A arquitetura assistencial em Belém e a estética dos interiores ecléticos: Hospital D. Luiz I da Benemérita Sociedade Beneficente Portuguesa *

Ana Paula Rodrigues Figueiredo,[1] Cybelle Salvador Miranda[2] e Ronaldo N. F. Marques de Carvalho[3]

FIGUEIREDO, Ana Paula Rodrigues; MIRANDA, Cybelle Salvador; CARVALHO, Ronaldo N. F. Marques de. A arquitetura assistencial em Belém e a estética dos interiores ecléticos: Hospital D. Luiz I da Benemérita Sociedade Beneficente Portuguesa. 19&20, Rio de Janeiro, v. XIII, n. 2, jul.-dez. 2018. https://doi.org/10.52913/19e20.xiii2.04

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Introdução

1.      O grupo de pesquisa “Saúde e Cidade: arquitetura, urbanismo e patrimônio cultural” investiga a relação entre patrimônio, arquitetura, urbanismo e saúde, abrangendo a evolução urbana, os estilos e linguagens em arquitetura, especialmente os pertencentes ao século XX. Integra pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPA.

2.      Com o objetivo de valorizar a Arquitetura da Saúde em Belém, a linha de pesquisa “Arquitetura assistencial e saúde no Pará” busca nesta pesquisa compreender a arquitetura de interiores eclética presente no Hospital da Beneficente Portuguesa, com destaque para o uso do estuque decorativo em seu forro. A investigação adotou o método qualitativo, tendo como estágio inicial a pesquisa bibliográfica, composta por fontes selecionadas pela sua importância nos temas de arquitetura eclética, o estuque, arquitetura hospitalar, arquitetura de interiores, contexto histórico da cidade, Hospital da Beneficente Portuguesa. A etapa de coleta de dados reuniu documentos fotográficos do nosocômio em estudo a partir da visita in loco e busca por registros antigos, seguindo para a caracterização estética desses interiores. Estes dados foram analisados à luz dos estudos teóricos acerca da ambientação eclética.

3.      A pesquisa desenvolveu-se segundo dois recortes temporais: a configuração definida pelas imagens antigas do Hospital, datadas dos anos 1970 do século XX e anteriores, e a ambientação contemporânea, identificada em fotografias atuais dos ambientes do Hospital, sendo realizado o estudo de interior eclético com base no livro de Marize Malta (2011), O Olhar Decorativo: ambientes domésticos em fins do século XIX. Paulo Knauss, orientador da tese de Malta, explica que a obra da investigadora vai além de uma história de móveis ou de decorações, e sim tem como objetivo o estudo das “[...] formas como os espaços interiores se organizam a partir dos modos de ver e práticas de olhar” (KNAUSS in MALTA, 2011. p.13), buscando assim ver a decoração não só como um complemento arquitetônico, mas também como um elemento que constrói ambientes.

4.      De modo mais específico, a pesquisa busca achar o significado por trás da decoração, afirmando que “o ato de decorar pode ser então definido como processo de significação” (KNAUSS in MALTA, 2011. p.13). A pesquisa de Malta irá se estabelecer na cultura visual da sociedade de alto poder aquisitivo no Rio de Janeiro dentro do Segundo Reinado até o início da República - sendo esta época também analisada a partir de sua decoração oitocentista. Por focar nesta área, a abordagem da pesquisa é feita a partir do estudo das relações humanas com tais objetos, tomando estas experiências de contato um fato cultural local, e não de modo geral.

O Período da Belle Époque em Belém

5.      Para compreender o nascimento do Hospital e o uso de sua arquitetura, é necessário primeiramente entender o contexto histórico do século XIX e XX em Belém. Com a expansão da exploração gomífera, no final do século XIX, a cidade buscou se adaptar aos moldes burgueses vistos na França por meio do embelezamento urbano e a introdução de comodidades como iluminação a gás carbônico, serviço de bonde, rede parcial de água e esgoto, cabo submarino e telefone (DERENJI, 1987).

6.      Pela análise de Vidler (apud MIRANDA et al, 2015, p. 3), a cidade começou nos séculos XVIII e XIX a ser vista e estudada como um organismo “doente,” cuja cura seria obtida por meio de intervenções urbanas. No caso de Belém, as evidências da necessidade de medidas para a remodelação do espaço se revelaram a partir da intensificação no mercado de extração da borracha na segunda metade do século XIX. De acordo com Derenji (1987), a cidade, que teve o crescimento estagnado por 200 anos, sofreu grandes mudanças nos finais do século XIX sendo que, em um período de 20 anos, estima-se que a população belenense tenha se expandido em 150% - este adensamento chegou ao ponto dos recursos urbanos já existentes se mostrarem insuficientes para acolher os residentes.

7.      Neste cenário, surgem as Sociedades Portuguesas de Beneficência, criadas na segunda metade do século XIX como um meio de apoiar a imigração de portugueses para o Brasil, por meio de atividades educacionais, sociais, e da assistência hospitalar (MIRANDA; GODINHO, 2012). As Sociedades tinham ainda como notória característica sua forte devoção à monarquia portuguesa - algo evidente pela obrigatoriedade de se ter como padrinho das instituições algum monarca português. A Sociedade Beneficente no Pará, fundada em 8 de outubro de 1854, é analisada por Godinho e Miranda como uma ferramenta de auxílio aos seus associados, os quais deveriam apresentar os seguintes requisitos: “cidadão português no gozo de seus direitos, tivesse bom procedimento, residisse no Pará ou Amazonas, e ganhasse em emprego lícito a sua subsistência” (VIANNA apud MIRANDA; GODINHO, 2012. p. 4).

8.      Primeiramente, a Sociedade fundou sua sede no Largo das Mercês, em 15 de novembro de 1863, decidindo realizar o projeto de um hospital em 1867; em 31 de outubro do mesmo ano, data do aniversário do monarca Dom Luiz I, foi criada uma Enfermaria. Essa instalação foi chamada de Asilo Português da Infância Desvalida, tendo a intenção de “assegurar aos filhos de seus sócios falecidos em pobreza, os meios de subsistência, educação e instrução até a puberdade e proporciona-lhes uma profissão honesta” (VIANNA apud MIRANDA; GODINHO, 2012. p. 5). Em crise devido à epidemia de febre amarela em Belém, em 1871, o Asilo se mostrava incapaz de suprir a necessidade dos associados; a Sociedade então instala uma nova enfermaria na Rua Santo Antônio. A nova instalação de dois pavimentos ficou conhecida como Casa de Saúde da Real Sociedade Portuguesa Beneficente.

9.      Foi apenas em 1873 que surgiu a proposta de adquirir um novo terreno por parte do então presidente da Sociedade, Antônio Antunes Sobrinho; o lote de interesse se localizava na atual Avenida Generalíssimo Deodoro, sendo uma área ventilada, pouco habitada, sem edificações e com a possibilidade de ampliação a posteriori. Nessa extensão, tinha-se o propósito de construir um hospital para atender os associados - um projeto que iniciou sua execução no dia 31 de outubro de 1874, quando foi colocada a pedra fundamental do Hospital. Acatando o projeto do arquiteto Frederico José Branco, o edifício foi projetado de acordo com os padrões higiênicos em vigor, descrito como “[...] edifício amplo, com boa insolação e luminosidade, sendo bastante ventilado e arejado, condições essenciais para evitar as possíveis insalubridades produzidas pelas águas e pela umidade abundantes em Belém” (MIRANDA; GODINHO, 2012. p. 6). Por meio de diversas doações, o Hospital Dom Luiz I foi inaugurado em 29 de abril de 1877.

10.    A partir da análise da obra do pintor italiano Leon Righini [Figura 1], vê-se o corpo central do hospital dividido em dois pavimentos com frontão curvilíneo e os corpos laterais sendo térreos e simétricos. O prédio tem até tempos hodiernos a função hospitalar, porém sua arquitetura mudou: como resultado de uma reforma perpetrada no século XX, Miranda e Godinho (2012, p.2) apontam como as principais mudanças estruturais a adição de um segundo pavimento nos corpos laterais e o estabelecimento de um prédio adjacente destinado a abrigar a Maternidade D. Luiz I - que manteve as mesmas linhas classicistas do prédio principal [Figura 2].

Ecletismo

11.    A partir de uma reavaliação crítica geral, na segunda metade do século XX, os estudiosos da Arquitetura passam a valorizar o neoclassicismo e o ecletismo, ensejando pesquisas específicas acerca da aplicação em diferentes localizações, sobre arquitetos e aspectos determinados. Na Europa, dois fatores estimularam a busca destas informações: o grande aumento de interesse na problemática de restauração patrimonial no século XIX e a crise urbanística gerada pelo Movimento Moderno, “que levou a uma revisão dos princípios desta disciplina e a uma reflexão crítica, em cujo alicerce se encontram, exatamente, a cultura e a cidade do século passado” (PATTETA, 1987, p. 10).

12.    A discriminação estabelecida pelos Modernistas foi reconsiderada devido ao resultado de produções arquitetônicas, as quais geraram a admissão de termos como clássico e romântico, a investigação do conceito de imitação - relativa a todos os períodos - nas avaliações críticas, evidenciando um diálogo frequente entre a arquitetura e razões éticas, políticas e sociais.

13.    Os aspectos políticos do Ecletismo se classificam pela análise da sociedade burguesa na arquitetura do período - uma vez que, sendo a única classe com poder aquisitivo para desfrutar de suntuosidades arquitetônicas, esta usava a Arquitetura para denotar poder social, econômico e político. Luciano Patteta levanta a pergunta acerca das semelhanças entre Ecletismo e o Revivalismo, movimento que busca reviver o passado, similitude essa ainda mais evidente ao se considerar os aspectos extra disciplinares. As obras revivalistas são concomitantes com o “estilo nacional,” valorizador de aspectos patriótico e de elementos culturais próprios. Porém, durante o período em questão, a arquitetura não foi homogênea, pois demonstra diferentes manifestações e direções, muitas vezes discrepantes e contraditórias, e sendo, na análise de Patteta (1987, p. 12), a confirmação de uma inquietude intelectual “a tal ponto de se mostrar como um período fragmentário, mais condizente com as pesquisas cognoscitivas que aceitam, exatamente, essa fragmentariedade característica e aprofundam-na.”

14.    Estes fragmentos compuseram a análise do Ecletismo pela linearidade do pensamento da burguesia da época - do Iluminismo à Belle Époque. Deste modo, foi a partir da iniciativa e desejo por progresso da classe burguesa que inovações surgiram no campo da arquitetura. A partir dessas exigências, os arquitetos buscaram “uma arquitetura sem grandes tensões espirituais, não autônoma, mas participante e comprometida até o próprio sacrifício” (PATETTA, 1987, p. 14).

15.    A partir destes princípios ideológicos, foram geradas três correntes principais: a da composição estilística, baseada na adoção de um estilo arquitetônico único; a do historicismo tipológico, que vincula estilo ao caráter do edifício; e a dos pastiches compositivos que adotam soluções mistas (PATETTA, 1987).

16.    Quanto ao século XIX, Patetta aponta questões caracterizadoras da arquitetura desta época, dentre as quais se destaca a cópia de monumentos antigos - que se afastavam do original e produziam simulacros. No final de 1700, surge na Inglaterra estudos histórico-topográficos visando a reconstituição de um espaço medieval. Estas pesquisas são vistas pelo autor como uma mudança dentro das pesquisas históricas, uma vez que, para o estudo, era necessário iniciar uma nova pesquisa arqueológica: era necessário “adotar ex-novo o método de confronto com outras construções mais ou menos contemporâneas da mesma região, reencontrar os arquétipos, reconstituir as relações e as influências de outras regiões ou áreas culturais” (PATETTA, 1987, p. 16). Para isto, se tornou imprescindível a análise do edifício além de sua tipologia, analisando seus materiais, técnicas construtivas e decoração – a qual, apresentando diversas divergências com as obras renascentistas e clássicas, teve grande influência do neogótico, principalmente após 1830, quando mais se produziu estudos sobre a Idade Média.

17.    O desenvolvimento do estuque está ligado à história das artes nos meios construtivos. Nos tempos antigos, o estuque era utilizado pelos egípcios em cerca de 2000 a. C. devido à técnica do escoado em gesso, posteriormente se difundindo nas civilizações do Mediterrâneo, mas obtendo o seu grande impulso entre Grécia e Roma, onde o estuque se aprimorou e se espalhou por toda a extensão do Império Romano (FIGUEIREDO, 2008). No ecletismo, houve a introdução de novos materiais na confecção do estuque como “o pó de mármore, a cal, o gesso, areia bem fina, pigmentos naturais e o uso do cimento tipo Portland, a partir do século XIX” (MASCARENHAS, 2007, p. 2). No Brasil, o ecletismo se caracterizou pelo uso exagerado de ornamentos nas fachadas.

18.    Rozisky et al. (2014) fazem pesquisa do estuque na cidade Pelotas, no Rio Grande do Sul, uma vez que nesta é notório o uso do estilo eclético historicista nas ornamentações dos edifícios. Deste modo, o estuque era amplamente utilizado na composição de construções; mesmo possuindo significados muito amplos devido a sua diversidade de técnicas, proporções de materiais, composição e nomenclatura. Entre as várias modalidades de estuque existente, os autores citam a massa usada:

19.                                  [...] para revestir paredes e forros de interiores, como material de vedação, preenchendo superfícies com estrutura de armação em madeira ou ainda tela metálica, bem como os estuques decorativos em relevos, lisos polidos e para pinturas a fresco, fingidos imitando mármore, ou, ainda, em estêncil. (ROZISKY et al, 2014, p. 137)

20.    Esta arte em relevo e os fingidos de mármore lisos lustrados eram comumente usados na decoração de interiores eclética em Pelotas, edificadas entre 1870 e 1931. A ornamentação eclética era definida pelos elementos funcionais proveninetes da relação interoceânica com a Europa. Em Pelotas, o estuque em relevo era a técnica usada para expressar simbologias, sendo então sujeito de uma análise iconológica. Os forros internos, por exemplo, eram decorados de acordo com a função do ambiente, tendo seu requinte relacionado ao proprietário e ao seu prestígio social, econômico e político.

21.    Em Pelotas, raros são os exemplos de estuque artístico modelado à mão: os forros têm suporte em barrotes com apoios nas paredes, onde se fixam as ripas trapezoidais, usados para sustentar a argamassa na qual a decoração se fixa. Os forros vistos em Pelotas são “cópias de gesso feitas através de moldes e fixadas à estrutura do forro” (ROZISKY et al, 2014, p. 143).

22.    No século XIX, o uso do estuque dentro do ecletismo se mostrou no Brasil principalmente por meio das fachadas ornamentadas. Em Belém, o eclético teve seu auge entre 1870 1920, período no qual o Hospital da Beneficente Portuguesa foi inaugurado. Apesar de o último possuir características do Classicismo Imperial, seus interiores são primorosamente ornamentados, evidenciando a necessidade de preservar este patrimônio.

A ambientação do Hospital D. Luiz I: ontem e hoje

23.    As imagens referentes à história antiga do hospital foram retiradas do livro Benemérita Sociedade Beneficente do Pará (2011), escrito com o objetivo de fazer um apanhado geral da trajetória do Hospital desde 1854 até 2010. A análise das imagens evidencia o modo de vida da época e a relação dos pacientes com o espaço, além de sua caracterização estética apontar sua vinculação com o modelo arquitetônico do período. A partir das plantas desenvolvidas pela arquiteta Aline Gomes, em 2009 [Figura 3 e Figura 4], é possível relacionar os ambientes vistos nas imagens antigas com a formatação atual do Hospital da Beneficente Portuguesa e suas alterações (FIGUEIREDO, 2015).

24.    Malta especifica o método de abordagem como aquele que permita a definição mais ampla possível da cultura visual, entendida como “tudo aquilo que for visual produzido, interpretado ou criado por humanos, que tem, ou é dada, intenção funcional, comunicativa e/ou estética” (BARNARD apud MALTA, 2011. p. 20). Estes mobiliários, ao serem colocados na ótica da cultura visual, deixam de ser simples documento de uma época e se tornam um elemento ressuscitador do passado, nas palavras da autora, “[...] caprichosamente enfeitado, destacadamente posicionado, desafia tempo, natureza e geografia” (MALTA, 2011, p. 20). Malta tem assim a intenção de não analisar o objeto pelo objeto - como a análise de seu estilo - e sim estudar seu uso dentro dos espaços e sendo utilizados pelos seres humanos. No caso da Beneficente, tal investigação é diferenciada por não se tratar apenas de um ambiente de luxo para a população da alta sociedade, como os espaços estudados por Malta, mas sim para uma população oscilante entre membros de alto poder aquisitivo e membros menos favorecidos, segregados em sua acomodação no Hospital com os primeiros em quartos individuais e os segundos em enfermarias comuns.

25.    O livro História da Benemérita Sociedade Portuguesa Beneficente (1974) cita os ambientes edificados até o ano de sua publicação, tendo na Seção Masculina 16 apartamentos, 37 quartos e 73 leitos em enfermarias; divididos em oito espaços: Salão Gilberto Moreira, Apartamento de Isolamento, Ala Joaquim Vitorino, Ala Julio Barbosa, Enfermaria Bocage, Enfermaria Camões, Enfermaria Camões Térreos e Enfermaria N.S. da Conceição. A Seção Feminina, por sua vez, apresentava um número consideravelmente menor de ambientes: 10 apartamentos, 25 quartos e 30 enfermarias, localizados no Salão, Ala, Enfermaria Felipe Vilhena, Clínica Pediátrica e Cirurgia Pediátrica; além da Maternidade, que possuía 26 apartamentos, 19 quartos e 4 enfermarias. Em conjunto com o Recreio Santo Antônio, no andar térreo, o Hospital totaliza 253 ambientes – distribuídos ao longo de seus até então três pavimentos. De modo geral, o mobiliário destes espaços possuía majoritariamente características do Estilo Vitoriano, os quais “têm em geral uma estrutura simples e um aspecto maciço” (MONTENEGRO, 1995, p.142).

26.    A partir das plantas-baixas da Figura 3 e Figura 4 do edifício atual, destacamos em cores os ambientes escolhidos para análise, tendo em conta as imagens antigas disponíveis.

27.    A caracterização do Hospital se inicia pelo Salão Gilberto Moreira no primeiro pavimento [Figura 5], onde hoje se localiza a capela e enfermarias, apresentando o assoalho em acapu e pau amarelo, sem a presença de uma passadeira. O Salão é localizado em frente à entrada principal do edifício, sendo possível ver doze portas na imagem, coroadas por quadros - possivelmente retratos dos membros da diretoria. Há a presença de dois lustres decorados pendendo do teto, o qual é executado em madeira com o encaixe saia e camisa, possuindo uma decoração no forro nos pontos de onde os lustres se originam.
Na fotografia antiga do ambiente, é notória a presença de bancos de madeira e vegetação ao redor da sala, podendo ser feita a relação destes elementos com os princípios da arquitetura pavilhonar que nortearam a construção do Hospital no período. De acordo com Costa (2011, p. 58), esta arquitetura “buscava reproduzir um ambiente familiar, expresso por um ‘aspecto rústico’, ‘de casas comuns’.” Os fundamentos de manter o ambiente aerado e bem iluminado se evidenciam na Beneficente Portuguesa pelo número de janelas e portas presentes nos ambientes, sendo ainda auxiliadas pela bandeira na parte superior destas.

28.    Como destacado em verde na planta da Figura 3, o Salão Gilberto Moreira pode ser dividido em dois setores: o primeiro permitindo o acesso às antigas enfermarias Camões e Bocage e ao térreo, possuindo três altos vãos em arco pleno e bandeiras em vidro - vistos também na fotografia antiga, localizada no segundo setor; este, por sua vez, daria acesso a alas e enfermarias cujos nomes, de acordo com Figueiredo (2015), homenageiam antigos membro da Sociedade Benemérita.

29.    A comparação de uma foto recente com a imagem publicada no livro comemorativo de 2011 evidencia alterações feitas no Hospital. Na foto contemporânea [Figura 6], nota-se o assoalho, antes executado em um padrão único - em ripas de acapu e pau amarelo intercaladas -, que apresenta uma moldura em suas laterais lembrando grafismos indígenas, com tábuas em madeira formando desenho diagonal. Houve também mudanças em seu forro, que expõe agora um centro em ripas brancas de madeira (maiores que as ripas da imagem antiga), guarnecido por uma moldura lisa de mesma cor. Em sua parede, há uma barra de madeira com seis fileiras de pequenos quadrados, um padrão visto também nas portas. Ademais, também foram alteradas as bandeiras das portas, que possuem atualmente apenas uma linha de divisão em seu centro.

30.    No piso do Salão Gilberto Moreira, destaca-se um símbolo que representa a Beneficente Portuguesa: duas mãos entrelaçadas, as quais indicam, de acordo com Figueiredo (2015), mãos que se juntam para cumprir seu compromisso filantrópico [Figura 7]. No interior do Hospital, este símbolo se faz presente também no pavimento térreo, em frente à escada que conduz ao Salão Gilberto Moreira [Figura 8]. 

31.    Em outra imagem de época que representa uma enfermaria do setor masculino [Figura 9] - possivelmente localizada na Enfermaria Camões ou Enfermaria Bocage - é possível ver o assoalho de acapu e pau amarelo, com uma passadeira de mesmo material em padrão ziguezague. O forro é, provavelmente, de gesso; porém, devido à falta de definição da imagem, não é possível reconhecer se há elementos decorativos neste e nas paredes, apesar de aparentarem possuir moldura de forro. Destacam-se as aberturas de sete janelas, simétricas e ritmadas. O mobiliário também aparenta ser de madeira, sendo possível observar quinze cadeiras espalhadas ao redor do ambiente, com uma mesinha de centro posicionada na passadeira.

32.    A Enfermaria da Paz, edificada em 1923, possui o nome em comemoração ao fim da Primeira Guerra Mundial em 1918, se caracterizando por ser uma enfermaria de luxo. De acordo com Brito (apud FIGUEIREDO, 2015), essa enfermaria foi construída acima da Enfermaria Bocage. Como apontado no livro História da Benemérita Sociedade Portuguesa Beneficente (1974, p. 188),

33.                                  Os saldos dos festejos de Armistício, na importância de 9:201$160 foi entregue a Sociedade para a construção de uma enfermaria para as mulheres, denominada da ‘Paz’. Ficou decidido então, para maior proveito desse auxílio, o levantamento de corpos laterais do edifício, na frente, sobre as enfermarias ‘Camões’ e ‘Bocage’ com o fim de estabelecer sobre a primeira ampla maternidade e sobre a segunda quartos para clínica geral e a mencionada ‘Enfermaria da Paz’.

34.    Foi, então, a partir da edificação da ala na qual se localiza a enfermaria que o Hospital passou a não mais recusar o atendimento de senhoras enfermas - muitas vezes devido à falta de espaço para ampará-las. O aposento da imagem “Um quarto da secção de senhoras” [Figura 10] possivelmente se localizava nesta área, se caracterizando por ser um espaço de luxo - em sua lateral há a presença de uma cama com mosquiteiro em tecido rendado, com roupa de cama branca decoradas com renda em sua borda. Como em todo o hospital, também é presente o assoalho em acapu e pau-amarelo, porém apresentando um barramento nas paredes, em tom escuro, que pode ser um revestimento em madeira ou pintura na tonalidade mais escura. Apresenta um mobiliário em madeira de características simples, porém elegantes; são mostrados na imagem um criado mudo, uma cadeira de balanço estufada com semelhanças ao estilo Sheraton e uma penteadeira de espelho fixo e tampa de mármore com características relacionadas ao estilo posterior ao Estilo Vitoriano, o Art Nouveau, como indica a forma vista na decoração do espelho.

35.    O Refeitório Masculino [Figura 11], ambiente hoje inexistente, possivelmente se localizava próximo às enfermarias Camões e Bocage, apresentando uma comprida mesa de jantar com 22 cadeiras ao seu redor, conforme se vê na foto de época. Próximo à cabeceira da mesa, há uma cristaleira de madeira junto à parede, na qual é possível observar ser bem decorada, com semelhanças ao Estilo Vitoriano. Há diferenças entre as cadeiras, à esquerda com estilo chaise volante enquanto os outros assentos não possuem uma decoração superior, podendo ser feita também a ligação com o estilo italiano Chiavari. Um ponto importante a ser observado neste ambiente é a decoração de estuque em relevo em sua parede. Como em outras áreas do Hospital, o assoalho é feito em acapu e pau amarelo. Na foto é ainda possível observar três vãos em arcos plenos com portas em duas folhas e bandeira.  

36.    Já o Salão Felippa Vilhena sofreu poucas alterações em seu todo em relação à fotografia antiga [Figura 12], possuindo ainda vão altos com bandeira em sua extensão, além da conexão com o Salão D. Luiz I por três vãos em arco pleno [Figura 13]. Seu forro, anteriormente de madeira, foi substituído e, assim como em todo o hospital, seu mobiliário foi totalmente trocado por peças mais modernas. É possível identificar na imagem mais antiga uma mesa quadrada com cadeiras no centro do corredor e cadeiras nas paredes laterais; no entanto, pela falta de nitidez na imagem, não é possível confirmar o estilo do mobiliário, apenas a semelhança dos assentos com o chamado estilo manuelino.

37.    De acordo com Pancrácio (2012), há uma revolução no pensamento clínico com o surgimento das orientações anatomo-clínica e fisiopatológica na primeira metade do séc. XIX. Deste modo, Cirurgia e Fisiologia evoluem devido ao progresso do conhecimento e a anatomia provindo do crescimento de pesquisas na área. Com as propostas higienistas manifestadas no modelo de construção do hospital, este apresenta uma sala dedicada à assepsia, na qual vê-se tambores de metal armazenando água. Em outra imagem, é possível observar os instrumentos usados nas operações deste período [Figura 14]. 

38.    A hidroterapia é um recurso terapêutico antigo que utiliza água principalmente para o alívio de dores e tratamento musculares, sendo institucionalizado no Brasil durante o século XIX. Uma vez que tal método foi trazido ao país pela corte portuguesa, era visto como uma técnica nobre. Deste modo a inauguração em 1906 do Hidroterápico da Beneficente Portuguesa representa uma inovação em Belém. No entanto, este apresentou muitos problemas, iniciando o ano de sua inauguração com um déficit de 8.759$000 e sendo destruído por um incêndio em 1981.

39.    Nas imagens antigas, devido sua baixa qualidade, não foi possível identificar o material e os ornamentos nos forros do Hospital. Contudo, em imagens atuais, nota-se que o forro do Salão Nobre é executado em estuque, com ornamentação em motivos fitomorfos, podendo ser vistos com clareza nas imagens do Salão D. Luiz I. Os desenhos são formados por folhas de acanto, com pequenas flores entre elas, também utilizando muito de molduras entre os desenhos [Figura 15]. Além destes, o forro possui o escudo da coroa portuguesa ao centro da sala: no interior de um emblema, ele é cercado por folhas de acanto, pendendo um lustre de seu ponto central [Figura 16 e Figura 17]. 

40.    A capela da Beneficente Portuguesa tem uma dimensão pequena, em formato retangular e dividida apenas em nave e presbitério. Este último é o local no qual localiza-se o altar-mor, onde há um retábulo com mesa eucarística em mármore, decorada em dourado e apoiada por colunas geminadas, apresentando um pequeno sacrário. De acordo com Sudani (2017), toda área que é vista pelo público é de mármore, mas a parte anterior é de concreto, sendo utilizada a técnica de fingido - composta pela imitação dos veios do mármore - na mesma cor deste. O ambiente do altar-mor da capela tem forma de abside [Figura 18], no qual possível notar dois nichos ogivais que abrigam as imagens do Sagrado Coração e de Sant’Ana mestra -  estando no centro do altar a imagem de Nossa Senhora da Conceição. O arco cruzeiro do altar é cercado por um friso de folhas de acanto dourado, terminando em pilastras com de capitel coríntio.

41.    O teto desta capela possui duas alturas diferentes: na parte correspondente ao coro, possui a forma de abóbada de berço com pintura na cor azul céu; acima da nave, o teto segue plano até o arco cruzeiro do altar-mor. Na capela, há um total de cinco vitrais decorados, todos em arco de volta inteira e possuindo uma moldura de fingido verde. Quatro destes possuem vitrais decorados com motivos florais, sendo o localizado em frente ao coro decorado com uma representação de Sant’Ana, vestida com túnica vinho e verde [Figura 19], cores que representam, no catolicismo, respectivamente, o sangue de Cristo e a esperança de vida eterna.

A difícil preservação dos interiores ecléticos

42.    O Hospital da Beneficente Portuguesa se encontra atualmente em um bom estado de conservação, devido os constantes reparos e repinturas, internas e externas. Porém pouco manteve de seu mobiliário original, sendo prejudicada, portanto, a compreensão dos interiores como ecléticos uma vez que não há o diálogo entre a ambiência e os elementos modernos dos novos móveis.  Percebe-se, contudo, que a estucagem que se integra às paredes e tetos dos ambientes internos compõe o ecletismo dos prédios tanto pelo material quanto pela técnica e o nível de detalhamento dos exemplares. Deste modo, a identidade eclética do ambiente hodierno não se encontra na configuração estética dos mobiliários, mas sim no estuque decorativo, que mantém a historicidade do edifício.

43.    A comparação entre a iconografia antiga e atual evidencia as diversas alterações realizadas no hospital da Beneficente Portuguesa, as quais visaram a modernização em detrimento da preservação patrimonial. O caráter eminentemente utilitário dos edifícios da saúde, aliado às constantes e significativas mudanças nas tecnologias de diagnóstico e aos novos preceitos sanitários e de segurança implicam em mudanças extremas impostas a estes edifícios. No Hospital D. Luiz I, podemos referir a exigência do Corpo de Bombeiros que resultou na instalação de uma escada metálica de dois lances no centro de um dos salões e na perda de sua amplitude, bem como a retirada de mobiliário de época da Farmácia por determinação da Vigilância Sanitária. Ademais, os gostos e hábitos da sociedade atual, bem como a ampliação do público que utiliza os serviços do hospital implicaram na simplificação de suas instalações, retirando elementos mais frágeis e mobiliário que implicasse em difícil higienização, como madeiras e fibras.

44.    Contudo, tais indicadores não são absolutos e condizem com critérios ditados pela sociedade. Hospitais em Portugal, tendo como exemplo o Hospital de Santo António pertencente a Misericórdia do Porto, transformaram a antiga farmácia em local de visitação e todo o hospital pode ser percorrido com monitoramento de uma museóloga, no qual se pode admirar obras de arte contemporânea e vitrines com instrumentos e equipamentos de época, que auxiliam a narrar a história do hospital.

45.    A partir desta análise, as transformações realizadas nos espaços estudados não tratam apenas de mudanças físicas, como também da perda de registros e memória de seu período. Deste modo, é necessário evidenciar a relevância da manutenção da identidade cultural belenense presente nos interiores dos nosocômios, buscando evitar que mais reminiscências sejam perdidas.

Referências bibliográficas

AFFONSO, Lilia (coord.). Benemérita Sociedade Portuguesa Beneficente do Pará. 1954-2010. Belém: Benemérita Sociedade Beneficente do Pará, 2011.

BENEMÉRITA SOCIEDADE PORTUGUESA BENEFICENTE DO PARÁ. História da Benemérita Sociedade Beneficente do Pará. Belém: Benemérita Sociedade Beneficente do Pará, 1974.

CORONA, Eduardo; LEMOS, Carlos A. C. Dicionário da Arquitetura Brasileira. São Paulo: EDART, 1972.

COSTA, Renato Gama-Rosa. Apontamentos para a arquitetura hospitalar no Brasil: entre o tradicional e o moderno. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.18, supl.1, dez.2011, p.53-66.

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FIGUEIREDO. Cibelly Alessandra Rodrigues. Hospital D. Luiz I da Benemérita Sociedade Portuguesa Beneficente do Pará como documento/monumento. Belém, 2015. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal do Pará, 2015. 

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* Trabalho desenvolvido com o apoio do Programa PIBIC/UFPA, integrando a pesquisa “Forros na Arquitetura hospitalar em Belém e Portugal: O estuque decorativo eclético.”

[1] Graduanda do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará. Bolsista PIBIC/UFPA. E-mail: anarodriguesfigueiredo@gmail.com

[2] Docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo/Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Pará. E-mail: cybelle@ufpa.br

[3] Docente da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Pará. E-mail: romarca@ufpa.br