O
Eclético em Campinas: patrimônio arquitetônico e historiografia
Paula F. Vermeersch [1]
VERMEERSCH, Paula F.. O Eclético em Campinas:
patrimônio arquitetônico e historiografia. 19&20, Rio de Janeiro, v. IV, n. 4, out. 2009.
Disponível em:
<http://www.dezenovevinte.net/arte%20decorativa/ad_campinas.htm>.
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* *
1.
Ao
caminhar pelas ruas do centro da cidade paulista de Campinas, várias
construções nos chamam a atenção: em meio às linhas retas dos prédios
contemporâneos, das torres com vidros espelhados, espremem-se casarões com
decorações de guirlandas, leões, medalhões e outros motivos ornamentais,
datados na maior parte dos últimos anos do século XIX e das duas primeiras
décadas do XX. Tais imóveis atestam a riqueza do ciclo do café e do fausto do
município, sede da expansão econômica advinda do estabelecimento de tal produto
no Brasil, e hoje servem aos mais variados propósitos: desde restaurantes,
lojas de roupas e móveis, fliperamas e até prostíbulos. No centro de uma das
maiores cidades do país, a virada do XIX para o XX respira, existe e conforma
um patrimônio que espera por estudos mais aprofundados.
2.
Descendo
a movimentada avenida Campos Salles, uma das vias
principais para trânsito de ônibus urbanos da cidade, no número 427 os muros
laterais do chamado Palácio da Mogiana chamam a
atenção pelo péssimo estado de conservação [Figura 1 e Figura 2]. A
bela sede da Companhia Mogiana de Estrada de Ferro
foi construída por Massini Companhia, e até a década
de 1960 congregou os negócios da empresa na cidade. Depois, o prédio abrigou o
Museu Histórico-Pedagógico Campos Sales e a Delegacia Regional de Cultura.
3.
No
site da Prefeitura Municipal de Campinas [cf. link], existe uma parte do Processo 001/9,
Resolução 028 18/06/1998, referente ao tombamento deste bem. Consta ofício de
15 de junho de 2000, assinado pelo então Secretário de Cultura, Esportes e
Turismo João Plutarco Rodrigues Lima, ao Secretário de Cooperação nos Assuntos
da Segurança Pública Ruy Pedro de Magalhães, solicitando a "permanência
constante de um guarda para impedir o acesso de pessoas não autorizadas no
imóvel situado à Av. Dr. Campos Salles, no.427,
denominado 'Palácio da Mogiana', tombado pelo
CONDEPACC."
4.
Também
consta ofício de 22/12/2004, assinado por José Airton C. Quadros, da
administração municipal, anexando ao processo de tombamento memorando de
13/07/2004. referente à reforma do pavimento inferior
do prédio em anexo do Palácio para o funcionamento de uma biblioteca.
5.
Apesar
de tais esforços do poder público municipal, hoje o Palácio da Mogiana é um exemplo do estado de conservação do patrimônio
arquitetônico da cidade fin-de-siècle: cuidados inadequados e muitas vezes o abandono
fazem com que o exame de tais construções ponha o espectador, na maior parte
dos casos, num estado melancólico.
6.
É
certo que este arranjo de coisas não surgiu nos últimos anos; assim como na
maior parte das cidades brasileiras, Campinas virou as costas para o seu
patrimônio oitocentista e do início do XX em detrimento das novas formas
arquitetônicas modernas, impulsionadas pelo desenvolvimento do país durante
várias décadas. Mas é interessante observar que até uma atitude intelectual,
estética, surgiu, na direção de um certo desfavorecimento de tal patrimônio arquitetônico.
7.
Neste
ponto, pode-se recordar uma passagem de Mário Barata: “A partir,
aproximadamente, de 1870, os cânones severos da influência neoclássica
abrandam-se um pouco [...]. É a partir de 1890 que os estucadores (alguns
deles, segundo referências diversas, vindos de Portugal e da Itália), vão
povoar as fachadas de cariátides, florões e
guirlandas em baixo-relevo, perdendo a noção dos planos e enchendo a
arquitetura de elementos pretenciosos e mal executados. Aproxima-se o começo do
século XX com seu ecletismo e sua falta de senso estético [...].”[2]
8.
Não
se trata, aqui, de sugerir uma crítica injusta ao trabalho do grande
historiador: a posição de Barata é plenamente justificável, se pensarmos no
momento em que escreveu essas linhas. Era difícil, durante a década de 1950,
defender essa arquitetura fin-de-siècle, tão afeita aos ornamentos e ao horror vacuum, tão repleta de detalhes que muitas vezes as fachadas
parecem convidar à vertigem. Mas pode ser necessário, nos estudos atuais, nos
aproximarmos dessa arquitetura, para garantir algo que, no caso campineiro,
muitas vezes é negado: seu restauro, conservação e estudo adequados.
9.
Talvez,
uma passagem de História Literária auxilie nesse aproximar: “Mocidade Morta
é uma narrativa de forte entonação reflexiva e ensaística. O autor coloca-a
diante do leitor enquanto um sistema de contradições apaziguadas de modo
instável [...] Tantas e tão diversas questões preliminares acusam a
complexidade estrutural do texto de Mocidade Morta, cuja factura compósita reflete soluções típicas de um período de
exasperado Ecletismo.”[3]
10.
A
colocação de Alexandre Eulálio nos parece muito feliz: um “exasperado
Ecletismo”, que, segundo o crítico, estaria presente não só no romance de Gonzaga Duque, mas também em
muito da produção artística brasileira do final do XIX. Chama a atenção, no
caso do patrimônio arquitetônico, o fato de, lado a lado, existirem nas cidades
brasileiras prédios neorenascentistas, neogóticos, neoromânicos, e assim sucessivamente.
11.
É
de fundamental importância, quando se trata do Ecletismo arquitetônico em
Campinas, falar da atuação do engenheiro e arquiteto Francisco de Paula Ramos
de Azevedo (1851-1928), natural da cidade e que se tornou a figura central na
nova configuração da São Paulo moderna, no início do séc. XX. Seria exaustivo,
porém, citar aqui todos os casos da atuação de Ramos de Azevedo em sua cidade
natal; lembremos que enquanto o Solar do Barão de Ataliba Nogueira[4]
é um prédio neorenascentista, o Mercado Municipal foi
construído com reminiscências mouriscas [Figura 3] [5] e a Escola Estadual Francisco Glicério
remonta ao que se denomina estilo normando.[6]
12.
Outro
edifício que atesta a rica contribuição de Ramos de Azevedo para o surgimento
da Campinas moderna é a Igreja de São Benedito.[7]
Construída pela iniciativa da Irmandade de São Benedito, em terreno doado à
irmandade, que ficava próximo do cemitério dos escravos. O pedido de doação
data de 1835, mas só em 1885 a igreja foi inaugurada. Ramos de Azevedo realizou
a fachada em “estilo eclético”, segundo consta nos dados da Prefeitura: seria
preciso uma análise cuidadosa da história da construção do edifício, e de
certos aspectos da atuação do engenheiro-arquiteto nesse momento (o retorno de
Azevedo à Campinas, depois de seus estudos na Bélgica e a atuação no término
das obras da Matriz Nova da cidade, hoje Catedral Metropolitana), e ao mesmo
tempo, como vimos, um novo exame de certas categorias
estilísticas, para melhor compreender este “ecletismo” fin-de-siècle campineiro.
Referências
bibliográficas
BARATA, Mário. As artes plásticas de 1808 a 1889.
In: História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 1960
EULÁLIO, Alexandre. Estrutura narrativa de Mocidade
Morta. In: DUQUE, Luiz Gonzaga. Mocidade Morta. Rio de Janeiro:
Ministério da Cultura e Fundação Casa de Rui Barbosa, 1995
MOTTA, Flávio L. Art
nouveau, modernismo, ecletismo e industrialismo. In: ZANINI, Walter (org.) História
Geral da Arte no Brasil. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 1983,volume 1
Processos de Tombamento do CONDEPACC. Site da
Prefeitura Municipal de Campinas. Disponível em: <http://www.campinas.sp.gov.br/cultura/patrimonio/bens_tombados>.
Acesso em: 1 out. 2009.
Arquivos consultados
Setor de Arquivos Históricos. Centro de Memória, Unicamp
Acervo, Museu Arquidiocesano de Arte Sacra de
Campinas, Catedral Metropolitana
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[1] Pesquisadora associada pós-doc
no departamento de História, IFCH/Unicamp; pesquisadora associada do Museu
Arquidiocesano de Arte Sacra de Campinas; doutora em Teoria e História
Literária, IEL/Unicamp; mestre em Sociologia e História da Arte; IFCH/Unicamp.
[2] BARATA, Mário. As artes
plásticas de 1808 a 1889. In: História Geral da Civilização Brasileira.
São Paulo: Difel, 1960, p.423/4
[3] EULÁLIO, Alexandre. Estrutura Narrativa de Mocidade
Morta. In: GONZAGA DUQUE, Luiz. Mocidade Morta. Rio de Janeiro: Fundação
Casa de Rui Barbosa, 1995, p.278 e 280
[4] Rua Regente Feijó, 1087- Centro. Processo 001/88,
resolução no.003- 10/07/1990.Construído em 1894,
tornou-se o Hotel Vitória. Em 1990, foi tombado pelo CONDEPACC e salvo da
demolição, e tornou-se o Centro Cultural Vitória, e mais tarde, o Centro
Cultural Evolução. Hoje, está desocupado.
[5] Rua Benjamin Constant, s/n- Centro. Processo 007/95,
resolução no.21-19/10/1995. Inaugurado em 1908.
[6] Avenida Moraes Salles, 988- Centro. Processo 010/91,
resolução no.17- 24/02/1994.Inagurado em 1897.
[7] Rua Cônego Cipião, 772-
Centro. Processo 008/91, resolução no.30- 03/12/1998.