A Arquitetura de Exposições como Repertório de Formas e Tipologias
Ruth Nina Vieira Ferreira Levy [1]
LEVY, Ruth Nina Vieira Ferreira. A Arquitetura de Exposições como Repertório de Formas e Tipologias. 19&20, Rio de Janeiro, v. IV, n. 3, jul. 2009. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/ad_ruth2.htm>.
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Nas Exposições Universais da segunda metade do século XIX, a arquitetura desempenhou papel fundamental na criação de cenários fantásticos, sendo um dos fatores fundamentais de atração e de sucesso destes eventos.
Desde o Palácio de Cristal (Londres, 1851), pavilhão único da primeira Exposição Universal, que a arquitetura é o grande símbolo destas festas do Progresso. Controvérsias à parte, este edifício é referência imediata quando se pensa em arquitetura do século XIX e em arquitetura de exposições.
À França coube a iniciativa da segunda Exposição Universal, realizada em 1855 na cidade de Paris. Diante da monumentalidade do Palácio de Cristal, veio, já em 1852, a decisão oficial francesa de construir um edifício destinado às exposições. A Exposição de 1855 ocupou o Palácio da Indústria, o Palácio das Belas Artes e a Galeria das Máquinas, que unia os dois outros prédios. Alguns prédios isolados apareceram, como os dos Panoramas ou das organizações de venda. Todos os países expunham em prédios comuns.
A partir daí, cada exposição foi criando um número maior de prédios, e pelas dezenas e até centenas de construções dos mais variados portes, materiais e tipologias que as Exposições Universais produziam, elas representaram, de certo modo, a mais convincente exposição de arquitetura que se possa imaginar, servindo, neste sentido, de campo fértil para o debate arquitetural.
Símbolo de progresso e modernidade, as exposições buscavam mostrar uma arquitetura ousada, arrojada e dotada de inovações técnicas. Mas a arquitetura de exposições não se limitava a isso. Lado a lado com a modernidade, cada vez mais foi se abrindo espaço para a reconstituição histórica, dentro do espírito enciclopédico que dominou o século XIX. Verdadeiras máquinas do tempo, numa busca de ressurreição do passado, as reconstituições ofereciam uma antologia arquitetônica que passeava por um repertório que ia da pré-história, passava pela Antiguidade e destacava momentos culminantes das diversas civilizações e nações, expondo sua cultura, seus hábitos, suas formas de viver.
Em 1867 foi novamente vez de Paris abrigar a Exposição Universal. O Palácio da Exposição distinguiu-se dos anteriores por sua forma claramente apropriada ao sistema adotado para a classificação dos produtos expostos, que conjugava o emprego dos dois sistemas usados nas exposições anteriores, cuja classificação era dada pela nacionalidade ou pela natureza do produto exposto. O Palácio Elíptico [Figura 1] abrigava a exposição de todos os países, mas o duplo agrupamento de produtos se fazia em uma disposição circular, de acordo com dois sistemas de divisão: galerias concêntricas o dividiam internamente em oito zonas referentes aos grupos de produtos similares de todos os países, sendo estas galerias cortadas por 16 vias radiais, permitindo observar separadamente a produção de todos os objetos das nações expositoras.
Se na exposição parisiense de 1867 o Palácio Elíptico era pavilhão que inovava, mostrando claramente através do espaço a importância dos sistemas classificatórios naquele momento, próximo a ele surgiria uma verdadeira cidade no Campo de Marte que, através de suas reconstituições trazia o visitante e o arquiteto para um universo complexo de imagens literárias, coloniais e de fantasia, oferecendo ao presente, imagens convincentes do passado.
... uma cidade surgiu como que por encanto sobre o solo do antigo Campo de Marte. Cidade estranha, todavia, onde a modesta moradia do mineiro de Arzin faz pendant com o esplendoroso palácio tunisiano, onde uma igreja gótica fica face a face com um templo asteca, ou o templo anglicano costeia o pagode muçulmano, onde perto de um hangar americano um edifício chinês ergue-se com cores vivas e brilhantes, onde se elevam lado a lado o farol gigantesco e a gigantesca chaminé de fábrica, onde das casas de madeira dos povos escandinavos se passa aos palácios de mármore da Itália, onde cada uma das nações representadas na Exposição quis mostrar os exemplares de seus monumentos, de seu estilo de arte, de sua arquitetura, onde enfim, palácio, casa, vilas, chalés, pavilhões, quiosques, etc., se aglomeram e convivem em uma vizinhança das mais fraternais. [...] Que mina de elementos preciosos para a arquitetura e para o artista inovador, e como o estudo comparado desta imensa variedade de construções será interessante! (DALY, 1867: vol. 25, p. 29)
Outro tema importante desta exposição é o das habitações operárias [Figura 2], com sua vila industrial, suas casas operárias e a casa pré-fabricada de Stanislaus Ferrand. Diante do problema da moradia das classes trabalhadoras nas cidades industriais, como Londres e Paris, as exposições passam, justamente a partir de 1867, a explorar também este aspecto, fazendo entrar fisicamente na exposição, através desta tipologia específica, a questão social e seus atores.
Em 1878 acontece mais uma Exposição Universal parisiense. O edital do concurso para a exposição determinava que o Palácio do Campo de Marte seria construído inteiramente em ferro, seguindo um plano retilíneo, mas possibilitando a exposição dos produtos por natureza e nacionalidade. No centro estariam dispostas as salas para exposição de objetos de arte dos mestres das escolas modernas, sendo previsto também um espaço para uma Exposição retrospectiva.
Este grande prédio deveria comunicar-se com o do Trocadero por uma galeria coberta. Neste seriam expostos os produtos agrícolas, de horticultura, animais domésticos, modelos de exploração mineral, navegação fluvial e marítima, de aquecimento e ventilação.
O Palácio do Campo de Marte possuía planta retangular, dividida longitudinalmente em galerias, separadas em dois grupos por um espaço central vazio. O lado esquerdo era ocupado inteiramente por produtos franceses e o direito destinado aos produtos estrangeiros. O espaço central, parcialmente descoberto, era ocupado pela exposição das Belas Artes de todas as nações, e oferecia uma série de spécimens de fachadas estrangeiras - históricas e contemporâneas - constituindo a Rua das Nações.
Assim, a Exposição Universal de 1878 continua a trajetória da exposição de arquitetura e das reconstituições com a Rua das Nações [Figura 3], na qual 27 fachadas de arquiteturas nacionais criavam um cenário mágico, marcado pelo ecletismo dos pavilhões: o manuelino de Portugal, o chamado Pavilhão neomudéjar de Espanha, os edifícios da Grã-Bretanha e da Itália, em reminiscências góticas, etc.,
...O “revivalismo” arquitetônico foi o denominador comum das Exposições Universais durante o século XIX, porque elas, definitivamente, não faziam senão por em evidência uma sociedade que, paradoxalmente, mergulhando insistentemente na história, impulsionava o progresso na direção do futuro. Os recintos das exposições davam corpo a esta dualidade, pois enquanto o orgulho da modernidade radicava nas espaçosas galerias das máquinas, a Rua das Nações refletia o passado (PALÁCIO, 1997:29).
Na Exposição Universal parisiense de 1889 é culminante a dualidade entre a modernidade, a ousadia e a inovação, retratadas, sobretudo, na Galeria das Máquinas e na Torre Eiffel - verdadeiros monumentos do progresso - e a tentativa de resgatar o passado e traçar um esboço de toda a história da arquitetura, através das reconstituições. A História da Habitação Humana de Charles Garnier trazia 44 casas por ele desenhadas, reconstituindo e colocando lado a lado as mais diferentes formas de habitação de diversos períodos e regiões, desde o abrigo troglodita.
Na Rua do Cairo, uma evocação nostálgica do Oriente, as construções eram inspiradas na arquitetura antiga da cidade e decoradas com elementos provenientes de antigas demolições no Egito, como portas, balcões, muxarabis e revestimentos em faiança. Cento e sessenta egípcios vieram a Paris para “animar” constantemente a rua, com suas diversas atividades.
Essa exposição trouxe ainda uma série de pavilhões nacionais, coloniais, temáticos, de empresas e associações, além dos pavilhões públicos franceses.
Na Exposição Universal de 1900 [Figura 4], para a qual foram construídos o Grand Palais e o Petit Palais, teve também sua Rua das Nações [Figura 5], chamada ironicamente por alguns de Rua de Babel, em virtude do repertório de arquiteturas de difícil coerência, além da Exposição Colonial, com seu palácios “exóticos”, e a Velha Paris, um quarteirão inteiro reconstituindo uma cidade medieval.
Na Exposição de 1900 observa-se a retração no uso de ferro: se em 1889 verifica-se o auge na crença do ferro como solução construtiva, em 1900 a consciência de suas limitações reduz em muito o seu emprego. Segundo Pevsner, do ponto de vista estrutural a exposição que ocorria onze anos depois da Torre Eiffel e da Galeria das Máquinas era uma decepção (PEVSNER, 1976: 252). O ferro usado por necessidade escondia-se embaixo de camadas de estuque nos mais variados estilos, passando pelo medieval, Renascença Francesa e Luis XV.
A Paris de 1900 marca também, em termos de arquitetura e urbanismo, um novo capítulo na história das Exposições, não apenas em termos de medidas quantitativas, com área e número de prédios muito maiores, mas também com um novo enfoque. Os anos que precedem a Primeira Guerra Mundial correspondem ao florescimento de um tipo de exposição mais vinculado a associações e instituições, que foge ao universo e à filosofia das Exposições Universais.
Estas continuam se realizando, sobretudo em países que necessitam afirmar sua identidade nacional, como é o caso dos Estados Unidos. Aliás, as experiências norte-americanas em Exposições Universais também trazem rico e complexo material para análise, não só por sua magnitude e quantidade de pavilhões, mas também por suas características locais específicas e suas relações com a Europa, inclusive como ex-colônia britânica. A Exposição de Filadélfia em 1876 vai ter 249 construções, constituindo-se em catálogo de citações mais ou menos explícitas, com prédios construídos por arquitetos europeus e prédios construídos por arquitetos norte americanos, criando uma situação de análise privilegiada. Também aqui a arquitetura se difunde graças aos exemplos e reconstituições.
Em 1893 é a vez da cidade de Chicago abrigar a World Fair Columbus Exposition, e criar um cenário mágico que ficou conhecida como a White City. O chamado classicismo Beaux-Arts em escala monumental que se viu ali também serviu de aula de arquitetura e para os mais críticos teve o papel nocivo de desviar a atenção da produção da moderna Escola de Chicago. Os pavilhões estrangeiros quebravam a unidade com suas cores locais.
A Exposição de Saint Louis em 1904 contou com nada menos que 1500 edifícios. Era a maior exposição internacional que o mundo havia visto. Ali também as reconstituições curiosas e exóticas tiveram espaço, como os “Alpes Tiroleses”, os “Mistérios da Ásia”, a “Roma Antiga” ou a “Cidade Chinesa”. Na realidade, estas atrações que ficavam num centro de diversões - o Pike -, uma avenida povoada por 8.000 figurantes, já pendem muito mais para o sentido de puro entretenimento do que para uma abordagem com um sentido didático que se pretendeu em exposições anteriores.
As Exposições Universais européias fora de Paris também entraram neste domínio como a de Viena, em 1873. Além dos prédios maiores, nesta exposição alguns pavilhões se individualizam, surgindo os pavilhões temáticos, os pavilhões destinados às personalidades do Império, como o Pavilhão do Casal Imperial, o pavilhão do Duque de Saxe-Cobourg-Gotha e o pavilhão do príncipe Adolf Schwarzenberg e havia ainda as construções exóticas como o pavilhão da Pérsia, a casa de chá chinesa, o jardim japonês, um conjunto egípcio e um grupo de casas camponesas, além dos restaurantes espalhados por diversos pontos. No total, a exposição vienense contava com quase 200 prédios independentes.
É recorrente se falar em Babel para exprimir os espaços dessas exposições. Não é à toa. A convivência destas centenas de prédios em um espaço restrito de uma cidade, com evocações as mais variadas, não deixam de criar, em muitos casos, uma completa confusão.
Ao mesmo tempo, vivenciar esta experiência era de uma riqueza extrema para as populações do século XIX, quando as informações, imagens, etc. não se difundiam com a facilidade de hoje.
Caroline Mathieu cita o Boletim Oficial da Exposição Universal de 1898 onde se lia que “Jules Verne tinha sonhado a Volta ao Mundo em 80 dias. É possível realizá-lo, em 1889, na Esplanada e no Campo de Marte, em seis horas!” (MATHIEU 1989:102).
Aqui, o importante é ressaltar o valor emblemático da arquitetura e uma atitude científica em relação ao passado. A reconstituição pode ser compreendida como uma etapa importante no estudo da arquitetura, formando uma “antologia de estilos históricos”.
Isso porque, além da arquitetura construída, as exposições eram fonte de conhecimento e aprendizado de arquitetura uma vez que, em muitas delas, existiram também as seções de exposições de desenhos e modelos de projetos, bem como eram realizados congressos de arquitetos durante os eventos. As exposições representavam também motivação para críticas nas revistas especializadas e debates acirrados sobre os caminhos que a arquitetura deveria trilhar, e a revista editada por César Daly é um ótimo exemplo e uma importante fonte que reafirma este aspecto. Para os arquitetos, era a ocasião de ter diante dos olhos formas e modelos de construção e de distribuição que apenas uma longa experiência em escolas e o contato com revistas especializadas podia oferecer. Os autores Aimone e Olmo dizem então que as exposições funcionavam como uma espécie de acelerador de circulação de iconografias e de soluções técnicas (AIMONE, 1993:110).
Representavam, portanto, campo propício e ponto de partida para a discussão, a reflexão, a inovação e a crítica em termos arquiteturais. As exposições representaram também papel de destaque na urbanização das cidades, inclusive em termos de infra-estrutura e serviços. É possível estabelecer relações estreitas entre modernização urbana e arquitetura de exposições.
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Passando às nossas exposições cariocas do início do século XX, em 1908 e 1922, vemos que apesar de guardadas as diferenças principalmente em termos de proporções em relação às Exposições Universais, o papel que coube à arquitetura não foi tão diferente.
Em 1908, a título de comemorar o Centenário da Abertura dos Portos às Nações Amigas, realiza-se, na Praia Vermelha, uma Exposição Nacional para a qual foram construídos grandes prédios - palácios e pavilhões -, além de uma série de outros menores [Figura 6].
Outras exposições nacionais já haviam sido realizadas no Rio de Janeiro, mas tinham sido instaladas em prédios já existentes. Na realidade, a Exposição Nacional de 1908 foi a primeira para a qual foi criado um espaço, um cenário, com a construção de prédios destinados especificamente à realização do evento
A variedade de estilos que aparece nas construções nos dá bem a dimensão do repertório eclético adotado. Como descrevem os guias e relatórios da época havia o Neoclássico do Palácio dos Estados, o Renascença do pavilhão da Bahia e da Sociedade Nacional de Agricultura, a “modernização do estilo clássico” do pavilhão do Distrito Federal, o estilo Manuelino do pavilhão Português, o Egípcio do coreto musical, a “pequena mesquita mourisca”, como é descrito o Pavilhão da Fábrica Bangu, ou mesmo a falta de qualquer rótulo possível, como no caso do pavilhão mineiro que “não tinha estilo definido”. É evidente que essa classificação estilística só faz algum sentido se entendida pela lógica daquele momento, quando os esforços classificatórios eram relevantes e dão conta da análise que era feita da arquitetura.
A filiação arquitetural do que foi produzido está ainda intimamente ligada com o modelo europeu e através de seus exemplares é possível mapear e fazer correlações entre as diversas tipologias e os diferentes “estilos” historicistas que ali se manifestaram e que também marcaram a produção arquitetônica em outros pontos da cidade do Rio de Janeiro, como a Avenida Central.
O único pavilhão estrangeiro, o Palácio Manuelino [Figura 7], trouxe a imagem da colonização, com um estilo que homenageava a época dos grandes descobrimentos, ou seja, da colonização portuguesa em várias partes do mundo. Entretanto, é interessante notar como a tradição colonial brasileira está completamente ausente neste momento. Mesmo os estados como Minas Gerais e Bahia, onde a produção colonial é tão expressiva, se fizeram representar com ares de modernidade, sem qualquer referência ao passado “atrasado”. Isto sem falar do Distrito Federal, empenhado que estava em apagar o passado colonial e valorizar a moderna e civilizada capital de modelo europeu que havia surgido com as reformas de Pereira Passos. Santa Catarina mostrou uma imagem ligada ao passado, mas era um passado recente, da imigração européia do século XIX, desvinculada do período colonial e da escravidão. A valorização do colonial só viria na década seguinte, com o movimento Neocolonial que depois estaria amplamente expresso na Exposição Internacional de 1922.
A Exposição do Centenário, inaugurada em setembro de 1922, ocupou uma grande área do centro da cidade, que ia do Passeio Público à Ponta do Calabouço e, de lá se estendia até o Mercado Municipal [Figura 8]. Foi concebida inicialmente como mais uma exposição nacional, mas tornou-se uma exposição internacional, com participação de diversos países estrangeiros, como França, Portugal, Estados Unidos, Inglaterra, Argentina, México, Itália, Bélgica, entre outros. Nessa grande área destinada à Exposição, foram construídos duas portas monumentais e um grande número de palácios e pavilhões, tanto nacionais quanto estrangeiros. Prédios já existentes, como o antigo Arsenal de Guerra e parte do Mercado Municipal, também foram aproveitados, após sofrerem adaptações.
Nesta exposição, o ecletismo europeu continua presente, mas dividirá espaço com as manifestações da busca das raízes nacionais, através do movimento neocolonial. Num momento em que a inadequação da arquitetura eclética européia em relação ao nosso clima e às nossas tradições já está no centro do debate entre pensadores e profissionais de arquitetura, alguns dos pavilhões da Exposição vão ter como exigência de edital serem projetados obedecendo “as linhas gerais da arquitetura da época colonial”.
O início dos anos 1920 foi marcado por um certo esgotamento de uma maneira de conceber a arquitetura, levando alguns arquitetos a busca de um estilo mais ligado às tradições e ao ambiente brasileiro. A questão do nacionalismo, presente nos debates desde o século anterior, estava agora efervescendo, e sugeria a busca por raízes anteriores ao século XIX, impregnado de um estrangeirismo que precisava ser combatido e superado. Entretanto, o ecletismo era ainda praticado com entusiasmo, estando presente em boa parte dos projetos.
A defesa do neocolonial se apresenta com força, mas não sem uma série de ambigüidades. O colonial é apresentado como tendo duas formas básicas, ou dois pontos de vista, apesar de guardar uma unidade: seria o religioso ou ornamental, forma jesuítica, impregnada do barroco, e o popular ou singelo, mais adaptada ao clima, identificada com as construções rurais e a “alma simples do povo brasileiro”. A adoção de uma das duas formas ou a conjugação de ambas é apregoada como “contribuição para a grande obra de nacionalização da arquitetura brasileira.
Estas combinações darão ensejo às mais variadas adjetivações como colonial estlilizado, rafiné, de “feição nortista”, e outras. Em qualquer caso, será sempre um colonial modernizado, com nova roupagem, já que uma volta ao colonial, caracterizado desde o século XIX como algo ligado ao atraso, às péssimas condições de higiene e de vida, só poderia ser defensável se o mesmo se apresentasse devidamente reciclado.
Como o neocolonial não era visto como um estilo que tivesse fim em si mesmo, mas como uma busca de elementos essenciais para a formação de algo novo, alguns arquitetos alegam que não importava como seria chamado o estilo, mas sim que teria que ser algo novo.
O neocolonial igualmente estava ligado, pode-se dizer assim, a duas vertentes distintas: de uma parte, a busca por algo novo, afastado da cópia acrítica de modelos existentes, comprometido com a autenticidade e a funcionalidade; de outro, amalgamado ao ecletismo, entendendo este como sinônimo de “indiferentismo”. Na primeira vertente, a busca pelos “elementos essenciais” do colonial, como inspiração para a nova arquitetura, - a adequação ao clima, a adaptação ao meio e à função, a simplicidade, a sobriedade, a verdade, o essencial em detrimento do supérfluo -, apontava o caminho do racionalismo. Na segunda vertente, representaria a última gota no copo já transbordante de um ecletismo desgastado.
De todo modo, mais uma vez um cenário de exposição serve, de forma pedagógica e sistemática, à produção e ao debate em torno de uma tendência, ao reunir num mesmo espaço várias edificações que suscitam a crítica e a cópia.
Como exposição internacional que foi, a Exposição do Centenário contou com sua Avenida das Nações, na qual foram construídos pavilhões de diversos países, trazendo para o centro do Rio de Janeiro expressões arquitetônicas nacionais distintas.
Todos os pavilhões estrangeiros foram construídos ao longo da Avenida das Nações, essa “ala de monumentos que forma hoje, com as ridentes paisagens da Lapa e da Glória, o mais belo recanto da nossa baia” (A Exposição de 1922, 1923: n. 12-13). Alguns países, além de um pavilhão de honra nesta avenida, fizeram construir também pavilhões para exposição da indústria mais pesada na Praça Mauá.
Interessante registrar como o colonial está presente também em pavilhões estrangeiros: no caso do México, buscando suas raízes nacionais [Figura 9]; no caso dos Estados Unidos, buscando uma aproximação com a tradição brasileira, uma vez que o prédio era de caráter definitivo e os americanos quiseram “integrá-lo” à nossa realidade, fazendo uma construção que julgaram adequada à cidade e à sua tradição arquitetônica. É também bastante curioso observar como as descrições de época são condizentes com características dos prédios: minimalista no caso do Japão, rebuscada no caso do México, clássica e contida para os prédios que tinham essas características formais, etc.
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A arquitetura de exposições tende a ser associada a um excesso, um clímax, uma exacerbação. A questão a ser colocada é se isso se daria pelos exemplares criados ou pelo fato destes exemplares estarem todos reunidos em um só conjunto. Se pensarmos na frase de Mário de Andrade, quando escreve que “nós já estamos mais ou menos habituados a esta diversidade de estilos que dá à nossa urbe um aspecto de exposição internacional”, vemos a estreita associação entre a diversidade de estilos e o cenário de exposição. A efemeridade característica deste tipo de produção é outro fator de motivação para certas ousadias, graças ao grau de liberdade que propicia.
De fato, um dos aspectos mais interessantes na análise das exposições é a possibilidade de através de seus exemplares, passando por todos os prédios, dos mais suntuosos palácios aos mais simples quiosques, mapear as diferentes tipologias e estilos que cobriram a prática do ecletismo internacional, no Brasil e, mais especificamente, no Rio de Janeiro do início do século 20. É analisar a Exposição de produtos industriais como uma exposição de arquitetura no sentido de coleção, inventário. Um verdadeiro repertório exemplar de formas e tipologias à nossa disposição.
Referências Bibliográficas
A EXPOSIÇÃO DE 1922: Orgão da Comissão Organizadora. n. 1-18, 1922-1923. Rio de Janeiro: Tipografia Fluminense, 1922-23.
AIMONE, Linda ; OLMO, Carlo. Les expositions universelles 1851-1900. Paris :Belin, 1993.
DALY, César (Ed.). Revue générale de l´architecture et des travaux publics. Paris : Ducher et Cie, 1867.
MATHIEU, Caroline. Invitation au voyage. In: 1889: La Tour Eiffel et l´Exposition Universelle. Paris : Réunion des Musées Nationaux, 1989.
PALÁCIO, Pedro. Fundamentos da arquitectura neomedieval. In: ANACLETO, Regina. (Org). O neomanuelino ou a reinvenção da arquitectura dos descobrimentos. Lisboa: Instituto Português do Patrimônio Arquitectônico e Arqueológico, 1997. p. 27-43.
PEVSNER, Nikolaus. A history of buildings types. Princeton: PUP, 1976.
[1] Doutora e Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da UFRJ; Pós-graduada em História da Arte e Arquitetura no Brasil pela PUC-RJ; Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal Fluminense e em Museologia pela UNIRIO. É museóloga da Fundação Eva Klabin. É autora de Entre Palácios e Pavilhões: a arquitetura efêmera da Exposição Nacional de 1908. Ro de Janeiro: EBA/UFRJ, 2008.