOLETIM OFFICIAL.
Disponível em: http://memoria.bn.br/
Acesso em: 26 dez. 2019, às 17:28h.
JORNAL DO AMAZONAS.
Disponível em: http://memoria.bn.br/
Acesso em: 26 dez. 2019, às 17:28h.
AMAZONAS, Manaus.
Disponível em: http://memoria.bn.br/
Acesso em: 26 dez. 2019, às 17:42h.
COMMERCIO DO AMAZONAS.
Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=301337&pesq=%22hospital%20da%20caridade%22>.
Acesso em: 27 dez. 2019, 09:17h.
RELATÓRIO DOS PRESIDENTES DOS ESTADOS
BRASILEIROS. Disponível em: http://memoria.bn.br/ Acesso em 27 dez. 2019, às 10:12h.
GONÇALVES, José Reginaldo dos Santos. A
retórica da perda: dos discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de
Janeiro, RJ: Editora UFRJ; IPHAN, 1996.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva.
2 ed. São Paulo: Centauro, 2003.
INSTITUTO GEOGRÁFICO E HISTÓRICO DO AMAZONAS. Memorial
apresentado ao Exm. Snr. Governador do Estado do
Amazonas por Antonio Januzzi,
Irmão & C: sobre o projecto da construcção de um Hospital para a Santa Casa de
Misericórdia de Manaós. Rio de Janeiro: Jornal do
Commercio, 1899.
MESQUITA. Otoni Moreira de. Manaus: história
e arquitetura (1669-1915). 4 ed. Manaus, AM: Editora Valer, 2019.
ANDRADE, I.; COSTA, R.; GALLO, E. Edifícios da
Saúde no Rio de Janeiro Oitocentista. In: Hospitais e Saúde no Oitocentos:
diálogos entre Brasil e Portugal / organizado por Cybelle
Salvador Miranda e Renato da Gama-Rosa Costa. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ,
2018.
NORA, Pierre. Entre memória e história: a
problemática dos lugares. Projeto História: Revista do Programa de Estudos
Pós-Graduados de História, [S.l.], v. 10, out.
2012. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/revph/article/view/12101
Acesso em: 04 jan. 2020 às 18:28h.
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte.
Periodismo e Vida Literária em Manaus. In: Encontro Regional Norte de
História da Mídia, 5, 2018, Manaus, AM. Anais (on-line). Manaus: ALCAR,
2018. Disponível em: http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/encontros-regionais/norte/5o-encontro-2018/gt-historia-do-jornalismo/periodismo-e-vida-literaria-em-manaus/at_download/file Acesso em: 27 Jan. 2020.
RELATÓRIOS DE ATIVIDADES DA SANTA CASA DE
MISERICÓRDIA DE MANAUS/AM (1900, 1903, 1908).
SILVA, Júlio Santos da. Adoecendo na cidade da
borracha: Manaus (1877-1920). Dissertação (Mestrado em História) ––
Universidade Federal do Amazonas (Dr. Hideraldo Lima
da Costa), Manaus/AM, jul. 2012.
______________________________
[1] Arquiteta e urbanista,
mestranda no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, integrante
do Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural (LAMEMO) e bolsista da Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM). E-mail: torrescamyla@yahoo.com.br
[2] Docente da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo/Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade
Federal do Pará. Coordena o Laboratório de Memória e Patrimônio Cultural
(LAMEMO) E-mail: cybelle@ufpa.br
[3] BENJAMIN, Walter. Sobre
o conceito da história. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e
política: Ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo, SP:
Editora Brasiliense, 1985, p. 225.
[4] ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação: formas e transformações
da memória cultural. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2011, p. 143.
[5] NORA, Pierre. Entre
memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História: Revista do
Programa de Estudos Pós-Graduados de História, [S.l.],
v. 10, out. 2012, p. 9. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/revph/article/view/12101
Acesso em: 04 jan. 2020 às 18:28h.
[6] HALBWACHS, Maurice. A
memória coletiva. 2 ed. São Paulo: Centauro, 2003, p. 101.
[7] ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação: formas e transformações
da memória cultural. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2011, p. 19.
[8] Ibid., p. 237.
[9] BURKE, Peter. Testemunha
ocular: história e imagem. Bauru, SP: EDUSC, 2004,
p. 17.
[10] Ibid., p. 238.
[11] Ibid., p. 45.
[12] Ibid., p. 220.
[13] CRUZ, Heloisa de Faria.
São Paulo em papel e tinta: Periodismo e vida urbana 1890-1915. São
Paulo, SP: Arquivo Público de São Paulo, 2013, p. 11. Disponível em: http://www.arquivoestado.sp.gov.br/site/publicacoes/memoria_ebook/ver/sao-paulo-em-papel-e-tinta---periodismo-e-vida-urbana---1890-1915
Acesso em 27 dez 2019 às 15:35h.
[14] Ibid., p. 25.
[15] PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte. Periodismo e Vida Literária em Manaus. In: Encontro
Regional Norte de História da Mídia, 5, 2018, Manaus, AM. Anais (on-line).
Manaus: ALCAR, 2018, p. 1. Disponível em: http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/encontros-regionais/norte/5o-encontro-2018/gt-historia-do-jornalismo/periodismo-e-vida-literaria-em-manaus/at_download/file
Acesso em: 27 jan. 2020.
[16] Conforme dissertação de
mestrado de Silvia Maria Quintino Bocaiúva intitulada Condições Sociais de
Migrantes em Manaus, 1920-1945, do Programa de Pós-Graduação em História,
da Universidade Federal do Amazonas.
[17] Disponível em: http://www.taquiprati.com.br/historia
Acesso em 04 jan. 2020, às 15:02h.
[18] BOLETIM OFFICIAL,
Manaus, nº 10, 29 de janeiro de 1873, p. 4. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/850691/193 Acesso em: 26 dez.
2019, às 17:28h.
[19] MESQUITA. Otoni Moreira
de. Manaus: história e arquitetura (1669-1915). 4 ed. Manaus, AM:
Editora Valer, 2019, p. 57.
[20] JORNAL DO AMAZONAS,
Manaus, n. 88, 02 de abril de 1876, p. 2. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/260940x/145
Acesso em: 26 dez. 2019, às 17:28h.
[21] MESQUITA, op. cit., p.
57.
[22] JORNAL DO AMAZONAS,
Manaus, n. 187, 09 de junho de 1877, p. 3. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/260940x/660 Acesso em: 26 de
dezembro, às 18:04.
[23] AMAZONAS,
Manaus, n. 178, 18 de setembro de 1878, p. 1. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/164992/1717 Acesso em: 26 dez. 2019,
às 17:42h.
[24] COMMERCIO DO
AMAZONAS, Manaus, nº 114, 08 de maio de 1879, p. 04. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/301337/309 Acesso em: 27 dez. 2019,
09:17h.
[25] COSTA, Cybele Morais
da. Socorros públicos: as bases da Saúde Pública na Província do Amazonas.
Dissertação: Mestrado em História, Universidade Federal do Amazonas (Dr. Hideraldo Lima da Costa), Manaus/AM, 2008, p. 50.
[26] AMAZONAS, Manaus
n. 362, 10 de dezembro de 1879, p. 2. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/164992/2462 Acesso em: 17:56h.
[27] AMAZONAS,
Manaus, n. 413, 18 de abril de 1880, p. 2. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/164992/2666 Acesso em: 27. dez.
2019, 18:32h.
[28] AMAZONAS,
Manaus, n. 525, 28 de janeiro de 1880, p.1. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/164992/2803 Acesso em: 27 dez. 2019,
18:39h.
[29] MESQUITA, op. cit., p.
60.
[30] ANDRADE, I.; COSTA, R;
GALLO, E. Edifícios da Saúde no Rio de Janeiro Oitocentista. In: Hospitais e
Saúde no Oitocentos: diálogos entre Brasil e Portugal / organizado por Cybelle Salvador Miranda e Renato da Gama-Rosa Costa. Rio
de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2018, p. 58.
[31] Ibid., p. 145.
[32] BRAGA, Bruno Miranda. A
cidade e suas representações: Manaus no século XIX (1850-1883). CLIO:
Revista de Pesquisa Histórica, Recife, PE, v. 34, n.1, mai. 2016, p. 174.
Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaclio/article/view/25026/20273
Acesso em: 06 nov. 2019, às 20:35h.
[33] RELATÓRIO DOS
PRESIDENTES DOS ESTADOS BRASILEIROS. Manaus, 10 de julho de 1900, p. 20.
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/720879x/544
Acesso em
27 dez. 2019, às 10:12h.
[34] INSTITUTO GEOGRÁFICO E HISTÓRICO DO AMAZONAS. Memorial
apresentado ao Exm. Snr. Governador do Estado do
Amazonas por Antonio Januzzi,
Irmão & C: sobre o projecto da construcção de um Hospital para a Santa Casa de
Misericórdia de Manaós. Rio
de Janeiro: Jornal do Commercio,
1899, p. 5.
[35] Ibid., p. 107.
[36] COUNCILMAN,
W. T; LAMBERT, R. A. The medical report of the Rice expedition to Brazil.
Cambridge:
Harvard University Press, 1918, p. 47.
[37] RELATÓRIO DOS PRESIDENTES
DOS ESTADOS BRASILEIROS. Manaus, 10 de julho de 1900, p. 209-210.
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/720879x/7253 Acesso em 27
dez. 2019, às 22:49h.
[38] Por exemplo: Homem que
estuprou adolescente no prédio da Santa Casa de Misericórdia é preso em Manaus,
PORTAL MANAUS ALERTA, 21 de novembro de 2019. Disponível em: https://manausalerta.com.br/homem-que-estuprou-adolescente-no-predio-da-santa-casa-de-misericordia-e-preso-em-manaus/
Acesso em: 04 jan. 2020, às 10:38h.