RICCI, Claudia Thurler.
Imagens
e crônicas da arquitetura nas revistas ilustradas. 19&20, Rio de Janeiro, v. II, n. 1, jan. 2007.
Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/arte
decorativa/ad_arq_revistas.htm>.
* * *
Em inícios do século XX, a cidade do Rio de Janeiro passou por inúmeras
transformações que previam a reestruturação de seu espaço urbano e a
reformulação de sua arquitetura. São as reformas
idealizadas pelo Prefeito Pereiras Passos, que se inseriam em um amplo projeto
de civilização e modernização da sociedade brasileira e colocavam como questão
principal a necessidade de uma nova espacialidade, urbana e arquitetônica, que
reorganizasse a cidade não só fisicamente mas também simbolicamente.
Deseja-se apontar como, a partir da divulgação e consequentemente da
discussão das reformas empreendidas por Pereira Passos, as revistas ilustradas
passam a desempenhar uma importante função na construção de uma determinada
imagem de cidade. As inúmeras reportagens, fotográficas ou escritas, as
crônicas sobre a cidade e os artigos sobre novos edifícios que vão sendo
construídos ou reformados, acabam por instaurar uma espécie de diálogo com a
sociedade. O objetivo não era somente o de informar os leitores, mas
principalmente educar a população no “gosto pelas artes” e assim, dar
continuidade à reforma urbana de Pereira Passos ao torná-la não só uma
intervenção física mas também civilizadora ao operar
as mudanças no gosto e hábitos estéticos da população, conforme previa o Plano
de Melhoramentos do Prefeito.[2]
Se em princípios do século XX iniciou-se nas páginas destas revistas, de
forma acirrada, uma discussão sobre as reformas e as novas edificações que iam
sendo construídas na cidade, podemos afirmar que nas décadas seguintes,
publicações como Kosmos, A Renascença, Fon-Fon! O Malho e Selecta
acabam por se tornar as responsáveis pela divulgação e construção de uma
cultura arquitetônica no Brasil.[3]
Analisando a função “didática” desempenhada pelas revistas percebe-se a
presença de uma equação simples na qual, a qualidade de exemplaridade a que
seriam elevadas certas construções trataria de difundir, ou mais especificamente,
iniciar a população no cultivo do “bom gosto”. Os concursos, de maneira mais
direta, seguiam esta orientação. Amplamente manipulados pelo governo e com
grande divulgação na imprensa visavam, ao veicular estes novos tipos de
construção ao padrão de civilização e modernidade alcançados
por países “cultos”, seduzir o cidadão, convencendo-o a mudar seus hábitos,
principalmente os estéticos. Como primeiro passo para esta “sedução” cabe
citar, sem grande esforço, o Concurso para projetos de fachadas da Avenida
Central realizado em 1904, que tinha como principal pressuposto a lógica de
que era necessário educar a população nas “belas artes”, fazendo-a perceber, na
contraposição com as antigas formas construídas até então, as vantagens a serem
obtidas com a adoção de tais modelos, que neste caso vinham associados
certamente a adjetivos como “moderno”,
“civilizado” e “higiênico” entre outros. Este caráter
didático foi claramente explicitado na divulgação do concurso, cujas normas
deixavam claro que tais obras não seriam construídas, afirmando como sendo seu
principal objetivo a de que tais projetos “servissem de guia ou de modelo
às que deveriam ser feitas pelos proprietários e compradores de terrenos
daquela nova via pública [a Avenida Central]”.[4]
Em matéria intitulada “O Concurso Arquitetônico”, o Jornal do Brasil ao
comentar a exposição dos projetos das fachadas nos aponta para a vitória, mesmo
que ainda parcial, alcançada pelo Governo em sua campanha pela renovação arquitetônica
da cidade:
O sucesso da exposição foi muito além do que esperavam
os organizadores do concurso [...] Já os capitalistas
e o público em geral começam a convencer-se de que os edifícios da avenida
devem ter estética e devem dar testemunho público do
nosso adiantamento artístico e intelectual.[5]
Aprendendo com o sucesso alcançado pela exposição do Concurso para
projetos de fachadas, diversos outros concursos e prêmios se seguiram a
este, sempre apoiados na lógica de patrocinar e incentivar a
população a melhorar o aspecto das edificações por elas construídas ou mesmo
reformadas. É o caso do prêmio concedido pela prefeitura ao edifício de
propriedade do Sr. Coronel Benedito Bueno, construído na recém alargada Rua do
Sacramento, que segundo matéria publicada na revista O Malho, foi alvo
de grandes elogios, sendo portanto recomendada,
[...] pela correção de suas linhas, formando um conjunto simples e agradável e
por suas proporções arquitetônicas. É uma das construções que mais se adaptam à
solução do problema da higiene no Brasil. Seus longos janelões e as suas largas
portas principais, de 2,40m cada uma, produzem agradável bem estar pela
abundância de luz e ar, ao que obedecem todos os espaçosos cômodos de elevada
altura com finas pinturas.[6]
Contudo, a participação do governo na reorganização da paisagem carioca
não ficou restrita à promoção de concursos, mas também tomou para si a
responsabilidade de construir ou reformar antigos prédios com o objetivo de
adequá-los à nova imagem da capital republicana. Tais edifícios públicos
deveriam servir como modelo na medida em que iam sendo vinculados na imprensa e
vangloriados como exemplo de comodidade, modernidade e apuro estético.
Assim, também constam das páginas destes periódicos os projetos de
reformas, tão comuns neste período,[7]
que propõem a reordenação dos ambientes e das fachadas das edificações,
reestruturando-as simbólica e espacialmente segundo os preceitos ecléticos.
Como exemplo citamos o artigo sobre a reconstrução do Quartel General,
publicado na revista Kosmos, que instrui o
leitor sobre a presença de determinados elementos arquitetônicos, como as
“platibandas denticuladas à feição de seteiras”, que resulta do desejo de
imprimir ao prédio uma feição de fortificação, sendo o projeto
[...] calcado inteiramente sobre o primitivo plano, apenas embelezando o
conjunto com outras proporções, procurando dar uma certa
imponência, a par de comodidades, à sede da alta administração militar. [...] A primitiva monotonia de um
parâmetro longo, corrido, completamente desordenado, cheio de vãos sem arte e
desgracioso, será quebrado pela intercalação de dois torreões no centro.[8]
Ao apresentar o projeto a revista esclarece o porquê da adoção do estilo
e informa sobre os princípios que guiaram a reforma, justificando tais
intervenções e tornando o leitor apto a participar da discussão sobre as
edificações que vão sendo construídas. Ou seja, faz com que o leitor seja
cooptado na defesa da reestruturação da cidade e consequentemente compartilhe
deste processo, ao perceber como tais intervenções reestruturam a paisagem da
cidade e a tornam mais moderna e civilizada, em contraposição as antigas
edificações coloniais, duramente criticadas neste período.[9]
Tal abordagem também está presente na construção de novas instalações,
como no caso do projeto de Heitor de Mello
para o Quartel do Batalhão Naval. O artigo, ilustrado com “uma bela fotografia
da interessante construção de estilo militar, que dominando os altos da ilha
recorta o céu com sua silhueta endentada” [Figura 1],
nos informa sobre a correção de suas linhas arquitetônicas e estilo escolhido
pelo autor, “tudor-renascimento
inglês”, o mais apropriado para construções militares. A qualidade da obra
resulta da propriedade do arquiteto em seguir os preceitos de uma boa
disposição espacial e apuro no estilo escolhido, apontando para o fato de que
“pode-se considerar a caserna naval modelo
no gênero”.[10]
Desta forma, as revistas ilustradas vão compondo uma imagem de
modernidade e civilização ao descrever as novas construções que vão povoando a
cidade, instruindo e consequentemente seduzindo a população para o aspecto
simbólico que as mesmas buscavam representar. Exemplo ímpar deste tipo de
abordagem foram as reportagens sobre o Pavilhão do
Brasil na Exposição de St. Louis, posteriormente reconstruído no Rio de
Janeiro, recebendo a denominação de Palácio Monroe [Figura
2]. Ao apresentar este projeto o cronista nos leva a crer que a
arquitetura eclética cumpre de forma modelar sua função de traduzir os ideais
republicanos de modernidade e civilização, principalmente porque através das
formas do edifício poderia representar o progresso alcançado pela nação
brasileira.[11]
Este discurso é claramente expresso quando se trata de justificar o
estilo e os elementos ornamentais escolhidos pelo autor do projeto, Coronel
Engenheiro Francisco de Souza Aguiar, para a construção do Pavilhão. Em uma
entrevista, o engenheiro busca frisar o caráter de construção simbólica da qual
se vale esta obra arquitetônica, que deveria “representar o Brasil frente às
nações civilizadas”, cabendo-lhe portanto expor “nossa
prosperidade e desenvolvimento, nosso justo orgulho”.[12]
No edifício, que “no conjunto arquitetônico lembra o renascimento francês”, as
armas do Brasil representam papel importante na ornamentação, e por toda parte
encontra-se o emblema da República, além de escudos nos quais se lê os nomes
dos estados do Brasil e da Capital Federal. Segundo crônica do período, “Parece
ser ideia do Coronel, ao inscrever aqueles nomes, torná-los conhecidos dos
milhares de pessoas que visitem o edifício, além de decorativo, instrutivo”.[13]
Portanto cabe refletir sobre esta função simbólica que era atribuído à
arquitetura neste momento, em seu sentido político e estético de caráter
didático.
Entretanto tamanha era a referência aos mais variados estilos que eram
utilizados nas novas edificações que foi também necessário que as revistas
cumprissem a função de instruir o leitor sobre a história da arquitetura, fosse
ela ocidental ou oriental, tornando claro desta forma uma
certa confusão que deveria povoar a mente dos leitores. Surgem então
colunas que se detém na explicação dos diversos estilos históricos, dissertando
sobre seu surgimento e suas principais características ornamentais, entremeados
por exemplos ou citações acerca da utilização das linguagens plásticas do
passado na construção de um novo estilo arquitetônico. A série publicada por A.
de Lima Campos na revista Kosmos, denominada
“Estilos em Arquitetura”, é um claro exemplo da tentativa de instruir o leitor
sobre os estilos do passado e também de colocá-lo a par dos novos usos das
linguagens plásticas nas construções atuais, evitando assim equívocos na sua
utilização. Após uma longa explicação sobre o surgimento do “Estilo Grego” Lima
Campos inicia uma “aula” na qual é dado ao leitor ensinamentos e conselhos
básicos para lidar com os elementos arquitetônicos e inclusive saber onde
melhor aplicá-los:
Modernamente
os arquitetos admitem apenas três ordens de colunas: a dórica, a jônica e a
coríntia. A toscana está caindo em desuso e a compósita raramente se emprega.
A característica
da ordem dórica é a simplicidade aliada à força e à solidez [...]
A ordem Jônica,
consubstanciando os ensinamentos de alegria e as manifestações egoístas da
vaidade feminina, acompanha quase sempre as cariátides
no conjunto harmônico das ornamentações, sua característica é o prazer. A
aplicação desta ordem predomina principalmente nos edifícios destinados a
teatros, cassinos, clubes e casas de banhos e em dependências de habitações
luxuosas.
A ordem coríntia resume o sublime nas ornamentações externas e internas,
sua característica é a elegância aliada à riqueza. O critério e o escrúpulo
deverão predominar na escolha e emprego dessa ordem, unicamente destinada às
construções grandiosas de apurado gosto, e que satisfaçam por completo a todas
as condições técnicas exigidas em construções arquitetônicas. Convém por isso
empregá-la o menos possível, dispensando-a sempre que a delicadeza do trabalho
e o apuro das construções não consigam sobrepujar o luxo pretensioso de
edificações pedantescas e ridículas.[14]
Assim, para além da vulgarização, da difusão de um conhecimento sobre a história
da arquitetura, as revistas ilustradas se tornam um local de discussão das
novas proposições estéticas. O interessante na matéria de Lima Campos é
exatamente o fato de que o autor trabalha a questão histórica e o uso “moderno”
das ordens arquitetônicas - quando e como usar - apontando para exemplos da boa
utilização do estilo grego. Em Paris o melhor exemplo de “utilização moderna”
seria o Louvre, e no Rio de Janeiro as “representações condignas” seriam as
fachadas da Academia de Belas Artes, do Museu Nacional e da Igreja do Carmo.
Mas este estilo, segundo o autor, está também presente nas construções
industriais, e justifica sua adoção ao estabelecer uma relação entre as linhas
retas do estilo grego, sua simplicidade e a classe trabalhadora.
Se o exemplo de Lima Campos nos fornece uma abordagem mais erudita, e
certamente mais utilitária e direta ao apontar inclusive a necessidade de
adaptação que os elementos arquitetônicos deveriam ser alvo, com o objetivo de
serem utilizados modernamente, o que vemos na verdade
é uma profusão de pequenos comentários, por vezes pequenas notas, que tem o
intuito de divulgar conhecimentos gerais sobre a arquitetura, afastando a
população da ignorância acerca das principais características dos mais variados
estilos que eram citados, mencionados e, é claro, utilizados nas novas
construções da cidade. Cabe às revistas ilustradas esclarecem, por exemplo, o
que seria o “Estilo Manuelino”, como foi feito na coluna “Block-Notes Mundial” da revista Fon-Fon!, que, em meio aos mais
variados assuntos mundanos a que se dedicava esta coluna, nos ensina:
O estilo manuelino é assim chamado por ter aparecido
no tempo de D. Manuel (1495-1521), é uma adaptação do estilo gótico, na sua
última maneira, com certas particularidades ornamentais, nascidas das
descobertas marítimas dos séculos XV e XVI, estilizações de cordoarias de naus,
a esfera armilar, a cruz da ordem de Cristo desenhada sobre as caravelas dos
navegantes do tempo e ainda alguns motivos de decoração inspirados pela flora e
pela fauna indianas.[15]
Os exemplos seriam inúmeros, cobrindo toda a história da arquitetura,
desde a egípcia até a renascentista, passando pelo gótico, barroco e o rococó.[16] Mas foram certamente tais reportagens
que possibilitaram a discussão sobre a boa ou má utilização de determinados
estilos, a exemplo da coluna “Norte-Americanas” de João do Norte. O cronista,
ao comentar os diferentes aspectos das cidades americanas, apreendidos sua
recente viagem aos Estados Unidos, aproveita para reclamar da má utilização do
estilo gótico na construção do edifício americano Woolworth
Building que, com seus cinquenta e dois andares,
havia sido construído em estilo gótico, o que para ele
era “uma perversão de gosto porque o gótico foi feito para exprimir o
sentimento geral e profundo duma época religiosa, não para enfeitar os
arranha-céus dum tempo comercial e materialista”.[17]
E continua o autor em sua crítica, ao reclamar sobre a “mania destas cópias”,
afirmando que em Boston existem nas ruas principais sobrados de vários andares
em estilo manuelino, “A arquitetura dos navegadores, das conquistas, das
aventuras, dos descobrimentos, cheia de cordames, de âncoras, e de esferas armilares,
[...] no meio do fundo das fábricas e do poeirado
asfalto. Um verdadeiro crime!”.[18]
Por vezes, as colunas se detém não na inadequação entre forma plástica e
função a que se destina o edifício mas, sobre a
utilização incorreta do estilo escolhido pelo projetista. É o caso do
comentário sobre a construção da catedral de São Paulo, que embora se valesse
das formas góticas, que conforme a lógica do período era a mais apropriada para
edificações religiosas, deixava muito a desejar por não possuir, segundo o
cronista, nenhuma das características fundamentais deste estilo. Inúmeros são
os “pecados” cometidos pelo autor do projeto e apontados na coluna:
Rodeei-a várias vezes, completamente tonto. Onde a
forma de cruz, plano simbólico sobre que repousa toda Igreja ogival? Onde as
proporções? [...] Onde a finesse das esculturas
e dos pormenores de ornamentação? [...] Que horror! Nem proporções, nem
forma, nem nada do estilo. Paredões de granito liso e triste. Nada de
arcobotantes. Ausência dos mais indispensáveis caracteres estilísticos do
gótico. Um pastiche de marca alemã, pesado, horrendo e contrário a todas as
regras da arte. [...] Estilo grótico! Lá isso
pode ser. É glória que ninguém lhe tira.[19]
Entretanto, se estas discussões sobre estilo forneciam um conhecimento
mais “erudito”, foram também publicados outros tipos de reportagens de caráter
mais pragmático, que buscavam instruir o leitor acerca da melhor forma de
construir sua casa, contribuindo assim para a melhoria do aspecto das
edificações da cidade. Sempre seguindo a lógica do estabelecimento dos modelos,
foram identificadas duas formas pelas quais tais publicações se valiam para
ministrar “doses de bom gosto” aos seus leitores. A primeira era a publicação
de residências tidas como exemplares, colocando-se em relevo a moderna
utilização dos estilos - ressaltando sempre a importância da escolha de um
estilo apropriado para cada tipo de construção -, a qualidade da espacialidade
decorrente da racional distribuição dos ambientes, as modernas instalações e,
consequentemente, o conforto por elas proporcionado. É o caso
da coluna “As Nossas Vivendas” que passa a ser publicada na Fon-Fon! a partir de
1912, [20]
com a apresentação da Residência do Sr. Comendador Augusto Monteiro Gallo, no Silvestre, com fotos do seu interior e exterior.
Ou mesmo a coluna “Vivendas Pitorescas”, publicada pela Revista Selecta, que trataria de apresentar os “tipos mais
modernos de casas, ‘bungalows’, vivendas de campo,
fachadas artísticas e uma infinidade de pequenos detalhes de interiores
artísticos e cômodos”, tudo isto é claro, como faz questão de frisar a publicação, “dirigido por um técnico”.[21]
A segunda forma refere-se à interessante publicação da coluna “Arte e
comodidade no lar da mulher elegante”, que abarca os mais diferentes assuntos,
desde riscos e bordados, até a melhor disposição do mobiliário no interior de
uma sala ou biblioteca, apontando sugestões de estilos de móveis ou até mesmo
modelos para a sua confecção por marceneiros. Mas, como o título mesmo da
coluna nos informa, visando fornecer elementos para que o lar da mulher
elegante seja contemplado pela “arte e comodidade”, a coluna dedica-se também a
fornecer exemplos de residências e de pequenas reformas, como na recomendação
abaixo sobre a construção de um jardim:
Aqui damos as fotografias das 2
partes do claustro secular, e se algum dos nossos patrícios tiver a requintada
ideia de reproduzir esses simples e lindos modelos góticos, basta dar ao seu
arquiteto uma página do nosso jornal e ele terá um caminho para fazer o
trabalho desejado. [...] Os interiores verdadeiramente artísticos são raríssimos entre nós. Vê-se
mais disparatadas mistura de estilos, o maior abuso de “Art
Nouveau”, e o uso de adornos por toda a parte.[22]
Desta forma, noções de bom gosto vão sendo ministradas aos leitores,
seguidas de conselhos, como o tão importante, ao nosso ver,
de entregar a fotografia do modelo a ser seguido nas mãos de um
profissional, o arquiteto, evitando-se cair no erro das “disparatadas misturas
de estilo” e garantindo, com certeza, ambientes artísticos de qualidade. Por
vezes o exemplo é de uma residência e a coluna oferece a perspectivas e plantas
de uma “casa original”, no caso geminada, para aqueles
que não desejam morar em apartamentos, mas querem dividir o custo da
construção. A casa em questão tem dois andares, como mostra a fotografia do
projeto, de autoria de Raymond Ellis, sendo sua “aparência agradável e as
comodidades incontestáveis”, além do preço ser reduzido. A colunista fornece os
mínimos detalhes para o bom andamento da construção, indicando como dispor a
casa no terreno, obtendo assim a melhor orientação, aconselha sobre os
materiais a serem usados em cada cômodo, e a forma mais correta de fazer-se os alicerces.[23]
Assim, o ecletismo vai se firmando como o estilo moderno e civilizado,
contando com o auxílio dos meios de divulgação que tratam de alçá-lo a este
patamar. E este fato decorre não somente das inúmeras colunas relativas à
divulgação de residências e comércios exemplares, mas a uma trama que, ao ser
composta por todos os fatores mostrados acima, objetiva criar um determinado
padrão de “bom gosto”, que ao se associar a quesito como modernidade
e civilização acaba por vingar como modelo hegemônico entre a elite
carioca.
Portanto, como se afirmou acima, a modernização da cidade, sua
remodelação urbana, e, em consequência, a inserção do país no rol das nações
civilizadas, pressupunha uma série de medidas difusoras e propagadoras do bom
gosto estético, com o claro objetivo de transformar usos e costumes da
sociedade brasileira que ainda não se encontravam em compasso com a
modernização do país. Se em alguns setores e instituições o progresso
intelectual e o elevado grau de cultura era percebido a “olhos nus”,[24] o mesmo não se poderia afirmar sobre o
aspecto da cidade, incapaz de simbolizar, os avanços do Brasil. Citando a tão
significativa frase de Francisco de Souza Aguiar, fazia-se necessário
“representar o Brasil frente às nações civilizadas”, e à arquitetura foi
designada a função de expor “nossa prosperidade e desenvolvimento, nosso justo
orgulho”.[25]
[1] O presente trabalho
expõe algumas das questões que venho desenvolvendo em minha tese de doutorado
sobre a arquitetura eclética no Rio de Janeiro, junto ao Programa de
Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
PPGHIS-IFCS/UFRJ. Agradeço ao CNPq e a Capes o apoio financeiro para o
desenvolvimento de minha pesquisa.
[2] Em seu plano de
melhoramentos Pereira Passos afirma que a reforma era uma das maneiras de
possibilitar o “despertar do gosto arquitetônico pois,
oferecendo às ruas largas e bem situadas uma renda compensadora aos prédios
nela edificados, os proprietários animar-se-ão a construí-los em melhores
condições”. Melhoramentos da Cidade projetados pelo prefeito do Distrito
Federal Dr. Francisco Pereira Passos. Rio de Janeiro: Gazeta de Notícias, 1903.
[3] A primeira revista
de arquitetura carioca foi lançada em 1921. Denominada Architetura no
Brasil, foi recebida com entusiasmo, como aponta a revista Fon-Fon: “De certo tempo a esta parte, felizmente, se
vem notando no nosso país um certo interesse pelas
questões de arquitetura. [...] A prova evidente desse movimento sintomático de
progresso, de cultura e podemos dize-lo - de nacionalismo é a bela revista
Architetura no Brasil que um grupo de jovens e futurosos arquitetos fundou no Rio de Janeiro”. Fon-Fon!, Rio de Janeiro, n. 48, 26 de novembro, 1921.
[4] Concurso de
fachadas. A Renascença, Rio de Janeiro, n. 2, abril, 1904. Grifo
meu.
[5] O Concurso
Arquitetônico. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 31 de março de 1904.
[6] Fachada do prédio
n. 62 da Avenida Passos, premiada pela prefeitura. O Malho, Rio de Janeiro,
14 de janeiro, 1905.
[7] No que se refere às
reformas de prédios públicos, tão constantes neste período citamos aqui a
discussão levantada por Adolfo
Morales de Los Rios, da qual trato em minha dissertação de mestrado. RICCI,
Claudia. Adolfo Morales de Los Rios: uma história escrita com pedras e
letras. Dissertação de Mestrado. PUC/RJ. 1996.
[8] Kosmos, Rio de Janeiro, n.9, setembro, 1905.
[9] Infelizmente não
podemos discutir aqui todas as questões implicadas no projeto civilizador e
modernizador presente nas revistas ilustradas. Portanto apontamos algumas
daquelas que discutimos mais detidamente em minha tese de doutorado: a maciça
campanha contra a arquitetura colonial, símbolo de atraso desleixo e
principalmente não higiênica, adjetivos que não ficaram restritos a arquitetura mas referiam-se também ao estado da cidade; a campanha
contra o mestre de obras, e a favor de uma atuação mais afeita aos modelos
técnicos e estéticos associados a um saber especializado, e consequentemente a
luta pelo espaço profissional do arquiteto.
[10] Reorganização
naval. Kosmos, Rio de Janeiro, n. 2,
fevereiro, 1909.
[11] CARVALHO, José Carlos de. Palácio da Educação. Kosmos,
Rio de Janeiro, n. 6, junho, 1904.
[12] Idem.
[13] Idem.
[14] LIMA CAMPOS, Arthur
de. Estilos em Arquitetura III - Estilo Grego. Kosmos,
Rio de Janeiro, n. 11, novembro, 1904. Na primeira, matéria Lima Campos
discorre sobre as primeiras construções edificadas pelo homem iniciando depois
uma explanação sobre o estilo egípcio, na segunda matéria o tema é a
arquitetura oriental.
[15] Block-Notes
Mundial. Fon-Fon!, Rio de Janeiro, n. 46, 13 de novembro, 1915.
[16] Na revista Fon-Fon! localizamos a publicação de
outras colunas referentes à arquitetura, como exemplo citamos a de 4 dezembro
de 1912, que trata especificamente do século XIV na França.
[17] Norte- Americanas. Fon-Fon!, Rio
de Janeiro, n. 2, agosto, 1919.
[18] Idem.
[19] Estilo grótico. Fon-Fon!, Rio de Janeiro, n.11, dezembro, 1920.
[20] Nossas Vivendas. Fon-Fon!, Rio
de Janeiro, n. 2, 13 de janeiro, 1912.
[21] Fon-Fon!, Rio de Janeiro, n. 13, 26 de
março, 1921.
[22] Arte e comodidade
no lar da mulher elegante. Fon-Fon!, Rio de Janeiro, n. 8, 24 de fevereiro,
1923. Importante mais uma vez assinalar a defesa, nas revistas ilustradas, do
arquiteto como único profissional capacitado a comandar o projeto arquitetônico
devido as suas capacidades técnicas e artísticas.
[23] Fon-Fon!, Rio de Janeiro, n. 12, 22 de
março 1924.
[24] Crônica. A
Renascença, Rio de Janeiro, abril, 1904.
[25] Citamos aqui a frase
do Coronel Francisco de Souza Aguiar, autor do Pavilhão do Brasil para a
Exposição de St. Louis, ao frisar o caráter de construção simbólica da qual se
valia esta obra arquitetônica. In: CARVALHO, José Carlos de. Palácio da
Educação. Kosmos, Rio de Janeiro, n. 6, junho,
1904.